Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
273/23.4YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: TRANSMISSÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA PENAL
SANÇÃO COMPÓSITA DE PENA DE PRISÃO EFECTIVA E SUSPENSA
DURAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: VIGILÂNCIA DE PESSOA CONDENADA
Decisão: DEFERIMENTO DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DA DECISÃO DE CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º E 35.º DA LEI N.º 158/2015, DE 17 DE SETEMBRO/REGIME JURÍDICO DA TRANSMISSÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA PENAL
ARTIGO 100.º, N.º 2, ALÍNEA A), DA LEI Nº 144/99, DE 31 DE AGOSTO/LEI DA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
ARTIGO 61.º, N.º 5, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – O regime jurídico português não prevê a sanção compósita de pena de prisão em parte efectiva e em parte suspensa.

II – Estando o requerido condenado em pena de prisão em parte efectiva e em parte suspensa, em sede de reconhecimento e execução considerar-se-á, apenas e tão só, o remanescente da pena de prisão que falta cumprir caso a liberdade condicional venha a ser revogada.

III – Será este o período em que vigorará a liberdade condicional porque, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal, a liberdade condicional tem a duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se extinto o excedente da pena.

Decisão Texto Integral:

O Exmo. Procurador-Geral Distrital junto desta Relação requereu o reconhecimento e execução de decisão relativa à liberdade condicional de …, de nacionalidade portuguesa, …, residente … Leiria, formulado pelas autoridades do Grão-Ducado do Luxemburgo, alegando, em síntese:

1.º Pela Cour d´appel do Grão-Ducado do Luxemburgo (Tribunal de Recurso), … foi o requerido condenado, por acórdão … já transitado em julgado, numa pena única de oito (8) anos de prisão (dois dos quais suspensos na sua execução), pela prática, em concurso, de um crime de violação de menor agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 375.º e 377.º do Código Penal Luxemburguês, e de um crime de distribuição de material pornográfico, p.p. pelo art. 383.º, do mesmo diploma legal luxemburguês, …

 2.º O arguido cumpriu metade da pena de prisão no dia 3 de fevereiro de 2023, atinge os dois terços no dia 29 de janeiro de 2024, estando previsto o seu termo para o dia 18 de janeiro de 2026.  

3.º Por decisão proferida em 9 de junho de 2023, pelo serviço de execução de penas do Delegado do Procurador-Geral, foi o arguido colocado em liberdade condicional, com efeitos a partir de 1 de agosto de 2023, sujeito às seguintes condições:

 . não cometer qualquer infração;

. manter-se em contacto com o seu agente de liberdade condicional;

 . comunicar ao seu agente de liberdade condicional qualquer alteração da sua situação;

. continuar a receber acompanhamento psicológico regular (1 vez por mês) em relação aos factos que levaram à condenação;

. continuar a pagar regularmente à parte civil (pelo menos 150 € por mês) se se verificar que ainda não foi regularizado na sequência das contribuições efetuadas por AA na conta de BB. 

4.º O requerido esteve em reclusão no período compreendido entre 19 de fevereiro de 2020 e 1 de agosto de 2023, restando-lhe para cumprir, no caso da revogação da liberdade condicional, 901 dias de prisão.

5.º Vem, pois, solicitado o reconhecimento e execução de referida decisão relativa à liberdade condicional em Portugal, nos termos do art. 34.º e ss. da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, por o arguido ser cidadão português e ter residência em Portugal, apresentando-se este facto como um fator favorável à sua reinserção social.

