Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
349/14.5T8CLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE DA AÇÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE FAMÍLIA E MANORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1817º, NºS 1 E 3, ALS. A), B) E C), DO C. CIVIL; 6º E 595º, Nº 1, ALS. A) E B), DO NCPC.
Sumário: I – O despacho saneador, nos termos do artº 595º, nº 1, als. a) e b), do nCPC, destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais...; e a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.

II - De entre as ditas exceções perentórias que podem ser objecto desse conhecimento, em sede de despacho saneador, conta-se a caducidade do direito do autor a propor a ação em discussão – caducidade do direito invocado pelo autor.

III - Independentemente da discussão e da opção entre as (duas) teses que se têm perfilado acerca da constitucionalidade (ou não) do prazo do nº 1 do artº 1817º C. Civil (de 10 anos após a maioridade do investigante), ou mesmo independentemente da discussão acerca do modo de contagem desse prazo (desde a efectiva data da maioridade do investigante ou desde a data de entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 01/04), o certo é que no nº 3 do artº 1817º também está previsto outro prazo legal de propositura deste tipo de ações – de 3 anos a contar de ... -, para além do prazo do seu nº 1, e independentemente do decurso daquele prazo de 10 anos a contar da maioridade do investigante.

IV - Este prazo de 3 anos tem sido julgado constitucional, de forme uniforme e reiterada, e nem tal questão/discussão é posta em causa neste recurso, que não se reporta à sua eventual aplicação – tendo a ação prosseguido para efeitos dessa eventual aplicação.

V - Se essa exceção se verifica com base no prazo do nº 1 ou no prazo do nº 3 do artº 1817º do CC não é relevante para efeitos do artº 595º, nº 1, al. b) do nCPC.

O que é relevante é saber se, no estado dos autos, é possível e recomendável que se conheça da dita exceção de caducidade, sem mais e em definitivo.

VI - Ora, tendo sido entendido que tal exceção seria apreciada em sede de sentença final, por efeitos do disposto no nº 3, al. b) do artº 1817º, tudo indica que também o conhecimento da mesma exceção, mas com base no prazo do nº 1 do mesmo preceito, deveria ser relegado para sentença final.

VII - Só então será possível conhecer e decidir acerca dessa eventual e alegada caducidade do direito do autor a propor a presente ação.

VIII – É que nem faz sentido que assim não se proceda, sob pena de se estarem a praticar actos e a proferir decisões fora de tempo e de ocasião processual adequada, que apenas contribuem para de algum modo tornar mais complexo o processo e mesmo para atrasá-lo, em função da dedução de recursos inoportunos, e sem qualquer utilidade ou vantagem, já que em nada se prejudica o conhecimento da aplicabilidade do prazo do nº 1 do artº 1817º CC pelo facto de esse conhecimento ser relegado para decisão final, altura essa em que também se imporá a apreciação do prazo do nº 3 do mesmo preceito – ou seja, a verdadeira e plena apreciação da exceção invocada pelo Réu.

IX - Aliás, a verificação, a suceder, da ocorrência de factos ou circunstâncias que integrem a previsão do nº 3 do artº 1817º até torna inútil a mesma apreciação em relação ao nº 1 desse preceito e da querela jurisprudencial e doutrinal que o mesmo suscita.

X - Como refere o artº 6º do nCPC, cumpre ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, ..., adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Decisão Texto Integral:

            Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            Na Comarca de Leiria - Caldas Rainha – Instância Central – 1ª Secção de Família e Menores, corre termos a ação declarativa, de reconhecimento de paternidade, com processo comum nº 349/14.5T8CLD, que R..., com domicílio na ..., move contra J..., com domicilio na ..., pedindo que seja reconhecida a filiação do Autor em relação ao Réu, com as devidas consequências legais.

            Para tanto e muito em resumo alegou que nasceu em 29 de Março de 1951, tendo sido registado apenas com a identificação do nome da mãe, M..., à data solteira, de 17 anos de idade, conforme assento de nascimento que se junta como doc. 1.

            Que a mãe do A. faleceu em 9 de Fevereiro de 1980, conforme assento de nascimento que se junta como doc. 2.

