Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
305/11.5T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
INCUMPRIMENTO
NOTIFICAÇÃO
IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: DL Nº 359/91 DE 21/9, DL Nº 133/2009 DE 22/06, DL Nº 269/96 DE 1/9, ARTS.512, 518, 1691, 1695 CC
Sumário: 1 - Sendo os dois mutuários, outorgantes do contrato, casados entre si, e, assim, em coabitação e economia comum, a carta enviada pelo mutuante, em caso de incumprimento daqueles, necessária à verificação dos requisitos do Artigo 20.º do D.L. n.º 133/2009, apenas em nome do marido, 1º mutuário, tem de presumir-se como dirigida ao casal.

2 - O pedido que seja considerado inadmissível por AUJ deve ter-se por “manifestamente improcedente”, vg. para o efeito do art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96 de 1.9, ao qual, assim, não pode ser conferida força executiva.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.       

Banco (...), S.A., intentou contra AC (…) e mulher AO (…) acção com processo especial para cumprimento de obrigações   pecuniárias emergentes de contratos.

Pediu que os réus sejam condenados a pagar-lhe:

1º - a) a importância de € 3.128,16, acrescida de € 303,53 de juros vencidos até 18 de Fevereiro de 2011, e de € 12,14 de imposto de selo sobre estes juros; b) os juros que, sobre a dita quantia de € 3.128,16, se vencerem, à taxa anual de 21,998%, desde 19 de Fevereiro de 2011 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair;

2º - a) a importância de € 1.086,41, acrescida de € 67,81 de juros vencidos até 18 de Fevereiro de 2011, e de € 2,71 de imposto de selo sobre estes juros; b) os juros que, sobre a dita quantia de € 1.086,41, se vencerem, à taxa anual de 14,15%, desde 19 de Fevereiro de 2011 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair;

3º - a) a importância de € 1.623,30, acrescida de € 190,23 de juros vencidos até 18 de Fevereiro de 2011, e de € 7,61 de imposto de selo sobre estes juros; b) os juros que, sobre a dita quantia de € 1.623,30, se vencerem, à taxa anual de 19,181%, desde 19 de Fevereiro de 2011 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Alegou:

A celebração com os réus de um contrato de mútuo que estes não cumpriram.

Citados, os réus não contestaram, pelo que o Sr. Juiz deu como provados, por confissão, os factos alegados pelo autor.

2.

Seguidamente proferiu sentença na qual, decidiu:

I – Relativamente ao contrato nº 922130, de 14 de Abril de 2009, julgo a acção improcedente quanto aos pedidos formulados, e respeitantes a este contrato (de condenação dos RR. a pagarem a importância de € 3.128,16, acrescida de € 303,53 de juros vencidos, e de € 12,14 de imposto de selo sobre estes juros) e, em resultado disso, absolvo deles os RR. (…)

II - Relativamente ao contrato nº 716962, de 5 de Abril de 2005, condeno os RR(…) a pagarem ao A. Banco (...), S.A.:

a) as prestações vencidas e não pagas, isto é, a 65ª, vencida a 10 de Setembro de 2010, e as restantes a partir de então e até à data da citação - 28/02/2010 -, no montante de € 93,63 cada uma, acrescidas, cada uma, a partir da data do respectivo vencimento, de juros de mora, à taxa de 14,15%, e do imposto de selo que, à taxa de 4% ao ano, sobre estes juros recair;

b) no que vier a ser liquidado, nos termos do art. 661º, nº 2, do CPC, correspondente ao remanescente da quantia mutuada, vencido com a citação para a presente acção, acrescido de juros de mora, à taxa de 21,15%, e de imposto de selo à taxa de 4%;

c) a quantia de € 37,15 referida em 20 dos factos provados, já entregue pelo R. ao A., começa por ser abatida nos juros em dívida e, se houver parte sobrante, no capital;

III - Relativamente ao contrato nº 896008 de 11/08/2008 condeno os RR. (…) a pagarem ao A. Banco (...), S.A.:

a) as prestações vencidas e não pagas, isto é, a 23ª, vencida a 10 de Julho de 2010, e as restantes a partir de então e até à data da citação - 28/02/2010 -, no montante de € 115,95 cada uma, acrescidas, cada uma, a partir da data do respectivo vencimento, de juros de mora, à taxa de 19,181%, e do imposto de selo que, à taxa de 4% ao ano, sobre estes juros recair; 

b) no que vier a ser liquidado, nos termos do art. 661º, nº 2, do CPC, correspondente ao remanescente da quantia mutuada, vencido com a citação para a presente acção, acrescido de juros de mora, à taxa de 29,181%, e de imposto de selo à taxa de 4%.

