Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
390/01.8TAVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CRIME DE FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 3º,Nº1 E 3 E 2º, Nº3 DO DL 28/84 DE 20/01
Sumário: 1.Tendo a arguida sociedade e o arguido, este enquanto gerente daquela, sido condenados, com base nos mesmos factos, pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, preenchida está a situação prevista no artº. 3º nºs 1 e 3 e 2º nº 3 do Dec. Lei 28/84 de 20/1, segundo a qual resulta a responsabilidade solidária do recorrente pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida pela prática do crime por que foi condenada.
2. Decorrendo aquela responsabilidade solidária expressamente da lei, é irrelevante o facto de no acórdão condenatório tal não se referir explicitamente.
3.Não há qualquer condenação adicional quando o juiz ao verificar que a sociedade não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada e mostrando-se impossível a sua cobrança coerciva, ordena a notificação do responsável solidário para proceder a esse pagamento.
Decisão Texto Integral: 11
Procº nº 390/01.8TAVIS-A.C1
RELATÓRIO

Em processo comum colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão transitado em julgado, foi, para além do mais decidido, condenar:
a) O arguido P pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artº 36º nº 1 c) do Dec. Lei 28/84, de 20/11, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1 a) CP, de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nºs 1 e 3 CP na pena única de 3 anos de prisão e 75 dias de multa à taxa diária de € 10,00, sendo que a execução da pena de prisão lhe foi suspensa pelo período de três anos;
b) A arguida P… Ldª, pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelos artºs. 3º e 36º nºs 1 c) do Dec. Lei 28/84, de 20/1, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 50,00.
Na impossibilidade de se proceder à cobrança coerciva da multa aplicada à arguida, proferiu o Sr. juiz em 09.10.19, despacho em que reconhecendo a solidariedade passiva do arguido, ordenou a sua notificação para, no prazo legal, proceder ao pagamento das guias da multa em que foi condenada a sociedade arguida.
É deste despacho que o arguido interpõe recurso, concluindo:
“1. Os presentes autos tiveram o seu início com denúncia efectuada em, salvo erro ou omissão, 13.07.01, por factos praticados em 15.07.1999 e 20.09.1999, sendo que se considerou consumado o crime de fraude na obtenção de subsídio com o efectivo recebimento do subsídio, a fundo perdido para incentivo ao investimento e criação de postos de trabalho, no montante de, respectivamente, 5.813.594$00 (15.07.1999) e de 8.287.272$00 (20.09.1999) na(s) conta(s) bancária(s) do Requerente, Recorrente, Arguido.
2. No decorrer e pendência destes autos, e como é do conhecimento do tribunal a quo e do público em geral, o Recorrente, Arguido, foi declarado em estado de falência pessoal por douta sentença proferida em 20 de … de 2003, transitada em julgado em 19 de … de 2003, e cuja cópia já se encontra junta àqueles autos.
3. Desde aquela altura e até este momento, a situação financeira ou patrimonial do Recorrente, Arguido não se alterou.
4. Assim, e no âmbito destes autos, foram, o ora Recorrente, Arguido, e a Arguida sociedade, P… Limitada, condenados, cada um deles, por um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artigo 3, n.º 1, e artigo 36, n.º 1, al. c), do D.L. n.º 28/84, de 20.01.
5. Tendo, por um lado, ao Recorrente, Arguido, sido aplicada a pena de, para além de pena de prisão de três anos (suspensa por igual período), 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 10,00 € (dez euros), no total de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros), a qual foi integralmente liquidada após apresentação, em Junho de 2008, de requerimento para pagamento em prestações.
6. E, por outro lado, à Arguida sociedade sido aplicada a pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 50,00 € (cinquenta euros), no total de 5.000,00 € (cinco mil euros), multa esta que não foi liquidada por a mesma, Arguida sociedade, não dispor de bens, móveis ou imóveis, suficientes e necessários para proceder ao seu pagamento.
