Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165107/13.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 542, 544 CPC
Sumário: 1.- Atua como litigante de má-fé quem, antes de interposta a ação, estava já munido de elementos que, com grau de segurança, lhe permitiam aferir duma realidade contraposta aquela que subjaz ao pedido, realidade da qual foi interveniente, omitindo a mesma e mantendo essa postura no decurso dos autos.

2.- Com a entrada em vigor, em 01/09/2013, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e, comparando o texto do artº 458º, agora revogado, com o do novo artº 544º, constata-se que foi eliminada a responsabilidade individual da pessoa singular que aja de má fé em representação da parte/pessoa coletiva, sendo, assim de imputar diretamente à pessoa coletiva, através do seu património, as consequências dessa condenação.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I
S (…), LDA, com sede na (...) , Vagos, intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias proveniente de injunção contra C (…), com residência na Rua (...) Corticeiro de Cima, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 1714,00, acrescida de juros vencidos no montante de € 90,84, e de juros vincendos até integral pagamento.
Alega, para tanto, que no exercício da sua atividade comercial vendeu ao réu, e a seu pedido, diversos materiais de construção, cujos preços lhe debitou através das faturas referidas no requerimento de injunção a fls. 2, sendo que o réu, do total, apenas procedeu ao pagamento da quantia de € 102,53, continuando em dívida o remanescente.
O réu deduziu oposição, alegando que efetivamente a autora lhe forneceu tintas para pintar um muro de uma residência, mas a pintura apresentava manchas e descoloração, motivo pelo qual a autora lhe forneceu novas tintas para resolver a questão, o que não foi possível, pois o muro, apesar de pintado com a nova tinta, continuava a manifestar o mesmo problema, ou seja, a manchar e a perder a cor e, esta situação repetiu-se diversas vezes. Refere ainda que a autora, ao invés de lhe ter vendido tinta de exterior, lhe forneceu tinta de interior, inadequada para o local onde a mesma ia ser aplicada.
Mais alega que a autora acordou consigo que, devido a todos os trabalhos efetuados em consequência do acima exposto, a mesma pagaria a mão-de-obra ao réu com os trabalhos de pintura do referido muro, devendo o réu passar-lhe um recibo no valor dessa mão-de-obra prestada na pintura do muro, o que o réu fez, passando dois recibos no valor total de € 1740,19.
Alega também o réu que pagou € 83,91 relativamente à fatura 97/2013, pelo que esse valor deve ser abatido à quantia em dívida.
Em resposta a essas exceções, a autora negou que tenha assumido o pagamento da mão-de-obra da pintura e alegou não estarem preenchidos os requisitos da compensação.
Referiu ainda que o réu efetuou o pagamento de € 500,00 para abater ao pagamento da sua dívida, montante que foi imputado ao pagamento de outras faturas não peticionadas no requerimento de injunção, admitindo que sobrou o montante de € 83,91 que foi imputado na fatura n.º 97/2013, cujo valor em dívida passou a ser de € 135,71 e não de € 219,62 como é referido no requerimento de injunção.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu o réu do pedido.
Condenou ainda a autora como litigante de má-fé, no pagamento da multa correspondente a 9 UC’s (€ 918,00).

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

II
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo:
1. A autora é uma sociedade comercial que fornece bens e serviços no âmbito da construção civil, bricolage, entre outros, nomeadamente todo o tipo de materiais comercializados numa "Drogaria".
