Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5242/17.7T8CBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: VENDA EM INSOLVÊNCIA
INVALIDADE DA VENDA
DESIGUALDADE DE TRATAMENTO
PAGAMENTO DO PREÇO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 195.º, N.º 1, E 838.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Uma venda efetuada em sede judicial (insolvência, execução, inventário, divisão de coisa comum, etc.) pode ser afetada por diferentes vícios, que podemos caracterizar de caráter procedimental (por não terem sido seguidas as regras adjetivas ordenadoras legalmente impostas) ou substancial (quando à posteriori se reconheça a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida).
II – A anulação pela ocorrência destes vícios de cariz substancial encontra apoio no disposto no art. 838.º do CPC (de aplicação subsidiária no âmbito do processo de insolvência), e apenas pode ter lugar a requerimento do comprador, como resulta expressamente da norma, o que bem se compreende, por este ser o único prejudicado com uma aquisição de um bem contendo ónus/limitações que desconhecia ou sob erro acerca da coisa transmitida.

III – Já os de caráter procedimental encontram o seu fundamento quer no disposto no art. 835.º do CPC, quer, em termos mais amplos, no âmbito do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC (prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei o determine ou quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa).

IV – Quem se habilita a adquirir/preferir deve reunir as condições financeiras para tanto e nos momentos legalmente determinados para a entrega dos valores pecuniários devidos (seja o “sinal”, seja o remanescente do preço), nada impondo, nem fazendo sentido, que o processo de venda fique a aguardar até que o interessado reúna o valor necessário através de mútuo a celebrar posteriormente.

V – Não é desrespeitado o direito de preferência quando o beneficiário do direito relativamente a um dos imóveis integrados numa venda conjunta, aceitou a venda nesses termos (conjunta) e, apesar de não lhe ter sido expressamente referido o montante de cada uma das parcelas – com efeitos meramente tributários –, tinha conhecimento do preço global da venda.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 5242/17.7T8CBR-E.C1

Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ...

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA

suscitou o presente incidente (que corre os seus termos por apenso dos autos de insolvência) contra

Massa Insolvente de BB,

A..., S.A.

e

Credores da Insolvência

pedindo o decretamento da nulidade da venda do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito em Quinta ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ...57, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...14 da freguesia ... e de 93/250 avos do prédio rústico composto de terreno de semeadura, sito em ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo ...02, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...15 da freguesia ..., agendando-se nova venda através da qual possa o requerente exercer o seu legítimo e legalmente reconhecido, direito de preferência.

Alegou, em síntese,

- na venda efetuada pelo Sr. Administrador de Insolvência ocorreu uma manifesta desigualdade de tratamento dado ao proponente a à licitante que adquiriu o imóvel, pois o AI bem sabia, desde a apresentação da proposta inicial por parte do requerente, que este necessitaria de recorrer ao crédito bancário e de que tal operação implicaria tempo, não consentâneo com os 15 dias de antecedência com que foi surpreendentemente notificado o requerente da celebração do negócio;

- mesmo que se considere que não existiu desigualdade de tratamento, certo é que o requerente detinha o direito de preferência sobre a verba 4, correspondente ao prédio rústico, por dele ser comproprietário, manifestou a intenção de o adquirir e exercer o direito de preferência e manifestou a possibilidade de efetuar o pagamento do respetivo preço e solicitou ao Administrador de Insolvência que indicasse o respetivo preço, o qual ignorou tais pedidos – não fornecendo qualquer reposta a tais solicitações - tendo a referida verba sido vendida por dezassete mil e quinhentos euros, valor que o requerente só tomou conhecimento após lhe ter sido fornecida cópia do título de compra e venda pela Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e dos Automóveis de ...;

- foi violado o direito de preferência do requerente tanto para a aquisição das verbas em conjunto, como também da verba n.º 4, cujo preço nem sequer sabia para poder exercer a preferência, não existindo qualquer motivo plausível para alienar conjuntamente tais verbas, uma vez que o requerente é proprietário de parte do prédio rústico vendido (verba n.º 4), o que inviabiliza que os bens tenham uma relação de complementaridade ao seu uso e fruição, ao contrário do referido pelo Administrador de Insolvência.

                                                                  *

Contestaram os requeridos Massa Insolvente e A..., S.A., pugnando ambos no sentido da improcedência do requerido por inexistência de fundamentos para a anulação, tendo ainda a A..., S.A. peticionado, na eventualidade da procedência da anulação, a condenação da Massa Insolvente no pagamento de indemnização no montante de € 136.007,12, correspondente ao preço da venda , impostos, honorários e emolumentos notariais pagos.

                                                                  *

Produzida a prova testemunhal e por declarações, foi, a 09.05.2023, proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo “julgando improcedente o presente incidente de anulação da venda, o Tribunal, decide-se absolver os réus dos pedidos formulados”.

                                                                  *

O Requerente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:“

1 – O presente recurso interposto pelo aqui recorrente tem por objecto a decisão que considerou improcedente o pedido de anulação da venda do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito em Quinta ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ...57, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...14 da freguesia ... e de 93/250 avos do prédio rústico composto de terreno de semeadura, sito em ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo ...02, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...15 da freguesia ..., pela Massa Insolvente de BB a A..., Lda..

2 – O recorrente discorda, no que concerne à decisão relativa à matéria de facto, com o julgamento do ponto 26.º dos factos provados, nomeadamente do facto de se considerar que o mesmo “declarou não dispor do preço e demais montantes necessários para preferir nos termos em que o projecto de negócio lhe foi comunicado”, sem que se considerasse que tenha declarado que dispunha de montante suficiente para preferir na aquisição da verba correspondente ao prédio rústico de que era comproprietário.