7. Ora, tal como se pode comprovar pela leitura da deliberação aprovada pelo Conselho Geral, da O.A., em 12/….2004, foi o ora Recorrente, Arguido e Falido, e por questões humanitárias, autorizado a exercer a sua actividade como advogado e a fazer suas as receitas honorários provenientes do exercício da sua profissão, porquanto as mesmas lhe eram, e lhe são, absolutamente necessárias como forma e meio de angariar os meios indispensáveis para sua subsistência funcional e pessoal, de habitação, alimentação e vestuário, tudo nos termos do disposto artigos 147, 148, n.º 3, e 149 do C.P.E.R.E.F ..
8. No mesmo sentido, igualmente se pronunciou, em 10 de Janeiro de 2006, o Meretíssimo Juiz daquele processo falimentar, sendo que tal autorização lhe foi concedida tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 150 do C.P.E.R.E.F., pois carecendo absolutamente o mesmo, Falido e Recorrente, Arguido, de meios de subsistência e os não puder angariar com o seu trabalho/profissão, ser-lhe-ia arbitrado um subsídio, a título de alimentos e à custa dos rendimentos da massa falida.
9. É que, por força da douta sentença proferida naqueles autos falimentares, os elementos contabilísticos e os bens móveis, imóveis e outros, da propriedade e na posse do ora Recorrente, Arguido e Falido, foram judicialmente apreendidos pelo Liquidatário Judicial e para a massa falida, tudo os termos do disposto nos artigos 128, n.º 1, al. c), 175 e 176, todos do C.P.E.R.EF.
10. O douto despacho ora recorrido, de fls. 1874 e ss., considerou verificados os
pressupostos legais, reconhecendo a solidariedade passiva do ora Recorrente, Arguido, e, consequentemente, deferiu a promovida notificação do mesmo para, no prazo legal, proceder ao pagamento das guias da multa em que foi condenada a Arguida sociedade, e tal por aplicação do disposto no artigo 3, n.º 3 e artigo 2, n.º 3, ambos do DL n.º 28!84, de 20.01 - (responsabilidade solidária de natureza civil).
11. Assim, e como se depreende pela leitura daquele douto despacho, atenta a situação financeira da Arguida sociedade, verificou-se que a mesma, responsável criminal, não liquidou a multa a que foi condenada nestes autos nem, pelos vistos, era viável o seu cumprimento coercivo, pelo que daí resultou a necessidade de chamar o responsável (solidário) civil, nestes caso o Recorrente, Arguido e Falido.
12. No entanto, o Recorrente, Arguido, já foi, e no âmbito destes autos, condenado, por douta sentença, já transitada em julgado, ao pagamento da multa de que era responsável, a qual já foi integralmente liquidada, mas - com o devido respeito - não se vislumbra, em lado nenhum daquela douta sentença, a responsabilização solidária do mesmo pelo pagamento da multa a que foi condenada a Arguida sociedade.
13. No entender do Recorrente, Arguido, ao não ter sido reconhecida na douta sentença proferida nestes autos a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da multa aplicada à Arguida sociedade, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz a quo, pelo que ao condená-­lo, agora, o douto despacho ora recorrido ofende o princípio do caso julgado, tudo nos termos do nº 1 e n.º 2 do artigo 666, do CPC, aplicado ex vi do artigo 4, do CPP, e n.º 1, alínea b) e n.º 3 do artigo 380, do C.P.P.
14. Isto porque a intervenção do tribunal a quo após a sentença deve limitar-se ao esclarecimento/correcção de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação substancial (artigo 380, nº 1. alínea b); do C P.P.). A lei não consente que o tribunal se debruce de novo sobre a fundamentação jurídica da decisão, em ordem a uma modificação do julgado
15. Entende assim o ora Recorrente que o douto despacho de que ora se recorre viola o princípio do caso ju!gado nos termos dos artºs 671º e ss do CPC, por aplicação do artº 4º do CPP, sendo o mesmo nulo nos termos do artigo 379º do CPP, por força do artigo 380º, do mesmo código, nulidade essa que, oportuna e atempadamente para os devidos efeitos legais, foi invocada e se invoca novamente.
