Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/18.9T8MMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
CONFINÂNCIA
FACTOS CONSTITUTIVOS
ÓNUS DA PROVA
RECURSO
RENOVAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - M.-O-VELHO - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.342 Nº1, 1380 CC, LEI Nº 78/2001 DE 13/7, LEI Nº 54/2013 DE 31/7, ART.662 Nº2 A) CPC
Sumário: 1.- Na acção para o exercício do direito de preferência, com fundamento no art.1380 nº1 CC, compete ao autor a alegação e prova, como facto constitutivo do seu direito, que o réu adquirente não é proprietário de nenhum prédio confinante com aquele que foi vendido.

2.- Os recursos não se destinam a apreciar “questões novas”, de facto ou de direito, não suscitadas na decisão recorrida, limitando-se a reapreciar as concretas questões analisadas na decisão recorrida.

3.- A renovação da prova determinada pela Relação ao abrigo do art. 662.º, n.º 2, al. a), do CPC ( quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento) pressupõe que tenha havido gravação da prova em audiência, o que não sucede quando o julgamento é efectuado por Julgado de Paz.

Decisão Texto Integral:





            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A (…) e L (…)  intentaram acção de condenação no Julgado de Paz de Montemor-o-Velho, contra P (…) e marido E (…)  e C (…) e mulher S (…) , já todos identificados nos autos, pedindo que seja reconhecido aos demandantes o direito de preferência sobre o prédio rústico alienado pelos primeiros demandados aos segundos demandados, identificado no artigo 2.º do requerimento inicial; que os demandados sejam condenados a entregarem-lhes o referido imóvel, no estado em que se encontrava aquando da escritura de compra e venda; que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os segundos demandantes hajam feito a seu favor em consequência da compra e venda do referido prédio;

Para tanto, em síntese, alegaram serem proprietários de vários prédios rústicos confinantes com o prédio vendido e que os segundos demandados apenas são possuidores de um prédio urbano confinante com o mesmo. Mais alegaram que os primeiros demandados não lhes comunicaram a intenção de vender o prédio.

Os demandados contestaram alegando, em síntese, serem proprietários de um prédio rústico confinante com o alienado, com uma área inferior à unidade de cultura, pelo que não se verificam os pressupostos exigidos para que os demandantes tenham o direito de preferência a que se arrogam, pugnando, em consequência, pela improcedência da acção e pedindo a condenação dos demandantes como litigantes de má-fé em multa e indemnização.

No Julgado de Paz de Montemor-o-Velho, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e absolveu os demandados dos pedidos, assim como julgou improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Não se conformando com a mesma, dela recorreram os Autores, para o Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Velho, para o que apresentaram as respectivas conclusões, pretendendo a revogação da decisão recorrida e que se lhes reconhecesse o direito de preferência a que se arrogam.

Recebidos os autos no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, foi proferida a sentença de fl.s 350 a 362 v.º, na qual se julgou improcedente o recurso apresentado e se confirmou a decisão ali recorrida, proferida no referido Julgado de Paz, ficando as custas a cargo dos recorrentes.

De novo, inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os autores, A (…) e L (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 405/6), apresentando as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegando, os réus pugnam pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em, já à data da venda, serem proprietários de um prédio rústico confinante com o adquirido, pelo que não se verifica um dos requisitos legalmente previstos para que os autores gozem do invocado direito de preferência.

Como resulta das conclusões de recurso, os recorrentes pretendem colocar em causa a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, nos moldes ali constantes.

Sucede que, nesta parte, não se verificam os condicionalismos para que tal pretensão possa ser conhecida, do que se trata como questão prévia.

Efectivamente, como resulta do relatório acima elaborado, os presentes autos nascem de requerimento para tal interposto no Julgado de Paz de Montemor-o-Velho, onde os autos tiveram a tramitação normal, ali vindo a ser proferida a sentença recorrida.

Como resulta do disposto nos artigos 57.º e 60.º do Regulamento dos Julgados de Paz (Lei n.º 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/7), naqueles Julgados a tramitação das audiências e requisitos de elaboração das sentenças, têm um cariz diferente do previsto para os Tribunais Judiciais, designadamente, naqueles – ao contrário destes –  não se procede à gravação da prova produzida, por opção legislativa, conhecida das partes que a eles recorrem.

O que, efectivamente, assim aconteceu, como se constata da análise das actas da audiência de julgamento de fl.s 120/4, 148/152 e 236 e v.º.

Por outro lado, como se pode concluir da leitura da sentença recorrida, na fundamentação da matéria de facto atinente, relativamente a grande parte da matéria dada como provada e não provada (em que se inclui a sindicada), a Juiz de Paz fundamentou-se, para além da prova documental nela referida, na prova testemunhal produzida em audiência, depoimentos de parte e inspecção ao local.

