Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1080/21.0T8BCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RECUSA DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
MONTANTE A CEDER
PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 06/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 239.º, N.º 4, 243.º, N.º 1, AL.ª A), 243.º-A, N.º 3, 244.º, N.º 1, DO CIRE E 3.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Para que o pedido de pagamento em prestações do montante a ceder seja deferido, o tribunal há de convencer-se da probabilidade séria de cumprimento pelo devedor da obrigação, a aferir, desde logo, pela sua capacidade de libertar fundos para o efeito.

II – Apresentado tal pedido pela devedora, antes de iniciado o prazo para se pronunciar nos termos do artigo 244º, nº 1 do CIRE, tal prazo não se iniciará nem correrá enquanto não houver lugar a decisão sobre tal pedido.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: José Avelino Gonçalves

2º Adjunto: Chandra Garcias

                                                                                               

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Declarada a insolvência de AA (por apresentação da própria) foi, por despacho de 21 de junho de 2021, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, fixando o valor necessário para o sustento da insolvente no equivalente a um salário mínimo nacional e a obrigação de ceder ao fiduciário o rendimento disponível que a insolvente viesse a auferir.

Nessa mesma data, foi decretado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, nos termos do artigo 230º, nº1, al. d), do CIRE.

A 22.09.2022, o Sr. Fiduciário apresentou Relatório Anual respeitante ao 1º ano da cessão (julho de 2021 a junho de 2022), informando que o rendimento disponível ascendeu ao montante de 303,14 €, valor em dívida à massa.

A 29-012-2023, o Sr. Fiduciário Apresentou o 2º Relatório Anual, no qual:

- procede à retificação dos valores devidos no 1º ano da cessão, considerando o reembolso de IRS e os valores auferidos a título de subsídios de férias e de natal, corrigindo agora o montante disponível para a quantia de 642,26 €;

- informa que o rendimento disponível no decurso do 2º ano ascendeu a 266,83 €, também não entregue à ordem da massa fiduciária.

A 18.10.2024, o Sr. Fiduciário apresentou Relatório Anual, respeitante ao 3º e ultimo ano da cessão, informando que a devedora não havia cedido o rendimento disponível auferido em cada ano de cessão decorrido: 642,26€, no 1.º ano (julho de 2021 a junho de 2022); 266,83 €, no 2.º ano (junho de 2022 a julho de 2023); 3.078,02€, no 3.º ano (junho de 2023 a julho de 2024, totalizando a quantia de 3.987,11€. Mais informa ter tido conhecimento de ter sido penhorado à devedora o montante global de 861,07 €, no âmbito de um processo de execução em curso, respeitante aos meses de setembro de 2021 e em setembro de 2022.

Tal relatório foi notificado à devedora por comunicação enviada a 26-11-2024, para a sua pessoa e igualmente para o seu patrono.

A 13-01-2025 foi proferido despacho a dar por findo o período de cessão de rendimentos, determinando a notificação do Fiduciário, dos credores e da devedora para se pronunciarem, nos termos e para os efeitos do artigo 244.º, n.º 1, do CIRE.

A Insolvente responde a 17-01-2025, requerendo que, com vista ao pagamento integral da quantia em dívida, 3.987,11 €, e uma vez que se encontra em situação de desempregada, auferindo apenas o valor mensal de 585, 65€, seja autorizado o pagamento faseado do valor em dívida, em prestações de 300 €.

Notificados o Fiduciário e os credores, para se pronunciarem, nada vieram dizer.


*

Pelo juiz a quo foi, de imediato, proferido Despacho a:

1. indeferir o pedido de pagamento faseado;

2. recusar a exoneração do passivo restante à insolvente.


