Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/12.6TTCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: FACTOS PROVADOS
CAUSALIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA
ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE
AGRAVAMENTO
ENTIDADE PATRONAL
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 607º, Nº 4 DO NCPC; 563º C.CIVIL; 18º, Nº 1, E 79º, Nº 3 DA NLAT.
Sumário: I – Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito (artº 607º, nº 4 do nCPC).

II – Apurar quais os danos resultantes (em termos jurídicos) de um dado facto ilícito passa por uma operação mental de busca de uma relação de causalidade adequada entre este e aqueles.

III – Os parâmetros desta operação são-nos dados pelo artº 563º do C. Civil: é necessário verificar-se que certos danos são não apenas consequência natural (em sentido físico-mecânico) da lesão, mas ainda que esta última, num juízo ex-ante de prognose póstuma informado por regras de experiência normais, pelas circunstâncias cognoscíveis por qualquer indivíduo do mesmo tipo social do agente e por aqueles que este com efeito conhecia, se revele adequada à produção de tais danos.

IV – A responsabilidade agravada da entidade empregadora não se basta, em termos de causalidade adequada, com a afirmação empírica de que uma determinada regra de segurança não foi cumprida e que também por via disso ocorreu o acidente; exige, para lá disso, a afirmação de dimensão normativa, a extrair de outros factos demonstrados, que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente não teria ocorrido, pois só assim pode sustentar-se que a violação daquela regra de segurança não foi de todo indiferente para a produção do resultado.

V – A causalidade adequada para efeitos da responsabilidade agravada da entidade patronal, em caso de acidente de trabalho, exige a demonstração de que uma determinada regra de segurança não foi cumprida (facto ilícito) e, para lá disso, que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente e as suas consequências (dano) não teriam ocorrido,pois só assim pode sustentar-se que a violação daquela regra de segurança não foi de todo indiferente para a produção do resultado.

VI – Só releverá para os efeitos de responsabilização agravada das entidades empregadoras a violação das regras de segurança que emergirem de condutas dolosas ou negligentes das entidades empregadoras, ou seja em relação às quais possa afirmar-se, no mínimo, que tal violação emergiu, em concreto e face às circunstâncias do caso, da violação de deveres objectivos de cuidado interno e/ou externo que constitui o pressuposto mínimo de afirmação da negligência.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I) Relatório

Os autores propuseram contra as rés a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que as rés sejam condenadas a reconhecer como sendo de trabalho e decorrente da violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho o acidente descrito na petição inicial, com a consequente condenação das rés a pagarem-lhes os seguintes valores:
A
I – À autora, uma pensão anual por morte no montante de € 7 719,07, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer desde já pela segunda ré na quantia de € 3 730,77 e pela primeira ré no montante de € 3 988,30, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 551,36, sendo € 266,48 a suportar pela segunda ré e € 284,88 a suportar pela primeira ré;
II – À autora, os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 551,36, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 266,48 a satisfazer desde já pela segunda ré e € 284,88 a suportar pela primeira ré;
III – À autora, o subsídio por morte no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré;
IV – À autora, a quantia de € 15,84 referente a despesas de transporte com as deslocações obrigatórias da beneficiária ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, a suportar pela segunda ré;
V – Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.

B
I – Ao autor B..., uma pensão anual no montante de € 5 146,04, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer desde já pela segunda ré na quantia de € 2 487,18 e pela primeira ré  no montante de € 2 658,86, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 367,57, sendo € 177,66 a satisfazer desde já pela segunda ré e € 189,91 a suportar pela primeira ré;
II – Ao autor B..., os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 367,57, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 177,66 a satisfazer pela segunda ré e € 189,91 a suportar pela primeira ré;
III – Ao autor B..., o subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré;
IV – Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.

C
I – Aos autores, a quantia global não inferior a € 100 000 pela indemnização da perda do direito à vida do sinistrado, a pagar pela primeira ré;
II – A cada um dos autores, quantia não inferior a € 50 000 pela indemnização dos danos não patrimoniais por si sofridos com a morte do sinistrado, a pagar pela primeira ré;
III - Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até integral pagamento.

Subsidiariamente, e caso se não prove a existência de violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, deverão as rés ser condenados a reconhecer como de trabalho o acidente descrito na petição, com a consequente condenação delas a pagarem-lhes, na proporção das suas responsabilidades respectivas (96,66% para a segunda ré e 3,34% para a primeira ré), as seguintes quantias:

A
I – À autora, uma pensão anual por morte no montante de € 3 859,53, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 275,68, sendo € 266,48 a suportar pela segunda ré e € 9,20 a suportar pela primeira ré;
II – À autora, os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 275,68, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 266,48 a suportar pela segunda ré e € 9,20 a suportar pela primeira ré;
III – À autora, o subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré;
IV – À autora, a quantia de € 15,84 referente a despesas de transporte com as deslocações obrigatórias ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, a suportar pela segunda ré;
V – Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.