Como é óbvio, no que toca à prova testemunhal e por depoimento de parte, dado não terem sido gravados, está este Tribunal impedido de os sindicar, valendo, nesta parte, o princípio da livre apreciação da prova, inerente ao acto de julgar, tal como decorre do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC.

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, depende da possibilidade de ser proferida decisão diversa, com base nos factos tidos como assentes, na prova produzida ou documento supervenientemente apresentado.

Esta hipótese não se coloca, dado não ter sido apresentado nenhum documento depois de proferida a decisão recorrida.

Os factos assentes também não o permitem, pelo contrário.

Não podemos, pois, sindicar a totalidade da prova produzida, como acima já referido.

Assim, sem necessidade de outras considerações, impõe-se concluir pela rejeição do recurso de facto, mantendo-se, por isso, inalterada a factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se o tribunal a quo ao determinar que não teria que reproduzir a prova testemunhal não gravada, por a mesma não ter sido requerida em sede de conclusões, violou o disposto nos artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC, devendo, ao invés, determinar-se, se for caso disso, a baixa dos autos à 1.ª instância para reprodução e reapreciação da prova testemunhal;

B. Se assiste aos autores o direito de preferência a que se arrogam, por se verificarem os respectivos requisitos, violando a sentença recorrida o disposto nos artigos 1380.º, n.º 1 e 1381.º, al. a), do Código Civil e 26.º, n.º 1, do DL n.º 73/2009, de 31/3.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A. Encontram-se inscritos na matriz predial rústica da freguesia de (...) , do concelho de (...) , a favor da Demandante mulher os seguintes artigos: (...) , (...) , (...) e (...) , cfr. doc. de fls. 13,14,15 e 16;

B. Os Demandantes adquiriram a J (…), casado, por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de (...) , em 09.10.2012, o seguinte prédio: prédio rústico composto de terra de semeadura, pinhal e mato, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) inscrito na matriz predial sob o artigo (...) , cfr. Doc. de fls. 32 a 35;

C. Os 2ºs Demandados adquiriram ao mesmo J (…), por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de (...) , em 09.10.2012, o seguinte prédio: prédio rústico composto de terá de semeadura, pinhal e mato, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) inscrito na matriz predial sob o artigo (...) , cfr. Doc. de fls. 100 a 104;

D. O prédio acima identificado em C) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) /20010314 e aí inscrito a favor da 2º demandada mulher pela AP. 2063 de 2012/10/15, por aquisição a J (…), cfr. Doc. de fls. 82

E. Os 1ºs Demandados foram donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo (...) , sito em (...) , (...) , (...) , e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o n.º (...) /19900508; cfr. Doc. de fls. 37;

F. Por compra e venda, datada de 31 de janeiro de 2017, outorgada na Conservatória de Registo Civil, Comercial e Predial de (...) , a 1ª Demandada P (…), autorizada pelo Demandado marido, vendeu aos 2ºs Demandados o prédio rústico identificado em E), cfr. Doc. De fls. 38 a 42;

G. A venda de tal prédio foi realizada pelo montante de €8.000,00, cfr. Doc. de fls.38 a 42;

H. A aquisição de tal prédio encontra-se registada a favor dos 2ºs Demandados pela AP. 2529 de 2017/01/31; cfr. Doc. De fls. 37;

I. O prédio descrito em C) ( (...) ) confina do seu lado poente com o prédio descrito em E) ( (...) );

J. O prédio descrito em B) ( (...) ) confina do lado nascente com o prédio descrito em E) ( (...) );

K. O prédio (...) consta na matriz predial como tendo a área de 980 m2; cfr. Doc. De fls.15;

L. O prédio (...) consta na matriz predial como tendo a área de 1470 m2.; cfr. Doc. De fls. 36;

M. O prédio (...) consta na matriz predial como tendo a área de 400 m2; cfr. Doc. De fls. 83;

N. Todos os prédios supra indicados destinam-se ao cultivo agrícola;

O. Os terrenos correspondentes aos artigos (...) e (...) , após as datas das respetivas compras pelos 2ºs Demandados, passaram por estes a ser cultivados;

P. Os Demandados não comunicaram aos Demandantes a intenção de vender o prédio, as condições principais da venda, o preço, as condições de pagamento;

Q. Os 2ºs Demandados são ainda donos e proprietários do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo (...) , cfr. Doc. de fls. 44, 144 e 223;

R. Encontra-se depositado na C (…), à ordem do processo 128/2017-JP (providência Cautelar) o montante de 8000,00, relativo ao valor da compra, cfr. doc. de fls. 46.

