Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1556/07.2TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV ANADIA JGIC JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 342, 483, 487, 562, 564, 566, 805 CC
Sumário: 1. A atribuição da indemnização por danos futuros emergentes de acidente em que a lesada, que então tinha 32 anos de idade, ficou com uma IPP de 4%, demandando esforços acrescidos para o exercício da actividade profissional que desempenhava, deve começar por calcular-se com recurso ao uso de fórmulas matemáticas, considerando um período de vida activa até aos 70 anos de idade, e tendo em conta o aumento da esperança média de vida, temperando o cálculo assim obtido com recurso à equidade e não procedendo a qualquer desconto decorrente do imediato recebimento do capital, porquanto também não é possível fazer uma adequada previsão sobre qual a evolução da remuneração do lesado num longo período de vida activa.

2. Na indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela lesada, para além da intensidade das dores e da gravidade das sequelas sofridas, deve também atender-se ao tempo que demandou para a alta clínica e, sendo o mesmo muito prolongado (14 meses), atentar que tal situação aumenta a angústia decorrente da situação de incapacidade parcial em que o indivíduo se encontra e a incerteza quanto à evolução da sua situação futura, quer do ponto de vista físico quer da repercussão profissional dessa sua maior fragilidade.

3. Sendo o cálculo da indemnização devida por danos futuros e por danos não patrimoniais, actualizado à data da decisão proferida, os juros de mora não são devidos desde a data da citação, mas apenas desde o dia seguinte ao da prolação da decisão que os atribuiu.

4. Entendimento contrário, violaria a interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 805.º do CC, decidida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. M (…), instaurou contra C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS A..., actualmente B... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, sejam as rés condenadas, na medida das culpas dos respectivos segurados, a pagar-lhe a quantia de €124.171,50 e ainda a importância que se vier a liquidar em Execução de Sentença pelos danos previsíveis emergentes dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetida, medicação, consultas, deslocações, despesas com os mesmos e consequências definitivas, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Em fundamento alegou, que tais danos são decorrentes de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho em que foram intervenientes o ciclomotor de matrícula 1-SVV (...) , no qual a autora seguia como ocupante, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...)VV, cujas responsabilidades civis decorrentes da sua circulação se encontravam transferidas, respectivamente, para a segunda e primeira Rés, imputando, porém, a culpa na produção do acidente à condutora do veículo ligeiro.

2. Contestaram ambas as RR., por impugnação, invocando factos tendentes a afastar a sua culpa, e os danos invocados pela autora.

3. A autora replicou, aceitando que recebeu da Companhia de Seguros C (...) a quantia de €5.012,88€, a qual deverá ser abatida à verba peticionada no artigo 152.º da sua p.i., concluindo, no mais, como já havia feito.

4. Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, seguido da selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, que não mereceram qualquer reclamação.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, a qual também não foi objecto de reclamação, tendo seguidamente sido proferida sentença, na qual se decidiu: «julgo parcialmente provada e procedente a presente acção e, em consequência, condeno as Rés C (...) Companhia de Seguros, SA e B (...) – Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora M (…), a título de danos patrimoniais, a quantia de €7.315,85 (sete mil, trezentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal anual de 4% contados desde a citação das Rés até integral pagamento, e na quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal anual de e 4% desde a presente data até integral pagamento, na proporção de 50% para cada uma.

Condeno ainda as Rés a pagarem à Autora, na proporção de 50% para cada uma, as quantias que se liquidem em execução de sentença, decorrentes de gastos em tratamentos e intervenções cirúrgicas, deslocações e medicamentos, em consequência do acidente dos autos».

6. Inconformados, a A. e a R. B (...), S.A. apresentaram recurso de apelação da sentença proferida, tendo a ré, por requerimento que faz fls. 422 dos autos, desistido do recurso interposto.

7. A autora finalizou a sua minuta recursória com as seguintes conclusões:

«1ª – Face à culpabilidade do responsável, à situação económica de lesado e lesante, às lesões sofridas, às sequelas de que a lesada ficou afectada, ao sofrimento físico-psíquico por esta experimentado, à equidade, ao que consta nos factos provados da sentença (e supra reproduzidos), ao que consta do relatório médico, é justa e equitativa a quantia reclamada nos Autos, a título de danos morais, de € 25.000,00.

2ª – Considerando todas as reflexões expressas na nossa mais recente jurisprudência, temos que a solução mais justa em face da especificidade do caso de que nos ocupamos é a fixação de uma indemnização no montante de € 20.000,00 para compensar a perda de rendimento/dano biológico sofrido pela Autora (quantia que tem em conta a IPP de 5%, a idade limite de 78 anos, o vencimento mensal de € 430,00, e o dano futuro).

3ª – A condenação em juros relativamente à indemnização por danos não patrimoniais deve reportar-se à data da citação e não à data da sentença.

4ª – Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2, 566º, 805º e 806º todos do Código Civil.

Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, na procedência do presente recurso, revogando a douta Sentença de Primeira Instância e proferindo Acórdão nos termos das conclusões que precedem, e sem prejuízo das demais quantias fixadas na Sentença recorrida com as quais se concorda, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual J U S T I Ç A».

7. Por ambas as RR. foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.


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Mantém-se a validade e regularidade da instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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II. O objecto do recurso[1].

Considerando que não foi interposto recurso da sentença quanto à medida da responsabilidade de cada uma das rés, nem quanto aos demais segmentos condenatórios, as questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem apenas em apreciar, pela sua ordem lógica:

- o quantum indemnizatório fixado a título de dano patrimonial futuro;

- o quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais;

- o início da contagem dos juros quanto aos danos não patrimoniais.


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III – Fundamentos

III.1. – De facto

Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:

1. No dia 24.11.2005, pelas 18h30m, deu-se um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...)VV, propriedade de “E... Lda” e conduzido por (…), e o ciclomotor de matrícula 1-SVV (...) conduzido por (…), que levava consigo, como passageira, a Autora.

2. O sinistro ocorreu na localidade de Alagoa, concelho de Águeda, na confluência da EN 333 com a EM de acesso à Urbanização Ninho D`Águia, com a qual aquela (EN 333) entronca pelo seu lado direito, sentido Alagoa – Águeda, formando um entroncamento de boa visibilidade.

3. Timonava o 1-SVV (...) pelo espaço destinado à berma.

4. A EN 333, no local, é em ligeiro declive, desenhando-se numa descida para quem circula no sentido Alagoa – Águeda.

5. Apresenta pavimento asfaltado, em bom estado de conservação.

6. Tem 7,10 m de largura e bermas de ambos os lados da via, delimitadas a faixa de rodagem através de um traço contínuo, dispondo a berma direita de 2,50 m de largura e a da esquerda de 1,90 m de largura (sentido Alagoa - Águeda).