Absolvendo os RR. do restante pedido deduzido.

3.

Inconformada recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª - A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto dada como provada nos autos, designadamente no que respeita ao contrato 922130, face ao que consta dos nºs 1 a 10 dos “factos provados”, maxime aos factos constantes dos ditos nºs 4 e 10.

2ª- A sentença recorrida  violou pois,  atenta a dita matéria de facto provada nos autos, o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei  133/2009, de 2 de Junho, nos artigos 512 e 1691, nº 1, alínea a), do Código Civil e também o disposto no 661, nº 1 do Código de Processo Civil, isto com referência  ao primeiro contrato referido nos autos, ou seja ao dito contrato 922130;

3ª- O Acórdão do S.T.J. nº 7/2009, não é Lei no País.

4ª- O dito acórdão não é aliás Assento.

5ª- O artigo 2º do Código Civil foi revogado pelo nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei 239-A/95, de 12 de Dezembro.

6ª- Atento também natureza do processo em causa – processo especial – e o facto  de os RR., regularmente citados, não terem contestado, deveria o Senhor Juiz “a quo” ter de imediato  conferido força executiva à petição inicial, não havendo nem podendo assim pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face ao disposto  no artigo 2º do Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro, preceito que a sentença recorrida violou, apesar de o ter invocado  para considerar provada toda a matéria de facto.

7ª- Termos em que deve conceder-se provimento  ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se  a mesma por acórdão que condene os RR, ora recorridos, na totalidade do pedido, desta forma se fazendo justiça.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Procedência total do pedido com:

- Condenação dos réus quanto ao contrato de mútuo 922130.

- Condenação dos réus nos juros remuneratórios sobre as prestações vincendas.

5.

Os factos provados são os seguintes:

1 – O A., no exercício da sua actividade comercial, por contrato com o nº 922130, constante de título particular, datado de 14 de Agosto de 2009, assinado pelos RR., concedeu- lhes crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo – doc. fls. 18/20.

2 - Nos termos do contrato referido em 1, o A. emprestou aos RR., casados entre si, a importância de € 2.479,29, com vista ao pagamento de débitos anteriores, com juros à taxa nominal de 17,998% ao ano.

3 - A importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida deveriam ser pagos, nos termos acordados, em 60  prestações, mensais e sucessivas, no valor de € 65,17 cada uma, com vencimento a primeira a 10 de  Setembro de 2009, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, vencendo-se a última a 10 de Agosto de 2014.

4 - De harmonia com o acordado entre as partes a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. marido para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária indicada e titulada pelo ora A..

5 - A cláusula 7ª, alínea a), das condições gerais estabelece que o mutuário ficará constituído  em  mora  no  caso  de  não  efectuar,  aquando  do  respectivo  vencimento,  o pagamento de qualquer prestação.

6 - A cláusula 7ª, alínea b), das condições gerais estabelece que em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banco (...) poderá considerar vencidas todas as restantes prestações,  incluindo nelas  os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação  mencionada nas Condições Específicas, como expressamente fica acordado, desde que por escrito em carta  simples dirigida ao mutuário para  a  morada  constante  do  contrato  lhe  conceda  um  prazo  suplementar  de  15  dias  de calendário para proceder ao pagamento das prestações em atraso acrescidas da indemnização devida pela mora, com expressa advertência de que tal falta de pagamento neste novo prazo suplementar implica o dito vencimento por perda de benefício do prazo.

7 – A cláusula 7ª, alínea c), das condições gerais, estabelece que em caso de mora, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais.

8 - Os RR., das prestações referidas, não pagaram a 13ª, vencida a 10 de Setembro de 2010, nem nenhuma das que se lhe seguiram.

9 – Nem quem quer que fosse por eles as pagou ao A..