B
I – Ao autor B..., uma pensão anual por morte no montante de € 2 573,02, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 183,79, sendo € 177,66 a suportar pela segunda ré e € 6,13 a suportar pela primeira ré;
II – Ao autor B..., os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 183,79, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 177,66 a suportar pela segunda ré e € 6,13 a suportar pela primeira ré;
III – Ao autor B..., o subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré;
IV - Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.
Como fundamento das suas pretensões, alegaram, em resumo, o seguinte; são viúva e filhos de D..., o qual era trabalhador subordinado da primeira ré e sofreu, ao serviço dela, um acidente de trabalho decorrente de violação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, com a consequente responsabilidade agravada dessa ré; esta tinha transferida para a segunda ré, parcialmente (€ 12 435, 91), a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem o sinistrado ao seu serviço, auferindo o sinistrado a remuneração anual de € 12 865, 11 euros; o acidente causou a morte do sinistrado a qual, por sua vez, causou aos autores danos não patrimoniais indemnizáveis que melhor descrevem na petição.
Citadas, ambas as rés apresentaram contestação.
A primeira ré pugnou, quanto a si, pela improcedência da acção, pois, ao contrário do relatado na petição inicial, sustentou, em resumo, que não pode considerar-se que o acidente ocorreu por violação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
A ré seguradora também contestou, pugnando por uma decisão a proferir de acordo com a prova a produzir.
Alegou, em resumo, que aceita a sua responsabilidade pelo acidente aqui em causa pelo valor da retribuição anual do sinistrado de € 12.435,91 que estava para si transferida, tendo já aceitado, em sede de tentativa de conciliação levada a efeito na fase conciliatória do processo, pagar o valor de € 15,84 referentes a despesas de transportes, o subsídio por morte no valor de € 5.533,70, e o subsídio de funeral, até a um máximo de € 1.844,56.
Os autores responderam para, no essencial, concluírem como já tinham feito na petição inicial, impugnando tudo quanto em contrário do aí sustentado foi alegado nas contestações.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
Pelo exposto o Tribunal, julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelas autoras, reconhece e declara como de trabalho o acidente descrito nos autos e sofrido por D... e condena as rés a pagar aos AA. os seguintes valores:
A
I – Uma pensão anual, por morte do sinistrado, à beneficiária A... no montante de € 7 719,07, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer desde já pela segunda R – Companhia de Seguros na quantia de € 3 730,77 e pela entidade empregadora no montante de € 3 988,30, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 551,36, sendo € 266,48 a suportar pela segunda R e € 284,88 a suportar pela primeira R, nos termos dos arts.18º nº1 e nº4 a) e nº5, 56º nº1 e nº2, 57º nº1 a), 59º nº1 a) e 72º nº1 e 79º nº3 da Lei 98/2009 de 04/09.
II – O pagamento, à beneficiária A..., dos subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 551,36, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, nos termos do disposto no art.72º nº2 da Lei 98/2009 de 04/09, sendo € 266,48 a satisfazer desde já pela segunda R e € 284,88 a suportar pela primeira R.
III – O pagamento à beneficiária A... do subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, nos termos do arts.47º nº1 e) e 65º nº1 e nº2 a) da Lei 98/2009 de 04/09, a suportar pela segunda R.
IV – Pagamento da quantia de € 15,84 referente a despesas de transporte com as deslocações obrigatórias da beneficiária A... ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, nos termos do art.39º nº6 da Lei 98/2009 de 4/09, a suportar pela segunda R.
V – Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do art.135º do Código de Processo do Trabalho.
B
I – Uma pensão anual por morte ao beneficiário B..., o montante de € 5 146,04, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer desde já pela segunda R – Companhia de Seguros na quantia de € 2 487,18 e pela entidade empregadora no montante de € 2 658,86, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 367,57, sendo € 177,66 a satisfazer desde já pela segunda R e € 189,91 a suportar pela primeira R, nos termos dos arts.18º nº1 e nº4 a) e nº5, 56º nº1 e nº2, 57º nº1 a), 60º nº1 a) e nº2 e 72º nº1 e 79º nº3 da Lei 98/2009 de 04/09.
II – Pagamento, ao beneficiário B..., dos subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 367,57, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, nos termos do disposto no art.72º nº2 da Lei 98/2009 de 04/09, sendo € 177,66 a satisfazer pela segunda R e € 189,91 a suportar pela primeira R.
III – Ao pagamento ao beneficiário B... do subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, nos termos do arts.47º nº1 e) e 65º nº1 e nº2 a) da Lei 98/2009 de 04/09, a suportar pela segunda R.
IV – Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do artigo 135º do Código de Processo do Trabalho.
C
I – Condena-se, também, a primeira R. “ E... (…)”, a pagar aos AA a quantia global de €43.000,00 (quarenta e três mil euros) pela indemnização da perda do direito à vida do sinistrado, bem como
II - A pagar à autora A... a quantia de €24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos euros), ao autor B... a quantia de €13.000,00 (treze mil euros) e ao autor C... a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos com a morte do sinistrado, quantias a que acrescem
III - Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, em vigor, desde a data da presente decisão até integral pagamento, à taxa legal.
Absolvendo-se as rés de tudo o mais peticionado.”.
Inconformada com o assim decidido, a primeira ré recorreu da sentença, apresentando, após alegações, as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso ou, pelo menos, pela condenação da ré seguradora a pagar aos autores as prestações infortunísticas normais emergentes do acidente de trabalho.
A segunda ré não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, importa decidir.
*
II – Questões a resolver
 
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, a questão a abordar e a decidir é a seguinte: saber se o acidente relatado nos factos provados ocorreu por violação, pela recorrente, de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, com a consequente responsabilidade agravada da recorrente pelas prestações infortunísticas devidas aos recorridos por causa daquele acidente.
*
III) – Fundamentação