*

3.1.2 Na sentença recorrida foram dados como não provados os seguintes factos:

1) Os Demandantes há muito que pretendiam adquirir esta parcela de terreno, com o intuito de a anexar aos seus prédios, de modo a tornar a sua propriedade, do ponto de vista agrícola, mais produtiva e rentável;

2) Os prédios dos Demandantes inscritos na matriz predial sob os artigos (...) , (...) , (...) e (...) , configuram uma unidade agrícola com a área aproximada de 9013,50m2;

3) Os 2ºs Demandados tão só são possuidores de prédio urbano confinante com o alienado;

4) Os 2ºs Demandados não têm nenhum prédio rústico confinante com o alienado;

5) Os Demandantes apenas tiveram conhecimento da efectivação da compra e venda celebrada entre os 1.º e 2.º Demandados porque diligenciaram para tal, nomeadamente, junto da Conservatória de Registo Civil, Comercial e Predial de (...) .

A. Se o tribunal a quo ao determinar que não teria que reproduzir a prova testemunhal não gravada, por a mesma não ter sido requerida em sede de conclusões, violou o disposto nos artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC, devendo, ao invés, determinar-se, se for caso disso, a baixa dos autos à 1.ª instância para reprodução e reapreciação da prova testemunhal.

No que a esta questão respeita, alegam os recorrentes que o Tribunal de comarca deveria ter determinado a repetição da prova testemunhal, não gravada, para afastar quaisquer dúvidas quanto aos factos em apreço, designadamente as áreas dos prédios, seu uso e confinância, implicando, na sua óptica, tal reinquirição “uma decisão diferente em matéria de facto”.

Em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. a), do CPC, deve ser ordenada a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.

Ora, não tendo sido gravados tais depoimentos, como é óbvio, não se podem reputar os mesmos de pouco credíveis, nem ter dúvidas sobre o sentido de tais depoimentos, pela simples razão de que, este Tribunal, não tem acesso ao respectivo conteúdo, desconhecendo-se, designadamente, se foram apresentadas, pela mesma pessoa, versões contraditórias sobre o mesmo facto, para além de que os recorrentes nem sequer concretizam a alegada falta de credibilidade, o que, estamos em crer, a lei impõe para que se possa lançar mão do normativo em causa, não bastando alegar, em termos genéricos, que os depoimentos são pouco credíveis.

Assim sendo, não está este Tribunal em condições de concluir quer pela credibilidade dos depoentes quer sobre o sentido dos respectivos depoimentos, reitera-se, porque não tendo sido gravados, não os pode sindicar/analisar e, consequentemente, não pode lançar mão do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. a), do CPC.

O que acontece é que, reitera-se, por opção legislativa, a tramitação processual dos Julgados de Paz é diferente da seguida nos Tribunais Judiciais, designadamente, no que respeita à gravação/não gravação dos depoimentos prestados, não se podendo, agora, sindicar tais depoimentos, “repetindo” o julgamento.

Pelo que, quanto a esta questão, o presente recurso tem de improceder.

B. Se assiste aos autores o direito de preferência a que se arrogam, por se verificarem os respectivos requisitos, violando a sentença recorrida o disposto nos artigos 1380.º, n.º 1 e 1381.º, al. a), do Código Civil e 26.º, n.º 1, do DL n.º 73/2009, de 31/3.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que se lhes deve reconhecer o direito de preferência a que se arrogam, porquanto o prédio de que os réus são proprietários, que é confinante com o vendido, não tem natureza urbana, mas rústica.

Como bem se compreende, o sucesso do presente recurso, no que respeita ao mérito da acção, estava na total dependência da procedência do recurso, no que toca à matéria de facto, o que não se verificou.

Assim, cf. alíneas C), I) e N), dos factos provados, demonstrou-se os réus são proprietários de um prédio rústico que confina com o adquirido (o que já se verificava à data da venda) e sobre o qual os autores se arrogam o direito de preferir em tal aquisição.

Estipula o artigo 1380.º, n.º1, do Código Civil que:

“Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”.

Daqui resulta, pois, que são factos constitutivos do direito de preferência, com fundamento neste preceito, a confinância dos prédios, com o vendido; tendo um deles área inferior à unidade de cultura e que, à data da compra, o réu adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com aquele que adquiriu.

E, tratando-se, como se trata, de factos constitutivos, a respectiva prova incumbe aos autores, cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

A classificação de tais factos como constitutivos do direito, tem vindo a ser pacificamente aceite pela jurisprudência, como resulta, entre outros do citado Acórdão do STJ, de 15 de Maio de 2007, Processo n.º 07A958, disponível no respectivo sítio do itij, no qual se refere:

“parece-nos absolutamente claro que se está perante um facto constitutivo do direito em causa: este só existe, só se constitui, se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante. Se há casos em que o elemento gramatical da norma elimina logo à partida, paticamente, qualquer dúvida que pudesse alimentar-se a respeito do assunto, este será um deles”, a que se acrescenta a evolução do texto legal, mediante a alteração que foi introduzida ao artigo 1380.º do Código Civil, pelo artigo 18.º, n.º 1, do DL 384/88, de 25/10.

