Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/11.8T6AVR-D. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
INCIDENTE
RECURSO
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO - AVEIRO - INST. CENTRAL - 1ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Legislação Nacional: ART. 691 Nº2 B) E 1496 Nº2 CPC
Sumário: 1.Não cabe recurso de apelação autónoma da decisão ( interlocutória ) proferida no incidente de reclamação de bens, em processo de inventário.

2.A decisão só pode ser impugnada com o recurso que venha a ser interposto da sentença final.

Decisão Texto Integral:                                       
          É de considerar que:

1. No processo de inventário para partilha de bens comuns do casal de S (…) e L (…), apresentada a relação de bens pelo cabeça-de-casal LG (…) veio o interessado SC (…) apresentar reclamação, para exclusão de relacionamento de bens, por falta de relacionamento de bens e arguindo a inexactidão da mesma.

Tal reclamação foi julgada numa parte parcialmente procedente, noutra foram os interessados remetidos para os meios comuns, e noutra relegada tal matéria para a conferência de interessados.

A cabeça-de-casal interpôs recurso da decisão, quanto às referidas 2ª e 3ª partes. Recurso de apelação a subir de imediato, nos termos do art. 691º, nº 2, m), do CPC.

O interessado S (…) defendeu, nas contra-alegações, que a decisão proferida é interlocutória, pelo que o recurso a interpor apenas poderá ser apresentado com o recurso da sentença homologatória da partilha, como aponta nesse sentido o Ac. Rel. Coimbra de 8.3.2012, Proc.136/09.2TMCBR-B, disponível em www.dgsi.pt.   

Tal recurso foi admitido a subir imediatamente, nos termos do citado art. 691º, nº 2, não a coberto da m) mas sim da j).

Como a recorrente não teve oportunidade de responder sobre a inadmissibilidade imediata do recurso foi determinada a sua audição. A mesma pronunciou-se, pugnando pelo bem fundado do despacho de admissão de recurso.

2.1. Dispõe o nº 2 do art. 691º do CPC, que cabe recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância:

(…)

j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;

(…)

Após a reforma introduzida no regime de recursos em processo civil pelo DL 303/2007, de 24.8, passaram a coexistir dois regimes diversos relativamente ao momento de interposição: i) as decisões que põem termo ao processo e cada uma das tipificadas no nº 2 do art. 691º, que são passíveis de interposição imediata de recurso; ii) as restantes (excluídas do nº 1 e do nº 2 do citado art. 691º), que, independentemente da sua natureza apenas podem ser impugnadas com o recurso da decisão final (nº 3) ou, não havendo recurso, caso a impugnação revista interesse autónomo para a parte, em recurso a interpor depois do trânsito (nº 4).

Decorre do exposto que o legislador estabeleceu como regra geral, no que concerne às decisões interlocutórias, a sua impugnação com o recurso da decisão final, constituindo excepções, cada uma das alíneas do nº 2 do artigo 691º do CPC.

Defende, agora, a recorrente que o despacho em causa, que julgou improcedente o incidente de reclamação de bens no inventário, se integra na referida alínea j).

Abrantes Geraldes (Recursos em P. Civil, Novo Regime, 2ª Ed., no ponto 3. ao indicado artigo, pág. 188), chama a atenção para o facto de a previsão legal enunciada dever ser interpretada, com recurso ao elemento histórico extraído do anterior art. 739º, no sentido da conclusão de que apenas estão incluídos nesta alínea os “incidentes da instância” e não qualquer incidente processual, dando como exemplo, a intervenção de terceiros, e os embargos de terceiro.

Na óptica do autor citado, a interposição de recurso imediato apenas está previsto para a rejeição do incidente, já que os demais despachos ficam submetidos à regra geral sobre a impugnação das decisões intercalares, nos termos dos nº 3 e 4 do art. 691º do CPC.

Já no que respeita às decisões que põem termo aos incidentes, na perspectiva do mesmo autor, terão um âmbito mais vasto, na medida em que abarcarão também, além de outros, os de verificação do valor da causa, a falsidade ou a liquidação.

Também L. Freitas (CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 3. ao apontado artigo, pág. 81) opina que tal alínea se inspira no anterior regime de impugnação, por agravo, das decisões proferidas nos incidentes da instância, como estava previsto no revogado art. 739º do CPC.

Temos para nós, que é a solução correcta e a que foi consagrada pelo legislador. A não ser assim esvaziar-se-ia completamente o objectivo pretendido pelo legislador, com a introdução do novo regime de recurso das decisões interlocutórias, enunciado no preâmbulo do apontado DL 303/2007, que se transcreve parcialmente:

“(…) A presente reforma dos recursos cíveis é norteada por três objectivos fundamentais: simplificação, celeridade processual ….