*

Inconformada com tal decisão, a Insolvente dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Código de Processo Civil –, as questões colocadas a este tribunal são as seguintes:
a. Se o tribunal errou ao indeferir o pedido de pagamento em prestações das quantias em dívida;
b. Ainda que indeferido o pedido de prestações, se a decisão final sobre a exoneração do passivo restante não devia ter sido proferida em simultâneo.
c. Se a decisão de recusa da exoneração do passivo restante deve ser revogada por ausência de culpa exclusiva ou em maior fatia da insolvente, atenta a preterição de devedores pelos demais intervenientes.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Insurge-se a Apelante contra as decisões de (i) indeferimento de pagamento em prestações dos valores em dívida e de (ii) recusa da exoneração do passivo restante, com fundamento em que:
- a culpa de tal falta de pagamento não é inteiramente sua, pois não foi notificada de qualquer relatório durante os três anos da cessão;
- a devedora não dispõe de condições financeiras bastantes para, findo o prazo total de três anos, efetuar os pagamentos todos de uma vez, sobretudo, quando a fatia substancial respeita a apenas um ano;
- a situação de confiança depositada pela insolvente foi decisiva para a prática de atos levados a caco pela mesma, como seja o pedido de pagamento em prestações, cuja resposta de indeferimento não pode ser simultânea à sentença de recusa da exoneração;
- mais se pugna pela revogação da decisão de recusa da exoneração do passivo restante, devendo ser considerada a ausência de culpa exclusiva, ou em maior fatia, do insolvente, atenta a existência de demissão/preterição de deveres de demais intervenientes;
- não se trata de violação ostensiva e deliberada, com recusa de cooperação ou não resposta a notificações judiciais ou do AI, as quais não existiram por completo ao final de cada um dos três anos da cessão e não se vislumbra negligência grave da insolvente.
A argumentação da Apelante levanta três questões distintas, a que há que responder:
1. se o tribunal errou ao indeferir o pedido de pagamento faseado;
2. em caso negativo, se o tribunal não poderia ter, de imediato e em simultâneo, conhecer do pedido de exoneração do pedido restante, recusando-o;
3. se a exoneração do passivo restante não devia ter sido recusada, por ausência de culpa exclusiva da insolvente
Antes de mais, vejamos os factos relativamente à alegada falta de notificação à devedora e ao seu patrono, de cada um dos relatórios anuais, em que a Apelante faz assentar as críticas que dirige a cada uma das decisões recorridas.
Da consulta dos autos resulta o seguinte:
1. Iniciado o período de cessão a junho de 2021, e decorrido um ano, a 22-09-2022 o Fiduciário fez juntar aos autos o 1º Relatório Anual, notificado à requerida, na pessoa do seu patrono, via email;
a requerimento da A..., foi proferido despacho a determinar a “notificação da a devedora para, em 10 dias, proceder ao pagamento da quantia devida à fidúcia, ou requerer o que tiver por conveniente a esse respeito, com a advertência de que, não o fazendo, nem justificando o seu incumprimento, poderá ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração, notificação que veio a ser efetuada na pessoa do patrono da devedora.
na sequência de tal notificação, a devedora responde, alegando que “como presentemente acaba por auferir menor rendimentos que no início da anuidade, não tem condições para liquidar no imediato a quantia em dívida. (…). Todavia, como é sua vontade cumprir irá efetuar pagamentos parciais tendo em vista o cabal pagamento da quantia em dívida e assim cumprir a sua obrigação.”
2. A setembro de 2023, é junto o 2º Relatório Anual, também ele notificado à requerida, na pessoa do seu patrono, via email, comunicando que afinal o valor a ceder no 1º ano de cessão ascendeu, não a 303,14 €, como referiu no seu 1º relatório, mas a 642,26 €, tendo o rendimento disponível no 2ª ano ascendido a 266,83 €, quantias que se encontram em dívida;
por despacho de 07.02.2024, foi ainda determinada a “notificação da devedora comprovar o cumprimento das obrigações decorrentes do deferimento inicial da exoneração do passivo restante, designadamente a cedência do rendimento disponível em falta, atinente aos 1.º e 2.º anos de cessão, conforme decorre do artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE, advertindo que o incumprimento da referida obrigação constitui fundamento para a cessação antecipada e/ou recusa da exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 243.º, n.º 1, e 244.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE”, notificação que foi efetuada à devedora, na pessoa do seu mandatário;
A 27.02.2024, o Fiduciário veio dizer que:
informou a devedora do nº da conta bancária e do IBAN para onde deve ser feita a entrega do valor de 909,09, ainda em dívida,
que o valor supra referido não considera o montante (supostamente) penhorado em Setembro de 2022, pelo que, o rendimento disponível referente ao segundo ano do período de cessão pode sofrer alterações;