16. De mais a mais, e mais uma vez sem prescindir, no eventual caso do ora Recorrente, Arguido e Falido, na qualidade de responsável solidário civil, não proceder ao pagamento das guias da multa em que foi condenada a Arguida sociedade, a verdade é que o título executivo em causa nestes autos é inexistente ou insuficiente para eventual instauração de competente acção executiva, a propor pelo M.P., tendo em conta o disposto nos artigos 45 e 46, do CPC.
17. Neste caso em concreto, inexiste qualquer douta sentença condenatória a responsabilizar, solidária e civilmente, o Recorrente, Arguido, pelo pagamento da multa a que foi condenada a Arguida sociedade, inexistindo assim título executivo para instauração da competente acção executiva.
18. Porém, e mais uma vez sem prescindir, mesmo que se entenda que o douto despacho ora recorrido pode, nos termos do artigo 48, n. º 1, do CPC, constituir ele próprio título executivo, a verdade é que o mesmo é insuficiente, porquanto apenas prevê a constituição de uma obrigação, não constitui ou certifica a sua existência.
19. Por outro lado, dispõe o artigo 29, do C.P.E.R.E.F., que, proferido o despacho a que alude aquela disposição legal, ficam imediatamente suspensas todas as acções instauradas contra o devedor, independentemente de comunicação ou não aos Tribunais.
20. Mais ainda, nos termos do disposto no artigo 151, n.º 1, do CPEREF, a declaração de falência torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido, ainda que sujeitas a prazo não vencido, e determina o encerramento de todas as contas correntes. Acrescentado o n.º 2 que "na data da sentença de declaração de falência cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido ( .. .)".
21. Igualmente dispõe o artigo 154, n.º 3, do C.P.E.R.E.F., que, proferida a sentença de falência, não pode ser instaurada ou prosseguir qualquer execução contra o falido, independentemente de comunicação ou não aos Tribunais.
22. Mais dispõe aquele artigo, no seu n.º 1, que, declarada a falência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, e intentadas contra o falido, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, são apensadas ao processo de falência, como se retira da parte final da douta sentença de falência.
23. O Recorrente, Arguido e Falido, ficou privado, nos termos do artigo 147, n.º 1, do CPEREF, da administração e de disposição dos bens, presentes ou futuros, os quais passaram a integrar da massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial, ou seja, há uma limitação à capacidade de exercício do falido, no campo patrimonial.
24. Acrescentando o n.º 2 daquela mesma norma legal, que o liquidatário judicial assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.
25. Mais ainda, os efeitos da declaração de falência em relação ao Falido, ora Recorrente, Arguido, não cessaram, tendo em conta que ainda não decorreram os prazos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 238 e atento o disposto no artigo 239, ambos do C.P.E.R.E F., sendo certo que o Meretíssimo Juiz, por douto despacho proferido em 24.10.2008, e já transitado em julgado, ao abrigo do artigo 187, n.º 1 e n.º 2, do CPEREF, julgou verificada a insuficiência de activo, ordenando o arquivamento dos autos.
26. Assim, em caso de não liquidação das guias de pagamento da multa a que foi
condenada a Arguida sociedade por parte do Recorrente, Falido, qualquer acção, executiva ou declarativa, atenta 8 data da prática dos actos ilícitos praticados nestes autos, dos quais emerge a responsabilidade solidária civil em causa no douto despacho ora recorrido, e a data da sua declaração de falência pessoal, não pode ser instaurada contra o mesmo, Recorrente. Falido, mas sim contra a massa falida.
27. É que, nos termos das disposições legais supra indicadas, designadamente artigos 29, 147, n.º 1, e 154. n.º 3, todos do CPEREF, o ora Recorrente, Falido, é parte ilegítima em eventual acção executiva a propor contra o mesmo, sendo certo que esta excepção dilatória é de conhecimento oficioso do juiz a quo nos termos do artigo 495, do CPC, a qual conduz à sua absolvição da instância nos termos do artigo 288, n.º 1, al. d), do CPC, pelo que a prolação do douto despacho ora recorrido dará origem, em face das disposições legais supra enunciadas, à prática de actos inúteis em violação dos princípios da economia processual e mesmo da celeridade, nos termos do disposto nos artigos 20, n.º 4 e 5, e 32, n.º 2, da CRP, e artigos 137 e 138, do CPC.