7. Desenvolve-se numa ligeira curva à esquerda, considerando o mesmo sentido, a que se segue uma recta com mais de 100 m de comprimento, toda ela de boa visibilidade.

8. Dispõe de duas hemi-faixas de rodagem e dois sentidos de marcha, delimitados por traço descontínuo ao eixo da via pelo menos na zona do entroncamento.

9. Os serviços clínicos da Ré C (...) deram alta clínica à Autora em 24/01/2007, tendo sido considerada curada, com desvalorização.

10. A Ré C (...) pagou à Autora as perdas salariais desta de 25/11/2005 a 24/01/2007 por considerar o acidente dos autos também acidente de trabalho, com os seguintes períodos de incapacidade temporária: 25/11/2005 a 03/12/2006 – ITA - €5.136,49; de 04/12/06 a 24/01/07 – ITP de 20% - €142,83.

11. À data do acidente, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90.00127586, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo 1-SVV (...)encontrava-se transferida para a Ré A (...) (doc. fls. 85).

12. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo (...)VV encontrava-se transferida para a Ré C (...) – Companhia de Seguros, SA, por contrato de seguro titulado pela apólice n° 204004377 (doc. fls. 97 a 98).

13. A Autora nasceu no dia 2 de Outubro de 1973 (doc. fls. 46).

14. As duas hemi-faixas de rodagem referidas em 8., fora da zona de entroncamento, estão delimitadas por um traço contínuo ao eixo da via.

15. As referidas vias situam-se numa localidade.

16. Sendo marginadas por diversos edifícios habitacionais e comerciais.

17. Sendo zona de intenso movimento de veículos e peões a qualquer hora do dia.

18. No dia do embate referido em 1. estava bom tempo.

19. À hora a que o mesmo ocorreu anoitecia.

20. Havia luz pública no local.

21. O ciclomotor l-SVV (...) pertencia a D... que o conduzia no seu interesse e dele dispunha.

22. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1 a 8 e em 14. a 19. circulava o ciclomotor de matrícula 1-SVV (...)pela EN 333.

23. E no sentido Alagoa-Águeda.

24. A Autora tinha o capacete de protecção colocado e apertado na cabeça.

25. O condutor do 1-SVV (...) circulava como referido em 3. com vista a não estorvar a normal fluidez do trânsito.

26. Atendendo ao intenso tráfego que se fazia sentir na via.

27. Seguia com as luzes do ciclomotor acesas nos médios.

28. Com o capacete de protecção colocado e apertado na cabeça.

29. D (...) pretendia seguir em frente em direcção a Águeda.

30. Quando passava na zona do entroncamento, em frente da EM da Urbanização do Ninho de Águia, surgiu o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...)VV.

31. Circulando pela EN 333 no mesmo sentido Alagoa-Águeda.

32. À retaguarda do 1-SVV (...) .

33. A condutora do (...)VV conhecia a estrada por onde seguia e que se aproximava de um entroncamento por residir muito próximo dali.

34. A condutora do veículo (...)VV guinou o volante para a sua direita porque pretendia mudar de direcção à direita para aquela EM.

35. Dirigindo a frente do veículo que tripulava para a EM de acesso à Urbanização Ninho D`Águia.

36. Atravessou-se à frente do 1-SVV (...) .

37. E cortou a trajectória de D (...) .

38. Que nesse preciso momento começava a passar na zona do entroncamento.

39. D (...) perdeu o controlo do veículo.

40. O que fez com que o ciclomotor, (..) e a Autora tombassem no pavimento.

41. O veículo ligeiro de mercadorias (...)VV era conduzido no interesse, com conhecimento e autorização, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade proprietária.

42. A condutora do veículo (...)VV seguia na variante de Alagoa.

43. No sentido Alagoa-Águeda.

44. Na hemi-faixa de rodagem direita atento o seu sentido de marcha.

45. Com as luzes ligadas em médios.

46. Como pretendia mudar de direcção à direita no entroncamento supra identificado ligou o pisca da direita.

47. E reduziu a velocidade.

48. A cerca de 20 metros do entroncamento avistou o condutor do veículo SVV.

49. No momento em que a condutora do (...)VV se encontrava a efectuar a manobra de mudança de direcção à direita, a entrar para a via da Urbanização Ninho D`Águia, foi embatida na lateral traseira direita, pela frente esquerda do ciclomotor.

50. Já na via que dá acesso à Urbanização ali existente.

51. Mercê do acidente a Autora sofreu fractura da metáfise tibial direita.

52. Fractura vertical a nível da ponta anterior do menisco externo.

53. Rotura do ligamento cruzado anterior.

54. Feridas inciso-contusas nos membros superiores e inferiores.

55. Hematomas e escoriações dispersos por todo o corpo.

56. Para tratamento dessas lesões foi conduzida de ambulância ao Hospital Distrital de Águeda.

57. Onde lhe prestaram os cuidados primários, efectuaram diversos tratamentos, limpeza, desinfecção e medicação das feridas.

58. Foi submetida a exames radiográficos dos membros superiores e inferiores.

59. Fizeram-lhe diversas análises clínicas.

60. E face à gravidade do seu estado mantiveram-na em regime de internamento hospitalar até 08/12/2005.

61. Foi submetida a uma intervenção cirúrgica sob efeito de anestesia geral a 30/11/2005 à perna direita.

62. Tendo-lhe sido feita osteossíntese da fractura da extremidade proximal da tíbia com aplicação de um parafuso na epífise tibial superior.

63. Após o que permaneceu internada naquela unidade hospitalar sempre sujeita a diversas análises, tratamentos e medicação diária.

64. A 08/12/2005 foi-lhe dada alta hospitalar.

65. Sendo remetida para o domicílio com indicação de aí se manter em repouso absoluto.

66. E de continuar a ser acompanhada em regime ambulatório de consultas externas e tratamentos externos no Hospital Distrital de Águeda.

67. O que aconteceu nos dias 05/01/2006, 26/01/2006 e 02/03/2006.

68. Onde lhe era aferida a evolução das lesões e sequelas que sofreu em consequência do acidente dos autos.

69. A Autora foi novamente internada no Hospital Distrital de Águeda a 07/03/2006 para extracção do material de osteossíntese, que teve lugar no dia 08/03/2006, sob efeito de anestesia geral.

70. Após o que foi remetida para o domicílio com indicação de aí permanecer em repouso absoluto.

71. E de iniciar no HOSPITAL DISTRITAL DE ÁGUEDA sessões de fisioterapia, para recuperação das lesões sofridas na perna direita.