10 – O A. enviou ao R. marido a carta junta a fls. 22, datada de 31/12/2010, na qual lhe comunica que:

a) encontram-se em débito, relativamente ao contrato nº 922130, mais de 3 prestações sucessivas;

b) nos termos e de harmonia com o disposto nas cláusulas das Condições Gerais do referido contrato, concede-lhe um prazo suplementar de 20 dias de calendário a contar da data da presente carta, para proceder ao pagamento do montante das ditas prestações, acrescido dos respectivos juros, da comissão de gestão  em função de cada prestação em mora, tudo num total de € 558,29;

c) caso até ao termo do referido prazo não seja efectuado o pagamento da referida importância  consideramos, nos termos expressamente acordados, vencidas todas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual.

11  -  O  A.,  no  exercício  da  sua  actividade  comercial,  e  com  destino,  segundo informação então prestada pelo R. marido, à aquisição de um veículo automóvel, da marca Peugeot, modelo 306 2.0 HDI, com a matrícula 19-49-PN, por contrato com o nº 716962, constante  de  título  particular,  datado  de  5  de  Abril  de  2005,  assinado  pelo  R.  marido, concedeu a este crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo – doc. fls. 23/24.

12 -  Nos  termos  do  contrato  referido  em  11,  o  A.  emprestou  ao  R.  marido  a importância de € 14.000,00, com juros à taxa nominal de 10,15% ao ano.

13 - A importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida deveriam ser pagos, nos termos acordados, em 60  prestações,  mensais e sucessivas, no valor de € 304,80 cada uma, com vencimento  a  primeira  a  10  de  Maio  de  2005,  e  as  seguintes  nos  dias  10  dos  meses subsequentes, vencendo-se a última a 10 de Abril de 2010.

14 - De harmonia com o acordado entre as partes a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. marido para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária indicada pelo ora A..

15 - A cláusula 9ª, alínea b), das condições gerais estabelece que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes.

16 – A cláusula 9ª, alínea c), das condições gerais, estabelece que em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual  acrescida  de  4  pontos  percentuais,  bem  como  outras  despesas  decorrentes  do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.

17 – O R. marido solicitou também ao A., ao que este acedeu, que, por conta e ordem dele, celebrasse  um seguro de vida Protecção Total – o que o A. fez – obrigando-se o R. marido a pagar ao A. o valor do  prémio respectivo, juntamente com o valor da prestação mensalmente acordada, que passou assim a ser de € 331,86, a partir de 10/06/2005.

18 – O R. marido, por não poder cumprir o contrato dos autos, solicitou também ao A. que o  saldo  então  em  débito  fosse pago  pelo  R.  marido  pelo  alargamento  do  prazo  do reembolso do empréstimo que passou de 60 para 76 prestações, bem como pela alteração do valor  da  prestação  mensal  que  passou,  assim,  de  €  331,86  para  €  120,69,  a  partir  de 10/09/2009, ou seja, da 53ª prestação, e as restantes nos dias 10 do meses imediatamente subsequentes – fls. 26.

19 – O contrato de seguro de vida Protecção Total, referido em 17, foi anulado a 10/09/2010,  data  de  vencimento  da  65ª  prestação  das  ditas  prestações  na  sequência  da solicitação de anulação efectuada pelo R..

20 - O R. marido, das prestações referidas, não pagou a 65ª, no montante de € 93,63 (face à anulação do seguro), vencida a 10 de Setembro de 2010, nem nenhuma das que se lhe seguiram, tendo, contudo, entregue ao A. a quantia de € 37,15.

21 – Nem quer que seja as pagou ao A. por ele.

22 – O veículo de matrícula 19-49-PN destinou-se ao património comum do casal dos RR.

23 – O A. concedeu, ainda, aos RR., por contrato constante de título particular,com nº 896008, assinado por estes, datado de 11/08/2008, crédito pessoal directo, sob a forma de contrato de mútuo – fls. 27/28.

24 - Nos termos do contrato referido em 23, o A. emprestou aos RR. a importância de € 2.900,00, com juros à taxa nominal de 15,181% ao ano.

25 - A importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida deveriam ser pagos, nos termos acordados, em 36 prestações, mensais e sucessivas, no valor de € 115,95 cada uma, com vencimento  a primeira a 5 de Setembro de 2008, e as seguintes nos dias 5 dos meses subsequentes, vencendo-se a última a 5 de Agosto de 2011.

26 - De harmonia com o acordado entre as partes a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. marido para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária indicada pelo ora A..

27 - A cláusula 7ª, alínea b), das condições gerais estabelece que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes.