2. No exercício dessa atividade, a autora forneceu ao réu, entre 13.FEV.2013 e 12.JUN.2013, a pedido deste, vários bens, melhor descriminados nas seguintes faturas:
a) Fatura 97/2013 no valor de 219,62 € vencida em 13-02-2013;
b) Fatura 109/2013 no valor de 17,00 € vencida em 14-02-2013;
c) Fatura 117/2013 no valor de 273,82 vencida em 18-02-2013;
d) Fatura 121/2013 no valor de 119,51 € vencida em 19-02-2013;
e) Fatura 151/2013 no valor de 137,24 € vencida em 01-03-2013;
f) Fatura 155/2013 no valor de 70,21 € vencida em 01-03-2013;
g) Fatura 191/2013 no valor de 240,83 € vencida em 14-03-2013;
h) Fatura 220/2013 no valor de 114,11 € vencida em 26-03-2013;
i) Fatura 249/2013 no valor de 35,01 vencida em 11-04-2013;
j) Fatura 264/2013 no valor de 127,00 € vencida em 16-04-2013;
k) Fatura 296/2013 no valor de 51,51 € vencida em 24-04-2013;
l) Fatura 342/2013 no valor de 19,37 € vencida em 14-05-2013
m) Fatura 369/2013 no valor de 91,51 € vencida em 21-05-2013;
n) Fatura 379/2013 no valor de 272,25 € vencida em 27-05-2013;
o) Fatura 417/2013 no valor de 27,54 € vencida em 12-06-2013;
3. A autora entregou as faturas acima referidas ao réu.
4. O réu procedeu ao pagamento à autora em 14.MAR.2013, da quantia de 72,03€ (setenta e dois euros e três cêntimos) e em 12.JUN.2013, o montante de 30,50€ (trinta euros e cinquenta cêntimos), pagamentos que deram origem às notas de crédito n.ºs 8 e 17/2013.
5. O réu procedeu ao pagamento à autora do montante de 83,91€, valor que foi abatido por esta última ao valor da fatura n.º 97/2013 acima referida.
6. Em Agosto de 2012, a autora forneceu ao réu tinta para este proceder à pintura do muro da casa da sua irmã.
7. No entanto, cerca de uma semana após a pintura do referido muro, a pintura do mesmo apresentava diversas manchas.
8. Devido a tal facto, o réu dirigiu-se ao estabelecimento da autora e informou-a do defeito da tinta vendida por esta, nomeadamente, a apresentação de manchas e a perda de cor, tendo a autora fornecido, de novo, tinta para resolver a questão.
9. No entanto, o muro, apesar de pintado com a nova tinta fornecida pela autora, continuava a manifestar o mesmo problema, ou seja, a manchar e a perder a cor, e esta situação repetiu-se diversas vezes.
10. A autora, através de um dos seus representantes legais, acordou com o réu que, devido a todos os trabalhos efetuados por este último, bem como o tempo despendido, a autora pagaria a mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro.
11. A autora pediu ao réu para este lhe passar um recibo no valor da mão-de-obra prestada na pintura do muro.
12. Assim, e conforme o acordado, o réu passou o recibo nº 0185 datado de 12/06/2013 no montante de 1.181,90€, e o recibo nº 0187 datado de 18/06/2013 no montante de 524,05€, constantes de fls. 16 e 17 que aqui se consideram por integralmente reproduzidos.
B) Factos não provados
Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que, a autora, em vez de vender tinta de exterior, forneceu ao réu tinta de interior, com resina a menos.

III
Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), é a seguinte a questão a decidir:
- Se (in)devidamente considerou a 1ª instância estarem observados os pressupostos da condenação por litigância de má-fé.

Limitado embora ao conhecimento do incidente de litigância de má-fé, por não ser a ação suscetível de recurso face ao valor, não estava a recorrente impedida de, nesta sede, impugnar a matéria de facto, contra a qual se insurgiu, como é visível das suas alegações de recurso.
Haveria de o ter feito, contudo, em obediência aos preceitos processuais que regulam tal matéria, no caso o art 640 nº 1 alªs a), b) e c) do CPC, o que não fez, invocando apenas um errado julgamento de facto, a sobrevalorização injustificada de depoimentos testemunhais e a ausência de documentação que suporte determinado segmento da matéria de facto, etc, sem indicação precisa dos concretos ponto de facto considerados como incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Não estando observado tal processualismo, impõe-se dar como fixada a matéria de facto, sendo, perante esta, que importa apreciar se deve a conduta da recorrente ser sancionada ou não, como litigante de má-fé.