conforme também exposto no referido relatório, em setembro de 2022 a devedora apenas recebeu a título de subsídio de férias o valor líquido de 195,73 €, porquanto foi (supostamente) penhorado (desconto para o Tribunal) o montante de Euros 442,07, conforme recibo de vencimento que junto no Anexo B;
porque o valor (supostamente) penhorado em setembro de 2022 integra o rendimento disponível a ceder à massa fiduciária, no entendimento do signatário é pertinente apurar a veracidade desta situação;
a 12-04.2024, pela entidade patronal da devedora foi comunicado reconhecerem o valor em dívida de €861,07, respeitante aos meses de setembro anos 2021 e 2022, que por lapso não foi transferido, não tendo procedido a descontos nos restantes meses, “uma vez que os valores recebidos não atingiram o ordenado mínimo nacional à data, não foi penhorada qualquer importância, pois consideramos não estar sujeita a penhora."
3. Em outubro de 2024, é junto o 3º Relatório Anual, do qual consta que, no decurso do 3º ano de cessão, o rendimento disponível da devedora ascendeu a 3.078,02 €, concluido dever a insolvente à massa fiduciária o rendimento disponível global no montante de 3.987,11 €.
Tal relatório é notificado à requerida, através do tribunal, na sua própria pessoa e na pessoa do respetivo patrono, por comunicações enviadas a 26.11.2024.
Da factualidade exposta, resulta não ter a apelante razão quando afirma que nunca foi notificada dos relatórios anuais: não só, tais notificações se encontram cumpridas, como foi, posterior e expressamente, notificada pelo tribunal para proceder ao pagamento de cada uma das quantias que o Sr. Fiduciário entendeu deverem ser cedidas em cada um dos anos da cessão.
1. Se o tribunal errou ao indeferir o pedido de pagamento em prestações
Notificada do 3º Relatório Anual, no qual o Fiduciário conclui dever a insolvente à massa fiduciária o rendimento disponível global no montante de 3.987,11 €, por comunicação enviada pelo tribunal a 26-11-2024, a devedora veio aos autos, por requerimento de 17 de janeiro de 2025, requer o pagamento em prestações dos montantes em dívida apurados nos 3 anos da cessão, em prestações mensais de 300,00 €, invocando encontrar-se desempregada, e auferir apenas o valor mensal de 586,65 €.
Notificados para o efeito, o Fiduciário e os credores nada opuseram ao requerido.
O Tribunal a quo veio a indeferir o requerido por falta de fundamento legal, nos seguintes termos, que aqui se reproduzem na íntegra:
Conforme decorre do artigo 239.º, n.º 4, do CIRE, durante o período da cessão, o devedor fica obrigado, para além do mais, a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão (alínea e)).
Significa isto que, durante o período de cessão, o devedor insolvente, conhecedor do rendimento indisponível fixado nos autos e dos rendimentos que aufere, deve proceder à entrega imediata ao Fiduciário do rendimento disponível, sem sequer necessidade de qualquer interpelação para o efeito por parte deste.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que, ao longo do período de 3 anos de cessão de rendimentos, a devedora insolvente não cedeu o rendimento disponível que foi apurado no final de cada ano, vindo agora, decorrido integralmente o referido período, requerer a entrega faseada das quantias ao mesmo correspondentes.
Cumpre referir que a possibilidade de entrega do rendimento disponível em prestações mensais não se encontra prevista na lei, mas sim – como acima referido – a sua entrega imediata ao Fiduciário. Todavia, com o acordo dos credores e ainda dentro do período de cessão, tem vindo a ser admitida a entrega do rendimento disponível dessa forma faseada, dando assim satisfação (ainda que quase sempre parcial) aos créditos reconhecidos.
Ora, no caso dos autos, o período de cessão mostra-se findo, pelo que não se vislumbra possível deferir ao que vem requerido pela devedora insolvente.
Por outro lado, nada veio requerido relativamente a uma eventual prorrogação do período de cessão, a qual, aliás, sempre faria prorrogar as demais obrigações fiduciárias, designadamente de cedência de rendimentos.”
Insurge-se a Apelante contra o indeferimento do pedido de pagamento em prestações, com fundamento em que a culpa de tal falta de pagamento não é inteiramente sua, pois não foi notificada de qualquer relatório durante os três anos da cessão, não dispondo de condições financeiras bastantes para, findo o prazo total de três anos, efetuar os pagamentos todos de uma vez, sobretudo, quando a fatia substancial respeita a apenas um ano.
Como já vimos, o argumento de que não procedeu aos pagamentos anuais, por não ter sido notificada de cada um dos Relatórios Anuais não se afigura verdadeiro.
A Apelante foi sendo notificada de cada um desses relatórios e não procedeu ao pagamento de qualquer das quantias indicadas pelo Fiduciário como correspondendo ao montante disponível em cada ano da cessão, nem deles reclamou.
E, notificada do último relatório a 26.11.2024, só a 17 de janeiro de 2025, requerer o pagamento em prestações dos montantes em dívida.
Para que tal pedido seja de atender (tal como é expressamente exigido pelo artigo 243º-A, nº3 do CIRE, para a prorrogação do período da cessão), o tribunal há de convencer-se da probabilidade séria de cumprimento pelo devedor da obrigação, a aferir, desde logo, pela sua capacidade de libertar fundos para o efeito.