28 – A cláusula 7ª, alínea c), das condições gerais, estabelece que em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual  acrescida  de  4  pontos  percentuais,  bem  como  outras  despesas  decorrentes  do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.

29 – A. e RR. subscreveram, a 26/08/2009, um aditamento ao contrato nº 896008, nos termos do qual as partes acordaram a alteração das prestações referidas no contrato do dia 5 para dia 10 de cada mês, sendo a 1ª prestação a ser cobrada na nova data a nº 13, cuja data de vencimento foi alterada de 05/09/2009 para 10/09/2009 – fls. 29.

30 - Os RR., das prestações referidas, não pagaram a 23ª prestação, vencida a 10 de Julho de 2010, nem nenhuma das que se lhe seguiram.

31 – Nem quer que seja as pagou ao A. por eles.

32 – O A. é uma instituição de crédito.

6.

Apreciando.

Como se diz na sentença, o autor invocou, e  estão em causa, três contratos de crédito ao consumo, celebrados, segundo o indicado na petição, em 14 de Abril de 2009, a 5 de Abril de 2005 e a 11 de Agosto de 2008.

E, como outrossim ali é expendido, a lei aplicável a estes contratos não é a mesma: para o primeiro, rege o D.L. n.º 133/2009, de 22/06, que revogou, n.º 1 do seu art. 33.º, o D.L. n.º 359/91, de 21/091  e que entrou em vigor, com excepção do art. 28.º, a 1 de Julho de 2009 (art. 37.º); para os outros dois estatui, o D.L. n.º 359/91, de 21/09.

Vejamos:

6.1.

Quanto ao empréstimo invocado em primeiro lugar.

Estatui o Artigo 20.º do D.L. n.º 133/2009 sob a epígrafe:

Não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor

1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do crédito;

b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.

2 - A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.

No atinente ao primeiro contrato, a que se aplica o regime deste preceito, o Sr. Juiz indeferiu, in totum, a pretensão do demandante.

Para tanto expendeu  que estão verificados, in casu, os dois primeiros requisitos exigidos  pela  alínea  a), a saber:

- 1.º- a  falta  de pagamento de  duas prestações sucessivas ;

- 2.º- excederem as prestações em falta 10% do montante total  do  crédito.

Mas que  não estão presentes os requisitos   exigidos  pela alínea b), quais sejam:

-3.º- ter o  credor concedido  ao consumidor o prazo de 15 dias, no mínimo, para este proceder ao pagamento das prestações em  atraso,  acrescidas  da  eventual  indemnização  devida;

- 4.º-  advertência  expressa,  na comunicação feita a exigir as prestações em dívida, da perda do benefício do prazo;

 -5.º- a não acedência pelo consumidor ao pagamento dos valores em dívida no prazo concedido.

Para fundamentar esta sua última conclusão aduziu o seguinte discurso argumentativo:

«O A. pede a condenação dos RR., “solidariamente entre si”, a pagarem a importância das prestações em dívida neste contrato.

Como se vê de fls. 18 (contrato de mútuo nº 922130), os RR. são casados entre si. Ambos subscreveram o documento, aceitando, assim, o mútuo, como aceitaram assinando os demais documentos constantes de fls. 16, 17 e 19/20, as condições em que aquele (mútuo) lhes foi concedido pelo A. Devem, assim, ambos o respectivo montante que o banco lhes emprestou e nas condições em que este foi concedido.

Claro  que,  existindo  a  responsabilidade  de  ambos  pelo  pagamento  da  dívida,  os requisitos exigidos pela alínea b) do art. 20.º do D.L. nº 133/2009 só ficariam preenchidos se: a) ambos tivessem sido notificados para procederem ao pagamento das prestações em atraso acrescidas  da  eventual  indemnização  devida;  b)  se  a  ambos  fosse  concedido  o  prazo admonitório (que o é, por desempenhar os objectivos do art. 808.º do C. Civil); c) se ambos fossem advertidos dos efeitos da perda do benefício do prazo.

 Mas, não foram: – a carta, na própria alegação do A. (parte final do art. 10.º) da petição e se vê de fls. 22, foi  apenas dirigida ao R. marido. Logo, faltou cumprir o estipulado pela alínea b) do nº 1 do art. 20.º do D.L. nº 133/2009 quanto à Ré mulher. Na falta desse cumprimento não pode o A. invocar a perda do benefício do  prazo em relação a ela. Se não há perda do benefício do prazo, não pode o A. pedir as prestações em falta quanto a ela.