Nos termos do nº 2 do art. 542 do Código de Processo Civil diz-se que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Nos termos do n.º 1, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Na atual sistemática processual civil, a tipificar os comportamentos processuais passíveis de obter um juízo de reprovação, abrangem-se não só condutas dolosas como também as gravemente negligentes, determinantes de lesões na esfera jurídica das demais partes processuais bem como da violação de interesses públicos.
Prevê-se, assim, a dedução de pretensão ou de oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão, de modo doloso ou gravemente negligente, a omissão grave do dever de cooperação, e o uso reprovável dos instrumentos processuais.
São, por isso, de reprovar tanto as atitudes processuais dolosas como as gravemente imprudentes.
O dever da boa-fé processual está instituído como um princípio geral do processo civil, segundo o qual os litigantes devem agir como pessoas de bem, isto é, usando, um para com o outro, e para com o tribunal, de correção, honestidade e lealdade.
A litigância de má-fé exige a consciência de que, quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão, não sendo suficiente para preencher tal figura jurídica a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe (nesse sentido Ac. STJ de 11-09-2012, Processo nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1, Relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).
O Tribunal a quo sancionou a conduta ética da autora, considerando ter havido má-fé, geradora de responsabilidade processual.
Provando-se que a autora, através de um dos seus representantes legais, acordou com o réu que, devido a todos os trabalhos efetuados por este último, bem como o tempo despendido, a autora pagaria a mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro. A autora pediu então ao réu para este lhe passar um recibo no valor da mão-de-obra prestada na pintura do muro. Assim, e conforme o acordado, o réu passou o recibo nº 0185 datado de 12/06/2013 no montante de 1.181,90€, e o recibo nº 0187 datado de 18/06/2013 no montante de 524,05€, constantes de fls. 16 e 17 que aqui se consideram por integralmente reproduzidos, ambos no valor total de € 1740,19. A dívida reclamada nestes autos pela autora é de €1714,00,
Ponderou o tribunal recorrido:
«Desta forma, atenta a factualidade provada, a autora assumiu perante o réu o pagamento da mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro, acordando as partes na emissão dos recibos acima referidos nos montantes respetivos de 1.181,90€ e 524,05€, montantes que a autora não pagou e a que acrescem os respetivos juros de mora a contar da data de emissão desses recibos.
Existem, assim, dois créditos recíprocos, ou seja um crédito da autora sobre o réu no valor de capital de € 1630,09, e um crédito do réu sobre a autora no valor de capital de € 1705,95. De acordo com o acima exposto, ambos os créditos são exigíveis pois é lícito ao réu, como autor da compensação, invocar o seu crédito por via de exceção perentória, o que sucedeu na presente ação, sendo que os factos provados permitem concluir pela existência desse crédito alegado pelo réu. As obrigações são fungíveis e da mesma espécie e qualidade, tratando-se ambas de obrigações pecuniárias. A compensação não está excluída por lei e, como já vimos, existiu declaração de vontade de compensar por via de exceção alegada na oposição à injunção.
O facto das duas dívidas não serem de valor idêntico não impede a realização da compensação na parte correspondente, segundo o artigo 847, n.º 2, d Código Civil.
Estão, assim, preenchidos todos os requisitos da compensação.
A autora alega na sua resposta que o Requerido para poder excecionar a compensação sempre teria de alegar e provar que denunciou os defeitos à Requerente no prazo legal. Não se alcança o sentido da argumentação da autora porquanto, no presente caso, o crédito do réu nasce não de qualquer denúncia de defeitos à autora, mas sim de uma declaração de vontade emitida pela própria autora, através de um dos seus representantes legais, no sentido de assumir o pagamento da mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro.
Também improcede a alegação da autora de que não foi interpelada para cumprir o crédito do réu, porquanto foi a própria autora que acordou na emissão dos recibos juntos aos autos pelo réu, pelo que a emissão desses recibos nasceu de um acordo de vontades de ambas as partes.