            Que o A. foi registado sem indicação do nome do pai, não porque a identidade do mesmo fosse desconhecida, mas antes porque o mesmo não quis assumir a paternidade do aqui Autor.

Que, porém, o A. é filho do R., facto esse que sempre foi conhecido, desde o momento em que o A. nasceu.

Que o R. reconhece perante o A. o facto de ser seu pai, desde que o A. era criança e que o A. se recorda de, com a idade de 5 anos, ter sido levado pela avó materna a um quartel, em Lisboa, onde o pai prestava serviço militar, para o visitar.

Que quando o A. vem a Portugal, pelo menos uma vez por ano, e porque o A. tem casa na localidade onde o R. reside, os mesmos, em regra, vêem-se e cumprimentam-se, como pai e filho.

Que a questão do reconhecimento, por parte do R., da paternidade em relação ao A., foi já objecto de muitas conversas entre ambos.

Porém, o R. nunca se mostrou disponível para realizar as diligências necessárias ao averbamento do seu nome no registo de nascimento do A., como seu pai.

Que a questão da regularização do registo do A. tem vindo a ser falada com o R. desde que o A. atingiu a idade adulta.

Que o A. chegou a propor ao R. que se deslocassem os dois ao registo civil para tratarem da regularização do registo de nascimento daquele.

Que num passado mais recente o A. disse ao R. que não queria morrer sem ver a sua situação de registo regularizada.

Perante a insistência do A., o R. referiu que tinha que falar com a sua mulher, para ver se ela concordava.

Que posteriormente o R. informou o A. de que a sua mulher não concordava em que o mesmo reconhecesse a paternidade do A. e que, por isso, nada iria fazer.

Que nessa altura, concretamente no ano de 2013, o A. referiu ao R. que aguardaria até ao verão do ano seguinte, data em que regressaria a Portugal, de férias, pela resolução da situação, por iniciativa do R., o que não sucedeu.

Que o R. sempre assumiu a paternidade do A. perante familiares e amigos, e perante o público em geral.

Que os irmãos do R., ..., ambos já falecidos, sempre trataram o A. como sobrinho.

Que a cunhada do R., ..., viúva de ..., e os filhos destes, ..., sempre se relacionaram com o A., reconhecendo o facto de o A. ser, respectivamente, seu sobrinho e primo.

Que aquando das suas vindas a Portugal o A. visitava estes seus tios e primos, e

continua, agora, a visitar a tia e os primos.

Situação que também se verifica em relação à filha do R., G..., que reconhece o A. como irmão, convivendo com o mesmo e assumindo tal condição.

Que a mãe do A. manteve um relacionamento amoroso com o R., situação que era pública.

As casas onde residiam a mãe do A. e o R. confinavam nas traseiras, circulando

ambos entre as duas casas, passando através dos respectivos quintais.

Tendo o A. nascido quando a mãe tinha 17 anos, tal como o pai, aqui R.

Que a relação amorosa existente entre o R. e a mãe do A. e todo o desenrolar da

gravidez que culminou com o nascimento do A., foram acompanhadas, de muito perto, por duas amigas da mãe do A., ...

Que após o nascimento do A., a sua mãe e o R. mantiveram o seu relacionamento amoroso durante alguns anos.

Face ao que se verifica a presunção de paternidade de J... relativamente a R..., nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artº 1871º do C. Civil, uma vez que o A. sempre foi tratado pelo R. como seu filho, sendo tal facto assumido pelo mesmo publicamente e reconhecido pelos familiares e amigos, tendo existido entre o referido J... e M... uma comunhão duradoira de vida em condições análogas às dos cônjuges, nomeadamente durante o período legal de concepção do Autor.


II

            O Réu             contestou a ação, alegando, além do mais, a caducidade do direito do Autor para propor a presente ação, nos termos do artº 1817º do C. Civil, na redação da Lei nº 14/2009, de 1/04.

            Pede, em consequência, que seja julgada a ação improcedente, pelo facto de estar demonstada a referida e invocada caducidade.


III

            Terminados os articulados teve lugar uma audiência prévia – realizada em 10/12/2015 -, no decurso da qual foi proferido despacho saneador e foram admitidos os róis de testemunhas apresentados pelas partes, bem como os documentos juntos com os articulados, além da admissão da realização de um exame médico-legal.