Ou seja e para concluir, a acção tem de improceder quanto a este pedido em relação à Ré mulher.

Tendo o A. pedido a condenação dos RR., “solidariamente entre si”, no pagamento das 48  prestações  em dívida deste contrato, juros e o demais devido, a absolvição da Ré mulher arrasta consigo a absolvição do R. marido.

Ambos os RR. devem as prestações em falta, quer por se terem vinculado ao seu pagamento quer por ser dívida contraída por ambos os cônjuges na constância do casamento– alínea a) do nº 1 do art. 1691.º do C. Civil.

A dívida de que nos ocupamos seria (aceita-se que seja) uma dívida solidária, uma vez que cada um dos RR. responde pela dívida integral e a realização da prestação por um deles libera o outro.

Nestas  obrigações  o  dano  moratório  recairá  apenas  sobre  o  condevedor  que culposamente não cumpra, depois de interpelado.

O A. poderia pedir as prestações e o demais ao R., verificados como estão quanto a ele, todos os  requisitos da perda do benefício do prazo exigidos pelo art. 20.º do D.L. nº 133/2009. Mas, não pediu.

O Tribunal não pode condenar em objecto diverso do que o A. pediu – nº 1 do art. 661.º do CPC. Logo, não pode alterar o pedido feito, condenando apenas o R. marido pelo que respeita ao contrato ora em exame.

Por conseguinte, ambos os RR. têm de ser absolvidos dos pedidos concernentes ao contrato de mútuo nº 922130, celebrado, a 14/09/2009, entre o A. e os RR.»

Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Em primeiro lugar há que ter presente que as obrigações solidárias implicam  não só uma pluralidade de sujeitos, como, na solidariedade entre devedores, a adstrição e responsabilização de uma pluralidade de patrimónios ou de esferas jurídicas patrimoniais autónomas.

Ora o caso vertente não consubstancia, pelo menos ab initio e em toda a linha, uma verdadeira ou perfeita solidariedade,  mas antes uma solidariedade impropria ou imperfeita, pois que, tendo a dívida sido contraída pelos dois cônjuges, ela é da responsabilidade de ambos  e, assim, por ela responde, em primeira mão, e, porventura e no caso de suficiência, unicamente, somente, um património, qual seja, o património comum do casal e, apenas subsidiária e, quiçá, residualmente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges – artºs 1691º n1, al. a) e 1695º nº1 do CC.

 Em segundo lugar importa interiorizar que a hermenêutica jurídica não pode confinar-se à mera letra do texto e, muito menos, constituir  um exercício académico de formulação de hipóteses conceptuais e abstratas alheadas da realidade da vida e das regras da lógica e da experiencia comum.

Antes devendo o julgador operar uma interpretação sensata e razoável, consonante com estas regras, podendo, se necessário, dos factos apurados, retirar outros que não desvirtuem aqueles e antes sejam a sua normal ou natural decorrência, atento o acervo factual assente e todo o circunstancialismo que lhe subjaz ou o envolve.

Ora no caso vertente, considerando, por um lado, que os  réus são  casados um com o outro, estando vinculados, para além do mais, aos deveres de coabitação e de cooperação, em função do qual devem assumir em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram – artºs 1672º e 1674º do CC – e considerando, por outro lado, os motivos que fundamentaram a remessa da carta, e o seu teor (que se reporta ao contrato assinado por ambos os réus), é suposto e é de presumir que o teor da missiva dirigida apenas ao réu a alertá-lo para o incumprimento e para as consequências que este acarretava, também, implicitamente, se destinava à ré e dela o marido lhe deu conhecimento.

Aliás terá sido exatamente por virtude desta relação entre os réus, acrescida do facto de o R. marido, nos termos do contrato referido, ter, como 1º mutuário, que pagar as prestações, por débito em conta, que o autor, consciente ou subconscientemente, terá omitido o nome da ré mulher na missiva, o que se  compreende e aceita.

Assim, de tal omissão não pode concluir-se que o autor não quis comunicar à ré e interpela-la admonitoriamente nos termos constantes na carta. Antes pelo contrário, até porque tal era do seu interesse, pois que, como se viu, em última instancia poderia garantir-se com os bens próprios da ré e nada nos inculca a ideia de que pretendesse renunciar a tal garantia adicional.