Conclui, pedindo que:

- Seja proferida decisão de reconhecimento e execução em Portugal da decisão relativa à liberdade condicional proferida pelo Serviço de Execução de penas do Delegado do Procurador-Geral do Grão Ducado do Luxemburgo em conformidade com o disposto nos artigos 34.º, 35.º e 35.º-A da Lei n.º 158/2015, a fim de ser executada em Portugal, e, consequentemente, seja o arguido determinado a cumprir em Portugal os deveres, regras de conduta e condições estabelecidas na decisão de liberdade condicional;

- Sejam os exigidos contactos e comunicações com o agente de liberdade condicional adaptados para contactos e comunicações com a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;

- Seja o período de vigilância pretendido pela Justiça Luxemburguesa adaptado de acordo com a lei interna portuguesa, em face do disposto no artigo 39.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 158/2015 e artigo 9º, n.ºs 1, 2 e 3 da Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho de 27 de novembro de 2008;

- as autoridades judiciárias luxemburguesas sejam, oportunamente, informadas da decisão de reconhecimento, nos termos do art. 43.º daquela Lei, procedendo-se, de igual forma, junto do GNI; vi. Que seja ordenada, a sua transmissão, a seu tempo, ao Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, para execução, de acordo com o disposto no artigo 34.º, n.º 3 da Lei n.º 158/2015.

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Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença condenatória, de acordo com o disposto no artigo 34.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015.

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II. Fundamentação

No âmbito da cooperação internacional em matéria penal, a Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, transpondo as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de novembro de 2008, assim substituindo o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos arts. 234º a 240º do Código de Processo Penal, por um procedimento específico simplificado e célere.

Para o reconhecimento pelo Tribunal da Relação exige-se, desde logo, que a sentença penal estrangeira tenha sido transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão, acompanhada da certidão em português a que respeita o formulário anexo III da Lei 158/2015.

No caso presente vem peticionado o reconhecimento da decisão que concedeu a liberdade condicional a meio da pena a …, que se encontra em liberdade desde 1 de Agosto de 2023 - cfr fls 26.

O referido … tem residência legal e habitual em Portugal, … - art 35º da Lei 58/2015, de 17 de Setembro e o cumprimento da liberdade condicional no nosso País pode facilitar a sua reinserção social.

… foi o requerido condenado, por acórdão … já transitado em julgado, numa pena única de oito (8) anos de prisão (dois dos quais suspensos na sua execução), pela prática, em concurso efectivo, de um crime de violação de menor agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 375.º e 377.º do Código Penal Luxemburguês e de um crime de distribuição de material pornográfico, p.p. pelo art. 383.º, do mesmo diploma legal luxemburguês.

Em síntese, a decisão teve por base os seguintes factos [aos quais, nos termos do art. 100º, nº 2, a) da Lei nº 144/99, está este tribunal vinculado]: no período compreendido entre 18 de fevereiro de 2019 e 18 de fevereiro de 2020 e, em especial no dia 17 de fevereiro de 2020, no interior da residência da sua filha, … e em Portugal, ter abusado sexualmente da sua neta, então com 10 anos de idade, através de atos de penetração sexual, e de lhe ter exibido gravações vídeo de caracter pornográfico, por meio de um tablet.  

Assim sendo, os crimes por que o requerido foi condenado - violação e pornografia de menores - estão incluídos no catálogo previsto no art. 3.º da Lei n.º 158/2015, designadamente nas alíneas d) e bb) do n.º 1, pelo que se mostra desnecessária a verificação da dupla incriminação dos factos, sendo que em Portugal o crime de abuso de sexual de crianças agravado, é punível nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1-a), ambos do Código Penal, com pena de 4 (quatro) a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses prisão, e o crime de pornografia de menores, é punível nos termos do artigo 176.º, n.º 1-c) do Código Penal, com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco anos) anos.

O regime jurídico português não prevê a sanção compósita de 8 anos de prisão com dois de pena suspensa, pelo que haverá que considerar-se apenas e tão só o remanescente da pena ou seja os indicados 901 dias de prisão (2 anos, 6 meses e 1 dia), que cumprirá no caso da revogação da liberdade condicional.

Os deveres, regras de conduta e condições estabelecidas na decisão de concessão da liberdade condicional são compatíveis com o estabelecido na lei penal portuguesa de acordo com os artigos 50.º, n.º 2, 51.º, 52.º, 53.º e 54º, todos do Código Penal, ex vi do artigo 64º do mesmo diploma legal.