72. A Autora frequentou tais tratamentos durante aproximadamente um mês.

73. Até que a Companhia de Seguros C (...), tomou a seu cargo os tratamentos de recuperação da Autora, por considerar o acidente dos autos também acidente de trabalho.

74. Sendo a Autora acompanhada pela Companhia de Seguros C (...) até 24/01/2007.

75. Posteriormente, a Autora continuou e continua em tratamentos até à presente data, tendo vindo a recorrer a médicos da especialidade de Ortopedia.

76. Submetendo-se, para tratamento das lesões sofridas no membro inferior direito, a tratamentos de fisioterapia e recuperação funcional.

77. Que terá de continuar a fazer por tempo indeterminado.

78. Sem possibilidade de recuperação total.

79. Terá de efectuar cirurgias, deslocações e necessitará de tratamentos.

80. A Autora foi submetida a uma ressonância magnética ao joelho direito que lhe foi efectuada em 31.03.2006.

81. De que resultou ser visível túnel ósseo orientado de frente para trás e de fora para dentro, resultante da colocação do parafuso (já retirado) na epífise tibial superior.

82. Existirem sinais de fractura do prato tibial interno.

83. Presença de edema ósseo da epífise tibial envolvendo os topos da fractura.

84. Presença de irregularidades das espinhas tibiais.

85. Detecção de fractura vertical a nível da ponta anterior do menisco externo.

86. Dificuldade em definir com segurança o ligamento cruzado anterior, havendo área hipo-intensa mal definida no seu trajecto nos cortes sagitais, o que se compagina com rotura.

87. Existência de derrame intra-articular.

88. Desde então a Autora iniciou um longo percurso de tratamentos diversos e sessões de fisioterapia, por conta da “ C (...)”, que tinham lugar na “CLINAGUE”, em Águeda.

89. E que decorreram quase diariamente de Maio de 2006 a Novembro de 2006.

90. Em 23.08.2006, a Autora fez nova ressonância magnética ao joelho direito, para aferir da evolução das lesões.

91. Do que resultou que continuam a ser visíveis sinais da anterior intervenção cirúrgica do joelho, com colocação de material de osteossíntese a nível da epífise tibial superior.

92. Continuarem a ser visíveis sinais da fractura envolvendo o prato tibial interno.

93. Irregularidade das espinhas tibiais.

94. Alterações da intensidade de sinal da ponta anterior do menisco externo.

95. Ausência da identificação do ligamento cruzado anterior, havendo porém área hipointensa ao longo do seu trajecto.

96. Apresenta rigidez articular nos movimentos de flexão, rotação e extensão da anca, perna, joelho e pé direitos.

97. A Autora ficou com limitação do arco de amplitude de movimentos daquele membro.

98. Não pode permanecer muito tempo de pé ou deslocar-se normalmente, nem manter o membro inferior direito em flexão, pois sente dores acutilantes.

99. Com as lesões sofridas, os tratamentos a que foi e continua a ser submetida, a Autora teve fortes dores,

100. Que ainda tem ao efectuar movimentos mais acentuados com o membro inferior direito.

101. A Autora ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 4%.

102. À data do acidente a Autora era uma mulher robusta, saudável, bem constituída, trabalhadora, alegre, jovial.

103. Sofre um enorme desgosto e profundo abalo moral por ter ficado afectada das lesões supra referidas.

104. Á data do acidente, a Autora trabalhava como Ferrageiro 3 na empresa "F... S.A. ", auferindo o vencimento mensal base de €430,00.

105. Durante os dias em que esteve totalmente incapacitada para o trabalho apenas ganhou o referido em 10.

106. A Autora trabalharia pelo menos mais 32 anos.

107. A Autora em medicamentos gastou pelo menos €79,92.

108. Em taxas moderadoras para consultas e exames complementares gastou pelo menos 73,30.

109. Em táxis para se deslocar a Aveiro gastou €111,95.

110. Aquando do embate e em virtude deste a Autora inutilizou um relógio no valor de €75,00.

111. Umas calças, uma camisola e um casaco no valor de €80,00.

112. A Autora encontra-se curada.


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Atentos os fundamentos do presente recurso – a divergência, em relação à sentença sob censura, centra-se na determinação dos valores indemnizatórios devidos a título de danos patrimoniais resultantes da IPP e danos não patrimoniais, e sendo certo que o relatório médico-legal junto aos autos em 01-02-2011, que foi seguido de perto pela Mm.ª Juiz a quo na decisão da matéria de facto, e que não foi colocado em crise por qualquer das partes, pensamos que - para além daquilo que do mesmo já se fez constar na decisão de facto -, importa ainda sublinhar o que ali conste e se mostre especialmente relevante para a decisão do presente recurso, mormente por ser explicativo do quadro associado a cada um dos tipos de incapacidade; o grau de dor sofrida; e a descrição das sequelas a relevar como dano estético, ainda que ligeiro.

Realça-se assim da “Discussão” que:

“(…) os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.

2.  A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 24-01-2007 (i.e., 426 dias após o acidente de viação em apreço, data em que teve alta da Companhia de Seguros);      

3.  No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:

Incapacidade temporária geral total (correspondente à fase durante a qual a vítima esteve impedida de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, fixável num período que estimamos em 42 dias ou seja, correspondente aos períodos de internamento hospitalar (para redução e osteossíntese da fractura e posterior extracção do material de osteossíntese), de convalescença no domicílio e imobilização gessada do membro inferior direito.

Incapacidade temporária geral parcial (correspondente ao período durante o qual a vítima, ainda que com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das actividades da vida diária, familiar e social, fixável num período de 384 dias, correspondente ao restante período até à data da consolidação médico-legal, durante o qual a examinanda efectuou consultas e programa de recuperação funcional.

Incapacidade temporária profissional total (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional, fixável no período compreendido entre 24-11-2005 a 03-12-2006 (i.e., 375 dias).

Incapacidade temporária profissional parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua actividade profissional, ainda que com certas limitações), fixável no período          compreendido entre 04-12-2006 a 24-01-2007 (i.e., 51 dias).

Quantum doloris (correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pela vítima durante o período de incapacidade temporária), fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, a gravidade das lesões resultantes, os tratamentos efectuados (nomeadamente cirúrgicos) e o período de recuperação funcional.

4.  No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:

A incapacidade permanente geral (correspondente à afectação definitiva da integridade física e/ ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas), na qual, tendo em conta a experiência médico-legal de casos semelhantes e a consulta da Tabela de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec-Lei 352/07, de 23/10), se valorizam as seguintes sequelas:

No membro inferior direito:

•   Instabilidade anterior do joelho por lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) , determinando limitação nos últimos graus da      flexão (enquadrável no código Mc0623).