            Nesse dito despacho saneador foi decidido, além do mais, reconhecer como estando caduco o direito do Autor para a propositura da presente ação, com base no disposto no nº 1 do artº 1817º do C. Civil (na redação da Lei nº 14/2009, de 1/04) – a ação de investigação da paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação -, mas também foi decidido que não se podia ainda ajuizar dessa mesma caducidade com base no nº 3, al. b) do citado preceito – propositura da ação no prazo de três anos posteriores após a cessação do tratamento do autor como filho pelo investigado - , razão pela qual foi aí também decidido relegar para decisão final a apreciação da exceção perentória da caducidade do direito do autor, com base no nº 3, al. b) do artº 1817º do C. Civil – por aplicação do artº 595º, nº 4 do nCPC.


IV

            Da decisão que julgou ter caducado o direito do Autor a propor a presente ação, com base no nº 1 do artº 1817º do C. Civil, interpôs recurso o Autor, recurso que foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou o Apelante formula as seguintes conclusões:

I - O direito ao conhecimento da filiação natural é um direito fundamental constitucionalmente consagrado como de identidade pessoal, nos termos do disposto no artº 26º, nº 1 da C.R.P.

II - Qualquer limitação temporal ao exercício do direito de investigar a paternidade implicaria a violação da referida norma da constituição.

Donde,

III - Os prazos constantes do artº 1817º do C.C., na redacção anterior e posterior à Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, são inconstitucionais.

IV - É pacífica a previsão constitucional dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais.

V - A imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade corresponde à única solução constitucionalmente conforme.

VI - Nos termos do disposto no nº 2 do artº 16º da C.R.P., “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”

E,

VII - Sendo esta um instrumento que vincula o Estado Português, por via do disposto no nº 2 do artº 8º da C.R.P., as disposições que a contrariem padecem não só de um vício de inconstitucionalidade, mas também de um vício de ilegalidade.

Pelo que,

VIII - O prazo estabelecido no nº 1 do artº 1817º é indiscutivelmente inconstitucional, e ao violar normas constantes de convenção internacional gera, também, uma situação de ilegalidade.

IX - A acção de investigação de paternidade é condição necessária à efetivação do imperativo de tutela constitucional dos direitos fundamentais à identidade e a constituir

família, pelo que não se coaduna com a fixação de um prazo de caducidade para o exercício da mesma.

X – A paternidade estabelece-se, também, pelo reconhecimento, e tem eficácia retroactiva.

XI – A decisão recorrenda, na parte de que se recorre, viola o disposto, nomeadamente, nos artºs 8º, nº 2, 16º, nº 1 e 26º, nº 2, todos da C.R.P. e artºs 2º, 8º e 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artºs 1817º, nº 1, 1796º, nº 2 e 1797º, nº 2, estes do C.C.

XII - Termos em que a decisão recorrida, na parte de que se recorre, deve ser revogada, sendo substituída por decisão que reconheça a imprescritibilidade do direito de instaurar acção de investigação da paternidade, seguindo-se os demais termos legais.


V

            Contra-alegou o Réu/recorrido, onde também conclui do seguinte modo:

1. A norma do artigo 1817.º do Código Civil é aplicável às ações de investigação de paternidade, nos termos constantes do artigo 1873.º do Código Civil.

2. No que respeita à jurisprudência emanada do Tribunal Constitucional sobre esta questão de Direito (reportada à constitucionalidade do prazo previsto no nº 1 do artigo

1817.º do Código Civil), é pilar decisório da mesma o acórdão nº 401/2011, nos termos

do qual se decidiu que a norma do nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil não é inconstitucional.

3. Também da jurisprudência posterior e atual, emanada do Tribunal Constitucional,

resulta que a norma do nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil não é inconstitucional.

4. O prazo previsto no nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil deve ser interpretado em

conjugação com os restantes prazos previstos no mesmo artigo.

5. O prazo previsto no nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil não é um autêntico prazo

de caducidade.

6. O prazo de 10 anos, previsto no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, é suficiente para assegurar a tomada de uma decisão consolidada sobre o exercício do direito de ação.

