Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
426/03.8GCAVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – 3º JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 78º,127º, 412º, 2 CPP
Sumário: 1. Impugnando um determinado ponto de facto, o recorrente terá que indicar as provas que fundamentam a impugnação, identificando os depoentes ou declarantes cujas afirmações corroboram a posição sustentada, indicando, por referência ao consignado na acta (nº da cassete, lado A ou B, ou nº do CD), as passagens concretas que fundamentam a discordância relativamente ao aspecto em análise.

2. Não se pretende uma indicação genérica, uma indicação explicativa ou a indicação do sentido do depoimento – que ficariam reféns da subjectiva posição sustentada pelo recorrente e logo, do seu interesse num determinado desfecho processual – mas a indicação precisa. Só assim se atinge a concretização exigida pela lei, que não resulta de mero capricho do legislador, antes serve uma finalidade prática: o tribunal de recurso, confrontado com a impugnação da matéria de facto, tem que conhecer exactamente o sentido e o alcance da impugnação.

3. Excepto nos casos referidos nos nºs 1 e 2 do art.º 495º do CPP, não há obstáculo legal à opção do arguido em, não

podendo estar presente, querer pronunciar-se por escrito.

4. O incumprimento de condição de suspensão imposta com limite temporal inferior ao período de suspensão da pena não

deverá conduzir à imediata revogação da suspensão se não tiverem sido devidamente apuradas as razões que determinaram o

incumprimento e não for possível concluir com a necessária segurança pela existência de culpa do arguido nesse

incumprimento, reveladora da necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 3º Juízo Criminal de Aveiro, o M.P. deduziu acusação contra R..., F... e M..., imputando a cada um deles a co-autoria de um crime de ofensas à integridade física grave, previsto e punido no art 144°, al. b), c) e d) do Código Penal.
Foram deduzidos os pedidos de indemnização cível constantes de fls. 232 e 235 e segs., respectivamente, pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, pedindo a condenação dos demandados no pagamento da indemnização de €109,50 referente a tratamentos prestados ao ofendido A..., e por A... pedindo a condenação dos demandados no pagamento da indemnização de €54.870,87, acrescida de juros desde a citação, sendo €12.739,80 por remunerações deixadas de auferir no período de baixa, €513,84 por despesas em medicamentos, €10.866,30 por perda de capacidade de ganho e €30.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Após julgamento, foi proferida sentença que absolveu os arguidos da acusação e do pedido cível contra eles formulado.
Interposto recurso, veio aquela sentença a ser revogada quanto à parte cível, tendo sido ordenado o reenvio para novo julgamento dos pedidos cíveis.
Por despacho ulteriormente exarado (fls.606), transitado em julgado, decidiu-se que face aos termos do recurso interposto o novo julgamento apenas tinha como demandados os referidos R...e F...e não já a inicialmente demandada M…, absolvida por decisão quanto a ela transitada.
Foi efectuado novo julgamento restrito à vertente cível, em cuja sequência foi proferida a sentença de fls. 619/630, em que se decidiu nos seguintes termos:
“(…)
Tudo visto, decide-se:
Condenar os demandados R... e F…, solidariamente, no pagamento acrescido de juros à taxa de 4% desde a presente data:
1 – ao demandante A... da indemnização de 12.500,00 € (doze mil e quinhentos euros);
2 – aos Hospitais da Universidade de Coimbra, da indemnização de € 109,50 (cento e nove euros e cinquenta cêntimos).
(…)”.