Assim, com base na avaliação retirada da Tabela, mas considerando o valor global da perda funcional e que as sequelas atrás descritas são causa de sofrimento físico, limitando a Examinada nas actividades do dia-a-dia, propõe-se uma Incapacidade Permanente Geral actual fíxável em 5 pontos.

 O dano futuro (correspondente ao agravamento das sequelas, que com elevada probabilidade se irá registar e que se pode traduzir num aumento da incapacidade permanente geral), Neste caso, é de valorizar as alterações imagiológicas do joelho direito (traduzidos por irregularidade da superfície articular, edema ósseo e ligeiro derrame articular), que têm tendência a agravar com o decorrer do tempo, facto verificado no exame radiográfico do joelho, justificando o agravamento das queixas.

Contemplamos, deste modo, a figura do dano futuro, atendendo a que se trata de um adulto jovem (à data do acidente de viação com 32 anos de idade).

Rebate profissional: neste caso, as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade que a examinada tinha à data do acidente (metalúrgica), mas implicam esforços acrescidos.

O dano estético (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem em relação a si próprio e perante os outros), fixável no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as sequelas cicatriciais atrás descritas”.

Tais sequelas encontram-se descritas no “exame objectivo nos seguintes termos:

“Na face anterior do joelho, três vestígios cicatriciais, quase inaparentes, o maior, linear, medindo 5mm de comprimento, e o menor, com 3mm de diâmetro;

Na transição do joelho com o terço proximal da face anterior da perna, cicatriz nacarada, linear, com vestígios de pontos, longitudinal, quase inaparente, medindo 2.5cm de comprimento;

Amiotrofia da coxa de 1 em, quando comparada com o segmento contralateral;        

Amiotrofia da perna de 1cm, quando comparada com o segmento contralateral;       

Movimentos do joelho: ligeira crepitação; sem sinais de derrame articular; sinal da gaveta anterior positivo (+) - lesão do ligamento cruzado anterior (LCA); limitação nos últimos graus da flexão do joelho; provas meniscais negativas; dor à palpação na entrelinha articular interior;

Movimentos da articulação coxo-femural e tibiotársica sem alterações”


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Responsabilidade civil
Na presente acção a autora alegou factos conducentes a demonstrar a culpa efectiva e exclusiva da condutora do veículo segurado na primeira ré na produção do acidente mas, por seguir como passageira no ciclomotor que identificou, e para a eventualidade de se vir a constatar que a culpa do acidente se deveu a culpa do condutor deste, formulou o pedido contra as seguradoras de cada um dos veículos intervenientes no embate.
Nos termos genéricos do art. 342.º do Código Civil[2], também afirmados a propósito da matéria referente à responsabilidade civil, no artigo 487.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, ao autor (lesado) incumbe a prova dos factos constitutivos do direito invocado, no caso, “a culpa do autor da lesão”, apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – n.º 2 do citado artigo 487.º - incumbindo, ao invés, às rés a prova de que o acidente ocorreu por culpa do lesado.

Efectivamente, a responsabilidade extracontratual é uma responsabilidade pessoal, e não objectiva pela circulação de veículos ou de outras coisas e é sobre a pessoa responsável que recai o dever de indemnizar, daí que, o seguro de responsabilidade civil por acidente de viação, é sempre pessoal, apesar de destinado ao uso de certo e determinado veículo ou à sua direcção efectiva, razão pela qual assenta na actuação ilícita ou com risco do respectivo condutor.

Ora, a matéria de facto alegada pela autora relativamente à dinâmica do acidente quando submetida a julgamento, logrou revelar-se provada em termos que determinaram a condenação de ambas as rés, com responsabilidade igualmente repartida, fixação que foi aceite pelas partes.

Nos termos do disposto no artigo 483.º do CC “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Concluindo-se, como se concluiu na sentença, pela culpa dos lesantes - condutores dos veículos segurados nas rés  -, na produção do acidente, assenta-se igualmente na sua responsabilidade no ressarcimento dos danos dele emergentes, nos termos já referidos.
Por força do contrato de seguro celebrado entre os proprietários dos veículos e as ora rés seguradoras e titulados pelas apólices supra referidas, as rés são responsáveis pelos danos emergentes do acidente de viação, nos precisos termos em que o respectivo segurado o for e dentro dos limites do seguro – artigos 426.º e 427.º do Código Comercial e artigo 29.º, alínea a), do DL 522/85 de 31.12.

Como se disse, as partes aceitam a fixação da responsabilidade na percentagem de metade para cada uma das rés, cumprindo agora determinar apenas qual o respectivo quantum no tocante à fixação dos montantes da indemnização devida a título de danos futuros e danos não patrimoniais.


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III.2.2.1. – Dano futuro
Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nesta reparação, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixar de obter em consequência da lesão – lucros cessantes - artigo 564.º do CC.
            E, dispõe o artigo 566.º, n.º 2, do CC, que a indemnização em dinheiro, como é o caso, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado - situação real - na data mais próxima que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - situação hipotética actual. É a denominada teoria da diferença[3].  
Na sua petição inicial, a autora, invocando uma incapacidade permanente parcial de 40%, peticionou o pagamento pelas rés da quantia de € 77.056,00€ para ressarcimento dos danos futuros. Em sede recursória, pede a quantia de 20.000,00€ para compensar a perda de rendimento/dano biológico sofrido pela Autora (quantia que tem em conta a IPP de 5%).
Como é entendimento maioritário, a afectação da capacidade para o trabalho constitui um dano patrimonial que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efectiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor[4].
Na verdade, “nos casos em que a percentagem de IPP se não traduz, na prática, numa efectiva perda de ganhos ou de capacidade de ganho proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro, a repercussão negativa da IPP centra-se apenas numa diminuição de condição física, resistência, e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das suas diversas tarefas.

É neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do respectivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros”[5], considerações que se aplicam ao caso em apreço, e daí que também se qualifique tal indemnização como sendo pelo dano biológico, por referência ao tal esforço acrescido que a incapacidade, pela sua mera existência representa.

Por outro lado, tem-se entendido que este denominado “dano biológico”, entendido como “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”[6].
Como calcular, porém, o exacto "quantum" indemnizatório?
Das tentativas para encontrar critérios exactos e rígidos nesta matéria, destacam-se os seguintes métodos:
-           o do recurso às tabelas usadas para calcular as reservas matemáticas e a capitalização das pensões devidas por acidentes de trabalho;
-           o método das tabelas financeiras, segundo o qual a indemnização deve ser calculada em função do tempo provável de vida activa do lesado, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual actualmente julgado adequado fixar em 3%.
Destes critérios tendentes a “objectivar” o mais possível a atribuição de indemnização, tem aplicação frequente a tabela descrita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007[7], assente numa taxa de juro de 3%.
Porém, por inexistir um critério “matemático” que possa ser considerado absolutamente válido para tal efeito, cada vez mais a jurisprudência tem evoluído para utilizar o método das tabelas financeiras apenas como ponto de partida, mitigado pelo prudente arbítrio do julgador, sem olvidar, designadamente, que a taxa de juro bancário não constitui um dado fixo e que deve considerar-se o evoluir das condições económicas, financeiras e sociais desde a data da produção da lesão, nomeadamente as sucessivas alterações dos salários, "maxime" do salário mínimo nacional, e mesmo as oscilações decorrentes da inflação.
Assim, pela incerteza resultante destas fórmulas meramente indicativas, o critério que deve nortear a determinação do valor da indemnização relativa aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade para o trabalho é o da equidade, isto é, o da justiça do caso concreto[8].
Com vista a alcançar tal objectivo, tem sido geralmente aceite na jurisprudência a tese de que a indemnização pelo dano futuro decorrente da frustração de ganhos deve atingir-se através de um capital adequado a produzir um rendimento que se extinga no fim do previsível período da vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de salário[9], o que se consegue por via duma primeira abordagem efectuada através do recurso às sobreditas fórmulas.
Depois, o que deva ser considerado como período previsível da vida activa do lesado também tem oscilado.
Efectivamente, como bem salienta o Supremo Tribunal de Justiça “[a]té há tempos ainda não muito recuados bem poderia afirmar-se que a idade a ter em conta como termo da vida activa para efeito de indemnização por perda de ganho ou de capacidade de ganho deveria ser a de 65 anos, idade em que, em condições normais e de normal previsibilidade, qualquer trabalhador adquiriria o direito à reforma e pensão de velhice, em cujo cálculo se previa a revalorização e actualização das pensões (Lei n.º 17/2000, de 08-08, e DL n.º 35/02, de 19-02).
Porém, como é sabido, em consequência da falada "insustentabilidade do Regime da Segurança Social" a situação tende a alterar-se de forma a, pelo menos, aumentar progressivamente a idade de aquisição do direito a tais pensões, não podendo esquecer-se que, cada vez mais, a vida activa se prolonga para além dos 65 anos.
Daí que, como aliás é entendimento cada vez mais generalizado na Jurisprudência, se aceite como adequado ponderar como limite da vida activa, até ao qual deve ser compensada a perda de capacidade de ganho, a idade de 70 anos”[10].
No cálculo do referido capital, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta, além de outros elementos, a idade do lesado à data do acidente, o tempo provável da sua vida activa, o salário auferido, a depreciação da moeda e, evidentemente o grau de incapacidade sofrido em consequência do acidente, sendo ainda certo que há que ter em atenção que findo o período de vida activa do lesado, não é possível ficcionar que desapareçam instantaneamente todas as necessidades decorrentes da sua vida física, sendo ainda de considerar a respectiva esperança média de vida.
Como lapidarmente escreveu o Conselheiro Lopes do Rego em síntese do que tem sido a evolução jurisprudencial a que fizemos referência, “Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações substanciais às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter fortes reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita na Ac.de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de 3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade - que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de anos, com a consequente possibilidade de rentabilização em termos financeiros)”[11].

Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do artigo 564.º do CC, no caso dos autos provou-se, com interesse para o cálculo da indemnização devida pelas seguradoras rés, que o acidente de que a autora foi vítima quando era transportada no ciclomotor, não se deveu a qualquer conduta que lhe fosse imputável, sendo-o antes e apenas a ambos os condutores segurados em cada uma das rés que no exercício da respectiva condução não observaram as regras estradais a que se encontravam sujeitos.
Acresce que, tendo a autora 32 anos de idade à data do acidente e sendo actualmente a esperança média de vida das mulheres em Portugal, de 84 anos e à data de nascimento da autora é de 70,7[12], o caso dos autos envolve a necessidade de realizar previsões que abrangem um muito longo período temporal, com a imponderabilidade de factores decorrentes de conjunturas económicas muitas vezes dificilmente previsíveis, como a crise com que actualmente nos confrontamos demonstra à evidência.
De facto, mesmo considerando, como consta na resposta à matéria de facto que a autora previsivelmente trabalharia pelo menos mais 32 anos, já nos reportamos a um período temporal superior a três décadas, mas se considerarmos como hoje é até mais razoável que a autora, em vez de trabalhar até aos 65 anos terá que o fazer até mais próximo dos 70, já considerados na esmagadora maioria dos acórdãos proferidos pelo STJ, então já estamos a falar dum período de 37 anos, e se atentarmos na necessária ponderação do que, em face das estatísticas será o período previsível de vida da autora em face da esperança média de vida actual, vemos que o mesmo, contado desde data do acidente, então se cifrava em cerca de 52 anos!
Considerando ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
No caso que nos ocupa tal necessidade é bastante evidente porquanto a autora tinha 32 anos e mercê deste acidente ficará para sempre condicionada pela incapacidade que a afecta na sua vida profissional activa, porquanto a mesma está fisicamente diminuída, ainda que em percentagem que não é objectivamente muito elevada, mas que também tem consequências ao nível do bem estar físico e consequentemente psicológico, estas a avaliar oportunamente em sede de determinação da indemnização devida pelos danos não patrimoniais.
Para cálculo do valor indemnizatório a ponderação dos arestos do Supremo Tribunal de Justiça tirados em situações de acidentes de viação envolvendo menores de idade ou jovens que não tinham iniciado a vida activa, mas relativamente aos quais não havia uma razoável previsão de evolução académica e profissional futura – situação em que podemos que integrar a autora porquanto nada foi alegado pela mesma a este respeito da evolução profissional expectável e a mesma auferia à data do acidente uma retribuição ligeiramente acima da remuneração mínima mensal, tem sido a de considerar como valor de cálculo, pelo menos o que decorre da remuneração mínima mensal[13].
 Assim, no caso dos autos atender-se-á pelo menos, e porque tal é possível em face do tempo decorrido a que os próprios valores fixados para o salário mínimo nacional nos anos de 2005 a 2012, já vieram a ultrapassar o referido montante que a autora então auferia[14], sendo certo que o encerramento da audiência de discussão e julgamento - que é a data mais recente a atender para efeito de indemnização, por força do disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC e 663.º, n.º 1, do CPC - ocorreu em 11-04-2012, data em que o tribunal encerrou os debates[15].
Atender-se-á ainda a que tal retribuição é devida durante 14 meses; à idade da autora à data do acidente; ao período previsível de vida activa e de esperança média de vida; e ao esforço acrescido que a incapacidade parcial permanente de 4%, ou na mensuração do relatório pericial, de 5 pontos tem acarretado na sua vida em geral e consequentemente na sua vida profissional.

Efectivamente, conforme explicam os senhores peritos no relatório pericial, a incapacidade permanente geral de que a autora ficou a padecer em consequência do acidente, corresponde à afectação definitiva da sua integridade física, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, por via das sequelas no membro inferior direito que são causa de sofrimento físico limitando a autora nas actividades do dia-a-dia, e correspondendo o dano futuro ao agravamento das sequelas, que com elevada probabilidade se irá registar e que se podem inclusivamente traduzir num aumento da incapacidade permanente geral, porquanto têm tendência a agravar com o decorrer do tempo, facto verificado in casu no exame radiográfico do joelho, justificando o agravamento das queixas manifestadas, sendo que as mesmas têm rebate profissional porquanto apesar de serem compatíveis com o exercício da actividade que a autora tinha à data do acidente (metalúrgica) implicam esforços acrescidos.
Ponderando ainda, em conformidade com os critérios supra transcritos, que em casos como o que nos ocupa com sinistrados jovens é muito difícil prever quer a potencialidade profissional da autora que poderia conseguir obter remuneração maior, quer as oscilações decorrentes do montante da remuneração e da evolução do mercado de capitais quanto às variações da taxa de juro, (consideramos ser ainda razoável adoptar uma taxa de juro de 3%, ao invés do que temos visto fazer nalguns casos[16]), e, precisamente por via de todos os factores imponderáveis, tanto mais relevantes quanto o tempo previsível de vida activa da lesada e de esperança média de vida se situa em mais de três décadas, não concordamos com o desconto ao montante atribuído de um valor pelo recebimento total e imediato, servindo tal valor para compensar o potencial de crescimento que um trabalhador, sobretudo quando jovem, poderia obter e que também não podemos calcular.
Assim, sufragamos o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que se afirma que “no caso dos danos patrimoniais futuros, não se justifica qualquer dedução ao valor da indemnização correspondente à mais valia que adviria para o lesado de receber de uma só vez aquilo que iria recebendo ao longo do tempo, se, devido à juventude da vítima, não se puder conjecturar que nunca viria a perceber o rendimento global derivado dessa indemnização”[17].   
Ora, apesar de a sentença recorrida nada referir a este respeito, é evidente o uso de uma fórmula matemática, com resultados próximos da referida no citado acórdão, tendo sido atribuída a este título à autora a indemnização de 6.800,00€.
Porém, se usarmos a fórmula que multiplica o cálculo do vencimento anual da autora à data do acidente pelo número de anos de vida activa da autora, multiplicada finalmente pelo valor da incapacidade permanente parcial de 4% que se julgou provada[18], obtemos um valor superior ao decorrente do sobredito cálculo efectuado com a fórmula daquele acórdão.
Assim sendo, e ponderando que, em última análise, devemos julgar segundo a equidade e que aquele valor assim obtido deve sempre ser considerado o mínimo admissível como ressarcitório, então o valor da indemnização a atribuir à autora, ainda que longe do ora peticionado pela mesma, deve efectivamente ser superior àquele que foi fixado pela sentença recorrida, entendendo-se que o valor adequado para indemnizar a Recorrente pelo dano futuro, deve computar-se em 9.000,00€ (nove mil euros).

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III.2.2.2. Danos não patrimoniais
Pretende a recorrente que lhe seja atribuída a quantia de 25.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, tendo-lhe sido a este título atribuído pela sentença recorrida a quantia de 10.000,00€.
Nos termos do disposto no artigo 496.º n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”
O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência.
Assim, “danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” [19].
Como serão indemnizáveis, estes danos, responde-nos a lei afirmando que o cálculo da indemnização devida será efectuado com base na equidade, assim se indemnizando apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – citados n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do CC.
Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dizem que: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[20].
Como podemos verificar um dos aspectos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, Menezes Cordeiro ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”[21].
Por seu turno, Galvão Telles, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”[22].
Para Menezes Leitão a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[23].
            Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[24]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[25], jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ já referido nestes autos[26].
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos corporais com alguma gravidade, que deixaram sequelas permanentes, a nível físico, psicológico e estético.
O acidente foi causado por culpa exclusiva dos segurados das Rés, em consequência de uma condução imprudente de ambos - que provocou o embate entre o ciclomotor em que a autora era transportada e o veículo automóvel - do qual resultaram lesões para a autora, geradoras de uma incapacidade permanente parcial de 4%.
Em consequência do acidente, a autora que tinha à data do acidente 32 anos de idade, sofreu fractura da metáfise tibial direita, fractura vertical a nível da ponta anterior do menisco externo, rotura do ligamento cruzado anterior, feridas inciso-contusas nos membros superiores e inferiores, hematomas e escoriações dispersos por todo o corpo. Face à gravidade do seu estado, esteve internada até 08/12/2005. Foi submetida a uma intervenção cirúrgica sob efeito de anestesia geral a 30/11/2005 à perna direita, tendo-lhe sido feita osteossintese da fractura da extremidade proximal da tíbia com aplicação de um parafuso na epífise tibial superior, após o que permaneceu internada naquela unidade hospitalar sempre sujeita a diversas análises, tratamentos e medicação diária. A 08/12/2005 foi-lhe dada alta hospitalar, sendo remetida para o domicílio com indicação de aí se manter em repouso absoluto e de continuar a ser acompanhada em regime ambulatório de consultas externas e tratamentos externos no Hospital Distrital de Águeda, o que aconteceu nos dias 05/01/2006, 26/01/2006 e 02/03/2006. Foi novamente internada no Hospital Distrital de Águeda a 07/03/2006 para extracção do material de osteossíntese, que teve lugar no dia 08/03/2006, sob efeito de anestesia geral, após o que foi remetida para o domicílio com indicação de aí permanecer em repouso absoluto e de iniciar sessões de fisioterapia, o que fez durante aproximadamente um mês, até que a Companhia de Seguros C (...), tomou a seu cargo os tratamentos de recuperação da Autora, por considerar o acidente dos autos também acidente de trabalho, sendo acompanhada pela Companhia de Seguros C (...) até 24/01/2007. Posteriormente, a Autora continuou e continua em tratamentos até à presente data, tendo vindo a recorrer a médicos da especialidade de Ortopedia, submetendo-se, para tratamento das lesões sofridas no membro inferior direito, a tratamentos de fisioterapia e recuperação funcional, que terá de continuar a fazer por tempo indeterminado, sem possibilidade de recuperação total.
A Autora apresenta rigidez articular nos movimentos de flexão, rotação e extensão da anca, perna, joelho e pé direitos, ficou com limitação do arco de amplitude de movimentos daquele membro, não pode permanecer muito tempo de pé ou deslocar-se normalmente, nem manter o membro inferior direito em flexão, pois sente dores acutilantes. Com as lesões sofridas, os tratamentos a que foi e continua a ser submetida, a Autora teve fortes dores cujo quantum foi fixado num grau 4 numa escada de 1 a 7, que ainda tem ao efectuar movimentos mais acentuados com o membro inferior direito. Ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 4%, que tem repercussão no esforço necessário ao desenvolvimento da sua actividade profissional, afectando a sua vida social e familiar.
À data do acidente era uma mulher robusta, saudável, bem constituída, trabalhadora, alegre, jovial e agora sofre um enorme desgosto e profundo abalo moral por ter ficado afectada das lesões supra referidas, cujo dano estético foi quantificado em 1, numa escala de 1 a 7.

Acresce que, tem de ter-se em consideração que a data da consolidação médico-legal das lesões apenas ocorreu 426 dias após o acidente, ou seja, durante mais de um ano (cerca de 14 meses) a autora sofreu várias fases: 42 dias de incapacidade temporária geral total (correspondente à fase durante a qual esteve impedida de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, incluindo aqui os períodos de internamento hospitalar (para redução e osteossíntese da fractura e posterior extracção do material de osteossíntese), de convalescença no domicílio, e de imobilização gessada do membro inferior direito; e mais de um ano (384 dias) de incapacidade temporária geral parcial (correspondente ao período durante o qual, ainda que com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das actividades da vida diária, familiar e social, ao restante período até à data da consolidação médico-legal, durante o qual a examinanda efectuou consultas e programa de recuperação funcional, sendo que deste período temporal, durante mais de um ano (375 dias) sofreu uma incapacidade temporária profissional total, e teve ainda quase dois meses de incapacidade temporária profissional parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível desenvolver a sua actividade profissional, ainda que com certas limitações).
Além das dores físicas que sofreu em resultado do acidente e das intervenções médicas a que foi sujeita, a autora continuou e continua a sofrer dores decorrentes das limitações físicas de que padece e que afectaram e afectarão toda a sua qualidade de vida, exibindo no seu corpo, ainda que de forma ténue, as cicatrizes provocadas pelo mesmo.
Dir-se-á, que o mero elenco destes factos sofridos por uma jovem de 32 anos, revela à evidência que estamos perante dano não patrimonial indemnizável, subtraindo-se, como é evidente, à aplicação do princípio da reposição natural, previsto nos artigos 562.º e 566.º do CC, em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por estarmos em planos valorativos diferentes, relevando aqui tão somente a equidade.
Ora, para alguém tão jovem quanto a autora, ver-se com as provadas limitações e cicatrizes, que afectam a sua vida familiar, social, e profissional, estamos, como é bom de ver perante sequelas com tal gravidade que constituem dano não patrimonial que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta dos segurados da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro que se arbitrará à autora como lenitivo para a dor psicológica e moral e também para o sofrimento físico que padeceu e ainda padece e perdurará na sua memória.
No caso dos autos, o sofrimento da autora em consequência do acidente, por período superior a um ano foi acentuado e continua a estar presente na sua vida nos termos sobreditos ainda que com limitação reduzida, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, é previsível que a incapacidade da autora aumente com o decurso do tempo, situação que em tempos de crise como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade física no desempenho da actividade profissional e, como tal, na própria manutenção do posto de trabalho.
De facto, “a situação de crise económica que se vive atualmente, e que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego, constitui fator que leva um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, a sentir uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida”[27].
Por tudo o que vem de referir-se, é de concluir que a autora deve ter uma compensação adequada às sequelas decorrentes do acidente que sempre a afectarão, sendo para esse fim que deve servir o constante aumento dos prémios dos seguros.
Efectivamente, assim tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, como lapidarmente pode ver-se no seguinte sumário de um seu recente acórdão: “I - O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas”[28].
Assim, atendendo a todos os factos que resultaram provados e especialmente, à culpa do lesante, ao grau de incapacidade e à idade da autora, entendemos que o valor actualmente adequado para ressarcir os danos sofridos pela autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, corresponde à quantia de 15 000,00€.

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III.2.2.3 - Juros de mora.

Sobre a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, pretende a autora que são devidos juros de mora desde a data da citação, porquanto nada foi referido quanto à actualização.

Porém, não lhe assiste qualquer razão.

De facto, dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do CC, que "[s]e o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número".

Na sequência de interpretações contraditórias proferidas sobre a questão em apreço foi tirado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002, publicado no DR n.º 164, Série 1-A, de 27-06-2002, que definiu uma interpretação restritiva deste n.º 3, estabelecendo a doutrina de que "[s]empre que a indemnização pecuniária por facto nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."

E bem se compreende porque assim se decidiu. Se os juros de mora desde a citação visam precisamente corrigir o desfasamento causado pela depreciação monetária na obrigação de cumprimento, então a condenação no pagamento de juros desde tal data quando o cálculo da indemnização é actualizado ao momento da prolação da decisão, constituiria uma compensação em duplicado por via do mesmo facto: o decurso do tempo.

Diz-se no citado acórdão a este respeito:

"Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista «combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário".

E é assim quer quanto aos danos não patrimoniais, relativamente aos quais não colhem quaisquer dúvidas de que a indemnização atribuída é sempre efectuada por vida de uma decisão actualizadora, já que o respectivo quantum só é encontrado com referência ao momento em que o tribunal procede à respectiva apreciação, o mesmo se passa quanto ao cálculo da indemnização devida relativamente aos danos patrimoniais futuros. Na verdade, tal montante é, em regra, calculado segundo os dados e variáveis que o julgador considera adequados ao tempo da decisão, tanto mais que esses já são conhecidos e, como tal, se lhe impõe a respectiva apreciação, nos termos do citado artigo 566.º, n.º 2, do CC.
No caso dos autos, os valores indemnizatórios supra encontrados foram efectuados com base em dados actualizados à data desta decisão, conforme os respectivos cálculos espelham, razão pela qual “é inadmissível a cumulação dos juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização”[29], donde decorre que os mesmos apenas serão devidos desde o dia seguinte à presente decisão e não desde a data da citação[30].
Pelo exposto, quanto aos montantes indemnizatórios ora encontrados a título de danos futuros e danos não patrimoniais, apenas são devidos juros de mora nos termos referidos e não desde a data da citação.


