Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20/14.8GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 01/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 69.º E 71.º, DO CP
Sumário: I - A graduação da medida concreta da pena acessória é efectuada em função dos mesmos factores que determinam a graduação da pena principal, ou seja, nos termos do disposto no art. 71.º do Código Penal com a excepção de que a finalidade a atingir é mais limitada, dado que a sanção em causa tem apenas em vista prevenir a perigosidade do agente.

II - O condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão tem que ter uma maior consciência da perigosidade que é conduzir sob os efeitos de álcool.

III - Sopesando todas as circunstâncias, temos de concluir que, conduzindo o arguido com a TAS de 2,18 g/l, muito acima do mínimo criminalmente punível, temos que a pena acessória aplicada de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses se mostra justa, proporcional e equilibrada.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


            No processo Sumário, supra identificado, após a realização audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação pública procedente e consequentemente condenou o arguido A..., pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art 292º, nº 1 do CPenal na pena de 5 (cinco) meses de prisão que foi substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, á taxa diária de € 5 (cinco euros);
            - Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1, al a) do CPenal, pelo período de 9 (nove) meses.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A..., que na respectiva motivação concluiu:
A) O ora recorrente foi condenado em processo penal, na pena acessória de inibição temporária do direito de conduzir, pelo período de nove meses;
B) A prática do ilícito, estatuído no art° 292º do Código Penal, estabelece a pena máxima de 2 a 24 meses ex vi art° 139º do Código da Estrada, muito embora o Tribunal "a quo" tenha conjugado o art° 292º do Código Penal com o art° 69º do mesmo diploma;
C) A pena aplicada em concreto, ao Recorrente, de inibição do direito de conduzir, pelo prazo de nove meses, é demasiado gravosa, porquanto, o Arguido aqui Recorrente, é um condutor exemplar, cuidadoso, e respeitador das regras da condução estradal, apenas tendo no seu cadastro estradal o averbamento de uma infração que foi praticada quase há seis anos
D) A prática da infração há cerca de seis anos, não significa que o ora recorrente seja desafiador das normas estradais, pois neste período que mediou a prática das duas infrações decorreram cerca de seis anos, e nesse período de tempo nunca o ora praticou qualquer infração estradal, tratam-se pois de dois factos isolados e ocasionais.
E) E não houve quaisquer consequências da conduta do agente, nomeadamente perigo concreto, para os restantes utentes da via, a conduta anterior do agente não deixa dúvidas quanto à diligência, pela qual sempre se pautou até àquela malograda data;
F) Pois, valorados todos os elementos carreados nos autos, a pena acessória a aplicar ao Recorrente, não deve ser, em caso algum, superior a cinco meses de inibição do direito de conduzir;
G) A sentença Recorrida, violou, por isso, por erro de interpretação o art° 710 do Código Penal, que prevê a determinação da medida da pena, não tendo o tribunal "a quo", aplicado corretamente, os parâmetros nele estabelecidos;
H) Entendemos que a função da sanção não é somente a de punir, mas também, a de educar e influenciar o comportamento futuro dos condutores, principalmente, fazendo a distinção entre, por um lado, os condutores que efectivamente têm uma conduta habitualmente transgressora às regras que lhe são impostas pela sua condição e, por outro lado os condutores que, isoladamente, transgridem, de forma a que estes últimos,     mesmos que considerados transgressores, fiquem "premiados", relativamente àqueles.
Pois os factos a isso conduzem, que em caso algum, deve ser superior a cinco meses de inibição do direito de conduzir.
Nestes termos e nos melhores de direito e, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a sentença recorrida, aqui em crise ser revogada e, consequentemente, substituída por outra que, aplique ao Recorrente pena de inibição do direito de conduzir, atenuada, pois os factos a isso conduzem, que em caso algum, deve ser superior a cinco meses de inibição do direito de conduzir.
Assim se fazendo a costumada Justiça.


            Foi admitido o recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios referidos no artº 410 nº 2 do CPP:
 
Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1. No dia 1 de Junho de 2014, pelas 00h23 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (...)PQ, na Rotunda de Cana, acesso à A23, em Belmonte, Covilhã.
2. Nas circunstâncias referidas em 1., o arguido conduzia esse veículo automóvel ligeiro com uma T.A.S. de 2,18 g/l.
3. O arguido havia consumido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do referido veículo, bem sabendo que estava por estas influenciadas, sendo-lhe vedada, nesse estado, a condução estradal.
4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a condução de veículo motorizado na via pública, nessas circunstâncias, se traduz num facto proibido e punido pela lei penal como crime.
5. O arguido é casado; é mecânico.
6. Do seu certificado de registo criminal consta a seguinte condenação:
i. pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º, n.° 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 05.12.2008, e por decisão proferida em 15.12.2008, em pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6€, e quatro meses e quinze dias de pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, no âmbito do processo sumário n.° 126108.2GFCV1_, que correu termos no 3.1 Juízo deste Tribunal.

Factos não provados: - Inexistem
*
Motivação quanto à matéria de facto:
A convicção do tribunal da matéria de facto dada como provada funda-se no conjunto da prova produzida em audiência, devidamente conjugada e ponderada de acordo com as regras da experiência comum, designadamente do depoimento da testemunha arrolada pelo Ministério Público, do talão do alcoolímetro junta a fls. 4 e do certificado de inspecção periódica junto a fls. 32 e 33.
O arguido, devidamente notificado, não compareceu à audiência de discussão e julgamento.
Desta feita, a versão constante da acusação foi sustentada pelo depoimento da testemunha B..., militar da G.N.R., agente autuante, que confirmou o auto de notícia constante dos autos a fls. 2 a 4, bem como as circunstâncias de tempo, lugar e modo de desenrolar dos factos, referindo que já conhecia o arguido da localidade onde este residia, bem como do exercício das suas funções, e que o mesmo foi fiscalizado na sequência de uma acção de fiscalização normal na rotunda de Cana, com fiscalização aleatória de condutores que passavam pelo local.
Mais referiu que o arguido conduzia a viatura em causa e se deslocava sozinho e, tendo sido submetido à pesquisa de álcool no sangue, acusou a taxa constante do talão junto a fls. 4.
Esta testemunha revelou conhecimento directo dos factos relatados, dado que por si presenciados, tendo prestado depoimento de forma segura, isenta, desinteressada e convincente, pelo que mereceu credibilidade e logrou convencer o tribunal.
Quanto à prova da taxa de álcool no sangue pesquisada ao arguido, o tribunal atendeu ao teor do talão de fls. 4, realizado no aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, com o número de série ARPN­0077.
Esta prova, ao contrário do pretendido pelo arguido com a arguição de nulidade da prova, foi obtida de forma válida e regular, porquanto o aparelho no qual foi efectuada a pesquisa de álcool no sangue ao arguido se encontra e encontrava, à data dos factos aqui em causa, devidamente fiscalizado, com inspecção periódica realizada em 12.06.2013, válida até 31.12.2014, conforme certificado de verificação com o n.º 701,51/1341317 - cfr. fls. 32 e
Desta feita, temos que o aparelho em causa respeita e respeitava, à data da pesquisa efectuada, as exigências legais previstas para o controlo de qualidade e eficácia deste tipo de aparelhos, pelo que a prova obtida com a pesquisa efectuada no mesmo não pode deixar de ser considerada válida e regularmente obtida e, como tal, dotada do respectivo efeito probatório.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, face à evidência da questão e à clareza dos documentos juntos aos autos, forçosamente terá que se concluir que a arguida nulidade da prova não poderá ser procedente, sendo, conforme já supra dito, a prova obtida válida e regularmente obtida e, como tal, dotada de força probatória para que o tribunal lance mão da mesma e considere provada a taxa de álcool constante da acusação.
Quanto à situação sócio-económica vivenciada pelo arguido, uma vez que o arguido não compareceu à audiência de discussão e julgamento, consideraram-se apenas as informações constantes na sua identificação e do termo de identidade e residência.
Para a prova dos seus antecedentes criminais, atendeu-se ao seu certificado de registo criminal junto a fls. 9 a 11.

***
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se a pena acessória aplicada é excessiva;
Entende o arguido, A..., que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva para as finalidades exigidas a título geral e especial.
A graduação da medida concreta da pena acessória é efectuada em função dos mesmos factores que determinam a graduação da pena principal, ou seja, nos termos do disposto no art. 71 do Código Penal com a excepção de que finalidade a atingir é mais limitada, dado que a sanção em causa tem apenas em vista prevenir a perigosidade do agente.
“Assim sendo, a determinação da medida da pena acessória (período de tempo de inibição de condução) deve ser concretizada tendo em vista apenas uma das finalidades subjacentes às penas em geral (art. 40 nº 1 do Código Penal) qual seja a de protecção dos bens jurídicos e já não também a da reintegração do agente na sociedade” (Ac Rel Coimbra, recurso nº 187/97).
No caso vertente o comportamento do recorrente é merecedor de um juízo de censura já que este se dispôs a conduzir um veículo automóvel sabendo que o fazia com um grau de alcoolemia superior ao previsto no art 292 do Código Penal, indiferente ao perigo que daí advinha para si e para todos os outros utentes da via.
As necessidades de prevenção quer geral, quer especial, não são de descurar pois, como é de conhecimento público, grande parte dos acidentes do nosso país deve-se, sobretudo, à condução de veículos em estado de embriaguez. Por outro lado, a TAS de que o recorrente era portador – 2,18 g/l – está muito acima do mínimo criminalmente punível.
O arguido já foi julgado e condenado por um crime idêntico ao destes autos e no qual foi aplicado ao arguido uma pena acessória de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
Sustenta o recorrente que é mecânico de profissão, necessitando da carta de condução para se deslocar para trabalhar. Ora, o condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão, tem que ter uma maior consciência da perigosidade  que é conduzir sob os efeitos de álcool.
Sopesando todas estas circunstâncias temos de concluir que, efectivamente, a pena acessória aplicada ao arguido mostra-se justa, proporcional e equilibrada.

Termos em que se tem o recurso interposto por improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

Coimbra, 21 de Janeiro de 2015

(Alice Santos - relatora)
(Belmiro Andrade - adjunto)