28. Mais uma vez se refere, que nos termos do artigo 2, n.º 3 e do artigo 3, n.º 3, do DL 28/84, está aqui em causa uma responsabilidade solidária de natureza civil, aplicando-se neste caso a lei civil (Código Civil) - artigos 165, 497, 498, 500, 501,512 e seguintes, 526, 996 e seguintes - não esquecendo, é claro, o previsto em legislação especial (C.P.E.R.E.F.).
9. Devemos atentar, neste caso em concreto, na data da prática dos actos criminosos em causa nestes autos (15.07.1999 e 20.09.1999), na origem da responsabilização penal, ou condenação, da Arguida sociedade, e na data em o Recorrente, Arguido, foi declarado em estado de falência pessoal (20.12.2002, com trânsito em julgado em 19.09.2003, e arquivados que foram, aqueles autos falimentares, em Outubro de 2008), isto porque, há a necessidade imperiosa, de determinar a data em que a obrigação, por parte do Requerente, Recorrente, Arguido e Falido, se constituiu nestes autos atenta a data da declaração de falência pessoal.
30. Determina o artigo 3, do Código Penal, "O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido".
31. Ou seja e nestes autos, a obrigação do Recorrente, Arguido, e Falido, retroage a 15.07.1999 e 20.09.1999 e não à data em que transitou em julgado a douta sentença proferida nestes autos (a Arguida sociedade foi condenada pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio em 15.07.1999 e 20.09.1999. tal como o ora Recorrente, Arguido e Falido).
32. Assim a responsabilidade solidária, de natureza civil, teve a sua origem em factos (ilícitos) praticados e/ou ocorridos antes da declaração de falência da pessoa do Recorrente, Arguido e Falido, pelo que este não pode, nos termos do artigo 526, do C.C. e legislação especial supra referida, cumprir aquela obrigação (independentemente da data em que transitou em julgado a douta sentença proferida nestes autos).
33. Existindo assim uma impossibilidade, objectiva e superveniente, em cumprir aquela obrigação, emergente de factos (ilícitos) praticados ou ocorridos em 15.07.1999 e 20.09.1999 (de acordo com a douta sentença proferida nestes autos), não lhe podendo ser legalmente exigido o seu cumprimento (neste caso, pagamento da multa a que foi condenada a Arguida sociedade), e à qual faz referência o douto despacho ora recorrido a fls. 1875 verso,
34. Impossibilidade esta que, em face de todas as disposições legais supra identificadas e nos termos do disposto nos artigos 20, nº 4 e 5 e 32, n.º 2, da CRP, e artigos 137 e 138, do CPC, em obediência aos princípios da economia processual e mesmo da celeridade, deve, desde já, ser verificada, evitando-se assim a prática de actos inúteis.
35. É que, e como supra se referiu, não podendo o Recorrente, Arguido e Falido, cumprir com o que pretende a douta promoção de fls.1836 e 1837, a eventual acção executiva a propor contra o mesmo não pode prosseguir por manifesta impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto nos artigos 494, n.º 1, al. e), e artigo 287, al. e), 288, n.º 1, al. d), todos do CPC. “.
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, emitiu douto parecer concluindo que o recurso é manifestamente improcedente.
Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 CPP.
O recorrente apresentou resposta mantendo o seu ponto de vista.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.
Da sua análise resulta que são estas as questões colocadas:
- saber se há ofensa de caso julgado;
- saber se o facto de ter sido decretada a falência do arguido obsta a que este seja notificado para proceder ao pagamento da multa em que foi condenada a arguida sociedade;
Passemos à sua análise.

A) Do caso julgado
Alega o arguido que não se tendo reconhecido no acórdão que o condenou a si e à arguida sociedade, a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da multa em que foi condenada a segunda, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz, não o podendo agora condenar, sob pena de ofensa do caso julgado.