Inconformados, os demandados R... e F... interpuseram recurso desta sentença, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos pelas seguintes ordens de razão:
1 - Impõe-se a modificação da decisão do tribunal "a quo"sobre matéria de facto, a qual se impugna;
2 - Caso assim não se entenda, não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita, impõe-se a redução do valor em que os recorrentes foram condenados a pagar ao demandante civil, a título de indemnização;
3 - Caso assim não se entenda, não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita, relativamente ao demandado/recorrente R… impõe-se a exclusão do pedido de indemnização contra este formulado, face ao disposto no artigo 570º, do C. Civil.
II • PONTOS DE FACTO QUE OS RECORRENTES CONSIDERAM INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 412°, nº, 3, al, a), do CPP):
Os recorrentes consideram incorrectamente julgados os factos descritos sob os pontos 7 a 10 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epigrafe “a) da dinâmica dos eventos”, bem como os factos descritos sob o ponto 15 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epigrafe “b) dos danos”.
III - PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 412.°, n.º 3, al. b), do CPP):
- Conjugação e confrontação das declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento de, em concreto:
- Declarações do arguido F… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:37:06);
- Declarações do arguido R... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:24:00);
- Depoimento do demandante A... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:46:38);
- Depoimento da testemunha F... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:34:33);
- Depoimento da testemunha B… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:19:46 e de 00:00:01 a 00:05:48);
- Depoimento da testemunha T… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:14:00 e de 00:00:01 a 00:25:19);
- Depoimento da testemunha/arguida M... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:27:22);
- Depoimento da testemunha D… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:22:35).
- PROVA DOCUMENTAL: Participação criminal feita pelo demandante em 24 de Junho de 2004, a fls. 2 dos autos, e o Auto de ocorrência datado de 23 de Junho de 2006, a fls. 34 dos autos.
IV - Entendem, pois, os demandados/recorrentes que das provas produzidas em audiência de julgamento, acima indicadas, bem como dos documentos constantes nos autos, também supra identificados, a decisão recorrida, proferida sobre a matéria de facto, deveria de ter sido em sentido oposto, ou seja, nessa decisão deveriam também integrar a lista dos factos não provados, descritos sob o ponto nº 1.2. daquela, os seguintes factos:
“1.2. Factos não provados (...) não se provou:
- que os demandados R...e F...reagiram desferindo vários murros e pontapés na face e nariz do demandante que, com a força dos impactos, caiu no chão.
- que seguidamente e encontrando-se o demandante no chão, os demandados desferiram-lhe diversos pontapés em várias partes do corpo, designadamente na cabeça.
- que nessa altura aproximou-se o filho do demandante, que o conduziu até ao veículo em que se haviam ambos deslocado, tendo-se os demandados afastado.
- que nessa altura e no momento em que o demandante se encontrava a entrar para o referido veículo, o demandado F...correu até ele e impulsionando-se deu um encontrão com os dois pés na porta lateral direita do referido veículo, que foi atingir o demandante, nomeadamente na cabeça, ficando este entalado.
- que por força das referidas lesões o ofendido passou a tomar diariamente diversos medicamentos que antes não tomava, tendo gasto a quantia de € 513,84.
V - Ora, decidindo-se neste sentido, o único admissível no entender do recorrentes, impunha-se a total absolvição dos demandados do pedido de indemnização contra si formulados nos presentes autos.
VI - Como se diz na motivação (sob o ponto 1.3.) da decisão da matéria de facto da douta Sentença recorrida (a fls. 5 da mesma), o tribunal formou a sua convicção, além do mais, e no que à dinâmica dos eventos (sob o ponto 6) respeita, nos depoimentos dos intervenientes directos que depuseram relatando apenas uma parte dos factos (a parte em que foram vítimas) e omitindo a parte em que, por outro lado, foram agressores. E o mesmo se diga relativamente aos depoimentos das testemunhas M...e F… (filho do demandante).
VII - Segundo a motivação da decisão ora recorrida, os demandados e a testemunha M...relataram de forma credível as agressões de que foi vitima o demandado R..., mas negaram as agressões que os próprios demandados infligiram ao demandante na sequências daquelas primeiras agressões.
VIII - Por outro lado, o demandante e a testemunha F..., seu filho, foram credíveis ao relatar as agressões de que o demandante foi vítima, mas negaram as agressões que o demandante infligiu no demandado R....
IX - Para o Tribunal "a quo" não teve qualquer relevância para a decisão sobre a matéria de facto proferida as aludidas negações. O Tribunal considerou, tendo em conta os critérios de experiência comum e analisando o contexto dos factos e as lesões e versões apresentadas, apenas como inteiramente credíveis as versões apresentadas na parte em que imputaram os factos a cada um dos agentes, considerando que as negações acima indicadas (ou seja, a negação dos próprios factos) não passou de mera estratégia processual.
X - O Tribunal "a quo" considerou, ainda, naquela motivação, que os depoimentos das testemunhas R... e D… não mereceram qualquer relevância porque não os considerou credíveis,
XI - Discordamos frontalmente desta análise que a douta Sentença "a quo" fez da prova produzida nessa apreciação da prova têm de ser respeitadas as regras do ónus da prova aplicáveis em concreto, sendo importante salientar que no caso "sub judice" o ónus da prova impende única e exclusivamente sobre o demandante. Cabia, pois, antes de tudo, ao demandante provar que foram os demandados os autores das agressões que o mesmo alega ter sido vítima.