Pretende-se, em primeiro lugar, simplificar profundamente o regime de recursos, cumprindo assinalar nesta matéria: (…) ii) a introdução da regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso que vier a ser interposto da decisão que põe termo ao processo, (…)

Esta simplificação permitirá significativos ganhos na celeridade processual, que constitui o segundo objectivo da presente reforma e que se visa, não apenas na fase de julgamento, como também na que decorre ainda perante o tribunal recorrido. São também evidentes a celeridade e a economia processuais que o novo regime de impugnação das decisões interlocutórias no recurso que venha a ser interposto da decisão final proporcionará à própria tramitação dos processos em 1.ª instância.”

Dúvidas não parecem restar, assim, de que o legislador quis introduzir uma regra geral, no que concerne à impugnação das decisões interlocutórias, que permite apenas as excepções enunciadas nas várias alíneas do nº 2 do art. 691º do CPC. Ora, a integrar-se no conceito de “incidente” enunciado na j), o despacho que põe termo a qualquer incidente processual (como o de reclamação de bens), ficaria irremediavelmente esvaziada a regra geral, na medida em que a indicada j), que é definida como excepção, passaria a ser regra.

Ou seja, a prevalecer a tese expendida no despacho de admissão do recurso e subscrita pela recorrente, integrar-se-ia na “excepção” da j), todo e qualquer incidente que qualquer parte suscitasse e a que fosse posto termo, o que em absoluto rejeitamos.

Poder-se-á discordar da opção legislativa, pois corre-se um sério risco de instrumentalização dos recursos, conforme justamente assinalado por Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 14), onde se refere que “ao abolir a possibilidade de recursos intercalares, o legislador acaba por colocar nas mãos da parte que discordar do resultado final, um importante instrumento cuja mobilização perversa pode redundar na ineficiência da tramitação anterior”. Foi, porém, uma opção deliberada do legislador, para garantir a almejada simplificação dos recursos e celeridade processual. 

Desta maneira, a norma a considerar é a estatuída no art. 1396º, nº 2, 2ª parte, do CPC, onde se dispõe que as decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha (neste sentido, embora com fundamentação ligeiramente diferente, pode ver-se o indicado acórdão desta Relação de 8.3.2012).  

2.2. Nem o recurso cabe na m) do citado 691º, nº 2, como defendido inicialmente pela recorrente. Com tal alínea o legislador abriu a possibilidade de interposição de recursos intercalares em situações em que a sujeição à regra geral implicaria a “absoluta inutilidade” de uma eventual decisão favorável obtida em sede de recurso.

O advérbio empregue “absolutamente” marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador, não bastando que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior já não tenha qualquer reflexo no resultado da acção (vide o citado autor, nota 3. ao art. 691º, pág. 192, e também L. Freitas, ob. cit., nota 3. ao apontado artigo, pág. 81).  

A este propósito é absolutamente pacífica a nossa jurisprudência – vide Ac. do STJ de 21.5.1997, BMJ 467, pág. 536, segundo o qual “a inutilidade …. há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso”, e o convergente Ac. desta Relação, de 14.1.2003, CJ, T. 1, pág. 10, de acordo com o qual, um recurso se torna absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar.

Conclui-se, pois, face à doutrina e jurisprudência invocada que a inutilidade “absoluta”, não se confunde com o risco de virem a ser anulados actos posteriores àquele que se impugna, caso venha a ser julgado procedente o recurso.

No nosso caso, se a final for interposto recurso pela recorrente da controvertida decisão, e ele for provido, o processado poderá ser anulado parcialmente, incluindo a sentença. Não há, por isso, qualquer inutilidade absoluta se o recurso apresentado pela interessada L (…) não for conhecido de imediato.     

Assim, a decisão recorrida é meramente interlocutória, não susceptível, por isso, de impugnação autónoma. Só podendo ser impugnada com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, ou, não havendo este recurso, depois da decisão final, nos termos do art. 691º, nº 3 e 4 do CPC.

2.3. Consequentemente, o recurso interposto pela recorrente não pode ser admitido, neste momento, como apelação autónoma, antes cabendo na previsão legal do nº 2, 2ª parte, do dito artigo 691º, não podendo por isso ser neste momento conhecido, como decorre dos arts. 700º, nº 1, b), e 704º, do CPC.

3. Decisão

Pelo exposto, não se admite o recurso interposto pela interessada LG (…)

*

     Coimbra, 11.11.2014

            Moreira do Carmo ( Relator )