Mas não tem qualquer razão.
Como se alcança da leitura do acórdão, verifica-se que tanto a arguida sociedade como o arguido foram condenados pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, com base nos mesmos factos, sendo que desde a sua constituição e até 02.01.03, este exerceu a gerência da arguida.
Ora perante tais factos, preenchida está a situação prevista no artº 3º nºs 1 e 3 e 2º nº 3 do Dec. Lei 28/84 de 20/1, segundo a qual resulta a responsabilidade solidária do recorrente pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida, pela prática do crime por que foi condenada.
E isto não ofende o caso julgado.
Reconhece-se que o acórdão condenatório nada diz relativamente à responsabilidade solidária do arguido, mas também não era necessário que o dissesse.
É que essa responsabilidade, como vimos, decorre expressamente da lei.
Quer isto dizer que nestas situações, verificando o juiz em momento posterior à prolação do acórdão que a sociedade não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada e mostrando-se impossível a sua cobrança coerciva, pode ordenar a notificação do responsável solidário para proceder a esse pagamento.
Quer dizer o juiz limita-se tão só a declarar aquilo que está na lei.
Não há aqui qualquer condenação adicional.
Ora isto em nada bule com o acórdão condenatório, pois não só não o alterou como também não o contrariou.
Daí que sem mais se julgue manifestamente improcedente a invocada ofensa do caso julgado.
B) Da notificação para pagamento
Insurge-se o recorrente contra a ordenada notificação, começando por invocar a inexistência de título executivo para a instauração da acção executiva.
Pois bem o que desde já se dirá é que não cabe a este tribunal pronunciar-se neste momento quanto a uma eventual acção executiva a instaurar, nem verificar se os respectivos requisitos se acham preenchidos de harmonia com os artºs 45º e ss do CPC, já que esse é um cenário que está completamente afastado nesta fase, pois que aquilo que aqui se discute é tão só o de saber se a notificação que lhe foi feita para proceder ao pagamento das guias da multa em que foi condenada a sociedade arguida, está ou não correcta.
É isto e só isto que interessa apreciar.
Discutir-se a existência ou não de título executivo é questão que apenas interessa no momento em que for, se o for, instaurada a respectiva acção executiva.
Apreciar tal questão neste momento é ir além do despacho, antecipando uma situação que objectivamente não se verifica.
Com efeito não faria qualquer sentido, como todo o respeito que nos merece a opinião contrária, que este tribunal de recurso a propósito de um despacho em que apenas se ordena a notificação do recorrente para pagar, procedesse à apreciação da existência ou não dos pressupostos processuais referentes a um processo de execução inexistente.
Daí que quanto a este ponto nada mais há a acrescentar.
Mas aduz ainda o arguido que, tendo sido declarado falido, não pode ser demandado em acção ou execução com base em factos ocorridos antes da declaração de falência.
Mais uma vez o arguido invoca uma situação que não é aquela que está traduzida no despacho.
Repete-se, não há aqui qualquer execução nem acção.
Na verdade não se ignoram os efeitos da declaração de falência bem como a necessidade de estabilização do passivo a que aludem os artºs 151º e 154º do CFEREF.
Porém essas consequências de natureza legal poderão vir a ter eventualmente reflexo no caso do arguido não pagar voluntariamente a multa em causa, mas não agora em que se diligencia apenas pela notificação para pagamento.
Essa é uma situação futura que não cabe aqui antecipar e fundamentalmente porque não é esse o objecto do despacho recorrido.
Estamos apenas numa fase de execução da pena de multa ( artº 489º e ss CPP), cujo desenvolvimento pode ou não vir a encontrar obstáculo legal.
Mas cada situação a seu tempo.
Em suma a decisão recorrida tal qual ela se apresenta, não é merecedora de qualquer censura.
Não se mostram pois violados quaisquer preceitos legais, nem os indicados pelo recorrente, nem quaisquer outros.

DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se inteiramente o douto despacho recorrido.
Fixam a taxa de justiça devida pelo recorrente em três Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Tribunal da Relação de Coimbra, 10 de Março de 2010.