XII - Conforme resulta da motivação, o Tribunal "a quo" considerou como provados os factos descritos sob os pontos 7 a 10 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epígrafe “a) da dinâmica dos eventos”, bem como os factos descritos sob o ponto 15 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epígrafe “b) dos danos”, tendo apenas e sobretudo por base o depoimento do demandante e da testemunha F... (filho daquele) na parte em que relataram as agressões de que o demandante foi vítima, pois só nesta parte é que o Tribunal considera credível tais depoimentos.
XIII - Ou seja, a única prova em que o Tribunal se baseia para considerar provados os factos acima indicados, que se traduzem essencialmente no considerar provado que foram os demandados que agrediram o demandante, é o depoimento, ou melhor dizendo, metade de cada um dos depoimentos prestados quer pelo próprio demandante (com interesse na causa) quer pelo seu próprio filho.
XIV - Ora, se é o Tribunal “a quo” a considerar que estes depoimentos são apenas credíveis parcialmente, ou seja, exactamente na parte em que interessa aos próprios depoentes, sendo que relativamente à autoria das agressões alegadamente sofridas pelo demandante não existe nos autos qualquer outra prova na qual o Tribunal pudesse basear a sua decisão (é própria motivação da decisão recorrida indica exactamente isso) julgamos que estes depoimentos, não podem fazer prova cabal e capaz de levar à condenação dos demandados como se decidiu na primeira instância e, no entender dos recorrentes, erradamente.
XV - Desde logo porque o ónus da prova cabia ao demandante. E sendo assim, julgamos que o seu depoimento e o depoimento do seu filho, apenas credível para o Tribunal “a quo” em parte (naquela que lhes interessa directamente), não pode ser tida como suficiente para condenar os demandados.
XVI - POSTO ISTO: Consideram os recorrentes que o depoimento do demandante e da testemunha (seu filho) F..., se COMPARADOS E CONJUGADOS com as declarações dos demandados e das testemunhas T…, C..., M...e D…, e apreciadas segundo as regras da experiência, mostram-se impregnados de tais inverosimilhanças que é impossível dar-lhes qualquer crédito na sua plenitude.
XVII - Enquanto que declarações dos demandados conjugadas com os depoimentos das testemunhas M...(já arguida nos autos), T... e D..., bem como com as regras do bom senso e os critérios da experiência comum dúvidas não podiam deixar ao Tribunal “a quo” sobre a sua total credibilidade, quer nas afirmações, quer nas negações.
XVIII - A corroborar a versão dos demandados, confirmada pelas aludidas testemunhas, acima indicadas, temos, ainda, o auto de ocorrência elaborado pela GNR, a fls. 34 dos autos, que confirma que momentos depois do demandante se ausentar do local onde ocorreram os factos em causa nos autos, compareceu a GNR, ali chamada pelos demandados, os quais ali permaneceram, apresentando o demandado R...lesões físicas (as dadas como provadas, e bem, pelo Tribunal “a quo”).
XIX - Deste auto de ocorrência, atentas as regras de experiência comum, parece também resultar que a versão dos demandados é a única verdadeira e credível. Na verdade, na hipótese de terem sido os demandados os autores das agressões de que diz ter sido vítima o demandante (no entender dos demandados, erradamente dadas como provadas na decisão recorrida - murros e pontapés na face e no nariz; pontapés em várias partes do corpo e cabeça; e relativamente ao demandado Fernando, encontrão na porta do automóvel onde ficou entalada a cabeça do demandante), parece de todo improvável e pouco real que fossem os próprios demandados (autores das agressões) a chamar ao local a força policial GNR e ali permanecessem até que a mesma ai comparecesse.
XX - O principal objectivo do presente recurso é, país, o de demonstrar que as declarações do demandante e o depoimento da testemunha F..., seu filho, que constitui a única prova em que o Tribunal fundamenta a decisão sobre a matéria de facto que ora se impugna, são totalmente inverosímeis, porque violam claramente as regras do bom senso e da experiência comum.
XXI - A corroborar a falta de credibilidade que merecem estes depoimentos, há que atender, ainda, ao teor da participação criminal apresentada pelo demandante no dia seguinte aos dos factos (24.6.2008), a fls, 2 dos autos. No dia seguinte ao das agressões que o demandante diz ter sido vítima, o mesmo apresentou queixa contra o “R...” e acompanhantes - cinco ou seis indivíduos - a quem acusa de o terem agredido a murro na face, causando-lhe ferimentos no nariz, tendo este caído ao chão, sendo de seguida agredido a pontapés, em várias partes do corpo.
XXII – NOTE-SE: que o demandante não indicou testemunhas. Não apresentou queixa contra dois indivíduos do sexo masculinos, mas sim contra o R...e mais cinco ou seis pessoas.
Não acusou qualquer uma destas pessoas de o terem agredido em especial na zona da cabeça.
Não relatou qualquer facto relacionado com o de ter ficado com a cabeça entalada na porta do automóvel em que se fez transportar. Não referiu que o seu filho também estava presente e assistiu tais agressões.
XXIII - Na verdade, parece-nos pouco credível a versão do demandante, na medida em que não é normal que os demandados o tivessem agredido sem qualquer discussão prévia, mas apenas existindo a prévia afirmação do demandante não personalizada de “seus vigaristas, dêem-me os meus documentos”. Desde logo porque o demandado R..., embora já conhecesse o demandante, desconhecia o motivo daquele comportamento e tratando-se o demandante de um cliente deveria sempre ser bem tratado para não se perder eventuais negócios. E relativamente ao demandado F...porque este nem sequer conhecia o demandante desconhecendo em absoluto o motivo daquele seu comportamento e daquela afirmação.
XXIV - Mais, o demandante, ao longo das diferentes fases dos presentes autos foi alterando sempre a sua versão dos factos. Começa por afirmar que foi agredido por cinco ou seis indivíduos, falando apenas nas agressões descritas a fls. 2 dos autos, não relatando quaisquer agressões na cabeça e lesões. Posteriormente já se recorda que afinal foi agredido apenas por três pessoas, pela arguida M...e pelos aqui demandados. Seguidamente vem afirmar que afinal a arguida M...não o agrediu que foram apenas os aqui demandados, mas agora as agressões não são apenas as relatadas na participação criminal que formulou mas também as que foi vítima ao levar com a porta do automóvel do seu filho na cabeça.
XXV - É igualmente nada credível o depoimento da testemunha F..., o filho do demandante. VEJAMOS: É o próprio demandante que reconhece que no dia em causa nos autos estava furioso com a situação de acreditar que tinha sido vigarizado pela empresa da qual os demandados eram trabalhadores.
XXVI - Não é, por isso, normal que na altura em que o demandante se dirige às instalações da empresa onde acreditava ter sido enganado, para tirar satisfações e reclamar a entrega de documentos, encontrando-se o mesmo debilitado fisicamente, caminhando com a ajuda de bengala e trazendo calçado um chinelo no pé, o seu filho nem sequer soubesse qual a finalidade do demandante se dirigir àquele local.
XXVII - Por outro lado, o demandante e o seu filho relataram agressões bastantes graves praticadas pelos demandados, nomeadamente pontapés na cabeça quando o demandante estava caído no chão, para além do episódio da cabeça entalada na porta do automóvel. É, pois, no mínimo estranho que o filho do demandante F... tenha tido uma participação quase de mero espectador nestes acontecimentos; os demandados se tenham afastado de imediato do corpo do seu pai assim que este se aproximou dele, não sendo necessário fazer ou dizer alguma coisa, bem como é bastante estranho que acontecimentos desta gravidade tenham sido omitidos / esquecidos pelo demandante logo no dia seguinte aquando da formalização da respectiva participação criminal - fls. 2 dos autos.
XXVIII - Na verdade, perante os depoimentos acabados de analisar, os quais consideramos completamente incoerentes e inverosímeis, nada impedia o Tribunal de acreditar na versão dos demandados e na das testemunhas T..., M...e D..., os quais afirmaram não terem sido os demandados os autores das agressões que lhes são imputadas nos autos; tendo afirmado não terem visto o demandante a ser agredido em momento algum, admitindo antes que o mesmo possa ter sofrido lesões em virtude das quedas que sofreu, inadvertidamente, e afirmando que o demandante foi levado à força para dentro do seu automóvel, por várias pessoas que se encontravam no local e pelo seu filho e que as mesmas ao usar dessa força física possam ter causado lesões ao demandante, já que este estava totalmente furioso.
XXIX - Os depoimentos do demandante e da testemunha F... conjugados e confrontados com as declarações dos demandados e das testemunhas supra, as regras da experiência comum, da normalidade e da lógica não são suficientes para criar a convicção e permitir dar como provados os factos assim considerados pelo Tribunal “a quo” e que os recorrentes consideram incorrectamente julgados.
XXX - ALIÁS, O TRIBUNAL “A QUO”, NESTES MESMO AUTOS, JÁ CONSIDEROU COMO NÃO PROVADOS ESTES MESMOS FACTOS E FÊ-LO NA SENTENÇA QUE ABSOLVEU OS ARGUIDOS, ORA RECORRENTE, DA PRÁTICA DO CRIME QUE LHES ERA IMPUTADO, CUJA DECISÃO SOBRE ESSA MESMA MATÉRIA DE FACTO TRANSITOU EM JULGADO.
XXXII – Impõe-se, assim, a modificação da decisão do tribunal “a quo” sobre matéria de facto, a qual se impugna; considerando-se incorrectamente julgados os factos mencionados sob os pontos 7 a 10 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epígrafe “a) da dinâmica dos eventos”, bem como os factos descritos, sob o ponto 15 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epigrafe “b) dos danos” da fundamentação de facto da douta Sentença recorrida.
XXXIII - O que impunha, em consequência, se dessem por não provados tais factos constantes do pedido, de indemnização civil formulado nos autos que, por isso, deveria ter sido julgado improcedente, por não provado, e os demandados absolvidos da totalidade desse pedido.
XXXIV - 2 - Não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não de aceita, impõe-se a redução do valor em que os recorrentes foram condenados a pagar ao demandante civil, a titulo de indemnização:
XXXV - Consideram, os recorrentes, que não ficaram claramente demonstradas e provadas as quantias relativas a medicamentos suportadas pelo demandante, já que nem este nem os seus familiares (mulher e filho), testemunhas nestes autos souberam quantificar esses encargos, o valor de € 513,84 deverá ser reduzido ao montante indemnizatório em que foram condenados os demandados,
XXXVI - Tribunal “a quo” condenou os demandados a pagar solidariamente ao demandante a quantia de € 12.500,00, correspondendo a responsabilidade de cada um dele a € 6.250,00, Estamos perante diferentes demandados que, segundo o Tribunal “a quo”, tiveram diferentes intervenções nos factos em causa nos autos,
XXXVII - Impõe-se, também, por isso, a redução do valor da indemnização em que foi condenado o demandado R..., na medida em que o mesmo não teve qualquer intervenção no facto indicado no ponto 10 dos factos provados da douta sentença recorrida sob a epígrafe “a) da dinâmica dos eventos”.
XXXVIII - 3 - Não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita, relativamente ao demandado/recorrente R… impõe-se a exclusão do pedido de indemnização contra este formulado, face ao disposto no artigo 570°, do C. Civil:
XXXIX -De acordo com o disposto no art. 570°, do C. Civil, “quando um facto culposo do lesado tiver ocorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar (...) se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Face a tudo quanto já se expôs no presente recurso somos da convicção que o Tribunal “a quo” deveria ter optado pela exclusão da indemnização no que ao demandado R... diz respeito.
Termos em que (…) deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão sobre matéria de facto da primeira instância, se assim, não se entender, reduzir-se o valor da indemnização em que foram condenados os demandados (…).

O demandante A... respondeu, sustentando ser extemporâneo o recurso interposto ou, não se entendendo assim, devendo concluir-se pela sua improcedência.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto consignou a falta de interesse em agir do M.P. por no recurso se discutir exclusivamente matéria cível, estando os interessados devidamente representados por mandatários judiciais.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:
Questão prévia, suscitada na resposta do demandante:
- Tempestividade do recurso;
Questões decorrentes das conclusões do recurso dos demandados:
- Impugnação da matéria de facto;
- Redução do valor que os recorrentes foram condenados a pagar ao demandante civil, a título de indemnização;
- Exclusão da indemnização em que foi condenado o demandado R...;

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
a) da dinâmica dos eventos:
1. Os demandados eram, à data dos factos, colegas de trabalho, dedicando-se, além do mais à angariação e contratação de novos clientes para a empresa para a qual trabalhavam.
2. Neste contexto o demandante e sua mulher foram contactados a fim de se deslocarem às instalações da referida empresa, sitas lote 31, Bloco D, sito na Zona industriai de Taboeira, nesta comarca, para receberem certo prémio que supostamente lhe havia cabido em sorteio, o que fizeram no dia 18-6-2003.
3. Ali chegados foram atendidos, entre outros, pelo demandado R...que interveio no processo de negociação contratualização da venda de um equipamento comercializado por aquela empresa ao demandado.
4. Na execução de tal operação foi debitada, directamente da conta do demandado e sua mulher a importância correspondente a uma parte do preço do aludido equipamento.
5. Após contar o sucedido a vizinhos e amigos o demandante sentiu-se burlado pelo que, após a sua mulher ter tentado telefonicamente, sem sucesso, reaver a quantia em causa, dirigiu-se (de novo) às referidas instalações, o que fez no dia 23-6-2003 cerca das 18h45m, em estado de grande agitação emocional e deslocando-se com o seu filho no veículo automóvel propriedade deste último.
6. Ao ver os demandados chegar o demandante dirigiu-se aos mesmos, empunhando uma bengala e procurou atingir o demandante R...com a mesma, o que conseguiu.
7. Acto contínuo os demandantes R...e F...reagiram desferindo vários murros e pontapés na face e nariz do demandante que, com a força dos impactos, caiu no chão.
8. Seguidamente e encontrando-se o demandante no chão, os demandados desferiram-lhe diversos pontapés em várias partes do corpo, designadamente na cabeça.
9. Nessa altura aproximou-se o filho do demandante, que o conduziu até ao veículo em que se haviam ambos deslocado, tendo-se os demandados afastado.
10. Nessa altura e no momento em que o demandante se encontrava a entrar para o referido veículo, o demandado F...correu até ele e impulsionando-se deu um encontrão com os dois pés na porta lateral direita do referido veículo, que foi atingir o demandante, nomeadamente na cabeça, ficando este entalado.
b) Dos danos:
11. Em consequência destas agressões, sofreu, o ofendido sofreu as lesões descritas à fls. 3, 96, 121, 139 e 201 e, que aqui se dão por reproduzidas, designadamente, fractura frontal a esquerda com afastamento dos topos ósseos e área de hipo-densidade fronto-nasal bilateral em relação com o foco de contusão do traumatismo crâneo-encefálico; cefaleias violentas, tonturas, desequilíbrio, traumatismo craneano, toracalgia e raquialgias, particularmente dolorosas e permanentes.
12. (…) E o demandado R...sofreu traumatismo do lábio superior, do 1° dedo Ia mão direita, espalda e contusão na cabeça (zona occipital).
13. Antes dos eventos, o ofendido tinha 59 anos e fazia esporadicamente trabalhos de pintura e construção civil para terceiros para além de trabalhar as suas terras.
14. Na sequência das aludidas agressões o ofendido desenvolveu um quadro neuropsiquiátrico permanente que se enquadra no síndrome pós-concussional, com alterações cognitivas e amnésicas, tendo ficado totalmente incapacitado para o trabalho, desde 23 de Junho de 2003.
15. Por força das referidas lesões o ofendido passou a tomar diariamente diversos medicamentos que antes não tomava, tendo gasto a quantia de €513,84.
16. Antes dos eventos, a porta do veículo referida em 10 estava em funcionamento, deixando de abrir ou fechar após o ali referido.
17. A reposição da referida porta na situação anterior importa um custo de €760,03.
18. O ofendido sofreu dores, vergonha e vexame.
19. O arguido foi assistido nos dias 23-6-2003 e 11-7-2003 nos HUCoimbra tendo tal assistência importado na quantia de €109,50.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Com relevo para a decisão da causa nenhum outro facto alegado se provou e designadamente não se provou:
- que o demandado tenha ficado com impotência sexual na sequência dos eventos referidos;
- que realizasse trabalhos regulares de construção civil e pintura auferindo quantia mensal não inferior ao salário mínimo nacional.
- que antes dos factos fosse robusto.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal formou-se quanto aos factos provados e não provados, do modo seguinte:
A – Quanto aos factos provados:
1 – Quanto às lesões e sequelas: relatórios de fls. 352 (relativas ao demandado R...em associação ao depoimento dos demandados e das testemunhas M...e P… – militar da GNR que após os fatos compareceu no local referindo ter visto o referido R...com ferimentos na boca) e 8 a 10, 16, 17, 98, 104, 114, 116 a 119, 122, 123, 137 e 191 a 193 referentes ao demandante.
2 – Quanto aos estragos na porta do veículo e custo da respectiva reparação: orçamento de fls. 239, em associação ao depoimento do demandante e da testemunha F..., seu filho.
3 – Quanto à propriedade do veículo: declarações do demandante e da referida testemunha F...;
4 – Quanto à idade do demandante: doc. de fls.242.
5 – Quanto a assistência hospitalar e seu custo: doc. de fls. 232.
6. Quanto à dinâmica dos eventos:
Relativamente à dinâmica dos eventos todos os intervenientes directos depuseram relatando apenas uma parte dos factos - a parte em que foram vítimas - e omitindo a parte em que, por outro lado, foram agressores. A este resultado se chega, comparando os depoimentos em causa entre si e com as declarações prestadas pelas testemunhas F… (filho do demandante), e M...(colega de trabalho dos demandados que foi também arguida e demandada):
De facto, todos admitiram as circunstâncias dos factos nomeadamente os seus antecedentes e contexto próximos, bem como a existência de uma discussão e envolvimento físico entre demandante, por um lado, e demandados por outro lado. Mas cada um deles contou apenas a parte que entendia favorável aos seus interesses (ou dos seus próximos) no processo:
Os demandantes e a referida M…: relataram de forma credível as agressões de que foi vítima do demandado R..., mas negaram as agressões que (os próprios demandantes) infligiram na sequência daquelas (primeiras agressões);
Inversamente demandante (e o seu filho) relataram de modo credível as agressões de que aquele foi vítima, mas negaram as agressões que aquele havia começado por fazer ao demandado R....
Ora o tribunal não atribuiu relevo às referidas negações porque as interpretou como sendo o seguimento de uma estratégia processual defensiva – não contar mais do que necessário para garantir um bom resultado e negar tudo o mais. E fez tal interpretação porque fazendo apelo a critérios de experiência comum, analisando o contexto dos factos, as lesões demonstradas e as versões apresentadas, estas devem considerar-se inteiramente credíveis na parte em que imputaram os factos a cada um dos agentes, pelo que a restante parte (de negação dos próprios factos) não pode ter outra que não a referida interpretação de mera estratégia processual.
Quanto às testemunhas R... e D… nenhum relevo se atribuiu aos seus depoimentos pois que não se considerou credível a por si invocada razão de ciência – alegadamente circulavam com os demandados – face a notórias contradições entre os seus depoimentos e os demandados, demandante e das restantes testemunhas que o tribunal acreditou terem presenciado os factos (cfr. por exemplo o referido quanto a não terem visto o demandante no chão, ou o referido quanto aos envolventes ao local e posição e características do veículo utilizado pelo demandante)
B - Quanto aos factos não provados:
- ou por não se ter feito qualquer prova dos mesmos: o referido quanto à anterior condição de robustez do demandante;
- ou por se ter feito prova do contrário: importância aos alegados danos pelo arranjo do veículo (supostamente) do demandante, visto que, a final tal veículo não era da sua propriedade;
- ou por ter o tribunal ficado na dúvida decidindo de acordo com as regras do ónus da prova aplicáveis: foi assim quanto ao carácter regular e remuneração dos trabalhos em pintura e construção civil antes realizados pelo ofendido (ambos apenas referidos pelos seus familiares, mas sem qualquer base fidedigna – ninguém que tivesse utilizado dos serviços do demandante depôs nem foi apresentado qualquer suporte documental da sua suposta actividade, sendo certo que o demandante estava reformado), ou quanto à ligação causal da impotência sexual do demandante aos factos (sem qualquer apoio técnico, designadamente médico).

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Apreciando e decidindo:
Na sua resposta, sustentou o demandante A... a extemporaneidade do recurso interposto pelos demandados. Contudo, não lhe assiste razão, como bem se notou no despacho proferido no tribunal “a quo” a fls. 764. A sentença recorrida apenas foi depositada na secretaria no dia 16/01/2009, iniciando-se nessa data a contagem do prazo de recurso (CPP, art. 411º, nº 1, al. b). Os recorrentes tiveram em vista a impugnação da matéria de facto, pelo que independentemente da inobservância dos requisitos da impugnação pretendida, o prazo de recurso era de 30 dias (nº 4 do mesmo artigo). Coincidindo o último dia do prazo com um Domingo, dia 16/02/2009, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil imediatamente seguinte (CPC, art. 144º, nº 2), acrescendo ainda 3 dias para a prática do acto sujeito a pagamento de multa (CPC, art. 145º, nº 5, este, como o anterior, ex vi art. 107º, nº 5, do CPP). A multa devida foi paga, pelo que o recurso se deve ter por tempestivamente interposto em 19/02/2009.

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Como resulta patente das “conclusões” do recurso interposto, acima transcritas, estas estão longe de constituir o resumo sintético da motivação, conformação que lhes é apontada pelo nº 1 do art. 412º do Código de Processo Penal (código a que se reportam também as demais normas seguidamente citadas sem menção do diploma de origem), e que serve, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto do recurso - Jurisprudência constante dos tribunais superiores., que opera a vinculação temática do tribunal superior, definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que, como tal, podem sempre ser oficiosamente apreciadas independentemente de terem ou não sido suscitadas pelos recorrentes na motivação.
Fosse este o único vício formal verificado in casu e não se levantariam problemas de maior. Infelizmente assim não sucede, malgrado o que sobre o recurso concernente à matéria de facto vem sendo sucessivamente referido em consecutivas decisões dos tribunais superiores. Vejamos:
Por sentença proferida na sequência do julgamento efectuado por força do reenvio determinado por esta Relação foi interposto, em 19/02/2009, portanto, em plena vigência do regime processual decorrente da entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto - Em vigor desde 15 de Setembro de 2007.. Assim, contrariamente ao que sucedia ao tempo da interposição do anterior recurso, é o decorrente deste último diploma o regime regulador dos termos do recurso agora em análise.
Já no domínio do regime anterior à Lei acabada de referir a jurisprudência vinha interpretando a referência aos suportes técnicos a que se referia o nº 4 do art. 412º como implicando a expressa indicação dos específicos pontos da gravação correspondentes aos depoimentos erradamente valorados. A questão foi clarificada pela reforma introduzida pela Lei nº 48/2007. É ponto assente que querendo impugnar a matéria de facto, o recorrente tem que organizar o recurso com observância do formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do art. 412º; nomeadamente, tem que indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e tem que indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
A indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados faz-se pela indicação precisa dos factos, escrevendo-os ou, pelo menos, indicando as alíneas correspondentes.
Por seu turno, a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida faz-se através da menção das concretas provas – para cada facto, obviamente – que impõem decisão diversa, em obediência a um objectivo prático, que é o de garantir que a impugnação apresentada tem subjacente fundadas razões de discordância.
E como se faz essa indicação, tendo a prova sido gravada?
A lei também o diz: faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do nº 2 do art. 364º, acrescido da indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação. É este o sentido útil da lei.
Expliquemo-lo mais detalhadamente:
Segundo o nº 2 do art. 364º, “quando houver lugar a gravação magnetofónica ou áudio-visual, deve ser consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração”.
Por seu turno, o nº 4 do art. 412º diz que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, “…devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Portanto, impugnando um determinado ponto de facto, que concretizará, o recorrente terá que indicar as provas que fundamentam a impugnação, identificando os depoentes ou declarantes cujas afirmações corroboram a posição sustentada, indicando, por referência ao consignado na acta (nº da cassete, lado A ou B, ou nº do CD), as passagens concretas que fundamentam a discordância relativamente ao aspecto em análise.
Esta indicação concreta implica a indicação dos segmentos relevantes da gravação (é o que resulta da conjugação dos nºs 4 e 6 do art. 412º); o que não significa que apenas os segmentos indicados pelo recorrente venham a ser ouvidos. O tribunal de recurso procederá à audição “… das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa” (nº 6 do art. 412º).
Não se pretende uma indicação genérica, uma indicação explicativa ou a indicação do sentido do depoimento – que ficariam reféns da subjectiva posição sustentada pelo recorrente e logo, do seu interesse num determinado desfecho processual – mas a indicação precisa. Só assim se atinge a concretização exigida pela lei, que não resulta de mero capricho do legislador, antes serve uma finalidade prática: o tribunal de recurso, confrontado com a impugnação da matéria de facto, tem que conhecer exactamente o sentido e o alcance da impugnação; tem que saber exactamente – nem mais, nem menos – o que é que o recorrente entende que está mal julgado e quais os concretos elementos que fundamentam esse entendimento!
Subjacentes a estas exigências legais estão, mais uma vez, razões de ordem prática: garantir que o recorrente não reduz a sua impugnação a considerandos genéricos sobre o sentido da prova e a credibilidade dos depoimentos; e assegurar, simultaneamente, a racionalização da actividade do tribunal superior. Por um lado, responsabiliza-se o recorrente pela indicação precisa dos elementos que impõem uma decisão diversa da recorrida, indicando o trecho do depoimento que pretende invocar e a sua localização; e ao mesmo tempo, faculta-se um acesso simples do tribunal de recurso aos elementos que o recorrente invoca.
Estas exigências têm uma justificação óbvia: feita a indicação nos termos legais, o tribunal de recurso pode aceder de imediato ao trecho da gravação relevante, enquanto que feita a referência ao depoimento, o tribunal de recurso ver-se-ia na contingência de ter que ouvir todo o depoimento para encontrar aquele trecho. A diferença de procedimento, consoante a complexidade do caso e o volume de prova produzida em audiência, poderia traduzir-se em horas, ou dias, ou semanas de trabalho inútil, assim se frustrando um dos objectivos da lei, que já acima se enunciou: a racionalização da actividade do tribunal de recurso, numa perspectiva de combate à morosidade processual.
Ora, os recorrentes limitaram-se a referir genericamente as declarações e depoimentos que pretendem chamar à colação, indicando o início e o fim de cada depoimento em consonância com o que resulta da gravação respectiva, mas omitindo em absoluto a indicação dos segmentos relevantes, antes os sumariando e indicando o respectivo sentido. Repetimos, não é esta a forma adequada de impugnação. O recorrente deve indicar o segmento relevante e não a totalidade do depoimento, por referência ao respectivo início e fim. A indicação da totalidade dos depoimentos prestados é uma indicação que nada concretiza, que de nada serve, e logo, que não cumpre as exigências legais. Sem a expressa indicação das passagens que sustentam a posição assumida pelos recorrentes não se pode considerar satisfeito o dever de concretização decorrente do disposto no art.412º, nº 3, al. b) e nº4, parte final.
A lei processual penal prevê, é certo, a possibilidade de o relator convidar o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões, se porventura estas faltarem ou se delas não for possível deduzir as indicações legalmente impostas. sob pena de rejeição do recurso ou de não conhecimento parcial. Com uma importantíssima limitação, contudo: o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso já fixado na motivação (nº 4 do art. 417º). Assim, não pode o recorrente aproveitar o convite previsto no nº 3 deste art. 417º para tratar questões não abordadas na motivação que inicialmente apresentou, assim como não poderá tratar em sede de conclusões aspectos não abordados na motivação. E se o fizer, não serão conhecidos, por essas “conclusões” não traduzirem a síntese de matéria antes tratada no corpo da motivação.
O corpo da motivação é constituído pelo conjunto fundamentado de argumentos da mais diversa ordem em que o recorrente estriba a sua discordância com a decisão do tribunal recorrido, sejam os erros do julgamento de facto ou de direito ou os vícios da decisão. Mas, para além de concatenar, numa sequência lógica ou orgânica, a razão da discordância relativamente ao decidido, fixa definitivamente a abordagem que o recorrente pretende fazer da decisão recorrida, em ordem a obter a sua alteração ou revogação, isto é, delimita o âmbito do recurso, que já não poderá ser alterado e que também não poderá ser excedido pelas conclusões.
Ora, estando vedada aos recorrentes a alteração do corpo da motivação, no caso vertente inútil se revela o convite para alteração das conclusões. Esse procedimento só deverá ser adoptado se através daquele convite for possível ultrapassar a limitação decorrente da omissão verificada e conhecer da matéria de facto, já que a lei obsta à prática de actos inúteis. E no caso vertente, como vimos, o vício vem da própria motivação e esta é inalterável, não podendo as conclusões exceder os limites definidos por aquela.
Mostra-se, assim, prejudicado, pelas razões apontadas, o conhecimento do recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto

Retenha-se, de todo o modo, que os recorrentes impugnam fundamentalmente o modo de formação da convicção do julgador, a relevância subjectiva dos meios de prova invocados como fundamento da convicção, na vertente da relevância e credibilidade de cada um deles, questionando o juízo de normalidade decorrente da experiência comum que inspirou as conclusões que o julgador retirou da prova, pretendendo a substituição desse juízo pelo juízo que eles próprios, recorrentes, entendem que seria o ajustado à luz da experiência comum. O mesmo é dizer que os recorrentes pretendem ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que eles próprios entendem que deveria ter sido a retirada da prova produzida. Este é um caminho que lhes estava vedado à partida, tanto mais que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º – o que manifestamente não é o caso – o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância. Não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso - No sentido apontado, veja-se o Acórdão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.. Esta é, de resto, uma consequência directa da circunstância de vigorar no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Daí que a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitua, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais” - idem. E sendo assim, quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum - Neste sentido, veja-se o Ac. da Relação de Coimbra, de 6/03/2002 , CJ, ano XXVII, 2º, pág. 44.. Ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” - Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253. . Ora, no caso vertente, aferidas as declarações e depoimentos prestados à luz das regras da experiência e no âmbito do conjunto da prova produzida, nada permite questionar a correcção das conclusões retiradas em primeira instância relativamente ao significado da prova, que se oferece como coerentemente valorada.

No desenvolvimento das suas alegações sustentam ainda os recorrentes que a apreciação da prova tem que respeitar as regras do ónus da prova e que esta impendia exclusivamente sobre o demandante, a quem competia demonstrar que foram os recorrentes os autores das agressões que alega ter sofrido. Esquecem, no entanto, que no domínio do processo penal não existe um verdadeiro ónus de prova. É certo que neste momento se cuida apenas da apreciação de matéria cível e que o art. 129º do Código Penal prescreve que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. Contudo, esta norma tem exclusivamente em vista a directa aplicação das normas materiais de direito civil à determinação da indemnização devida em consequência da prática de um crime. Daqui não se segue a aplicabilidade das normas de direito adjectivo civil ao processo crime, pelo menos no que tange à vertente indemnizatória. O art. 4º do CPP limita o recurso ao Código de Processo Civil para efeitos de integração de lacunas às normas que se harmonizem com o processo penal e ainda assim apenas o admite quando se revelar inviável a aplicação analógica de outras disposições processuais penais. Mas, como é sabido, só existirá verdadeira lacuna relativamente às situações de todo não previstas. Já não traduzirá lacuna ou vazio legal a adopção de critérios diversos para a apreciação de questões semelhantes em distintos ramos do direito. E na verdade, são distintos os modos de exercício do direito à indemnização em processo penal e em processo civil, desde logo, por força dos princípios que regem a marcha de cada um deles, sendo o processo penal dominado pelo princípio da investigação, por contraposição ao princípio da auto-responsabilidade probatória das partes - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, págs 187/189.. Daí que o Código de Processo Penal inclua normas específicas relativas à tramitação do pedido cível (as previstas nos arts. 71º a 84º), gizadas numa perspectiva de celeridade, com vista à sua compatibilização com a tramitação da acção penal, estabelecendo um regime com pontos de contacto com o processo civil (como por exemplo, a necessidade de observância do contraditório - art. 78º, nº 1, do CPP), mas consagrando também soluções distintas em muitos aspectos (como por exemplo, a ausência de efeito cominatório da falta de contestação - nº 3 do citado art. 78º). Se é certo que um dos princípios do processo civil acolhidos na tramitação do pedido cível em processo penal é o da necessidade do pedido, consagrado no nº 1 do art. 74º, e que fora dos casos expressamente previstos (como sucede com a previsão do art. 82º-A do CPP), “o tribunal penal nunca poderá arbitrar qualquer indemnização que lhe não tenha sido pedida” - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 570., tal não consente, no entanto, a conclusão de que o pedido só se poderá fazer valer à custa da observância de um ónus de prova a cargo do demandante. Como refere o Prof. Figueiredo Dias,“deduzido pedido cível, (…), deve o juiz investigar oficiosamente os danos resultantes da infracção, bem como todas as circunstâncias relevantes para a decisão sobre aquele pedido” - idem.. E assim sucede mesmo nos casos em que o processo penal prossegue apenas para apreciação do pedido cível enxertado na inicial acção penal - Cfr. Ac. RL de 26 de Outubro de 2000, in CJ, ano XXV, tomo 4, pág. 154..

Acrescente-se, já agora, que também não têm razão os recorrentes quando sustentam que o tribunal não podia atender às declarações prestadas em audiência apenas na parte em que os depoentes relataram as agressões de que foram vítimas. A liberdade de apreciação decorrente do art. 127º do CPP permite ao tribunal do julgamento valorar apenas uma parte das declarações dos arguidos ou mesmo dos depoimentos das testemunhas, desde que se convença que nessa parte as declarações ou depoimentos correspondem à verdade. Assim sendo e vistas por outro lado as conclusões a que chegou o tribunal relativamente à prova que se desenrolou perante si, não só não intercedia qualquer impedimento legal na valoração parcial das declarações como não há dúvida de que a prova foi correctamente valorada, bem tendo andado o tribunal recorrido ao desvalorizar a negação das agressões perpetradas por cada um dos envolvidos, atendendo simultaneamente ao relato das agressões sofridas. Tal valoração, nas circunstâncias evidenciadas pelo conjunto da prova, é a única que se coaduna com as regras da experiência comum, permitindo a certeza judiciária em que se baseou a decisão recorrida. Se há facto que resulta incontroverso da prova produzida é o que respeita às agressões sofridas pelo demandante e pelo demandado R.... Para além das declarações dos próprios e da prova testemunhal, as sequelas padecidas pelo demandado R...encontram comprovação no relatório de fls. 352, relativo a um episódio de urgência no Hospital Infante D. Pedro, S.A., em Aveiro, em 23/06/2003, tal como as lesões padecidas pelo demandante A… encontram suporte nos documentos referentes a um episódio de urgência nos Hospitais da Universidade de Coimbra também em 23/06/2003 (fls. 9 e 10), bem como nos documentos de fls. 16, 17, 98, 104, 114, 116 a 119, 122, 123, 137 e 191 a 193. Assente a existência das lesões, até porque comprovadas por documentação clínica, verificado, além do mais, pela data dos episódios de urgência hospitalar, que as lesões do demandante e do demandado ocorreram na mesma data e verificado ainda pelas declarações dos próprios e pela demais prova testemunhal que na data em que ambos sofreram as lesões ouve um desaguisado entre demandante e demandados, é óbvio que se cada uma das partes envolvidas, nas respectivas declarações, imputa à outra uma agressão, negando simultaneamente qualquer acto ofensivo, uma firme lógica racional assente nas regras da experiência comum só pode conduzir à conclusão de que cada um dos contendores imputa ao adversário as agressões por ele praticadas, negando simultaneamente as cometidas por si próprio.
Dir-se-á – é essa a linha de defesa seguida pelos demandados – que as lesões do demandante poderão ter tido uma outra origem qualquer…
Claro que não é impossível! Simplesmente, também não é provável! O circunstancialismo descrito pelos próprios intervenientes é garantia suficiente da ocorrência das agressões, a natureza e gravidade das lesões sofridas permite afastar a possibilidade de o demandante as ter causado a si próprio voluntariamente para poder responsabilizar os demandados e não é de crer que se na sequência do confronto com os demandados e no mesmo dia, o demandante tivesse tido um outro confronto físico com outrem de que tivessem resultado as sequelas que foram verificadas (já seriam muitos “ses”…), optasse por omitir os factos correspondentes com o intuito de responsabilizar os ora recorrentes. Todas estas hipóteses e muitas outras podem, em abstracto, ser concebidas, como por exemplo, a avançada pelos demandados, admitindo que o demandante possa ter sofrido lesões em virtude das quedas que sofreu inadvertidamente, ou causadas pelas pessoas que estavam no local e pelo seu filho, que o levaram à força para dentro do seu automóvel, por aquele estar furioso. Contudo, não são lógicas, não encontram apoio nas máximas da experiência nem encontram suporte na prova produzida. E tal como a dúvida relevante em processo penal não é a dúvida absoluta, a pressupor para a sua dissipação o grau de exigência de S. Tomé – ver para crer – antes se afirmando como dúvida metódica e racional, fundada na razoabilidade das situações da vida e na impossibilidade de concluir com segurança pela verificação de um determinado facto, também a certeza judiciária exigível para a condenação não é uma certeza contra todas as possibilidades, mas uma certeza lógica e racional, fundada num equilibrado sentido da vida e da normalidade das situações.
Em conclusão, quanto a este aspecto: o texto da sentença evidencia que a prova foi valorada com razoabilidade e rigor, não merecendo censura o processo lógico-dedutivo evidenciado na motivação do provado.