(…)
Podemos, concluir, assim, que o crédito do réu é superior ao crédito da autora, pelo que, verificando-se a exceção de compensação de créditos invocada pelo réu, este nada deve à autora, pelo que procede totalmente a oposição à injunção, devendo o réu ser absolvido do pedido.
Da litigância de má-fé:
(…)
Na sua resposta à oposição à injunção, a autora declara expressamente que “nunca anuiu assumir o pagamento de mão-de-obra ao requerido” e nunca solicitou ao réu ou lhe foi entregue qualquer recibo. Mais disse desconhecer a que título, em que data e a pedido de quem foram emitidos pelo requerido os referidos recibos.
Aquando da marcação da audiência de julgamento, ambas as partes foram advertidas que, atentas as posições assumidas nas peças processuais, a matéria de facto alegada por ambas poderia ser usada para a condenação por litigância de má-fé, caso se verificasse esse vício processual, nada tendo sido dito ou requerido pelas partes quanto a essa matéria.
(…)
No caso em apreço, resultou provado que a autora, através de um dos seus representantes legais, acordou com o réu que, devido a todos os trabalhos efetuados por este último, bem como o tempo despendido, a autora pagaria a mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro. Mais se provou que a própria autora pediu ao réu para este lhe passar um recibo no valor da mão-de-obra prestada na pintura do muro. Assim, e conforme o acordado, o réu passou o recibo nº 0185 datado de 12/06/2013 no montante de 1.181,90€, e o recibo nº 0187 datado de 18/06/2013 no montante de 524,05€, constantes de fls. 16 e 17.
Os factos acima referidos são factos pessoais praticados pelo próprio representante legal da autora, o qual, por esse motivo, não pode deixar de ter conhecimento dos mesmos. Dessa forma, a autora não podia deixar de saber que foi ela própria a acordar com o réu o pagamento da mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura e que foi a própria autora a pedir ao réu para este lhe passar um recibo no valor da mão-de-obra prestada na pintura do muro, sendo totalmente falsa a sua alegação de “nunca anuiu assumir o pagamento de mão-de-obra ao requerido” e de que nunca solicitou ao réu qualquer recibo. Também é falsa a alegação da autora de que desconhece a que título, em que data e a pedido de quem foram emitidos pelo requerido os referidos recibos, se foi ela própria, através do seu representante legal, a pedir esses recibos.
Atentas as circunstâncias do caso concreto, nos termos acima expostos, a autora agiu dolosamente, pois não podia deixar de ter conhecimento dos factos acima referidos.
Resulta, assim, dos autos, que a autora, dolosamente, com o articulado que apresentou, de resposta às exceções alegadas pelo réu, e, concretamente, na parte em que respondeu à exceção de compensação alegada na oposição à injunção, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos, utilizando os meios processuais com um fim manifestamente reprovável, entorpecendo a ação da justiça e protelando, sem fundamento sério, um resultado certo que se consubstanciava na absolvição do réu do pedido, uma vez que este era também titular de um crédito perante a autora.
Deste modo, nos termos acima expostos, a conduta processual da autora nesta ação enquadra-se assim no disposto nas als. a), b) e d), do nº 2 do citado artigo 542º do CPC, não podendo deixar de se considerar dolosa, tendo a autora mantido a sua má-fé processual durante todo o processo, mesmo depois de ter sido advertida, aquando da marcação da audiência de julgamento, da possibilidade dos factos por si alegados poderem ser utilizados para a condenação por litigância de má-fé.
(…)».
Ponderação que tem a nossa concordância.
Tendo a autora acordado com o réu, na sequência da ineficácia das tintas que este adquirira àquela, que pagaria a mão-de-obra do réu com os trabalhos de pintura do identificado muro, a consequência desse acordo, a forma de o tornar efetivo, eficaz, pressupunha da parte da autora “abrir mão” do valor em dívida por parte do réu, em resultado das faturas não pagas, compensando esse valor - de resto menor ao que assumira e que está traduzido nos recibos emitidos pelo réu à autora - ao devido pelo réu.