Porém, nos termos do disposto no art 61, nº 5 do CP, a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se extinto o excedente da pena.

Por conseguinte o período de 10 anos de vigilância pretendido pela Justiça Luxemburguesa [(cf. al. j)-1. da certidão (fls. 31)], não se mostra compatível com a lei interna portuguesa Pelo que se impõe proceder à sua adaptação nos termos previstos no artigo 39.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 158/2015 e art. e 9º, n.ºs 1, 2 e 3 da Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho de 27 de novembro de 2008, reduzindo-se o período de liberdade condicional até ao tempo de prisão que falte cumprir, os referidos 901 dias de prisão ( 2 anos, 6 meses e 1 dia).

Dos elementos documentais remetidos pelas autoridades luxemburguesas não resulta nenhuma causa de recusa de reconhecimento e de execução da decisão relativa à liberdade condicional, designadamente das que são mencionadas no art. 36.º, da citada Lei n.º 158/2015. 

Ficam assim reunidos os requisitos necessários para o reconhecimento da decisão da liberdade condicional e a sua execução em Portugal.

Em síntese conclusiva, deve o pedido de reconhecimento e de execução da decisão de concessão da liberdade condicional ser deferido, com a redução do período de liberdade condicional até ao tempo de prisão que falte cumprir, ou seja, os referidos 901 dias de prisão (2 anos, 6 meses e 1 dia).

III - Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem a Secção Criminal desta Relação em declarar procedente o pedido de reconhecimento e de execução da decisão de concessão da liberdade condicional a BB e revistos os efeitos penais do acórdão proferido no âmbito do processo n.º .../20/CT, no dia 27 de outubro de 2021 (acórdão n.º .../21 Ch. Crim.), pela Cour d´appel do Grão-Ducado do Luxemburgo - Tribunal de Recurso -, que condenou BB, numa pena única de oito (8) anos de prisão transitada em julgado pela prática, em concurso efectivo, de um crime de violação de menor agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 375.º e 377.º do Código Penal Luxemburguês e de um crime de distribuição de material pornográfico, p.p. pelo art. 383.º, do mesmo diploma legal luxemburguês.

Tal reconhecimento de efeitos penais visa a execução em Portugal, da decisão de concessão da liberdade condicional proferida pelo Serviço de Execução de penas do Delegado do Procurador-Geral do Grão Ducado do Luxemburgo em conformidade com o disposto nos artigos 34.º, 35.º e 35.º-A da Lei n.º 158/2015, a fim de ser executada em Portugal.

Consequentemente, determina-se que o requerido BB cumpra em Portugal os seguintes deveres, regras de conduta e condições estabelecidas na decisão de liberdade condicional:

- não cometer qualquer infracção;

- manter-se em contacto com o  técnico da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;

 - comunicar ao técnico da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais qualquer alteração da sua situação;

- continuar a receber acompanhamento psicológico regular (1 vez por mês) em relação aos factos que levaram à condenação;

- continuar a pagar regularmente à parte civil (pelo menos 150 € por mês) se se verificar que ainda não foi regularizado na sequência das contribuições efetuadas por AA na conta de BB. 

- Fixa-se em 2 anos, 6 meses e 1 dia o período de vigilância pretendido pela Justiça Luxemburguesa - artigo 39.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 158/2015 e artigo 9º, n.ºs 1, 2 e 3 da Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho de 27 de novembro de 2008;

- Informe as autoridades judiciárias luxemburguesas da presente decisão de reconhecimento, nos termos do art. 43.º daquela Lei, procedendo-se, de igual forma, junto do GNI;

- Transmita a presente decisão de reconhecimento ao Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, para a respectiva execução - artigo 34.º, n.º 3, da Lei n.º 158/2015.

DN. Notifique, incluindo o condenado.

Sem tributação.

Coimbra, 22/11/2023

Processado e revisto pela relatora

Isabel Valongo - relatora

Paulo Guerra - 1 Adjunto

Eduardo Martins - 2º Adjunto