A) De facto

Importa, antes de enunciar a factualidade provada e uma vez que a recorrente e os recorridos suscitam a questão nas alegações e contra-alegações, determinar se pode ou não subsistir na descrição dos factos dados como provados o que consta dos respectivos pontos 25º a 27º.
É do seguinte teor o que consta dos referidos pontos 25º) a 27º):
25. Com tal atuação, a primeira R não se assegurou, nem acautelou devidamente e conforme podia e era sua obrigação, que o equipamento de trabalho utilizado pelo sinistrado era adequado e convenientemente adaptado ao trabalho a efetuar e garantia a segurança e a saúde do trabalhador durante a sua utilização, e bem assim que as condições de deslocação e circulação dentro das galerias da mina não afetavam a segurança dos trabalhadores.
26. Concretamente, não cuidou a primeira R, como podia e lhe era imposto e sabia, de assegurar que o equipamento de trabalho estivesse montado com o equipamento standard e sem alterações, em segurança e segundo as instruções do fabricante, e que operava de forma e em local com espaço livre entre os seus elementos móveis e o meio circundante, com vista a reduzir os riscos inerentes à sua utilização, e a permitir ao sinistrado executar as tarefas previstas sem risco para a sua saúde e segurança e com liberdade de movimentos no desempenho das suas tarefas.
27. A atuação da primeira R, supra descrita foi causa adequada, direta e necessária do acidente descrito e das suas consequências, que não teriam ocorrido ou não teriam a gravidade que assumiram, se tivessem sido observadas por si as regras de segurança que se impunham, não tendo esta R a diligência que se exigia e impunha.”.        
Comece por dizer-se que na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Na verdade, dispõe o art. 607º, n.º 4 do NCPC, “Na fundamentação o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito.
Como assim, mesmo no âmbito de vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Partindo desta afirmação de princípio, importa analisar o teor dos referidos pontos 25º a 27º.
Quanto à matéria do ponto 25º, afigura-se-nos que a mesma comporta, por um lado, matéria de direito (“…a primeira R não se assegurou, nem acautelou devidamente e conforme podia e era sua obrigação…”) com base na qual se procura sustentar a verificação do elemento subjectivo do ilícito negligente de cuja comissão pretende acusar-se a recorrente e que se materializa na violação de determinadas regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho que à mesma pretende imputar-se como fundamento da responsabilidade agravada que lhe foi imposta na sentença recorrida pela reparação infortunística devida aos recorridos por causa do acidente a que os autos se reporta.
Por outras palavras, o que se pretende com tal descrição é preencher directamente, sem factos concretos que a suportem, a previsão constante do art. 15º do CP no seguinte segmento que dele consta: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz…”.
Recorde-se, a este respeito, que no âmbito dos ilícitos negligentes, o respectivo tipo-subjectivo é constituído pela violação de um dever objectivo de cuidado, que pode ser consciente ou inconsciente.
Com efeito, o ilícito - típico negligente estrutura-se em torno de um elemento normativo nuclear que consiste na violação de um dever objectivo de cuidado[1].
Esta pode, por sua vez (cfr. JESCHEK, Tratado de Derecho Penal, 1993, p. 524  ss), consistir:
- na violação de um dever de cuidado externo (quando  o agente cumpriu o dever de informar-se sobre a situação em causa e ainda assim agiu, caso em que representou mentalmente a conduta tipicamente perigosa - a negligência consciente;
- na violação de um dever de cuidado interno (o agente não cumpriu, como devia, o dever de se informar e agiu, caso em que nem sequer representou mentalmente aquela conduta - a negligência inconsciente[2].
Acrescente-se ainda, a este respeito, que  um dos problemas essenciais que perpassa toda a dogmática do delito negligente é o de identificar as normas de cuidado cuja violação consiste num delito negligente.
E, a propósito, tem indicado a doutrina que elas podem ter a sua origem não apenas nas leis e regulamentos, mas também nas «regras gerais de cuidado» ou da «experiência comum», como sejam, as regras técnicas que devem ser respeitadas em determinada actividade, normas de segurança, de conduta profissional, etc. (sobre isto pode ver-se, F. MORALES PRATS in Comentarios al Nuevo Codigo Penal, Aranzadi, 1996, pp. 96-97 - obra colectiva dirigida e coordenada por Quintero Olivares e Valle Muñiz).
Assim, uma vez que através do segmento em análise do ponto 25º) se pretende preencher directamente, sem factos bastantes para o efeito, o elemento subjectivo que vem sendo considerado, deve tal segmento ser eliminado.
Por outro lado, esse mesmo ponto 25º) dos factos provados comporta afirmações que são claramente conclusivas, a saber: “…o equipamento de trabalho utilizado pelo sinistrado era adequado e convenientemente adaptado ao trabalho a efetuar e garantia a segurança e a saúde do trabalhador durante a sua utilização…”; “…e bem assim que as condições de deslocação e circulação dentro das galerias da mina não afetavam a segurança dos trabalhadores…”.
Trata-se, nos segmentos em apreço, de descrições de natureza conclusiva a extrair de outros factos que tenham sido dados como provados e dos quais resultem que condições de adaptação adequada e conveniente ao trabalho a efectuar pelo sinistrado deveriam existir no equipamento que utilizava e quais aquelas que o mesmo possuía, bem assim como as concretas condições de deslocação e de circulação em segurança que deveriam existir nas galerias da mina e aquelas que ali concretamente existiam ou não, tudo de forma a concluir-se, já em sede de interpretação e integração dos factos provados, no sentido em que se concluiu nos segmentos do ponto 25º) em análise.
Por outras palavras, trata-se de conclusões a extrair ou não, em sede interpretativa e integradora, de outros factos dados como provados, designadamente daqueles que constam dos pontos 17º) a 23º) dos factos provados, razão pela qual não podem tais conclusões constar da matéria de facto provada
Face a quanto vem de referir-se, deve ser eliminado o ponto 25º dos factos provados.
§
[…]
§
Reportando-nos agora à matéria constante do ponto 27º) dos factos dados como provados cumpre referir que através do que dele consta procurou afirmar-se um nexo de causalidade entre o referido nos pontos 18º) a 23º) dos factos provados, por um lado, e a eclosão do acidente a que os autos se reportam com as consequências dele decorrentes, por outro lado.
Importa referir que a propósito desse nexo de causalidade cumpre distinguir a sua dimensão físico-naturalística, por um lado, da sua dimensão normativa de adequação causal, por outro.
Naquela primeira dimensão procura estabelecer-se uma ligação de natureza empírica, passível de ser sensorialmente percepcionada e comprovada, entre um dado comportamento verificado, activo ou omissivo, e certas modificações igualmente verificadas na realidade empírica.
Por exemplo, a relação entre o disparo de uma arma, por um lado, e a morte daquele que é atingido pelo projéctil proveniente daquele disparo, de modo a poder concluir-se que existe uma relação de causalidade empírica entre o disparo e a morte, no sentido mínimo de que aquele também originou esta – se apesar do disparo a morte se produziu por circunstâncias absolutamente alheias ao mesmo, não pode afirmar-se o nexo de causalidade naturalística entre eles.
Trata-se aqui da causalidade empírica entre um determinado evento e determinados efeitos registados na realidade empírica, a qual constitui o pressuposto mínimo de afirmação da relação de causalidade adequada entre os mesmos, na sua vertente negativa afirmada no art. 563º CC, a qual, como é sabido, não se basta com a afirmação da primeira.
Com efeito, o nexo de causalidade adequada traduz­se num juízo de imputação objectiva do dano ao facto que o produz.
 Apurar quais os danos resultantes (em termos jurídicos) do facto ilícito passa por uma operação mental de busca de uma relação de causalidade adequada entre este e aqueles.
Os parâmetros desta operação são-nos dados pelo art. 563º do CC: é necessário verificar-se que certos danos são não apenas consequência natural (em sentido físico - mecânico) da lesão[3], mas ainda que esta última, num juízo ex-ante de prognose póstuma informado por regras da experiência normais, pelas circunstâncias cognoscíveis por qualquer indivíduo do mesmo tipo social do agente e por aquelas que este com efeito conhecia, se revele adequada à produção de tais danos.
Na verdade, naquele art. 563º do CC consagrou o legislador a vertente negativa da teoria da causalidade adequada segundo a qual " ... o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente ( ... ) para a verificação do dano, tendo­o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
(...)
Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, compreende­se a inversão do sentido natural dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos casos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.
Essa inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado." ­ ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pp. 860, 861 e 864; no sentido de que é a vertente negativa da causalidade adequada aquela que está consagrada no mencionado art. 563º, pode consultar-se ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pp. 864 e 871, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª edição, p. 632, HENRIQUE MESQUITA, RLJ, Ano 128º, pp. 91 e 92, MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, I, p. 351, PEREIRA COELHO, Obrigações, Sumários, p. 165, RIBEIRO FARIA, Direito das Obrigações, I, p. 505.
Importa referir, ainda a este propósito, que estando em causa no caso sub judice uma situação de indagação de responsabilidade agravada de uma entidade empregadora decorrente de violação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a causalidade adequada relevante para os efeitos ora em análise não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano; a adequação não abrange apenas a causa e o efeito isoladamente considerados, mas todo o processo causal, sendo necessário, por outras palavras, que o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo.
Assim, a responsabilidade agravada da entidade empregadora não se basta, em termos de causalidade adequada, com a afirmação empírica de que uma determinada regra de segurança não foi cumprida e que também por via disso ocorreu o acidente; exige, para lá disso, a afirmação de dimensão normativa, a extrair de outros factos demonstrados, que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente não teria ocorrido, pois só assim pode sustentar-se que a violação daquela regra de segurança não foi de todo indiferente para a produção do resultado.
Voltaremos infra, de forma mais detalhada, a esta temática da causalidade adequada entre um dado facto ilícito e determinados efeitos registados na realidade empírica, a respeito do necessário nexo de causalidade adequada que para efeitos de responsabilidade agravada da entidade empregadora em matéria de acidentes de trabalho tem que se registar entre a violação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (facto ilícito), por um lado, e a eclosão do acidente de trabalho com as consequências dele advenientes (dano), por outro lado.
Ora, a matéria atinente à relação de causalidade empírico-naturalística entre um comportamento violador de determinadas regras de segurança e um dado acidente constitui, a nosso ver, matéria de facto, sendo por isso possível indagar e afirmar, em termos de facto, se um determinado acidente também emergiu da violação de determinadas regras de segurança.
Ao invés, a matéria referente à afirmação de um juízo normativo de adequação causal entre aquele mesmo comportamento e o mesmo acidente integra matéria de direito, não sendo por isso possível indagar e afirmar directamente, em termos de facto, se um determinado acidente não teria ocorrido nas concretas circunstâncias em que ocorreu se uma dada regra de segurança tivesse sido cumprida – trata-se de conclusão normativa a extrair de outros factos dados como provados.
Reportando-se agora ao ponto 27º) dos factos provados, o segmento onde se afirma uma relação de causalidade adequada entre a actuação da recorrente, por um lado, o acidente a que os autos se reportam e as consequências dele emergentes, por outro lado[4], incide sobre matéria de direito e, por isso, deve ser eliminado.
Ao invés, integra matéria de facto e por isso deve manter-se o segmento desse ponto que incide sobre a relação de causalidade naturalística entre a dita actuação, o acidente e as consequências deste, afirmando-se que aquela determinou naturalisticamente estes[5].
Por fim, importa dizer que encerra matéria de direito o segmento do ponto 27º dos factos provados onde se afirma “…se tivessem sido observadas por si as regras de segurança que se impunham, não tendo esta R a diligência que se exigia e impunha.”; consequentemente, esse segmento deve ser eliminado.
Flui de tudo quanto vem de se expor que o ponto 27º) dos factos provados deve ser reformulado na sua redacção, que passará a ser a seguinte: “A alteração, determinada pela ré, do equipamento aludida nos pontos 18º, 19º e 21º dos factos provados também causou o acidente descrito e as suas consequências.”.
+
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
[…]
*
B) De direito