Mais nele se referindo que:

“se houver vários proprietários confinantes com o prédio vendido e a venda tiver sido feita a um deles, os demais proprietários confinantes não podem arrogar-se o direito de preferir.

A venda feita a um dos confinantes satisfaz o fim da lei, que é reunir dois prédios num só (quando um deles ou ambos tenham área inferior à unidade de cultura), sem necessidade de fazer intervir o mecanismo da preferência, que constitui sempre um entrave à liberdade de contratar.”.

O mesmo se defende no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Janeiro de 2009, Processo n.º 0836261, disponível no respectivo sítio do itij, no qual se escreve o seguinte:

“O modo como o legislador de 1966 procedeu à redacção dos artigos 1380.º e 1381.º do CC – arrumando os elementos a que fica subordinado o funcionamento da preferência no primeiro de tais preceitos e colocando no segundo os factos que obstam ao funcionamento de tal preferência – dissipa quaisquer hesitações interpretativas. Por outras palavras, se o legislador de 1966 – empenhado em alcançar a unidade sistemática e a harmonização formal – pretendesse configurar, como um facto impeditivo de preferência, a circunstância de o comprador ser proprietário confinante, bastar-lhe-ia acrescentar uma terceira alínea ao artigo 1381.º dizendo isso mesmo (isto é, dizendo: “quando comprador seja proprietário confinante”). Ora, o legislador só não fez isto como, inclusivamente, no preceito em que organizou os pressupostos de tal direito de preferência, estabeleceu que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência em relação “a quem não seja proprietário confinante.”.

Para além dos demais Arestos citados, quer na sentença quer pelos apelados, no mesmo sentido, veja-se, v.g., o Acórdão desta Relação, de 10 de Setembro de 2013, Processo n.º 12/07.3TBPNC.C1, disponível no mesmo sítio dos anteriores.

Ora, não tendo os autores demonstrado que os réus adquirentes não eram, à data da venda, proprietários de um prédio confinante com o vendido (tendo-se, até, demonstrado o contrário; isto é, que os réus adquirentes eram proprietários de um prédio confinante com o vendido – não estando em causa a verificação dos demais pressupostos a que se alude no artigo 1380.º, n.º 1, do CC), tem a sua pretensão, a esta luz, de improceder, como improcedeu, não merecendo, por isso, censura a decisão recorrida, em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

No recurso que interpuseram da decisão recorrida quer para o Tribunal da Comarca, quer para este Tribunal da Relação, fundamentam, ainda, os autores, que lhes assiste o invocado direito de preferência, por se tratar de prédios sitos em zona de RAN, tal como determinado no artigo 26.º do Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (DL n.º 73/99, de 31 de Março, actualizado pelo DL n.º 199/2015, de 16 de Setembro).

Dúvidas inexistem que a decisão aqui recorrida é a proferida no Julgado de Paz, sendo a proferida no Tribunal de Comarca, já como instância de recurso da primeira.

Ora, compulsando o requerimento/petição inicial que deu entrada no referido Julgado de Paz, verifica-se (cf. seus artigos 27.º e seg.s) que o único fundamento invocado para a existência do direito de preferência é a confinância de prédios inferiores à unidade de cultura, sem que lhes tenha sido dado conhecimento da venda, com vista a permitir o emparcelamento rural.

Ou seja, nada se refere quanto a tal direito com base no estabelecido no regime jurídico da RAN.

Como pacificamente aceite, os recursos não se destinam a apreciar “questões novas”, de facto ou de direito, não suscitadas na decisão recorrida, limitando-se a reaprecias as concretas questões analisadas na decisão recorrida.

Assim, por se tratar de questão nova, não se aprecia a existência de tal direito, com base em tal fundamento.

Sem, todavia, se acrescentar que, cf. se estipula no referido artigo 26.º, n.º 1, o direito de preferência ali reconhecido é consagrado “sem prejuízo dos direitos de preferência estabelecidos no código civil”, pelo que, sempre, mesmo com base no mesmo, estaria afastada a possibilidade de os autores preferirem na venda em causa.

Last but not least, de realçar que no seu n.º 3, se refere expressamente a ressalva de não aplicabilidade no caso de “a alienação ou dação em cumprimento tiver sido efectuada a um dos preferentes”.

Ou seja, estabelece-se um regime em tudo semelhante ao previsto no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que, mesmo por esta via, não teriam os autores o direito a preferir na venda sub judice.

Pelo que, nesta parte, igualmente, o presente recurso tem de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, do presente recurso, pelos apelantes.

Coimbra, 21 de Maio de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves