Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/17.4GDSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA ACESSÓRIA;
MEDIDA DA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J C GENÉRICA DA SERTÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 40.º E 71.º DO CP
Sumário:
I – A medida das penas (principal e acessória), tem por referência o disposto nos artigos 40.º e 71.º do CP, devendo ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa, da ilicitude e pela necessidade de prevenção geral e especial.
II – A finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente.
III – A culpa ou grau de culpa, deve aferir-se do factualismo concretamente provado, que rodeia a conduta do arguido.
IV – Apurando-se e resultando do processo que o recorrente ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas e, neste estado, conduzia o veículo supra identificado apresentando uma TAS apurada de 3,08g/l, correspondente à taxa registada de 2,926 g/l (deduzido o valor de erro máximo admissível), trata-se de uma taxa elevada, o que revela uma culpa e ilicitude elevadas.
V - Neste tipo de crime, a prevenção geral é acentuada dado o número e frequência da sua ocorrência e dos danos causados a nível de sinistralidade. Pretendendo-se acautelar essencialmente a segurança da circulação rodoviária, que é premente.
VI – Na determinação da medida da pena deve ter-se em conta o sentido de equilíbrio e de justiça (sempre relativa), que deve permanecer nos casos similares apreciados e julgados.
VII - Baixados os autos à primeira instância e uma vez que se mantém a pena acessória de proibição de conduzir, deve notificar-se o arguido para que proceda à entrega, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que é titular.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.
I
1. Nos autos supra identificados, foi o arguido
AA, filho de --- e de ---, nascido em ---, natural de ---, casado, --- atualmente desempregado, BI - ---, domicílio: Rua ---.

Julgado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal e a final condenado:
- na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 510,00 (quinhentos e dez euros), havendo de descontar um dia por força da detenção, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
2. Não se conformando com esta decisão, dela recorre o Ministério Público formulando as seguintes conclusões:
1.ª - Vem o presente recurso interposto da sentença a quo na parte em que condenou o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias;
2.ª - Peca por defeito a condenação na pena acessória de proibição veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, uma vez que, no apuramento do seu quantum, não foram tidas em conta as normas relativas à determinação concreta da sua medida;
3ª - O arguido agiu com dolo intenso e na sua modalidade de dolo directo, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal, pois agiu “voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que se encontrava sob o efeito de bebidas alcoólicas que voluntariamente ingerira e que não lhe era permitido exercer a condução do referido veículo automóvel em tais circunstâncias, que bem conhecia e que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei”, como decorre da factualidade dada como provada.
4.ª - Ponderando a matéria de facto provada, os bens jurídicos violados (interesse da segurança das comunicações), a gravidade do ilícito e a moldura penal que lhe é abstractamente aplicável pela pena acessória, a T.A.S. que o arguido trazia, a medida da sua culpa e as necessidades de reprovação e de prevenção de futuros crimes ---cada vez mais prementes---deveria o arguido ter sido condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por período não inferior a 9 (nove) meses;
5.ª - Pelo que a sentença a quo não procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada, razão pela qual violou o disposto nos artigos, 14.º, n.º 1, 40.º, 69.º, n.º 1, alínea a), 70.º e 71.º, todos do Código Penal;
6.ª - Devendo a mesma, em consequência, ser substituída por outra, nesta parte, que condene o arguido AA como autor material de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período não inferior a 9 (nove) meses.
***
Pelo que dando procedência ao recurso, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que condene o arguido numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor mais elevada, Vossas Excelências farão a necessária e costumada Justiça.

3. O recorrido arguido respondeu, dizendo:
1.ª - O Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada pela valoração conjunta e crítica, segundo as regras de experiência comuns e ainda do facto do Recorrido ter confessado integralmente e sem reservas, se ter mostrado arrependido e ser primário.
2.ª – O Tribunal “a quo” fixou a factualidade provada com base na convicção que formou sobre os factos produzidos em audiência, quer quanto à sua substância, quer quanto à credibilidade que lhe ofereceu a forma como concreta e individualmente se verificou a sua produção.
3.ª - O recorrido confessou espontaneamente os factos pelos quais vinha acusado e nem colidiu ou causou danos a terceiros.
4.º - Com 60 anos de idade (à data do julgamento) e tantos anos de condução, não tem quaisquer antecedentes criminais, designadamente no âmbito da condução automóvel, concretamente sob influência do álcool.
5.º - A medida de inibição causa-lhe grande transtorno e enorme prejuízo, uma vez que o recorrido e a sua esposa vivem em sítio isolado, com poucos ou nenhuns transportes em certos períodos do dia, precisando de se deslocar de carro para comprar os produtos mais básicos e essenciais para casa, precisando sobretudo de se deslocar de carro para ir a Lisboa, com frequência, para ir a consultas médicas.
6.º - O arguido mostrou arrependimento sincero e atento o facto de ser primário, a sanção aplicada é adequada a produzir um efeito dissuasor e reintegrador pretendido.
7.º - Para a determinação da medida da pena e respectiva sanção acessória, a sentença recorrida norteou-se de harmonia com os critérios gerais legalmente vinculadores consignados no artigo 71.º do Código Penal e 40.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, pelo que andou bem o tribunal a quo ao possibilitar a atenuação da sanção acessória que foi aplicada ao arguido.
8.º - Ponderados, desta forma entendida e considerada, a personalidade do recorrido, as consequências do seu acto, a confissão e o arrependimento, e acima de tudo a sua capacidade de interiorizar a pena como ressocializante e justa, todas as circunstâncias do caso e ainda as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, ao optar a MM.ª Juiz “a quo” pela aplicação de uma pena acessória de inibição da conduzir pelo período de quatro meses e quinze dias satisfez, de acordo com o estatuído pelo artigo 69° n° 1 alínea a) do Código Penal, a prevenção de perigosidade do arguido e tal constituirá a censura adicional do seu acto.
9.º - A sentença “a quo” procedeu a um correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria dada como provada, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos, negando-se consequentemente, provimento ao recurso. Nestes termos e nos melhores de direito e, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve confirmar-se integralmente a douta sentença recorrida, julgando-se improcedente ou não provido o recurso como é de JUSTIÇA!
4. Nesta instância, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
II
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos :
1. No dia ---, pelas 23 horas e 10 minutos, o arguido AA conduzia o veículo automóvel de matrícula ---, na Estrada ---.
2. Fazia o exercício da condução depois de ingerir bebidas alcoólicas.
3. Submetido a teste de alcoolemia em aparelho legalmente aprovado e identificado nos autos, por entidade fiscalizadora, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,926 g/l, correspondente à taxa registada de 3,08g/l, uma vez deduzido o valor de erro máximo admissível.
4. O arguido agiu consciente e voluntariamente, era conhecedor das características do veículo e sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para lhe poder causar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, conformando-se, conduzindo o veículo nessas condições, como efectivamente fez.
5. Conhecia o carácter proibido da sua conduta e que a mesma é punida por lei.
6. Não tem antecedentes criminas registados.
7. O arguido confessou os factos de livre vontade.
8. Teve em audiência uma postura humilde e mostrou-se arrependido.
9. Mora com a esposa que trabalha num lar.
10. Reformado da --, aufere 900,00€ mensais. Tem despesas de 450,00€ também mensais.
11. A esposa tem carta de condução embora não esteja habituada a conduzir.
12. Desloca-se com alguma frequência a Lisboa por ser lá que a esposa se socorre de cuidados médicos e de consultas.
III
Questão a apreciar.
A medida da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido.
IV
Cumpre decidir:
1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo arguido é punível com pena de prisão de 30 dias a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias e inibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos (36 meses).
O recorrente Ministério Público insurge-se tão só contra a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias, que considera inadequada (branda), pugnando por uma pena não inferior a 9 meses.

2. A medida das penas (principal e acessória), tem por referência o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, devendo ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa, da ilicitude e pela necessidade de prevenção geral e especial.
Com a nota de que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente.
Neste sentido v. ac. da Rel. de Coimbra de 17-01-2001 (R 3058/00) Co!.de Jur., 2001, I,50.
II — A determinação da medida de tal pena acessória opera-se mediante recurso aos critérios do artigo 71° do C.P., com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale um efeito de prevenção geral).
Assim, segundo o disposto no artigo 40º, nº 1, do Código Penal “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
E o disposto no nº 2 (art. 40º), que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Por sua vez, o disposto no artigo 71º, refere que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

3. Sobre a relevância do grau de culpa, afirma Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, a fls. 71:
“Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui um limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.”

Ora, a culpa ou grau de culpa, deve aferir-se do factualismo concretamente provado, que rodeia a conduta do arguido.
E o que se apurou e resulta do processo é que o recorrente ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas e, neste estado, conduzia o veículo supra identificado apresentando uma TAS apurada de 3,08g/l, correspondente à taxa registada de 2,926 g/l (deduzido o valor de erro máximo admissível).
Trata-se de uma taxa elevada, o que revela uma culpa e ilicitude elevadas.
Isso mesmo reconhece o julgador a quo, ao considerar que o dolo é direto, que a taxa de álcool é muito elevada, que a ilicitude é acentuada.
Valorou o tribunal recorrido para aplicar a pena que aplicou, as circunstâncias de o arguido não ter quaisquer antecedentes criminais, ter apresentado uma postura humilde em audiência, ter admitido os factos e mostrar arrependimento.
São aspetos, sem dúvida, a levar em conta na fixação da moldura da pena, mas de modo não tão relevante e acentuado que acabam por lhe retirar (à pena) a sua função preventiva e de satisfação das expetativas da comunidade na defesa do direito e do que é legitimamente esperado na aplicação da lei pelos Tribunais.
A confissão não se mostra relevante na medida em que a prova é pericial, é evidente. É confessar o óbvio.
Considerar-se não ter antecedentes criminais deve ser a regra para qualquer cidadão e não uma exceção. Aceita-se, todavia que revela uma conduta conforme com o direito e positiva, tendo em conta sobretudo a já idade do arguido – sessenta e um anos à data dos factos – ser o mesmo um delinquente primário.
O arrependimento, mais do que meras palavras, terá de aferir-se de uma conduta concreta. E, neste aspeto, só o futuro o demonstrará.

4. Sabe-se que neste tipo de crime, a prevenção geral é acentuada dado o número e frequência da sua ocorrência e dos danos causados a nível de sinistralidade. Pretendendo-se acautelar essencialmente a segurança da circulação rodoviária, que é premente.
A necessidade da prevenção e a perigosidade da condução sob o efeito do álcool, está bem justificada na motivação do recorrente Ministério Público, quando a propósito afirma:
“É este o momento oportuno, para relembrarmos, os principais efeitos do álcool no exercício da condução: -- Vide in www.dgv.pt/seg_rodo/alcool_conducao.asp:
I -- Audácia incontrolada: -- (Um dos primeiros efeitos do álcool é o frequente estado de euforia, sensação de bem-estar e optimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas. É, talvez, um dos estados mais perigosos);
II -- Perda de vigilância em relação ao meio envolvente: -- (Sob a influência do álcool as capacidades de atenção e de concentração do condutor ficam diminuídas);
III -- Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais: -- (A presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objectos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar correctamente as distâncias e as velocidades. A visão nocturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encadeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel, situação em que a visão do condutor abrange única e exclusivamente um ponto à sua frente, reduzindo, assim, a fonte de informação contida no espaço. Estudos efectuados sobre o campo de visão, a uma velocidade estabilizada, comprovam que este sofre, com uma TAS de 0,50g/l, uma redução de cerca de 30%. Pequenos aumentos da TAS traduzem-se em grandes reduções do campo visual);
IV -- Perturbação das capacidades perceptivas: -- (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta);
V -- Aumento do tempo de reacção: -- ((…) as bebidas alcoólicas ingeridas pelo condutor afectam, ao nível do cérebro e do cerebelo, as capacidades perceptivas e cognitivas, as capacidades de antecipação, de previsão e de decisão, e as capacidades motoras de resposta a um dado estímulo, podendo afectar o próprio equilíbrio. Fica assim incapaz de avaliar correctamente as diferentes situações de trânsito pelas dificuldades na recolha de informação, na sua análise e ainda na tomada de decisão da resposta motora adequada e na sua concretização (…));
VI -- Lentificação da resposta reflexa;
VII -- - Diminuição da resistência à fadiga: -- (O álcool desempenha um verdadeiro papel analgésico no nível dos centos nervosos e se, numa determinada fase, pode contribuir para criar um estado de euforia, este é posteriormente substituído por uma de fadiga intensa que pode chegar até ao entorpecimento. Da mesma forma, o álcool potencia o estado de fadiga quando este já se faz sentir);
VIII -- O risco de envolvimento em acidente mortal aumenta rapidamente à medida que a concentração de álcool no sangue se torna mais elevada:
0,50g/l.............o risco aumenta 2 vezes;
0,80g/l.............o risco aumenta 4 vezes;
0,90g/l.............o risco aumenta 5 vezes;
1,20g/l.............o risco aumenta 16 vezes.

Por outro lado, também como refere Jª Gisbert Galabuig, in Medicina Legal e Toxicologia – Salvat Editores, SA, 4ª Edição, Barcelona, “não se pode esquecer que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr/l, pode afirmar-se a realidade da embriaguez, sem a presença de qualquer outro dado clínico.”
Como também se refere no “Manual de Alcoologia para o Clínico Geral” de Maria Lucília Mercês de Mello, Augusto Pinheiro Pinto, Maria Henriqueta Frazão e José P Pereira da Rocha, pág. 70 e ss: “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobrestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos,... são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais” (Sombreados e Sublinhados nossos).

Escreve Germano Marques da Silva no prefácio do seu livro “Crimes Rodoviários” - Universidade Católica, Lisboa, 1996, “O Código Penal de 1995... deu nova formulação ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez. O caos das nossas estradas e indisciplina dos condutores reclamava-o (s); visam pela segurança das comunicações rodoviárias, a protecção de bens jurídicos importantes. Que a frequência da sua prática não os tornem letra morta. É que muitos são os inocentes que morrem ou ficam estropiados pela inconsciência automobilística de tantos de nós, os condutores de veículos motorizados”. (Itálico, Sombreado e Sublinhados nossos)”.

5. Estes considerandos revelam, desde já, que dada a taxa de alcoolemia em causa – 2,926g/l no sangue -, a pena aplicada fica aquém do que a lei exige nestas situações.
Mas outro facto/argumento, reivindica uma pena mais elevada: o sentido de equilíbrio e de justiça (sempre relativa), que deve permanecer nos casos similares apreciados e julgados. Se cada caso é um caso, existe um núcleo essencial e comum, do qual não é possível escapar, o grau de taxa de alcoolemia. A não ser que circunstâncias excecionais o justifiquem, é um elemento preponderante na determinação da medida exata da pena. É uma prática jurisprudencial e uma exigência comunitária .
Tanto assim é, que o próprio tribunal recorrido ao aplicar as penas no caso concreto, se sentiu na obrigação de o justificar com o “caso anterior”. Que possivelmente acabara de julgar. Depreendendo-se que aplicara penas mais elevadas .
Sobre esta matéria, o recorrente exemplifica com situações concretas julgadas nesta Relação de Coimbra, que ilustram bem essa prática jurisprudencial:
“a) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao Processo n.º 2832/05- 2,03 g/l, primário/confissão integral: -- 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
b) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Maio de 1996, referente ao Processo n.º 303/96 - 2,06 g/l: -- 7 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
c) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Novembro de 2006, referente ao Processo n.º 390/04.6 GTLRA.C1, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça - 2,09 g/l, primário/confissão integral: -- 7 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
d) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao Processo n.º 225/04.0GCACB.C1 - 2,16 g/l, primário/confissão integral: -- 7 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
e) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao Processo n.º 225/04.0GAACB.C1-- 2,19 g/l, primário/confissão integral: -- 7 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
f) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Novembro de 2008, referente ao Recurso n.º 115/08.7 PAACB.C1 5ª Secção, (Processo Sumário nº 115/08.7 PAACB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça) -- 2,20 g/l, primário/confissão integral: -- 7 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
g) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao Processo n.º 172/06.0GTLRA.C1PAACB.C1 -- 2,32 g/l, primário/confissão integral: -- 8 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
h) - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31 de Outubro de 2007, referente ao Processo n. º139/06.9 PAACB.C1, 5ª Secção (2º Juízo de Alcobaça) -- 2,36 g/l primário/confissão integral/veículo ligeiro/arrependimento: -- 8 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
Por outro lado, em Acórdão proferido na sequência de recurso interposto pelo ora signatário, em turno (Processo Sumário n.º 62//11.5PTCTB, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco) no âmbito do Processo n.º 62//11.5PTCTB. C1, da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, foi decidido por douto Acórdão datado de 01 de Fevereiro de 2012, cujo relator foi o Venerando Juiz Desembargador, Dr. Jorge Jacob, em consonância com o por nós proposto, condenar o arguido que não tinha antecedentes criminais e que não havia sido interveniente em acidente de viação, numa pena de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 7 (sete) meses porque o mesmo havia sido intercetado a conduzir veículo automóvel com uma T.A.S de 2, 09 g/l”.
6. Todos estes factos/fundamentos, revelam que a pena de 4 meses e 15 dias de inibição é manifestamente insuficiente para acautelar todos os interesses visadas com a presente incriminação e sanção.
E se o arguido não tem efetivamente antecedentes criminais registados – dando a ideia de que a prevenção especial é diminuta -, não significa que o mesmo não tem ingerido bebidas alcoólicas com alguma regularidade.
As regras da experiência dizem que não é qualquer cidadão que, acidentalmente, com amigos, ingere bebidas alcoólicas ao ponto de ficar com a taxa descrita nos autos e tem a sensação de se “sentir mais ou menos bem” – declarações do arguido gravadas no suporte informático.
Se tivesse sido uma situação ocasional, excecional, dela daria desde logo conta o arguido. Mas não foi o caso.
Se é certo que o arguido não tem efetivamente antecedentes criminais e esse aspeto deve ser levado em conta, tal facto só por si, não é revelador de baixa ou diminuta prevenção especial, a qual emerge da concreta situação e do grau de taxa de alcoolemia.
Tendo em conta todos estes fundamentos, mas relevando também os factos positivos apontados pelo julgador a quo, entende este tribunal que a pena de 8 (oito) meses de inibição constitui o limite mínimo para que as exigências legais já apontadas sejam devidamente salvaguardadas/acauteladas.
IV
Decisão
Por todo o exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso do recorrente Ministério Público e, consequentemente, altera-se a pena de inibição de conduzir do arguido AA de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias para 8 (oito) meses de inibição.
Sem custas.
*
Baixados os autos à primeira instância e uma vez que se mantém a pena acessória de proibição de conduzir, notifique-se o arguido para que proceda à entrega, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que é titular, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser determinada a sua apreensão (art.º 500º nº3 do CPP), com a advertência de que, não o fazendo, poderá incorrer no crime de desobediência (art.º 348º nº1 alínea b) do C. Penal - cfr. AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013); e poderá incorrer no crime de violação de proibições ou interdições caso infrinja a ordem de proibição de conduzir durante o período determinado (art.º 353º C. Penal);

Coimbra, 16 de Maio de 2018

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)