Questão única: saber se o acidente relatado nos factos provados ocorreu por violação, pela recorrente, de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, com a consequente responsabilidade agravada da recorrente pelas prestações infortunísticas devidas aos recorridos por causa daquele acidente

Nos termos do artigo 18º/1 da NLAT “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”.
Por seu turno, nos termos do art. 79º/3 da NLAT, “Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.”.
Assim, dado que a responsabilização «agravada» da entidade empregadora tem como consequências um agravamento, em benefício do sinistrado ou demais beneficiários previstos na lei, da base de cálculo das prestações indemnizatórias, por um lado, e que as seguradoras só respondem solidariamente pelas prestações que seriam devidas em caso de actuação não culposa, assistindo-lhe direito de regresso em face da empregadora, para que essa dupla consequência possa operar, mister é que sobre o sinistrado/beneficiários e sobre as seguradoras recaia o ónus de alegarem e provarem, não só a inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, como ainda que foi essa inobservância a causa adequada do acidente (nº 2 do art. 342º do Código Civil) – cfr. acórdão do STJ de 5/1/2012 (revista 486/07.2TTSTS.P1.S1), da Relação de Lisboa de 8/2/12 (apelação 5448/07.7TTLSB.L1-4), da Relação do Porto de 17/1/2011 (apelação 817/07.5TTBRG.P1), da Relação de Évora de 5/7/12 (apelação 236/10.6TTEVR.E1).
Além disso, tem de estar em causa a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho, não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre tal segurança – neste sentido, apenas a título de exemplo, acórdão deste Tribunal de 16/1/2014, proferido no âmbito da apelação 32/09.3TTCVL.C1, que subscrevemos como primeiro adjunto, e acórdão desta Relação de 14/12/05, proferido no âmbito da apelação 3402/05.
Assim sendo, de nada releva para os efeitos em análise o estatuído no art. 281º do CT/09 invocado na sentença recorrida e nas contra-alegações apresentadas pelos recorridos, pois que nele se consagram normas genéricas e programáticas de segurança insusceptíveis de serem invocadas para os efeitos da responsabilidade agravada imposta naquela sentença à recorrente, do mesmo modo que nada releva o art. 127º/1/g do mesmo CT/09.
Por outro lado, como já referido, a causalidade adequada para efeitos da responsabilidade agravada em questão exige a demonstração de que uma determinada regra de segurança não foi cumprida (facto ilícito) e, para lá disso, que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente e as suas consequências (dano) não teriam ocorrido, pois só assim pode sustentar-se que a violação daquela regra de segurança não foi de todo indiferente para a produção do resultado.
Como supra anunciado, importa no caso dos autos analisar mais detalhadamente este requisito da causalidade adequada.
É hoje indiscutível, no âmbito da temática da imputação objectiva de determinados efeitos ao comportamento (activo ou omissivo) de que emergem, a aplicação da denominada teoria da causalidade adequada, ou melhor, da chamada teoria da adequação[6].
... para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta; é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado; que o resultado seja uma consequência normal típica da acção. O processo lógico deve ser o de uma prognose póstuma, ou seja de um juízo de idoneidade referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, o de um juízo ex ante. Este juízo deve ser feito segundo as regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da situação. Assim, a idoneidade da acção para a produção do resultado não se determina segundo as regras da experiência ou segundo as circunstâncias de facto que o agente devia conhecer, mas segundo as regras da experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, não se devendo porém abstrair, para a sua determinação, das circunstâncias que o agente efectivamente conhecia.” - MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, 4ª, p. 86.
A teoria da adequação ou causalidade adequada - ... - define como causa tão - somente aquela condição que, em conformidade com a experiência comum, seja adequada à produção do resultado.
...
Na formulação que se tornou dominante, a adequação assentará num prognóstico objectivo a posteriori; deste modo o juízo sobre a adequação não é o juízo formulado pelo próprio agente da acção, mas o juízo formulado pelo juiz, após a perpetração do facto, o qual deverá tomar em consideração, por um lado, a experiência comum (e não a experiência subjectiva) - ... -, e, por outro lado, tomar em consideração os conhecimentos pessoais do agente, pois que a experiência comum também revela que uma condição que, em abstracto, não seria causa adequada, se torna adequada precisamente em razão desse conhecimento pelo agente.” - CAVALEIRO FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 1992, Verbo, p. 151.
Concretizando um pouco mais, dir-se-á que este requisito da adequação causal ou imputação objectiva deve ser examinado numa dupla vertente, a saber:
1º) em primeiro lugar, o resultado tem de ter como causa natural a acção, tal como aquela é definida pela teoria da equivalência das condições, ou seja, é necessário poder afirmar-se que o resultado se não verificaria se não fosse a conduta do agente[7];
2º) em segundo lugar, é necessário que a acção seja, de entre as várias condições que concorrem para a verificação do resultado, a causa específica (rectius, a causa adequada) que produziu o resultado[8], sendo certo que, por sua vez, esta relação de adequação será aferida mediante dois juízos, também a saber:
                       a) um juízo abstracto de adequação, através do qual se vai aferir, no momento da prática do facto[9], da previsibilidade do resultado descrito no tipo[10];
                       b) um juízo concreto de adequação que permite determinar a previsibilidade, no momento da prática da acção[11], da verificação do resultado concreto que esta teve por consequência e nas circunstâncias em que se verificou[12].
Deve acrescentar-se não ser de todo pacífica[13] a questão de saber qual o tipo de observador cujos conhecimentos são considerados para a efectivação desses dois juízos de probabilidade.
Pelo que nos respeita, entendemos que deve ser tomada como ponto de referência a pessoa média de entre as que pertencem ao círculo de actividade do agente, dotada dos conhecimentos normais e comuns desse tipo de pessoa, acrescidos dos especiais e concretos conhecimentos que o agente possua relativamente ao circunstancialismo em que actuou ([14]).
Por outro lado, no que respeita ao mencionado juízo concreto de adequação cabe considerar a questão de saber até que ponto tem relevância, para efeitos da sua afirmação ou não, “o como” da efectivação do resultado não querido, sendo que, para o efeito, cumpre lançar mão da doutrina dos “modelos de perigo”[15], e perguntar se se realizou o perigo típico em razão do qual o comportamento do agente é considerado ilícito.
Ou seja, o resultado só será imputável ao agente se representar a concretização de um modelo de perigo em função do qual o legislador optou por proibir as condutas aptas a concretizar esse modelo de perigo, sendo que o modelo de perigo que se concretizou no evento tem que ser previsível para a pessoa média de entre as que pertencem ao círculo de actividade do agente, dotada dos conhecimentos normais e comuns desse tipo de pessoa, acrescidos dos especiais e concretos conhecimentos que o agente possua relativamente ao circunstancialismo em que actuou[16].
Do exposto decorre que as questões da concretização do risco gerado pela conduta do agente no resultado e a imputação objectiva deste àquele só podem ter resposta por referência às circunstâncias de que cada caso concreto submetido à apreciação jurisdicional.
E, diga-se, a aferição da concretização do modelo de perigo no resultado produzido deve ser feita com recurso a um juízo "ex ante"[17], precedido de um juízo "ex post"[18].
Do já exposto decorre, pois, além do mais, que:
a) o resultado só pode ser imputado à conduta do agente se aquele, tal como se produziu, representar a concretização objectivamente previsível[19] de um dos perigos típicos que a acção do agente era susceptível de criar e que, justamente, justificaram a criação da norma de cuidado violada pela conduta perigosa do agente;
b) se o resultado concretamente verificado ainda representa a concretização de um perigo típico da conduta, mas se a verificação do mesmo se deve a circunstâncias contemporâneas da acção alheias ao modelo de perigo, não conhecidas do agente e para ele imprevisíveis, então o resultado não pode ser objectivamente imputado ao agente da conduta perigosa, pois que nessas situações a realização do modelo de perigo foi precipitada por circunstâncias que o não integram[20].
Procuraremos aplicar infra, a respeito da análise de alguns normativos constantes do DL 50/2005, de 25/02, o que vem de ser exposto a respeito da causalidade adequada/imputação objectiva.
Finalmente, para lá da violação das regras de segurança e da relação de causalidade acabadas de referir, a responsabilidade agravada das entidades empregadoras exige, ainda, que se demonstre a culpa das mesmas naquela violação – neste sentido, acórdão deste Tribunal da Relação de 14/11/13, proferido no âmbito da apelação 339/10.7TTFIG.C1, que subscrevemos como segundo adjunto e que foi relatado pelo aqui segundo adjunto, bem assim como demais jurisprudência do STJ aí citada.
Significa o que acaba de referir-se que só relevará para os efeitos de responsabilização agravada das entidades empregadoras a violação das regras de segurança que emergirem de condutas dolosas ou negligentes das entidades empregadoras, ou seja, em relação às quais possa afirmar-se, no mínimo, que tal violação emergiu, em concreto e face às circunstâncias do caso, da violação de deveres objectivos de cuidado interno e/ou externo que constitui o pressuposto mínimo de afirmação da negligência.
Reportando-nos ao caso dos autos, invoca-se na sentença recorrida, para efeitos da responsabilização agravada da entidade empregadora, a violação dos seguintes normativos: art. 281º do CT/09; art. 4º/1/a do DL 324/95, de 25/02; arts. 3º, 4º/1/2 e 10º da Portaria 198/96, de 4/6; arts.3º/a e 31º/a/b/c do DL 50/2005, de 25/02.
Nas contra alegações, os recorridos invocam, para lá do referido art. 281º do CT/09, o disposto nos arts. 2º/a/b/c/d/g, 3º/a/b, 4º, 6º/3, 7º, 8º, 23º, 31º/c/f, 32º/2 do DL 50/2005, de 25/02, no art. 2º/b/i da Portaria 162/90, de 22/02, nos arts. 4º e 15º da Portaria 198/96, de 4/6, e nos arts. 2º/b, 3º/1/3, 4º/1/a/2/b do DL 324/95, de 29/11.
A Portaria 162/90 a que se alude nas contra-alegações, é de 28/2 e não de 22/2, sendo que a mesma nada tem que ver com a matéria que está aqui em causa, pois aprovou os modelos de licenças e credenciais previstas no Decreto-Lei nº 263/89, relativos ao regime de licenças e reconhecimento concedidos aos grupos profissionais e às entidades instaladoras e montadoras associadas à indústria dos gases combustíveis.
Nos diários da República de 22/2 não descortinamos qualquer Portaria com aplicação à situação em apreço.
Se o que os recorridos pretendiam invocar era o estatuído no art. 2º/b/i do DL 162/90, de 22/5, deve referir-se que estão em causa normas programáticas ou genéricas insusceptíveis, conforme supra referido, de serem invocadas para os efeitos em apreço.
Para assim concluir basta atentar no teor das mesmas segundo o qual:
São obrigações gerais da entidade empregadora:
(…)
b) Adoptar as medidas necessárias para obter uma correcta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afectar a vida, integridade física e saúde dos trabalhadores no local de trabalho;
(…)
i) Promover as acções necessárias à utilização e manutenção das máquinas, dos materiais e dos utensílios de trabalho nas devidas condições de segurança;”.
Nos termos do art. 4º/1/a do DL 324/95, de 29/11:
A fim de preservar a segurança e a saúde dos trabalhadores, o empregador tomará as medidas necessárias para que:
a) Os locais de trabalho sejam projectados, construídos, equipados, postos a funcionar, utilizados e mantidos de acordo com as especificações do plano de segurança e de saúde, para que os trabalhadores possam desempenhar as tarefas que lhes são atribuídas sem perigo para a sua segurança e saúde e a dos outros trabalhadores;”.
No caso de que nos ocupamos, não resulta dos factos provados, e só a esses poderemos ater-nos, que existisse um plano de segurança e de saúde que abrangesse o concreto local onde o sinistrado laborava e onde ocorreu o acidente - galeria sita no interior de uma mina existente no local denominado x(...).
Trata-se, de resto, de matéria que nem sequer foi alegada nos articulados oportunamente apresentados.
Logo, não pode sustentar-se que no local onde ocorreu o sinistro não tivessem sido cumpridas as especificações do plano de segurança e de saúde que, em rigor, não é referido nos factos provados, ficando prejudicada qualquer possibilidade de aplicação do art. 4º/1/a citado.
Não se descortina a partir da leitura dos factos provados que pudessem ser tecnicamente disponibilizadas no local onde ocorreu o sinistro condições de acesso, deslocação e circulação diferentes daquelas que lá se encontravam disponibilizadas, razão pela qual não se aplica, ao contrário do sustentado pelos recorridos nas contra-alegações, o art. 4º/2/b do DL 324/95, de 29/11, nos termos do qual “O empregador deve assegurar o respeito das obrigações gerais previstas no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro, e em especial:
(…)
b) Assegurar que as condições de acesso, deslocação e circulação não afectem a segurança dos trabalhadores;”.
Como efeito, a afirmação de que foi violada determinada regra de segurança pressupõe a prévia demonstração da possibilidade técnica de concreta implementação das medidas pressupostas pelo cumprimento daquela regra.
Como já referido, os factos alegados e posteriormente dados como provados não evidenciam que não existisse um plano de segurança e saúde por referência ao local de trabalho onde ocorreu o sinistro a que estes autos se reportam.
Como assim, contrariamente ao sustentado pelos recorridos, não tem aplicação o art. 3º/1/3 do DL 324/95, de 29/11.
O art. 2º/b desse mesmo diploma não se reporta a qualquer regra de segurança, higiene e saúde no trabalho, pelo que não tem aplicação a propósito da questão que está em apreciação.
Prescreve o art. 3º da Portaria 198/96, de 4/6, o seguinte:
1 - Os locais de trabalho devem ser concebidos, construídos, instalados, explorados, vigiados e mantidos de modo a resistirem às forças e solicitações a que possam estar sujeitos e a assegurarem a protecção adequada dos trabalhadores.
2 - Os materiais, equipamentos e todos os elementos que existam nos locais e nos postos de trabalho à superfície devem ser instalados e estabilizados de forma adequada e segura.
3 - Os locais de trabalho devem ser mantidos limpos, as substâncias ou os depósitos perigosos neutralizados, removidos e vigiados, de modo a não pôr em perigo a saúde e a segurança dos trabalhadores.
4 - Os postos de trabalho devem ser concebidos e instalados segundo princípios ergonómicos, de modo a permitir que os trabalhadores acompanhem as operações que neles se efectuam.
5 - Os postos de trabalho ocupados por trabalhadores isolados devem ter uma vigilância adequada, ou permanecer em contacto com um vigilante, por um meio de telecomunicação.”.
O nº 1 não se aplica à situação em apreço, pois que: a) não está em causa uma situação de falta de resistência do local do trabalho onde ocorreu o sinistro, sendo por isso insusceptível de convocação a 1ª parte na norma; b) a 2ª parte da norma é claramente uma norma genérica ou programática de segurança, insusceptível, como visto, de ser convocada para os efeitos em apreço.
Não estava em causa um posto de trabalho à superfície (nº 2), nem um acidente provocado por falta de limpeza do local de trabalho (nº 3), por utilização de substâncias ou depósitos perigosos (nº 3), por falta observância de princípios ergonómicos (nº 4), por falta de vigilância ou de disponibilização de meio de telecomunicação (nº 5), sendo por isso inaplicáveis à situação em apreço o estatuído nesses nºs 2 a 5.
Nos termos do art. 4º da mesma Portaria:
1 - Os locais de trabalho devem ter superfície e altura que permitam aos trabalhadores executar todas as tarefas previstas sem risco para a sua segurança e saúde.
2 - A superfície livre do posto de trabalho deve permitir que o trabalhador disponha de suficiente liberdade de movimentos nas suas tarefas e as possa realizar em segurança.”.
Tratam-se, em ambos os números, de normas genéricas e programáticas de segurança[21] insusceptíveis, como visto, de serem convocadas para os efeitos em apreço.
De resto, revista a matéria de facto dada como provada ficam sem se perceber que concreta superfície livre e altura tinha o sinistrado disponível, se tecnicamente era possível proporcionar-lhe no local do sinistro uma superfície e altura diferentes das que lá se encontravam, além de que ficam sem se perceber, por referência à concreta actividade que o sinistrado desenvolvia e ao local onde o mesmo se encontrava, que tipo de superfície livre e altura seriam exigíveis para satisfação das normas programáticas ou genéricas em questão.
Nos termos do art. 10º da Portaria 198/96, de 4/6:
1 - Os postos de trabalho, as vias de circulação e outros locais ou instalações ao ar livre ocupados por trabalhadores devem permitir a respectiva utilização com segurança, poder ser abandonados rapidamente em caso de perigo e permitir o socorro rápido dos seus ocupantes.
2 - Os postos de trabalho ao ar livre devem ter iluminação artificial quando a iluminação natural não for suficiente e, na medida do possível, estar protegidos contra as influências atmosféricas, a queda de objectos, níveis sonoros, gases, poeiras e vapores nocivos.”.
O art. 10º/1 é, claramente, uma norma de cariz programático ou genérica que, como dito, não pode invocar-se para os efeitos em apreço – não se sabe, em concreto e por referência ao posto de trabalho do sinistrado e à actividade que este desenvolvia, que especificações técnicas securitárias deveriam ser observadas para que se pudesse considerar respeitada exigência contida na norma relativamente à “… utilização em segurança …” que nela é mencionada, por forma a determinar se as mesmas estavam ou não respeitadas por referência ao local onde o sinistro se produziu e, assim, concluir no sentido da observância ou violação daquelas especificações e, por via dela, do citado art. 10º/1.