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III.2.3. - Síntese conclusiva

I - A atribuição da indemnização por danos futuros emergentes de acidente em que a lesada, que então tinha 32 anos de idade, ficou com uma IPP de 4%, demandando esforços acrescidos para o exercício da actividade profissional que desempenhava, deve começar por calcular-se com recurso ao uso de fórmulas matemáticas, considerando um período de vida activa até aos 70 anos de idade, e tendo em conta o aumento da esperança média de vida, temperando o cálculo assim obtido com recurso à equidade e não procedendo a qualquer desconto decorrente do imediato recebimento do capital, porquanto também não é possível fazer uma adequada previsão sobre qual a evolução da remuneração do lesado num longo período de vida activa.

II - Na indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela lesada, para além da intensidade das dores e da gravidade das sequelas sofridas, deve também atender-se ao tempo que demandou para a alta clínica e, sendo o mesmo muito prolongado (14 meses), atentar que tal situação aumenta a angústia decorrente da situação de incapacidade parcial em que o indivíduo se encontra e a incerteza quanto à evolução da sua situação futura, quer do ponto de vista físico quer da repercussão profissional dessa sua maior fragilidade.

III – Sendo o cálculo da indemnização devida por danos futuros e por danos não patrimoniais, actualizado à data da decisão proferida, os juros de mora não são devidos desde a data da citação, mas apenas desde o dia seguinte ao da prolação da decisão que os atribuiu.

IV – Entendimento contrário, violaria a interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 805.º do CC, decidida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002.


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IV - Decisão

Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revogam em parte a sentença recorrida, e, por via disso, condenam as Rés a pagar à Autora, na proporção de 50% para cada uma, a quantia de €9.000,00 (nove mil euros), a título de danos patrimoniais futuros; e de 15.000,00€ (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, sendo estas acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% a partir da data desta decisão.

Custas em ambas as instâncias por Autora e Rés na proporção do decaimento respectivo.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins


[1] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[2] Doravante CC.
[3] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 778.
[4] Neste sentido, cfr. Ac. STJ, de 19-11-2009, proferido na revista n.º 585/09.6YFLSB, 1.ª secção e disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se afirma que “estamos perante danos patrimoniais indirectos quando o dano, atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflecte no património do lesado, daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais”.
[5] Acórdão do STJ, de 07-02-2002, Revista n.º 3985/01 - 2.ª Secção.
[6] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2011, proferido no processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no processo n.º 07A3836, e disponível em www.dgsi.pt, que sintetizou numa fórmula simples para “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no ac. de 05/05/1994 ou do TRC de 04/04/1995”, disponibilizando uma tabela a que se chegou “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo […]”.              
[8] Neste sentido, Ac. STJ de 04-10-2005, Revista n.º 2167/05 - 6.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Jurisprudência temática.
[9] Neste sentido, Ac. STJ de 11-10-2005, Revista n.º 2587/05 - 7.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Jurisprudência temática.

[10] Assim, acórdão do STJ de 22-11-2007, Revista n.º 3620/07 - 1.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Jurisprudência temática.
[11] Acórdão STJ de 05-11-2009, processo n.º 381-2002.S1- 7ª SECÇÃO, em www.dgsi.pt.
[12] Dados publicados pela Pordata, com última actualização em 2012-10-25, relativos ao ano de 2011 e tendo como fonte o Eurostat a partir de dados de Institutos Nacionais de Estatística.

[13] Assim, Ac. STJ, de 24-11-2009, Revista n.º 455/06.0TCGMR – 6.ª secção; de 16-09-2008, Revista n.º 939/08 – 7.ª Secção; de 16-10-2008, Revista n.º 3114/08 – 7.ª secção; de 30-10-2008, Revista n.º 3237/08 – 2.ª secção; de 17-09-2009, Revista n.º 111/03.0TBCTX.S1 – 1.ª secção.
[14] Na verdade, o valor da remuneração mínima mensal foi fixado pelo DL n.º 242/2004, de 31-12, em 374,70€, para vigorar no ano de 2005; DL n.º 238/2005, de 30-12, em 385,90€, para vigorar no ano de 2006; DL n.º 2/2007, de 03-01, em 403,00€, para vigorar no ano de 2007; DL n.º 397/2007, de 31-12, em 426,00€, para vigorar no ano de 2008; DL n.º 246/2008, de 18-12, em 450,00€, para vigorar no ano de 2009; e DL n.º 5/2010, de 15-01, em 475,00€, para vigorar no ano de 2010. Previa-se entretanto que a retribuição mínima mensal ascendesse aos 500€ no ano de 2011. De facto, a retribuição mínima mensal garantida (RMMG), havia sido objecto de um acordo tripartido sobre a sua fixação e evolução, assinado em Dezembro de 2006, pelo Governo e pelos parceiros sociais, no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social, no qual havia sido assumido como objectivo de médio prazo atingir o valor de Euros 500 em 2011. Mas também foi assumido que este objectivo seria ponderado de forma flexível - quer quanto ao montante anual quer quanto ao período de referência dos aumentos -, tendo em conta índices concretos definidores da situação económica para o período em causa, razão pela qual, em face da crise económica vivida, o DL 143/2010, de 31 de Dezembro, veio estabelecer que aquele objectivo seria atingido de forma faseada, estatuindo no seu artigo 1.º que a RMMG seria fixada em 485€, com efeitos a 1 de Janeiro e, posteriormente, sujeita a duas fases de avaliação. Como é sabido tal evolução não foi possível, mantendo-se desde então e ainda no corrente ano o mesmo valor de 485€.
[15] Cfr. por todos, no sentido de que é este o momento a que lei se reporta com a expressão encerramento da discussão em primeira instância, Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 7.ª ed., Almedina 2008, pág. 370.
[16] Por exemplo, citado acórdão de 17-09-2009.
[17] Acórdão do STJ de 20-03-2007, Revista n.º 3261/06-2.ª secção.
[18] E que, como é sabido, não tem que corresponder com os pontos porquanto se trata de unidades de apreciação diversa – cfr. Joaquim José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (no domínio do Direito Civil), in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano XVIII, n.º 19, pág. 60.
[19] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
[20] In “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
[21]In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 288.
[22] In “Direito das Obrigações”, pág. 387.
[23] In “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299.

[24] Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.
[25] Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181.

[26] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298/06.0TBSJM.S1.

[27] Cfr. o recente acórdão do STJ de 26-06-2012, proferido no processo n.º 631/1999.L1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[28] Ac. STJ de 05-07-2007, Revista n.º 1734/07 - 6.ª Secção, disponível no local citado.
[29] Acórdão STJ de, 17-12-2009, Revista n.º 197/2002.G1.S1 - 2.ª Secção, sítio supra citado.
[30] Neste sentido, decidiu o STJ: “sempre que a indemnização pecuniária tenha sido, à data da sentença, actualizada vence juros de mora a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação” – Ac. de 02-07-2009, Revista n.º 2759/08 - 7.ª Secção.