Sustentam ainda os recorrentes que o tribunal a quo, nestes mesmos autos, já considerou como não provados os factos em crise, na sentença que absolveu os arguidos, ora recorrentes, da prática do crime que lhes era imputado, tendo a decisão sobre essa matéria de facto transitado em julgado.
Se a decisão em causa tivesse o alcance que os recorrentes pretendem atribuir-lhe, a repetição do julgamento anteriormente ordenada por esta Relação teria sido uma pura inutilidade. Contudo, não é assim, como foi oportunamente esclarecido no acórdão que conheceu da nulidade arguida relativamente à decisão do recurso anteriormente interposto. Como se pode ler nessa decisão transitada em julgado, o sentido do acórdão proferido no anterior recurso foi o seguinte:
“- É ordenado o reenvio do processo para novo julgamento;
- Novo julgamento respeitante a toda a matéria de facto, por só dessa forma poderem ser supridos os vícios apontados;
- Face aos factos que vierem a apurar-se nesse julgamento, os mesmos apenas relevam para a decisão do pedido de indemnização cível (matéria da incidência do recurso), porque em relação à parte crime houve decisão transitada em julgado (…)
- Os arguidos não se sujeitam a novo julgamento “para s apurar se forma eles os autores do crime cuja prática lhes é imputada”, mas sujeitar-se-ão a novo julgamento para apurar se foram eles autores (singular ou em comparticipação) de factos susceptíveis de fundamentar a indemnização cível peticionada pelo demandante”.
O excerto transcrito reveste-se de uma clareza tal que dispensa qualquer comentário complementar.

A título subsidiário alegam os recorrentes que, não procedendo a impugnação da matéria de facto, se impunha a redução do valor em que os recorrentes foram condenados a título de indemnização ao demandante, bem como a exclusão da indemnização a cargo do recorrente R....

Relativamente ao primeiro daqueles aspectos começam os recorrentes por afirmar que não ficaram claramente demonstradas e provadas as quantias relativas a medicamentos suportadas pelo demandante, já que nem este nem os seus familiares souberam quantificar tais encargos. Contudo, nos termos em que foi colocada, esta questão prende-se com a matéria de facto provada, não impugnada nos termos legais, tendo resultado prejudicada a sua apreciação pelas razões já antes expostas.

Alegam ainda os demandados que foram condenados a pagar solidariamente ao demandante a quantia de € 12.500,00,correspondendeo a responsabilidade de cada um deles a € 6.250,00, quando a intervenção de cada um deles nos factos foi diversa, impondo-se assim a redução do valor da indemnização em que foi condenado o demandado R..., na medida em que não teve qualquer intervenção no facto indicado no ponto 10 do provado.
Ora, em sede de apreciação do pedido cível, a primeira questão a decidir é sempre a da verificação dos pressupostos da indemnização peticionada.
Como é sabido, a indemnização pelos danos emergentes de um crime insere-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, regendo o art. 483º, nº 1, do Cód. Civil, que dispõe que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Os pressupostos que condicionam a responsabilidade por factos ilícitos e a correspondente obrigação de indemnização estão desde há muito sedimentados tanto na doutrina como na jurisprudência. São eles: O facto voluntário do agente; a ilicitude; o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano; e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Desde logo, a responsabilidade extracontratual pressupõe a verificação de um facto controlável pela vontade, maxime, um comportamento humano que se traduza numa acção do lesante violadora do direito de um terceiro.
É necessário ainda que esse facto seja ilícito, revestindo-se a ilicitude de uma de duas formas possíveis: violação de um direito de outrem ou violação de uma norma legal que proteja interesses alheios.
Exige-se, por outro lado, um comportamento culposo do lesante, em termos de se poder afirmar que aquele podia e devia ter agido de outro modo, de tal modo que o comportamento ilícito lhe possa ser assacado a título de dolo ou, pelo menos, de negligência.
O dano deverá afirmar-se como um prejuízo sofrido pelo lesado na esfera dos seus interesses juridicamente tutelados.
Exige-se, por fim, um nexo de causalidade entre o facto e o dano, na medida em que apenas relevarão para efeitos indemnizatórios os danos que possam ser imputados ao comportamento ilícito do lesante.
Revertendo ao caso em apreço, é possível afirmar a verificação de todos estes pressupostos relativamente a ambos os arguidos: ambos voluntariamente agrediram o lesado nos termos que se tiveram como provados (facto voluntário do agente); a simples violação da proibição legal contida na norma penal que tutela a integridade física do lesado evidencia a natureza ilícita dos factos praticados; a culpa subjacente à actuação de cada um dos demandados evidencia-se na sua actuação deliberada; dúvidas não há de que o lesado sofreu um prejuízo relevante e merecedor da tutela do direito na sua esfera de interesses juridicamente protegidos; e por fim, oferece-se como manifesta a relação de causalidade adequada entre a actuação dos lesantes e o prejuízo sofrido pelo lesado.

Posto isto, verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual relativamente a ambos os demandados, há que afirmar a natureza solidária da responsabilidade que sobre ambos recai. Com efeito, sendo vários os autores do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado (C. Civil, art. 490º), sendo solidária a sua responsabilidade (Art. 497º, nº 1, do mesmo diploma).
Quanto ao direito de regresso entre os responsáveis, aspecto também questionado pelos recorrentes, existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis (nº 2 do citado art. 497º).
Pretendem os recorrentes que o facto de o demandado R...não ter tido intervenção no facto indicado no ponto nº 10 do provado implica a redução do montante da indemnização que deverá ficar a seu cargo, com a consequente redução da sua responsabilidade no domínio das relações internas. No entanto, não se demonstraram factos que devessem ter conduzido a tal conclusão. Na verdade, provou-se que ambos os demandados desferiram vários murros e pontapés na face e nariz do demandante, fazendo-o cair no chão e que de seguida lhe desferiram diversos pontapés em várias partes do corpo, designadamente na cabeça, pelo que as lesões sofridas pelo demandante são imputáveis a ambos os recorrentes. E se é certo que o facto descrito sob o nº 10 foi executado apenas pelo demandado Fernando, desconhece-se, no entanto, porque a prova o não esclareceu (dificilmente o poderia esclarecer) quais as lesões sofridas pelo demandante imputáveis individualmente a cada um dos demandados, razão pela qual subsiste a presunção do nº 2 do art. 497º do Código Civil, com relevo apenas nas relações internas entre os devedores.

Por fim, reclamam os recorrentes a exclusão da indemnização a cargo do demandado R... com fundamento no facto de ter havido uma provocação injusta do próprio demandante, chamando à colação o disposto no art. 570º do Código Civil.
A referida norma, que prevê que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”, foi devidamente ponderada na decisão recorrida. Com efeito, a contribuição do lesado para o dano – que se rege por este preceito – conduziu à redução da indemnização fixada para o valor de € 12.500,00, não se justificando maior redução em função da flagrante desproporção entre a actuação do demandante e a dos demandados e em função dos correspondentes reflexos nas lesões sofridas pelo demandante e pelo demandado R..., como ficou, aliás, bem plasmado na matéria de facto.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.

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Coimbra, ____________
(texto processado pelo relator e
revisto por todos os signatários)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)