7. O prazo previsto no nº 1 do artigo 1817º não viola o direito fundamental à identidade

pessoal, previsto no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, nem viola o

direito fundamental de constituir família, previsto no artigo 36.º da Constituição da

República Portuguesa não sendo inconstitucional.

8. O prazo previsto no nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil não viola a Declaração

Universal dos Direitos do Homem.

9. Não foram, pois, violadas as normas dos artigos 26.º e 36.º 1, ambos da Constituição

da República Portuguesa.

10. Foi cumprida a previsão e estatuição constante no nº 1 do artigo 1817.º do Código

Civil.

11. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida, na parte em que julga procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação do Recorrente, por violação do prazo de 10 anos, previsto no artigo 1817.º, nº 1 do Código Civil.


VI

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual, conforme resulta da exposição que antecede e das conclusões recursivas apresentadas pelo Recorrente, se limita à reapreciação do decisão proferida em sede de despacho saneador, segundo a qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito do Autor para propor a presente ação, com base no nº 1 do artº 1817º do C. Civil, na redação da Lei nº 14/2009, de 01/04, mas relegando para decisão final a mesma apreciação, com base no nº 3, al. b) do mesmo preceito. 

            Apreciando:

            Nos termos do artº 591º, nº 1 do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06), findos os articulados ... é convocada audiência prévia, ..., destinada a:

a) Realizar tentativa de conciliação, ...;

b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;

c) ... 

d) proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do artº 595º;

...

            Este despacho saneador, nos termos do artº 595º, nº 1, als. a) e b), do nCPC, destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais...; e a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.

            Nesta 2ª hipótese esse despacho fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença – nº 3, 2ª parte, do artº 595º.

            Como resulta do artº 576º, nº 3 desse código p. civil, as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

            De entre as ditas exceções perentórias que podem ser objecto desse conhecimento, em sede de despacho saneador, conta-se a caducidade do direito do autor a propor a ação em discussão – caducidade do direito invocado pelo autor.

            Para o caso presente relevam os artºs 1814º, 1816º, nº 1, 1817º (designadamente na sua redação dada pela Lei nº 14/2009, de 01/04), 1819º, 1847º, 1869º, 1871º, als. a) e e) (este na redação da Lei nº 21/98, de 12/05) e 1873º, todos do C. Civil.

            Destes preceitos resulta, em resumo, que o reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio se efectua por perfilhação ou por decisão judicial em ação de investigação (de paternidade), o que é ou será o caso que se nos apresenta  na presente ação (movida pelo autor contra o seu pretenso pai).

            Porém, resulta do disposto no citado artº 1817º do C. Civil, na redação referida:

1 – A ação de investigação ... só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

2 – Se ...

3 – A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade do investigante;

b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai;

c) Em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

Donde resulta que tendo o aqui Autor nascido em 29/03/1951, manifesto se torna que a presente ação está a ser proposta decorridos mais de 10 anos desde a sua maioridade.

Porém, independentemente da discussão e da opção entre as (duas) teses que se têm perfilado acerca da constitucionalidade (ou não) desse prazo (de 10 anos após a maioridade do investigante), ou mesmo independentemente da discussão acerca do modo de contagem desse prazo (desde a efectiva data da maioridade do investigante ou desde a data de entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 01/04), o certo é que no citado nº 3 do artº 1817º também está previsto outro prazo legal de propositura deste tipo de ações – de 3 anos a contar de ... -, para além do prazo do seu nº 1, e independentemente do decurso daquele prazo de 10 anos a contar da maioridade do investigante.

Este prazo de 3 anos tem sido julgado constitucional, de forma uniforme e reiterada, e nem tal questão/discussão é posta em causa neste recurso, que não se reporta à sua eventual aplicação – tendo a ação prosseguido para efeitos dessa eventual aplicação.

Pelo que, no presente caso, importa apreciar se, não estando em causa o prosseguimento da ação para julgamento – com vista também à eventual aplicação do prazo de caducidade do nº 3 do artº 1817º C. Civil -, se justificava que em sede de despacho saneador tivesse sido conhecido da invocada caducidade do direito do Autor, mas apenas por efeito da aplicação do nº 1 do artº 1817º C. Civil.

