Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
937/16.5 T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: ART. 379.º
N.º 1 AL. C)
DO CPP
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J L CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Legislação Nacional: ART. 379.º, N.º 1 AL. C), DO CPP
Sumário:
I – A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
II – Entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
III – Não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I. Proferido que foi nos autos o Acórdão constante de fls. 762 e segs., notificada do mesmo, veio a arguida/recorrente AA, com sede social na ---, arguir a respectiva nulidade, por omissão de pronúncia [cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal], alegando, em síntese:
a) A Recorrente, nas conclusões VIII., XIII. a XVIII. das suas alegações de recurso, invocou que a sentença recorrida violou o princípio do tratamento mais favorável estabelecido no art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006.
b) O Acórdão do TRC em momento algum se pronuncia sobre a aplicação desse princípio do tratamento mais favorável aos presentes autos.
c) Este princípio é fundamental no direito sancionatório, tendo assento constitucional – art.º 29.º, n.º 4, da CRP.
d) O Acórdão prolatado não poderia ter deixado de se pronunciar sobre a aplicação do art.º 4.º, n.º 2 citado nas situações de sucessão de licenças ambientais, em virtude de estar em causa um dos princípios estruturantes do direito sancionatório e com assento constitucional como dito.
e) Uma sua interpretação no sentido de que o mesmo não se aplica a uma situação de superveniência de uma Licença Ambiental mais favorável, para além de manifestamente ilegal, corresponde a uma interpretação inconstitucional desta mesma norma por ser desconforme com o princípio da aplicação retroactiva do regime mais favorável, estabelecido no elencado art.º 29.º, n.º 4.
Aprofundando,
f) Resulta das conclusões do recurso acima referidas que a recorrente invocou que a sentença recorrida violava tal princípio do tratamento mais favorável, princípio também aplicável ao ilícito de mera ordenação social.
g) E, ante as especificidades próprias do Direito do Ambiente, deve aplicar-se nas situações - como a presente - em que se verifica uma sucessão de licenças ambientais, e não apenas quando se verifica uma sucessão de disposições legais mais favoráveis.
h) Ora, o Acórdão prolatado limitou-se a apreciar a questão de saber se a alteração introduzida pela recorrente no processo produtivo implicava, ou não, um afastamento da aplicação da Licença Ambiental de 2005.
i) Sem se pronunciar sobre o efeito despenalizador patente no aludido art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006, provocado pela entrada em vigor de novas regras administrativas - estatuídas na Licença de 2015 - em momento posterior à data em que a invocada infracção foi cometida.
j) Efectivamente, o facto de o Tribunal ter considerado que em 2010 a Licença Ambiental de 2005 se encontrava em vigor porque não ficou provado que a alteração do processo produtivo provocava uma alteração substancial na actividade da Recorrente, não impede que se considere - por força da aplicação do princípio do tratamento mais favorável -, que a emissão da Licença Ambiental de 2015 “despenalizou” a conduta da recorrente,
l) O facto de o Tribunal ter concluído que a conduta da recorrente era ilícita porque violava a Licença Ambiental de 2005, não o impede de aplicar o princípio do tratamento mais favorável, plasmado no art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006.
m) De resto, é essa precisamente a situação de facto subsumível à aplicação do princípio do tratamento mais favorável na medida em que o mesmo pressupõe que à data da prática do facto a conduta se encontrava tipificada como um ilícito e, posteriormente, por força da entrada em vigor de uma nova lei, a mesma conduta deixa de configurar um ilícito.
Posto isto,
n) Uma vez que no Direito do Ambiente a regulação dos comportamentos relativos ao ambiente é feita sobretudo através dos meios e instrumentos do direito administrativo clássico - o acto administrativo e o regulamento-, a aplicação do princípio do tratamento mais favorável estabelecido no art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006, tanto deve valer para as disposições legais como para as disposições regulamentares, como para os actos autorizativos.
o) O entendimento no sentido de que o art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006 não se aplica nas situações de superveniência de uma Licença Ambiental mais favorável que despenaliza a conduta da arguida, só se aplicando às situações de sucessão de uma lei mais favorável, excluindo as situações de sucessão de licenças ambientais configura uma interpretação do referido preceito legal violadora do n.º 4 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa.
II. Notificado ao efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da arguição de nulidade.
III. Cabe decidir.
Como vem sufragando o Supremo Tribunal de Justiça (inter alia, seus Acs. de 05.12.15; 06.09.03 e 07.02.21, proferidos nos Processos n.ºs 2951/05, 461/06 e 3932/06, mencionados no recurso n.º 131/11.1YFLSB, acessível em www.dgsi.pt), a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal, aplicável in casu, por virtude das disposições conjugadas dos art.ºs 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, e 41.º do RGCO], sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
A síntese argumentativa da arguente AA constante da al. o) do ponto I. supra, diz bem do ora almejado.
Em todo o caso, e decisivo, verdade é que a questão decidenda dos autos consistia em se apurar se era ou não de manter a sua condenação decretada na 1.ª instância. Esta foi tarefa cumprida embora, concede-se, com argumentos que poderão ser questionáveis. Sem que se reproduza aqui o Ac. exarado, realce-se, por exemplo, a menção final (págs. 23) segundo a qual «a superveniência de uma licença mais favorável não determina a sua aplicação imediata; a querela sobre a aplicação da LA 2005 ou a de 2015 surge na sequência da medição das emissões gasosas que se realizaram quando o Decreto-Lei 173/2008 já se encontrava em vigor, pelo que será este a atender para os devidos efeitos». Ao menos implicitamente, não foi esquecida a argumentação da arguente.
Questionável? Decerto. Omissão de pronúncia? Não, de acordo com o entendimento que vimos ser o prevalecente.
IV. Nestes termos, acorda-se neste TRC em indeferir a arguida nulidade.
Custas pela arguente, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UCs.
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Coimbra, 16 de Maio de 2018

Brízida Martins (relator)

Orlando Gonçalves (adjunto)