E mesmo que assim não fosse ou não se aceite, e se entendesse que a notificação operava apenas relativamente ao réu, este teria de ser condenado.

Pois que todo o regime da solidariedade aponta neste sentido, constituindo, aliás, a sua essencialidade relevante.

Na verdade a obrigação apenas é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera – artº 512º nº1 do CC, sendo que ao devedor solidário não é lícito opor o benefício da divisão, nunca, por si próprio, se liberando de efetuar a prestação por inteiro – artº 518º.

Tal apenas pode acontecer se o credor optar por demandar os devedores solidários conjuntamente, caso em que cada um satisfará apenas a sua quota parte – artº517º - ou decidir demandar apenas um dos devedores apenas por parte da dívida, proporcional, ou não, à quota do interpelado – artº 519º.

Assim sendo nunca a aventada (mas não concedida) não notificação da ré, implicava, por arrastamento, como defendido, a absolvição do réu expressamente notificado e interpelado.

Nem, obviamente, a condenação do réu implicava a violação do artº 661º do CPC, porque o seria em objeto diverso.

 Se o autor pede a condenação solidária de dois réus a pagarem-lhe certos montantes, a possível condenação de apenas um situa-se no âmbito e no âmago do impetrado, não o excedendo, quer quantitativa, quer qualitativamente.

Em suma: procede, neste particular, o recurso, impondo-se a condenação dos réus por esta dívida.

6.2.

Quanto aos juros remuneratórios sobre as prestações vincendas na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato, reguladas pelo DL nº 269/98, de 01.09, no caso de o réu não deduzir contestação.

Esta questão tem sido, nos últimos anos, largamente debatida nos tribunais superiores, maxime os da Relação.

Pensamos que, na esmagadora maioria dos casos, por virtude da colocação da questão por banda do ora recorrente.

Ora vistos tais arestos, conclui-se que a grande maioria se inclina para que tais juros não são de conceder.

Neste sentido vejam-se, entre outros, in dgsi.pt,:

- Acs. da Relação de Lisboa de 15.12.2009 p. 74/09.9TJLSB.L1-1; de 21/1/2010, p. 1353/09.0TJLSB.L1-8; de 04.02.2010, p. 415/09.9YXLSB.L1-8;  de 04.05.2010, p. 931/09.2TJLSB.L1-1; de 06.05.2010, p. 1919/09.9YXLSB.L1-6; e de 24.06.2010, p. 1247/09.0TBPDL.L1-2.

- Acs da Relação do Porto de 01.03.2010 p. 349/09.7TBMDL.P1; de 25.03.2010, p.  3711/09.1TBVFR.P1; de 13.04.2010, p. 2158/09.4TBPNF.P1; de  01.06.2010, p. 1162/09.7TBPFR.P1; de 08.06.2010, p.2802/09.3TBPVZ.P1; e de 25.11.2010p.2734/09.5TBVLG-P1.

- Acs. da Relação de Coimbra de 09/02/2010, p. 174/09; de 09/02/2010, p.4993/09.4T2AGD.C1; de 23.02.2010, p. 168/09.0TBGVA.C1; de 02/03/2010, p. 1817/09.6TBACB.C1; de 02/03/2010, p.682/07.2YXLSB.C1; de 11/05/2010, p. 194/09; 29.06.2010, p. 1597/09.5T2AVR.C1; de  29.06.2010, p. 6342/08.0TBLRA.C1; de14.07.2010, p. 1534/09.7TBACB.C1

Em sentido contrário pronunciaram-se:

- Acs. da Relação do Porto de 25.02.2010, p. 1372/09.7TBPFR.P1; de 18.03.2010, p. 88/08.6TBVNG.P1; de 06.05.2010, p. 1638/09.6TBPFR.P1 e de  19.05.2010, p. 1665/09.3TBAMT.P1

- Ac. Da Relação de Coimbra de 16-12-2009, p.14/09.5TBMLD.C1.

Sufragamos, sem qualquer margem de dúvida, a tese maioritária.

E sendo desnecessárias grandes explanações pois que o tema está exaustivamente dilucidado.

Estatui o art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96 de 1.9 ao dispor que, “se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente”,

O cerne (e o busílis) da questão passa pelo entendimento que se tem quanto à abrangência da expressão “manifestamente improcedente”.

É evidente que, desde logo, ocorre manifesta improcedência da pretensão quando a tese propugnada pelo A. não tenha possibilidade de ser acolhida face à lei.

Mas sê-lo-á, outrossim, quando ela se alcança como contrária a doutrina fixada por Acordão Uniformizador de Jurisprudência?

Aqui as posições divergem, mas, salvo o devido respeito por opinião diversa, a resposta não pode deixar de ser positiva.

Em causa está o AUJ nº nº 7/09, de 25.03.09 que determinou o seguinte: “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao art.º 781.º do Cód. Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

O qual se escorou no seguinte fundamento: «Não se está assim a ver, que peque este entendimento por desconforme com o direito ou com a “boa razão”, constituindo como que um prémio ao devedor relapso, um incentivo ao incumprimento, sendo, sim, inaceitável que pretendendo o mutuante usufruir as vantagens da imediata recuperação do capital disponibilizado ao mutuário, através do mecanismo do art.º 781º do C. Civil por referência a cláusula com idêntica redação, pretenda igual e concomitantemente que este lhe pague o rendimento do mesmo, preço do seu diferimento no tempo, situação por ele próprio feita cessar».

Ou seja, perante posições divergentes na doutrina e na jurisprudência, tal Aresto tornou assente um entendimento, exatamente com vista a evitar decisões díspares, naturalmente consecutoras de injustiças relativas, de insegurança e, inclusive, de afetação da imagem dos tribunais.

Ora, por definição, e porque, exatamente, o Acordão é “uniformizador de jurisprudência”, ele tem de ser acatado pelos tribunais, salvo se  novas e ponderosas razões, de facto ou de direito, que nele não tenham sido escalpelizadas ou previstas, sobrevierem.

Pois que se assim não fosse seria caso para se perguntar, qual a utilidade na prolação de um AUJ.

Efetivamente a questão não é meramente processual formal. É substancial, é de fundo, atém-se à interpretação da lei. E esta interpretação foi feita, em última instancia, precisamente para acabar com a incerteza e atingir (impor) o consenso a certeza, a segurança e a justiça, máxime na sua vertente  relativa ou comparativa.

E todos estes benefícios não podem ser postos em causa por uma interpretação de uma norma processual que, para além de não ser inequívoca, viola a doutrina do Acordão Uniformizador e, assim, frustra os seus desideratos.

Mais. Não podem ficar dependentes de uma simples opção de uma parte no processo, qual seja, o requerido  não contestar a ação.

Interpretação essa que, ademais, violaria a consciência jurídica do julgador do caso, pois que, mesmo que anuísse à tese do AUJ, seria obrigado a conferir força executória também neste particular, mas já decidiria diferentemente se a ação  fosse contestada.

Assim a decisão que resolve a questão substancial decidenda não pode ficar dependente de um simples aspeto processual formal, qual seja, da oposição ou não oposição do requerido. Sob pena de, para a mesma questão essencial, se julgar antagonicamente com prejuízo, repete-se, da segurança, certeza, uniformidade e, em última análise, da realização da justiça e da própria imagem desta perante o cidadão comum, pois que, para contratos de igual clausulado, seriam proferidas sentenças intrínseca e substancialmente contraditórias.

 Tudo isto não obstante o teor do AUJ que, assim, e sem motivos novos e ponderosos que o justificassem, seria ignorado e tornado letra morta, em flagrante e inadmissível violação da sua  ratio e teleologia.

Destarte, e neste especial conspecto, a sentença não merece censura.

6.

Sumariando:
I-  Sendo os dois mutuários, outorgantes do contrato, casados entre si, e, assim, em coabitação e economia comum, a carta enviada pelo mutuante, em caso de incumprimento daqueles, necessária à verificação dos requisitos do Artigo 20.º do D.L. n.º 133/2009, apenas em nome do marido, 1º mutuário, tem de presumir-se como dirigida ao casal.

II- O pedido que seja considerado inadmissível por AUJ deve ter-se por “manifestamente improcedente”, vg. para o efeito do art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96 de 1.9, ao qual, assim, não pode ser conferida força executiva.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença na parte em que absolveu os réus no atinente ao contrato nº 922130, de 14 de Abril de 2009, agora se condenando a pagarem a importância de € 3.128,16, acrescida de € 303,53 de juros vencidos, e de € 12,14 de imposto de selo sobre estes juros.

 No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção da presente  sucumbência.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Carlos Marinho