Ora, nos termos do citado artº 595º, nº 1, al. b) do nCPC, não permite o presente processo, na sua fase anterior ao julgamento, que seja já apreciada, na sua plenitude, a invocada exceção da caducidade do direito do autor a propor a presente ação, questão esta que também assim foi entendida e decidida no despacho proferido.

Se essa exceção se verifica com base no prazo do nº 1 ou no prazo do nº 3 do artº 1817º do CC não é relevante para efeitos do artº 595º, nº 1, al. b) do nCPC.

O que é relevante é saber se, no estado dos autos, é possível e recomendável que se conheça da dita exceção de caducidade, sem mais e em definitivo.

Ora, tendo sido entendido que tal exceção seria apreciada em sede de sentença final, por efeitos do disposto no nº 3, al. b) do artº 1817º, tudo indica que também o conhecimento da mesma exceção, mas com base no prazo do nº 1 do mesmo preceito, deveria ser relegado para sentença final.

Só então será possível conhecer e decidir acerca dessa eventual e alegada caducidade do direito do autor a propor a presente ação.

É que, com o devido respeito pela decisão proferida, nem faz sentido que assim não se proceda, sob pena de se estarem a praticar actos e a proferir decisões fora de tempo e de ocasião processual adequada, que apenas contribuem para de algum modo tornar mais complexo o processo e mesmo para atrasá-lo, em função da dedução de recursos inoportunos, e sem qualquer utilidade ou vantagem, já que em nada se prejudica o conhecimento da aplicabilidade do prazo do nº 1 do artº 1817º CC pelo facto de esse conhecimento ser relegado para decisão final, altura essa em que também se imporá a apreciação do prazo do nº 3 do mesmo preceito – ou seja, a verdadeira e plena apreciação da exceção invocada pelo Réu.

Aliás, a verificação, a suceder, da ocorrência de factos ou circunstâncias que integrem a previsão do nº 3 do artº 1817º até torna inútil a mesma apreciação em relação ao nº 1 desse preceito e da querela jurisprudencial e doutinal que o mesmo suscita.

Como refere o artº 6º do nCPC, cumpre ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, ..., adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Ora, como até resulta do presente processado, a decisão em causa originou o presente recurso, e eventualmente também recurso para o STJ, quando não mesmo para o Tribunal Constitucional, o que poderá vir a repetir-se com a prolação da decisão final, onde necessariamente se recolocará a apreciação da questão da caducidade do direito do autor e onde então poderá e deverá ser apreciada esta questão na sua plenitude, só então devendo ser interpostos e admitidos os recursos tidos por convenientes e onde todas as referidas questões poderão e deverão ser debatidas, não por partes.

Pelo que, com o devido e necessário respeito, entende-se que foi prematuro o conhecimento da invocada exceção da caducidade do direito do autor a propor a presente ação, com base no nº 1 do artº 1817º do C. Civil, questão esta que melhor e mais apropriadamente será apreciada em sede de decisão final, quando o estado dos autos também permitir a apreciação de tal exceção, mas também com base no nº 3, al. b) do mesmo preceito.

Isto, claro está, sem agora cuidarmos da apreciação da correção ou incorreção da decisão sob recurso e seus fundamentos, o que agora e aqui não está em apreciação, pois apenas estamos a apreciar a (in)oportunidade dessa dita apreciação.

Face ao que estendemos dever ser revogada a dita apreciação e decisão, por processualmente inoportuna, relegando-se o seu conhecimento global para a sentença final, o que se decide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em revogar a apreciação constante do despacho saneador que apreciou a questão da caducidade do direito do autor a propor a presente ação apenas com base no prazo do nº 1 do artº 1817º do C. Civil, por se considerar inoportuna processualmente essa mesma apreciação, relegando-se o seu conhecimento, tal como também com base no nº 3, al. b) do mesmo preceito, para a sentença final.

            Custas do presente recurso pela parte vencida a final – artº 527º, nºs 1 e 2 do nCPC. 

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 20/04/2016

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                   Des. Manuel Capelo