No caso em apreço, não se vê como a devedora o possa fazer: encontra-se desempregada desde agosto de 2023, tem cerca de 63 anos de idade, e aufere uma prestação de desemprego no valor mensal de 585,65 € (vivendo em casa arrendada).
Como tal, nenhuma censura nos merece a decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações.
2. Se o tribunal errou ao recusar a exoneração do passivo restante à devedora.
A decisão recorrida recusou a exoneração do passivo restante, com fundamento no incumprimento doloso ou gravemente negligente do dever de entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos rendimentos objeto da cessão (artigos 243º, nº1, al. a) e 239º, nº4, al. c), do CIRE).
A Apelante pede a revogação do decidido, com base nas seguintes ordens de razões:
- a decisão sobre a concessão (ou não concessão) da exoneração do passivo restante não podia ser proferida em simultâneo com o indeferimento do pedido de pagamento em prestações por si formulado;
- tais decisões violam o principio da proteção da confiança, visando com o recurso obstar a um prejuízo sério, resultante da recusa da exoneração do passivo restante e ausência de efeitos práticos da insolvência;
- por ausência de culpa exclusiva ou em maior fatia, no incumprimento do dever de cedência do rendimento disponível, atenta a existência de demissão/preterição de deveres dos demais intervenientes.
Começa a Apelante por argumentar que a decisão quanto à concessão da exoneração não deveria ter sido proferida em simultâneo com a decisão de indeferimento do pagamento em prestações, embora não esclarecendo o porquê – porque perdeu uma última oportunidade de tentar proceder ao pagamento integral das quantias em dívida?, porque pretendia requerer a prorrogação do período da cessão? porque ficou privada da possibilidade de se pronunciar sobre se se verificavam ou não os pressupostos da exoneração?
De qualquer modo, entendemos que, no caso em apreço, não se encontravam reunidas as condições para o tribunal proferir, de imediato, decisão final sobre a exoneração do passivo restante.
Os credores e a devedora foram notificados nos termos do artigo 241º, nº1, CIRE por comunicação enviada a 14-01-2025, notificação que se presume efetuada no 3º dia posterior ao seu envio (art.248º, nº1, CPC), ou seja, a 17-01-2025.
 Contudo, nesse mesmo dia, a devedora dá entrada em tribunal do pedido de pagamento em prestações dos montantes a ceder, ao qual os credores e o fiduciário, notificados para tal, nada vieram opor.
Tendo o pedido de pagamento em prestações dado entrada em tribunal antes de se iniciar o prazo para a devedora e os demais intervenientes se pronunciarem nos termos do artigo 244º, nº1, podemos afirmar que tal prazo não se chegou a iniciar, pelo menos para a devedora, não fazendo qualquer sentido que tivesse de pronunciar sobre a decisão final de exoneração do passivo restante, sem a obtenção prévia de uma resposta do tribunal ao seu pedido de pagamento em prestações, sendo que, se o mesmo viesse a ser deferido, tal pronúncia tornar-se-ia, nesta fase, um ato inútil.
Não dispondo o juiz de um poder discricionário de conceder, ou, não, a exoneração, a audição destina-se fundamentalmente à certificação de que nada obsta à concessão e recusá-la no caso contrário.
Assim, e no que à devedora diz respeito, permitindo-lhe a alegação de causas justificativas do não pagamento dos montantes que lhe foram sendo peticionados pelo Fiduciário (a recusa da exoneração não se basta com a violação de uma das obrigações impostas pelo artigo 239º, exigindo-se que a mesma tenha ocorrido com dolo ou com negligência grave) ou que tal facto não prejudicou a satisfação dos créditos sobre a insolvência (244º, nº2, e 243º, nº1, al. a), CIRE),
Ao indeferir o pedido de pagamento em prestações do montante em dívida e, de imediato, proferir decisão final sobre a exoneração do pedido restante, sem ter dado efetiva oportunidade à devedora de se pronunciar nos termos do artigo 244º, nº1, verifica-se uma violação do princípio do contraditório, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPC, inquinando de nulidade tal decisão.
Como tal, haverá que anular a decisão recorrida de recusa de exoneração do passivo restante, a fim de dar prévio cumprimento à audição da devedora, dos credores e do Fiduciário, nos termos do artigo 244º, nº1 do CIRE, ficando prejudicado o conhecimento dos fundamentos substantivos de oposição à decisão final de exoneração do passivo restante.

*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, anulando-se a decisão recorrida de recusa de exoneração do passivo restante, devendo ser proferido despacho a assegurar o prévio cumprimento à audição da devedora, dos credores e do Fiduciário, nos termos do artigo 244º, nº1 do CIRE.

Custas da Apelação pela recorrente, na proporção de metade, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido.

                                               Coimbra, 24 de junho de 2025


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).