Assim sendo, a presente demanda, resulta totalmente injustificada e, a conduta da autora mostra-se eticamente reprovável, na medida em que não só omite, como nega, uma negociação da qual tomou parte ativa.
Sendo justificada a sua censura a título de litigância de má-fé, na medida em que não podia a autora deixar de saber que estava também ela em “dívida” para com o réu e num montante superior ao que peticionava.
O grau de censurabilidade que o seu comportamento comporta, integra-se numa atuação dolosa, merecedora, por isso, dos instrumentos de censura que a lei prevê.
Objeta ainda a apelante que, as pessoas coletivas não podem ser condenadas em litigantes de má-fé, mas sim os seus representantes legais, e que, sendo a autora uma pessoa coletiva e, não obstante as alterações sofridas pelo nCPC a decisão teria de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a atuação maliciosa, o que não fez.
Mas, tal alegação não procede face à lei processual aplicável.
No domínio do Código de Processo Civil que vigorou até 31-08-2013, dispunha o artº 458º que, na hipótese de a parte litigante de má fé ser uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização previstas no artº 456º, recai sobre a pessoa do seu representante que esteja de má fé na causa.
As consequências da condenação por litigância de má-fé recaíam, assim, sobre a pessoa que agia em nome da pessoa coletiva ou sociedade.
Lê-se no ac. do TRP de 26-09-2013, P. 4351/08.8TBVNG.P2, (Relator: José Amaral) in www.dgsi.pt:
«Este modelo remonta ao tempo, hoje ultrapassado, em que praticamente se rejeitava a responsabilidade penal das pessoas coletivas, na medida em que insuscetíveis de um juízo de culpa (segundo o princípio de que societas delinquere non potest) e apenas se admitia a punição de quem individualmente agisse em seu nome. A opção legislativa subjacente é, assim, claramente tributária da ideia de que a responsabilidade por litigância de má fé possuía natureza semelhante à penal e, por isso, só podia ser imputada às pessoas singulares, em consonância, aliás, com a solução que, nos artºs 11º e 12º, se consagrou no Código de 1982 e que perdurou até à Reforma operada pela Lei nº 59/2007, de 04/09, que, alterando o primeiro daqueles artigos, passou a admitir expressamente, em certos casos, a responsabilidade criminal direta de pessoas coletivas».
Com a entrada em vigor, em 1 de Setembro de 2013, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ao caso e, comparando o texto do artº 458º, agora revogado, com o do novo artº 544º vigente, constata-se que foi eliminada a responsabilidade individual da pessoa singular que aja de má fé em representação da parte/pessoa coletiva.
No regime atual, a eventual conduta litigante de má fé da sociedade comercial ser-lhe-á diretamente imputável, respondendo o seu património, em termos gerais, pelas custas, multa e indemnização em que, a esse título, deva ser condenada.
Tal responsabilidade, portanto, deixou de recair sobre o seu representante, ainda que este esteja de má fé na causa e, sendo independente da dele.
Bem andou, assim, o tribunal a quo na condenação da Autora, sociedade comercial, por litigante de má-fé.

Em suma:
- Atua como litigante de má-fé quem, antes de interposta a ação, estava já munido de elementos que, com grau de segurança, lhe permitiam aferir duma realidade contraposta aquela que subjaz ao pedido, realidade da qual foi interveniente, omitindo a mesma e mantendo essa postura no decurso dos autos.
- Com a entrada em vigor, em 01/09/2013, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e, comparando o texto do artº 458º, agora revogado, com o do novo artº 544º, constata-se que foi eliminada a responsabilidade individual da pessoa singular que aja de má fé em representação da parte/pessoa coletiva, sendo, assim de imputar diretamente à pessoa coletiva, através do seu património, as consequências dessa condenação.

IV
Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )
João Moreira do Carmo
José Fonte Ramos