3 – Tal facto pode ser aferido por confronto com as declarações de parte proferidas pelo ora recorrente na audiência de julgamento, a 11:00 m do seu depoimento, quando afirmou que se deslocou ao local onde foi celebrado o título de transmissão de propriedade, tendo na sua posse um valor superior a €.: 17500,00 (dezassete mil e quinhentos euros)

4 – Perante a valoração de tais declarações prestadas pelo ora recorrente, deveria ter sido considerado como provado que o requerente, apesar de não dispor de montante suficiente para preferir nos termos do projecto de negócio tal qual lhe foi comunicado, dispunha de um valor suficiente para pagar o preço da verba sobre a qual detinha direito de preferência.

5 – Por outro lado, o recorrente não concorda que se tenha considerado como não provado que o Administrador de Insolvência desconhecia que o ora recorrente teria necessidade de recorrer ao crédito bancário para a aquisição das verbas.

6 – O que pode ser aferido pelo confronto do teor dos documentos 3 e 4 apresentados pelo recorrente no seu requerimento inicial, onde informa que necessita de recorrer ao crédito bancário, com as regras de experiência comum.

7 – Pelo que deveria tal ponto ser considerado como provado.

8 – O requerente não concorda, ainda, com que tenha sido dado como não provado que só tenha tomado conhecimento do preço de venda das verbas após lhe ter sido fornecida cópia do título de compra e venda pela Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e dos Automóveis de ....

9 – O que pode ser aferido por confronto com o teor dos documentos 8 a 10 juntos pelo recorrente no seu requerimento inicial, nos quais manifesta a sua intenção de preferir na aquisição da verba correspondente ao imóvel rústico de que era comproprietário, solicitando ao AI a indicação do respectivo valor, para efeitos do exercício do direito de preferência.

10 – Pelo que, tal ponto deveria ser igualmente considerado como provado.

11 – No que concerne à matéria de Direito, a sentença recorrida errou na aplicação do disposto no artigo 838.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ao considerar como processualmente inadequada a reação do recorrente.

12 – Deveria tal norma ter sido interpretada no sentido de se considerar o modo de impugnação da venda como o adequado, uma vez que, por um lado, ao recorrente não foi facultado direito de preferência sobre uma das verbas alienadas e, por outro lado, não foi tido em linha de conta a oneração sobre o imóvel abrangido pelo direito de preferência do recorrente ao agrupar-se as duas verbas vendidas.

13 – Foi igualmente violado o artigo 195.º, n.º 1 do C.P.C., ao não se considerar a venda nula por omissão de formalidades legais.

14 – Deveria tal norma ter sido interpretada no sentido de se considerar a venda nula, atento o tratamento desigual dado aos licitantes e por não ter sido facultada em tempo útil, ao recorrente, toda a informação tida por necessária para o exercício do seu legítimo direito de adquirir a verba de que era comproprietário.

15 – Razões pelas quais deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que declare nula a venda judicialmente homologada”.
*

A Massa Insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, respondeu defendendo a improcedência do recurso, sintetizando o alegado com as seguintes conclusões:

(…).

                                                                  *

Responderam também os credores Banco 1..., S.A. e B..., S.A., pugnando no sentido da improcedência do recurso, com os seguintes fundamentos alinhados nas respetivas conclusões:

(…).

Finalmente, também a adquirente dos bens A..., S.A. respondeu ao recurso que culminou com as seguintes conclusões:

(…).


*

Foram colhidos os vistos e realizada conferência, com a prévia obtenção dos votos, contributos e sugestões dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
*

II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Saber se:
a) a decisão relativa à matéria de facto deve ser modificada nos termos pretendidos;
b) a sentença, ao considerar processualmente inadequada a reação do recorrente, errou na aplicação do art. 838.º do CPC
e se
c) foi violado o disposto no art. 195.º, n.º 1 do Código Civil, devendo essa norma ser interpretada no sentido de ser considerada a venda nula, dado o tratamento desigual dado aos credores e por não ter sido facultado, em tempo útil, toda a informação necessária para o exercício do direito de preferência.
                                                                  *

III-Fundamentação
Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e não provada.
Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte:
Factos provados
1º. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial a favor do requerente 157/250 avos do prédio rústico composto de terreno de semeadura, sito em ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo ...02, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...15 da freguesia ....
2º. O remanescente de tal imóvel encontrava-se registado na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... a favor do insolvente, BB.
3º. No âmbito dos presentes autos de insolvência, tal bem, assim como o prédio urbano sito em Quinta ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ...57, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...14 da freguesia ..., que com ele confronta, foram apreendidos e colocados à venda, por negociação particular.
4º. Tomando conhecimento de tal venda, e tendo interesse na aquisição das duas verbas autónomas nela constante, o requerente apresentou, a 21 de Janeiro de 2021, proposta para aquisição do Lote 1, correspondente ao prédio urbano, pelo valor de € 76000,00 (setenta e seis mil euros) e para o Lote 2, referente à parcela do prédio rústico, pelo valor de € 1000,00 (mil euros), mencionando em tal proposta que a mesma seria condicionada à aprovação de financiamento bancário, necessitando de 60 dias para formalizar o crédito e celebrar o título de transmissão.
5º. A 11 de Maio de 2022, o requerente apresentou nova proposta, através da qual se predispôs à compra da verba n.º 1, correspondente ao prédio urbano, pelo valor de € 86500,00 (oitenta e seis mil e quinhentos euros) e a verba n.º 2, correspondente ao imóvel rústico, pelo montante de € 3500,00 (três mil e quinhentos euros).
6º. Mencionando, igualmente, nessa proposta, que a aquisição seria efetuada com recurso a financiamento.
7º. E exarando ainda que “Caso não seja aceite estas minhas propostas, agradeço ser contactado do dia da escritura para assim exercer o meu direito de opção”.
8º. As duas verbas foram atribuídas à sociedade comercial por quotas “A..., Lda.”, pelo valor global e unitário de € 125.500,00 (cento e vinte e cinco mil e quinhentos euros).
9º. Facto de que o requerente foi notificado por carta remetida pelo Administrador de Insolvência do seguinte teor:
       “(…)
Considerando o escopo executório universal, tais bens foram objecto de procedimento de venda, tendo sido obtida proposta aquisitiva o valor global de € 125.500,00, A proposta pressupõe a aquisição de ambos os imóveis, uma vez que a verba n. 0 3 se reporta a prédio urbano e a verba n º 4 a prédio rústico (na proporção de 93/205 avos) contíguo àquele.
O signatário, na qualidade de Administrador Judicial da insolvência supra identificada, atento o interesse patrimonial da Massa Insolvente e interesse ressarcitório dos credores, decidiu aceitar a proposta de aquisição aqui descrita,
Assim, informa-se do projecto de venda das verbas n. 0 3 e 4 (e acima melhor discriminadas) à sociedade A... Lda., NIPC ..., com sede na ... ..., representada por CC, contribuinte fiscal número ..., pelo preço global de €125.500,00 (cento e vinte e cinco mil e quinhentos euros).
Acresce ainda que é entendimento do signatário que, sob pena de prejuízo apreciável, apenas se operará a venda global de ambas as verbas, porquanto: o presente processo de insolvência teve o seu início em 30.06.2017, tendo decorrido mais de 5 anos; nesse período foram desenvolvidas várias e sucessivas diligências de liquidação, tendo sido esta a proposta de maior valor; a proposta em análise tem como expressa condição a aquisição de ambas as verbas; a natureza dos bens em crise (urbano e rústico), bem como as suas características e localização, representam uma relação de complementaridade ao seu uso, fruição e valorização; o uso isolado de cada um dos bens obsta à plena potenciação dos bens e constituiria uma limitação manifesta da sua fruição; a venda isolada de cada uma das verbas representaria um decréscimo significativo do valor venal, bastante inferior à venda conjunta; a venda isolada de cada uma das verbas representaria uma prejuízo do interesse patrimonial da Massa e do interesse ressarcitório dos credores, sendo contrária ao disposto no artigo 55º, al. a) e b) CIRE.
Mais se informa que a concretização da alienação ocorrerá por celebração de Título de Transmissão a realizar no dia 14 de Outubro, às 10h00, na Casa Pronta de ..., sita na Loja do Cidadão, Avenida ..., ....
Deste modo, considerando todo o exposto, é V, Ex. a na qualidade de alegado titular de compropriedade do imóvel rústico, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 14090/1 do Código Civil, para, querendo, no prazo legal de 8 (oito) dias, exercer direito de preferência considerando o projecto de venda aqui informado sobre ambos os prédios.
Para tanto, caso pretenda exercer direito de preferência para aquisição dos dois imóveis deverá declarar por escrito tal intenção, indicar e fazer prova de:
a) que é titular de direito de compropriedade do prédio rústico a alienar, mediante certidão predial permanente actualizada comprovativa da titularidade de direito de compropriedade;
c)  Indicar dados do Preferente, nomeadamente NIF/NIPC, morada/sede, código actualizado de acesso à certidão comercial permanente, identificação dos legais representantes da empresa, com NIF e morada, estado civil e identificação de (eventuais) cônjuges;
d) Declarar expressamente a intenção de preferir na alienação do imóvel;
d) Declarar expressamente que é conhecedor das condições/projecto de venda;
e) Declarar expressamente que no acto de formalização da venda se obriga a pagar o preço igual da maior proposta já apresentada ou indicar preço superior, bem como que se obriga ainda a pagar os honorários no valor de 4,5% do valor da venda à Agência de Leilões ..., Lda., acrescidos de IVA à taxa legal, e todas as despesas de Título de Compra e venda, emolumentos, registo e impostos aplicáveis à alienação.
Por fim, informa-se ainda que, a ausência de resposta, resposta extemporânea, ou resposta insuficiente por ausência de elementos e prova documental, poderá precludir o eventual direito de preferência”.
10º. Em reposta a tal missiva, a 30 de Setembro de 2022, o requerente disse:
“(…)
declarar expressamente a intenção de exercer o direito de preferência no que concerne às verbas n.º 3 e 4 do processo de insolvência identificado em assunto, nomeadamente do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito na Quinta ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...14/... e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...57/União das Freguesias ... e ...; e de 93/250 avos do prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...15 ..., inscrito na matriz predial rústica sob o n....02/União das Freguesias ... e ..., pelo valor global de €125500 (cento e vinte e cinco mil, quinhentos euros).
Para o efeito, informa que é titular de direito de compropriedade do prédio rústico a alienar, leia-se de 157/250 avos do prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...15 ..., inscrito na matriz predial rústica sob o n....02/União das Freguesias ... e ..., conforme poderá ser aferido pela certidão predial com o código de acesso ...15.
Declara ainda que é conhecedor das condições de venda e que, no acto da formalização da venda, se obriga a pagar preço igual ao da maior proposta já apresentada, e ainda a pagar os honorários, no valor de 4,5% do valor da venda, à Agência de Leilões ..., Lda., acrescidos de IVA à taxa legal, bem como todas as despesas de Título de Compra e Venda, emolumentos, registo e impostos aplicáveis à alienação.
Declara, finalmente, que irá efectuar a aquisição com recurso a crédito bancário. Pelo que se poderá verificar o adiamento da concretização do negócio, caso ainda não exista a disponibilização de verbas no dia 14 de Outubro de 2022”.
11º. O Administrador de Insolvência respondeu à comunicação do ora requerente a 6 de Outubro de 2022, informando
“(…)
Considerando o escopo executório universal, tais bens foram objecto de procedimento de venda, tendo sido obtida proposta aquisitiva o valor global de € 125.500,00. A proposta pressupõe a aquisição de ambos os imóveis, uma vez que a verba nº 3 se reporta a prédio urbano e a verba nº 4 a prédio rústico (na proporção de 93/205 avos) contíguo àquele.
O signatário, na qualidade de Administrador Judicial da insolvência supra identificada, atento o interesse patrimonial da Massa Insolvente e interesse ressarcitório dos credores, decidiu aceitar a proposta de aquisição aqui descrita.
Assim, reitera-se o projecto de venda das verbas n. 0 3 e 4 (e acima melhor discriminadas) à sociedade A... Lda„ NIPC ..., com sede na ... ..., representada por CC, contribuinte fiscal número ..., pelo preço global de € 125.500,00 (cento e vinte e cinco mil e quinhentos euros).
Mais se reitera igualmente que a concretização da alienação ocorrerá por celebração de Título de Transmissão a realizar no dia 14 de Outubro, às 10h00, na Casa Pronta de ..., sita na Loja do Cidadão, Avenida ..., ....
Sem prejuízo, o signatário não ignora a V. comunicação e face ao documento apresentado reconhece a V. qualidade de comproprietário e inerente direito de referência.
Não obstante, a nossa comunicação visa reiterar que as informações prestadas quanto ao projecto de alienação, nomeadamente, objecto de venda, preço, data de escritura de compra e venda e, por conseguinte, modo de pagamento.
Desta forma, querendo exercer o direito de preferência, deverá concretizar a intenção de aquisição nos precisos termos em que esta foi projectada, respeitando todas as condições acima indicadas, nomeadamente modo d pagamento. In casu, o modo de pagamento é mediante cheque bancário visado emitido à ordem da "Massa Insolvente de BB" e a entregar aquando da outorga do Título de Transmissão.
Por conseguinte, a V. alusão a que "irá efectuar a aquisição com recurso a crédito bancário" e que "poderá verificar o adiamento da concretização do negócio, caso ainda não exista a disponibilização de verbas no dia 14 de Outubro de 2022", salvo melhor opinião, não se mostra consentânea com os ditames legais inerentes ao exercício do direito de preferência,
Desta forma, o signatário consigna que reconhece o alegado direito de preferência, mas de acordo com o enquadramento jurídico do instituto preferencial, este deverá ser exercido nas mesmas condições em que o Proponente/Adquirente do bem visa concretizar o negócio jurídico.
Com efeito, e salvo devido respeito, o exercício do direito de preferência não possibilita adiamento da data de concretização da alienação.
Assim, e salvo ulteriores circunstâncias, alienação ocorrerá por celebração de Titulo de Transmissão a realizar no dia 14 de Outubro, às 10h00, na Casa Pronta de ..., sita na Loja do Cidadão, Avenida ... ....
Para o efeito encontra-se V. Ex a notificada do predito agendamento, bem como o Proponente/Adquirente A... Lda E a alienação com outorga do respectivo título concretizar-se-á, na data agendada, com V. Ex. a , mediante o pagamento do preço e demais condições, ou com o Proponente A... Lda., mediante observação das mesmas condições.
Deste modo, informa-se que se tem por válida a intenção de exercício do direito de preferência na condição de observar todos os aspectos essenciais do negócio, nomeadamente, modo e prazo de pagamento e data de concretização”.
12º. Ao que o requerente respondeu em 11 de Outubro de 2022 “reiterar expressamente a intenção de exercer o direito de preferência no que concerne às verbas nº 3 e 4 do processo de insolvência identificado em assunto, nomeadamente do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito na Quinta ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...14/... e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...57/União das Freguesias ... e ...; e de 93/250 avos do prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...15 ..., inscrito na matriz predial rústica sob o n. ...02/União das Freguesias ... e ..., pelo valor global de €.: 125500 (cento e vinte e cinco mil, quinhentos euros).
No entanto, e como decerto não ignorará — uma vez que foi mencionado anteriormente ao encarregado de venda, aquando da apresentação das minhas propostas e à sua pessoa, na minha comunicação anterior — pretendo recorrer ao crédito bancário para a prossecução da aquisição, uma vez que não disponho de meios económicos suficientes para celebrar o negócio sem o referido apoio.
Pelo que, solicito que me seja remetida, o quanto antes, toda a documentação referente aos prédios a adquirir pela minha pessoa, nomeadamente as cadernetas prediais, as certidões do registo predial, planta e autorização de utilização do prédio urbano, assim como o certificado energético e qualquer outra documentação necessária para a celebração do negócio,
Mais declaro que, do mesmo modo que a outro proponente teve o tempo necessário para o recurso ao crédito bancário, uma vez que apresentou a sua proposta, da qual apenas tive conhecimento no final do mês passado pela sua notificação, tendo decerto decorrido um largo lapso temporal até ao agendamento da venda, deverá me ser concedido tempo para recorrer e efectivar a obtenção do crédito bancário, cujo processo ainda não se iniciou porque o Sr. Dr. não me remeteu a documentação necessária para o efeito, que lhe foi solicitada, preferindo mencionar — na comunicação a que ora respondo — que pretende que o meu direito de preferência seja exercido em condições consentâneas em que o adquirente pretende concretizar o negócio.
E aí é que reside o cerne da questão. As condições fornecidas ao outro adquirente foram muito mais vantajosas do que as fornecidas a mim, uma vez que teve tempo mais que suficiente, após apresentação da proposta — cujo valor eu desconhecia — para recorrer aos meios necessários para o pagamento do preço, enquanto eu apenas tive conhecimento do montante da proposta em finais do mês passado, não me tendo sido fornecido qualquer elemento ou documentação para que eu possa concretizar o processo do crédito bancário que me será concedido.
Pelo exposto, e a bem da igualdade de tratamento, dever-me-á ser concedido prazo de cerca de 20 dias para o deferimento do crédito por mim pedido, solicitando ao Dr. para que me indique qual o valor a depositar a título de entrada. Prazo aquele cuja contagem deverá se iniciar após o fornecimento da documentação por mim solicitada para o efeito.
Declaro, finalmente, que caso V. Exa. mantenha a intenção de agendamento da venda para o próximo dia 14 de Outubro, em claro prejuízo da minha pessoa em relação ao outro proponente, declaro expressamente que irei preferir na aquisição do prédio rústico, solicitando a indicação do valor do negócio”.
13º. A tal comunicação respondeu o Administrador de Insolvência, por e-mail, no dia 12 de Outubro de 2022, pelas 19:36h., dizendo:
O signatário reitera, integralmente, as anteriores comunicações de 23.09.2022 e 06.10.2022.
No que concerne às Verbas nº 3 (Prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito na Quinta ..., lugar da ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...14/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n. ...57/União das Freguesias ... e ....) e Verba n. 04 (93/250 Avos do prédio rústico, terra de semeadura, sito em ..., lugar da ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...15/... e inscrito na matriz predial rústica sob o n. ...02/União das Freguesias ... e ...), foi decidido aceitar a proposta aquisitiva o valor global de €125.500,00 apresentada pela sociedade comercial A... Lda., NIPC ..., com sede na ... ..., representada por CC, contribuinte fiscal número ..., pelo preço global de € 125.500,00 (cento e vinte e cinco mil e quinhentos euros).
Os elementos do negócio foram integralmente informados aquando da primeira comunicação de 23.09.2022 e reiterado posteriormente.
Aliás, reconhecendo que todos os elementos essenciais do negócio lhe foram transmitidos, V. Ex. a declarou pretender exercer direito de preferência.
Nesse sentido, e conforme comunicação de 06.10,2022, face ao documento então apresentado (certidão permanente predial) foi reconhecido a V. qualidade de comproprietário e inerente direito de preferência, o que se mantém.
No que concerne à documentação a que V. Ex. a alude, cumpre ainda explicitar o seguinte:
- Ao contrário do que refere, em momento algum, inclusive e concretamente na V. comunicação de 30.09.2022, nos foi solicitada qualquer documentação;
- As cadernetas prediais e certidões permanentes prediais são documentos de consulta pública e obtenção livre juntos dos competentes serviços, tributários e registais, respectivamente;
Por mera cortesia e sem qualquer obrigação legal ou procedimental, enviamos a V. Ex. a caderneta predial e certidão predial permanente, sem que tal dispense a sua consulta ou obtenção nos referidos serviços;
- A Massa Insolvente está legalmente dispensada de apresentação de "planta e autorização de utilização do prédio urbano, assim como o certificado energético", acrescendo que in não dispõe de tais elementos;
- Por conseguinte, atenta a dispensa/isenção legal de apresentação, os documentos que refere, não são "documentação necessária para a celebração do negócio".
Face ao exposto, uma vez mais, se indica que, no âmbito da venda projetada e já agendada, reconhece-se a V. Ex. a o direito de preferir na aquisição dos bens, devendo para o efeito, exercer tal direito mediante observação e cumprimento das condições do negócio, nomeadamente o momento de pagamento do preço e de formalização da compra e venda.
Ademais, V. Ex. a declara que (...) deverá me ser concedido tempo para recorrer e efectivar a obtenção do crédito bancário, cujo processo ainda não se iniciou porque (...) não me remeteu a documentação necessária para o efeito, que lhe foi solicitada (...)” Ora, por um lado, reitera-se que até à data de 1 1 .10.2022, nenhuma documentação foi solicitada.
Por outro lado, o signatário ignora se o Proponente vai, ou não, recorrer a crédito bancário, do mesmo modo que - ao contrário do que pretende - não é o Administrador Judicial responsável por instruir documentalmente o procedimento de mútuo bancário.
É igualmente incorrecto que "as condições fornecidas ao outro adquirente foram muito mais vantajosas". Denote-se que V. Ex. a visa exercer um direito legal - já reconhecido - mas pretende exercê-lo em condições que diferentes das que a lei determina.
Deste modo, e de forma a evitar eventuais dúvidas, uma vez mais, se reitera igualmente que a concretização da alienação ocorrerá por celebração de Título de Transmissão a realizar no dia 14 de Outubro, às 10h00, na Casa Pronta de ..., sita na Loja do Cidadão, Avenida ..., ....
Desta forma, querendo exercer o direito de preferência, deverá concretizar a intenção de aquisição nos precisos termos em que esta foi projectada, respeitando todas as condições acima indicadas, nomeadamente modo de pagamento. In casu, o modo de pagamento é mediante cheque bancário visado emitido à ordem da “Massa Insolvente de BB" e a entregar aquando da outorga do Título de Transmissão. Não há lugar ao pagamento de caução ou "entrada", apenas o pagamento da totalidade do preço no momento de concretização formal da venda.
Desta forma, o signatário consigna que reconhece o alegado direito de preferência, mas de acordo com o enquadramento jurídico do instituto preferencial, este deverá ser exercido nas mesmas condições em que o Proponente/Adquirente do bem visa concretizar o negócio jurídico.
Assim, a alienação ocorrerá por celebração de Título de Transmissão a realizar no dia 14 de Outubro, às 10h00, na Casa Pronta de ..., sita na Loja do Cidadão, Avenida ..., ....
Para o efeito encontra-se V. Ex. a notificada do predito agendamento, bem como o Proponente/Adquirente A... Lda. E a alienação com outorga do respectivo título concretizar-se-á, na data agendada, com V. Ex. a , mediante o pagamento do preço e demais condições, ou com o Proponente A... Lda., mediante observação das mesmas condições.
Deste modo, informa-se que se tem por válida a intenção de exercício do direito de preferência na condição de observar todos os aspectos essenciais do negócio, nomeadamente, modo e prazo de pagamento e data de concretização da alienação, sendo que o incumprimento do aqui vertido poderá precludir o eventual direito de preferência”.
14º. O requerente respondeu a tal comunicação, a 13 de Outubro de 2022, dizendo “reiterar expressamente a intenção de exercer o direito de preferência no que concerne às verbas nº 3 e 4 do processo de insolvência identificado em assunto, nomeadamente do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, sótão, anexos, quintal e logradouro, sito na Quinta ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...14/... e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...57/União das Freguesias ... e ...; e de 93/250 avos do prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em ..., lugar da ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...15 ..., inscrito na matriz predial rústica sob o n....02/União das Freguesias ... e ..., peio valor global de € 125500,00 (cento e vinte e cinco mil, quinhentos euros), bem como o teor das comunicações anteriores. Reitero, nomeadamente, que não me foi concedido um prazo que me possibilite o recurso ao crédito bancário para exercer o direito de preferência que me é legalmente concedido, o que manifesta uma clara fraude à lei e tratamento desigual da minha pessoa em relação à outra proponente. Aliás, o facto de eu precisar de recorrer ao crédito bancário é sobejamente conhecido, ou deveria ser, por V. Exa., pois todas as propostas por mim apresentadas ao longo do processo de venda mencionaram expressamente tal necessidade. Pelo que, apenas por má vontade, ou por outras razões menos claras que desconheço, pretende-se coartar um direito que me é legalmente consagrado, privilegiando o outro proponente em relação à minha pessoa, Assim sendo, e em conclusão, reitero a minha intenção de adquirir as duas verbas, sendo que, conforme referido anteriormente, se insistir na venda para o dia 14 de Outubro de 2022, irei exercer de imediato a preferência para o prédio rústico, solicitando, mais uma vez, que me indique o respectivo preço. Mais informo que irei até às últimas consequências, a fim de ver respeitados os meus direitos de adquirir os imóveis”.
15º. Em finais de 2021 (17/12/2021) é junta informação (cfr. Peça com a ref.ª citius 40780708 constante do Apenso D - liquidação) do Administrador de Insolvência sobre o estado da liquidação (art.º 61.º, do CIRE) no qual consignava que havia recebido “(…) proposta de aquisição que foi transmitida à I. Mandatária do Credor Garantido.
Contudo, este considerou o preço proposto manifestamente insuficiente face ao valor mínimo de venda por si indicado”.
16º. Da informação (cf. peça com a ref.ª citius 42684379) do AI sobre o estado da liquidação (art.º 61.º, do CIRE) remetida aos autos (apenso D-liquidação) a 27/06/2022, resulta que o AI havia, entretanto, rececionado outras propostas mais elevadas e de valor idêntico, pelas verbas em apreço, pelo que havia decidido proceder a leilão restrito aos dois proponentes do maior valor – que melhor se identificam em doc. 1 (Ata Leilão restrito) junto com a informação supra aludida – a saber, A..., Lda. e C..., Lda. - a fim de procurar elevar o preço das verbas em causa.
17º. De tal leilão resultou a proposta de maior valor, que foi apresentada pela proponente A..., Lda., ora requerida, correspondendo a um valor global de € 125.500,00, dos quais € 108.000,00 referentes à Verba n.º 3 e € 17.500,00 à Verba n.º 4, e após efetivada a notificação prevista no artigo 164.º do CIRE, e com anuência na venda por banda do credor garantido titular de hipoteca com precedência de registo – foi tomada a decisão de venda pelo Administrador Judicial.
18º. O requerente enviou requerimento aos autos (cf. peça com a ref.ª citius 7574464 constante do apenso D - liquidação), via e-mail datado de 13/10/2022, dizendo que:
“(…) preferente na aquisição das verbas 3 e 4 nos presentes autos, em que é insolvente, BB, vem requerer a V. Exa. para que se digne admitir a junção aos mesmos de novas comunicações trocadas com o Administrador de Insolvência, no que concerne ao exercício do seu direito de preferência.
Mais reitera o pedido para que sejam tomadas as diligências tidas por necessárias para que a venda agendada para o próximo dia 14 de Outubro seja adiada, uma vez que apenas agora lhe foram fornecidos os elementos para a obtenção do crédito bancário necessário para a aquisição das referidas verbas, insistindo o Administrador de Insolvência no agendamento da escritura e consequente transmissão das verbas para outro proponente, em clara violação do direito de preferência que o requerente detém sobre os bens”.
19º. A 14 de Outubro de 2022 foi realizado o título de compra e venda entre a massa insolvente e a proponente A..., Lda.
20º. A requerida A..., Lda. procedeu ao depósito (cfr. Comprovativo junto sob doc. 1), a 15/09/2022, de € 12.500,00, referente a 10% do montante da proposta, logo que o AI a instou para o efeito;
21º. Procedeu ao pagamento de Imposto de Selo no montante de € 1.004,00 e de Imposto Municipal sobre as Transmissões, no montante de € 2.101,69 (cf. comprovativos juntos sob docs. 2. 3. 4. e pág. 6 da escritura junta sob doc. 11 junto com o requerimento inicial), tudo num total de impostos de € 3.105,69;
22º. Compareceu na data agendada (14/10/2022) para outorga do título de venda dos imóveis, na mesma data pagando o remanescente do preço no montante de € 113.000,00.
23º. E, na mesma data, procedeu ao pagamento dos honorários à Agência de Leilões ..., Lda. contratada pelo Ilustre AI para assistir a massa na liquidação do seu activo, no montante de € 6.946,43.
24º. A 14/10/2022, pagou os emolumentos notariais devidos pela celebração da escritura e registos de aquisição dos imóveis no montante de € 455,00.
25º. Mais lhe foi asseverado pelo Administrador da Insolvência, o qual em representação da massa insolvente outorgou o título de compra e venda a 14/10/2022, que nada obstava à venda, no título se fazendo consignar: «Que os prédios são vendidos livres de ónus ou encargos».
26º. À data da celebração do título (14/10/2022) no Serviço Casa Pronta da Conservatória do Registo Predial ..., em que esteve presente o requerente, o mesmo, perante o Administrador Judicial e Encarregado da Venda, declarou não dispor do preço e demais montantes necessários para preferir nos termos em que o projecto de negócio lhe foi comunicado, tendo-se feito constar no referido título de compra e venda, no que ao direito de preferência respeita que «g) O primeiro declara ainda que o co-titular o prédio rústico AA foi notificado para exercer o direito de preferência que a lei lhe confere, direito que ele, na presente data e local, não exerceu por falta de dinheiro».
27º. Os bens alienados com outorga do Título de Transmissão em 14.10.2022, foram, em momento anterior, objeto de venda por negociação particular.
28º. O Requerente foi notificado de novas propostas entretanto recebidas (no valor de € 115.000,00 e, posteriormente, de nova proposta no valor de € 122.500,00), sem ter demonstrado ensejo de melhorar proposta anterior e sem ter apresentado nova proposta para além da já mencionada no valor de € 90.00000.
29º. As cadernetas prediais e certidões permanentes e registo predial haviam já sido enviadas ao Requerente em 18.01.2022.

Factos não provados[2]:
a) Que o Administrador de Insolvência quando notificou o requerente de que a venda se iria realizar a 14 de Outubro de 2022, cerca de 15 dias após a recepção de tal comunicação, bem soubesse, porque o requerente necessitasse de recorrer ao crédito bancário para a aquisição das verbas, e que as démarches necessárias para a obtenção do mesmo, que tal o impossibilitaria de ter o quantum necessário para efectuar o pagamento do preço da globalidade dos bens nessa data.
b) Que o requerente só tenha tomado conhecimento do preço da venda das referidas verbas após lhe ter sido fornecida cópia do título de compra e venda pela Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e dos Automóveis de ....
                                                                    *
Aqui chegados, importa apreciar e decidir cada uma das questões suscitadas.

A – Saber se a matéria de facto deve ser modificada.

(…).

B – Saber se a sentença, ao considerar processualmente inadequada a reação do recorrente, errou na aplicação do art. 838.º do CPC

e
C – Saber se foi violado o disposto no art. 195.º, n.º 1 do Código Civil, devendo essa norma ser interpretada no sentido de ser considerada a venda nula, dado o tratamento desigual dado aos credores e por não ter sido facultado, em tempo útil, toda a informação necessária para o exercício do direito de preferência.

No plano do direito o recorrente começou por se insurgir contra a sentença proferida na parte em que considerou processualmente inadequada a reação do recorrente, defendendo que o art. 838.º, n.º 1 do CPC deve ser interpretado no sentido de se considerar o modo de impugnação da venda como o adequado, uma vez que, por um lado, ao recorrente não foi facultado direito de preferência sobre uma das verbas alienadas e, por outro lado, não foi tido em linha de conta a oneração sobre o imóvel abrangido pelo direito de preferência do recorrente ao agrupar-se as duas verbas vendidas.

Esta invocação não deixa de surpreender precisamente porque foi o recorrente a suscitar um incidente de anulação de uma venda efetuada nos autos de insolvência, sem ter invocado um único dispositivo legal (!).

Na verdade, o requerente apresentou-se em juízo a requerer a anulação, sem expor as razões de direito que lhe serviam de fundamento, limitando-se a invocações acerca da desigualdade de tratamento de que diz ter sido alvo no processo de venda e o desrespeito pelo direito de preferência que alegou assistir-lhe, tendo conseguido fazê-lo sem invocar qualquer preceito normativo.

Talvez por isso na sentença procurou encontrar-se algum “chão”, com o seguinte texto

O requerente com o presente incidente pretende que, desde logo, seja «decretada a nulidade da venda (…)», «agendando-se nova venda através da qual possa o requerente exercer o seu legítimo e legalmente reconhecido, direito de preferência», o que decorre, desde logo, que estando em causa a arguição de nulidade da venda nos termos já determinados nos autos, se terá de verificar a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado (artº 838º, do CPC). Ou seja, estaremos perante o meio adequado. Outra questão é se se verifica fundamento de nulidade. O que não poderemos é entender que com o presente apenso se pode substituir a necessária ação de preferência, dado que é através desse meio processual que o preferente se substitui ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. Ou seja não pode é anular-se a venda por eventualmente o não cumprimento das formalidades para o requerente poder preferir porque tal não é fundamento da acção proposta e em apreço”.

Mais à frente, a propósito da invocada inobservância do dever de ser facultado ao requerente o valor da venda do prédio a fim de poder exercitar o direito de preferência, escreveu-se “tal não inquina de qualquer vício o negócio celebrado com terceiro mas tão só é susceptível de conceder ao titular do direito de preferência a possibilidade de propor acção de preferência nos termos do disposto em art.º 1410.º do Código Civil, o que não pode alcançar através do presente incidente, que, conforme referido nas oposições e já referido supra não é o meio idóneo para tal efeito”.

Ou seja, contrariamente ao sustentado, o que se afirmou na sentença foi que se admitia discutir em sede do incidente a invalidade da venda (nos termos do art. 838.º, n.º 1 do CPC), mas, ao mesmo tempo, que não cabia no âmbito desta ação a apreciação quanto ao exercício do direito de preferência, entendendo que para tal devia ser instaurada a ação a que se refere o art. 1410.º do Código Civil.

Numa primeira nota diremos que só em parte o afirmado pela primeira instância merece acolhimento, sendo manifestamente de excluir nesta sede o regime previsto no art. 838.º, n.º 1 do CPC, porquanto o mesmo se destina exclusivamente ao comprador e o requerente nada adquiriu.

Dito em termos mais desenvolvidos:

Uma venda efetuada em sede judicial (insolvência, execução, inventário, divisão de coisa comum, etc.) pode ser afetada por diferentes vícios, que podemos caracterizar de caráter procedimental (por não terem sido seguidas as regras adjetivas ordenadoras legalmente impostas) ou substancial (quando à posteriori se reconheça a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida).

A anulação pela ocorrência destes vícios de cariz substancial encontra apoio no disposto no art. 838.º do CPC (de aplicação subsidiária no âmbito do processo de insolvência), e apenas pode ter lugar a requerimento do comprador, como resulta expressamente da norma, o que bem se compreende, por este ser o único prejudicado com uma aquisição de um bem contendo ónus/limitações que desconhecia ou sob erro acerca da coisa transmitida.

Já os de caráter procedimental encontram o seu fundamento quer no disposto no art. 835.º do CPC, quer, em termos mais amplos, no âmbito do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC (prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei o determine ou quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa).

Na situação em apreço, como já se referiu, encontra-se vedada a possibilidade de anulação nos termos do art. 838.º do CPC, já que o requerente não foi o adquirente do imóvel, improcedendo, como tal, toda a argumentação desenvolvida em sede de recurso a este propósito.

Resta aferir se a anulação deve, na situação dos autos, ter lugar com base em causas procedimentais.

Refere o requerente – elegendo esses fundamentos como causa de pedir – ter ocorrido desigualdade de tratamento relativamente aos demais proponentes e ter sido violado o seu direito de preferência.

Quanto ao primeiro fundamento, referiu o ora recorrente no seu requerimento inicial que essa desigualdade de tratamento decorreu da circunstância de o ato (venda) ter sido realizado sem lhe ter dado dada a possibilidade de, em tempo, reunir meios financeiros, através de mútuo bancário, que o habilitassem a adquirir (cfr. art. 25.º e 26.º desse requerimento).

Trata-se de um argumento que não encontra qualquer respaldo em termos normativos ou fáticos.

Em termos fáticos porque, pelo menos desde 30 de setembro de 2022, o requerente sabia as condições do negócio e que a formalização da venda iria ter lugar a 14.10.2022, intervalo temporal que permitiria, em circunstância de normalidade, obter a concessão do crédito.

Depois, porque quem se habilita a adquirir/preferir deve reunir as condições financeiras para tanto e nos momentos legalmente determinados (seja o “sinal”, seja o remanescente do preço), nada impondo, nem fazendo sentido, que o processo de venda fique a aguardar até que o interessado reúna o valor necessário através de mútuo, que pode ou não ser concedido (para o que, de resto, foi abundantemente alertado pelo A.I.).

Não se verifica, como tal, qualquer “desigualdade de tratamento” consubstanciada em prática de ato, omissão de ato ou irregularidade processual.

Finalmente, o recorrente apoiou o pedido de anulação no desrespeito pelo seu direito de preferência, já que, segundo o mesmo,

- manifestou a intenção de adquirir e exercer o direito de preferência,

- manifestou a possibilidade de efetuar o pagamento do respetivo preço,

- solicitou ao Administrador de Insolvência que indicasse o respetivo preço, tendo este ignorado tais pedidos – não fornecendo qualquer reposta a tais solicitações - tendo a  verba 4sido vendida por dezassete mil e quinhentos euros, valor que  o requerente só tomou conhecimento após lhe ter sido fornecidacópia do título de compra e venda pela Conservatória dos Registos,

- não existia qualquer motivo plausível para alienar conjuntamente tais verbas, uma vez que o requerente é proprietário de parte do prédio rústico vendido (verba n.º 4), o que inviabiliza que os bens tenham uma relação de complementaridade ao seu uso e fruição, ao contrário do referido pelo Administrador de Insolvência (cfr. arts. 28.º a 34.º do requerimento inicial).

Sem quaisquer reservas se avança que este tipo de argumentação anda muito próxima da litigância de má-fé, na exata medida em que se demonstrou que, perante a decisão comunicada pelo A.I. de se proceder à venda em conjunto dos imóveis, o ora recorrente aceitou a venda nesses termos e manifestou expressamente a vontade de exercer o seu direito de preferência.

Mais resultou demonstrado que lhe foram antecipadamente comunicadas as condições do negócio, sendo que a circunstância de não lhe ter sido expressamente referido o montante de cada uma das parcelas (e não se fez prova disso), com efeitos meramente tributários, em nada poderia relevar porquanto o requerente sabia do valor do preço global da venda.

É que, perante a decisão comunicada da venda em conjunto dos imóveis (gozando o requerente de preferência em apenas um deles), ou aceitava (como fez) ou encetava as diligências processuais tendentes a alterar os termos da venda (requerendo fundadamente a sua autonomização).

O que já não se mostra admissível é que tenha aceitado preferir nos termos que lhe foram comunicados (ficando a beneficiar de um discutível alargamento sobre o objeto da preferência[3]) e venha depois invocar irregularidade na venda “em lote”, apenas porque, quaisquer que tenham sido os motivos (inércia, burocracia bancária, etc.), não conseguiu reunir, até à data marcada para a celebração do título de transmissão, os meios de pagamento necessários para a aquisição.

Assim se conclui não ter ocorrido qualquer irregularidade processual no que concerne ao tratamento do requerente no âmbito da venda como preferente e que consubstancie irregularidade para efeitos do disposto nos arts. 195.º e 835.º do CPC.

 Improcede, como tal, e na totalidade, o recurso interposto.

                                                                  *

Sumário[4]:

(…)

                                                                  *                                                         

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão proferida.

                                                                      *

Custas do recurso pelo apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                     *

Coimbra, 12 de setembro de 2023


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(Paulo Correia)

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(Helena Maria Carvalho Gomes Melo)
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(Catarina Gonçalves)



[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Maria Carvalho Gomes Melo e Catarina Gonçalves
[2] - O enunciado sob alíneas não consta do texto original, tendo sido aditado com o objetivo de simplificar a referenciação dos factos.
[3] - De resto, embora essa questão não tenha sido carreada para os autos, a compropriedade invocada como legitimadora do direito de preferência apresenta-se muito discutível, já que, de acordo com os elementos disponíveis, apesar de manterem essa situação em termos do registo, tratam-se na realidade de prédios autónomos – nem faria sentido vender-se conjuntamente um prédio urbano com uma quota ideal sobre outro que com ele confina –, admitindo-se, no entanto, que esse direito de preferência possa advir por se tratarem de prédios confinantes, se verificados os demais requisitos constantes do art. 1380.º, n.º 1 do Código Civil).
[4] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).