O acidente em apreço não está minimamente relacionado com a iluminação do local de trabalho, com influências atmosféricas, com a queda de objectos, com níveis sonoros, gases, poeiras e vapores nocivos, pelo que não tem aplicação o art. 10º/2.
Invocam os recorridos, nas contra-alegações, o disposto no art. 15.º da Portaria 198/96, de 4/6, nos termos do qual:
1 - As instalações e os equipamentos mecânicos devem ser suficientemente resistentes, isentos de defeitos e adequados à sua utilização.
2 - As instalações e os equipamentos eléctricos devem ter capacidade e potência suficientes para o uso a que se destinam.
3 - A escolha, instalação, funcionamento e manutenção dos equipamentos mecânicos e eléctricos devem ter em conta a segurança e a saúde dos trabalhadores, as disposições em vigor para os estabelecimentos industriais, salvaguardando as especificidades do local de utilização, e ainda as disposições dos Decretos-Leis n.º 331/93, de 25 de Setembro, e 378/93, de 5 de Novembro, e da Portaria n.º 145/94, de 12 de Março.
4 - Os equipamentos implantados em áreas com riscos de incêndio, explosão ou inflamação de gases, vapores ou líquidos devem estar adaptados à especificidade desses locais.
5 - Os equipamentos e as instalações mecânicas devem ter, quando necessário, dispositivos de protecção adequados e sistemas de segurança.
6 - Deve haver um programa de inspecção e manutenção sistemáticas e, se for caso disso, de ensaio dos equipamentos e instalações mecânicas e eléctricas, efectuados por pessoal especializado, com registo em fichas e conservação das mesmas.”.
Não se vislumbra que o equipamento mecânico que estava a ser utilizado pelo sinistrado não fosse suficientemente resistente, que tivesse defeitos ou fosse desadequado ao tipo de utilização que lhe estava a ser conferida, com o que fica excluída a possibilidade de invocação e aplicação à situação em apreço do nº 1.
Não estão em causa instalações e equipamentos eléctricos, pelo que não se aplica o nº 2.
A primeira parte do nº 3 é de cariz genérico ou programático, com as consequências já acima mencionadas; não se vislumbra a violação de qualquer norma dos diplomas legais citados na segunda parte do mesmo nº 3; coerentemente, deve concluir-se pela inaplicabilidade do nº 3 em questão.
O acidente em questão em nada está relacionado com riscos de incêndio, explosão ou inflamação de gases, vapores ou líquidos, pelo que não se aplica o nº 4.
O nº 5 tem matriz programática, sendo inaplicável para os efeitos em apreço.
O acidente em apreço nada teve que ver com a inspecção, manutenção e ensaios a que se alude no nº 6 que, assim, não tem aplicação à situação em apreço.
§
Quando os recorridos se referem à Lei 50/05, de 25/2, pretendem seguramente referir-se ao DL 50/05, de 25/2, também invocado na sentença recorrida.
Tudo está em apurar, tendo por referência aquele diploma legal e a situação a que os autos se reportam, se foi violado pela recorrente qualquer normativo constante daquele DL quando a mesma determinou que à máquina com que operava o sinistrado tivesse sido removida a capota que dela fazia parte integrante (ponto 18º dos factos provados), tendo em vista a utilização dessa mesma máquina no interior da mina e correspondentes galerias (ponto 19º dos factos provados), sendo nessas exactas circunstâncias que a máquina era operada quando ocorreu o acidente a que os autos se reportam.
Comece por dizer-se que os normativos que devem ser directamente ponderados para os efeitos em apreço correspondem ao art. 23º/2/3/4/5 do referido DL.
Da análise desse conjunto de normas extraímos, por referência ao caso dos autos e com relevo para o mesmo, as seguintes conclusões:
1ª) são objecto desses normativos os equipamentos de trabalho que transportem trabalhadores;
2ª) nem todos esses equipamentos estão obrigados a estar dotados de  uma estrutura de protecção do tipo da prevista no art. 23º/2, pois que a tanto estão obrigados, apenas, aqueles que possam virar mais de um quarto de volta (art. 23º/2) e, de entre estes, aqueles que se não encontrem estabilizados durante a sua utilização ou que não estejam concebidos de modo que torne impossível o seu capotamento (art. 25º/5/a), os que não sejam tractores agrícolas matriculados antes de 1 de Janeiro de 1994 (art. 25º/5/b), e os que não sejam equipamentos agrícolas e florestais para os quais não existam no mercado estruturas de protecção (art. 25º/5/c).
Por outro lado, afigura-se-nos que a indagação sobre a obrigatoriedade ou não de um determinado equipamento estar dotado daquele tipo de estrutura de protecção não deve aferir-se em abstracto, ou seja, tendo em conta o equipamento isoladamente considerado, as diferentes funcionalidades que em abstracto poderão ser executadas com o mesmo, as diferentes situações em que abstractamente o mesmo poderá ser empregue, e os riscos que abstractamente poderão ser associados à utilização do equipamento em todas essas situações.
Bem ao invés, essa indagação deve ter em conta o equipamento considerado nas concretas circunstâncias de tempo, lugar e modo em que o mesmo é utilizado, e tendo por referência os concretos riscos associados à concreta utilização que do mesmo está a ser efectuada.
Importa ter presente, também, que está em causa na situação em apreço uma responsabilidade agravada que pretende impor-se à patronal, razão pela qual impende sobre os recorridos e sobre a seguradora o ónus de alegarem e provarem (art. 342º/1 do CC) todos os factos que permitam concluir no sentido de que está em causa um equipamento de transporte em relação ao qual se verifica a obrigatoriedade de utilização de uma estrutura de protecção do tipo da que está em causa.
Designadamente, importa que esteja alegado e provado que está em causa um determinado equipamento de transporte que está a ser concretamente utilizado numa determinada actividade em circunstâncias de tempo, modo e lugar que permitam que esse equipamento vire sobre si próprio mais de um quarto de volta, e em relação ao qual não se verifique quaisquer das condições de isenção previstas no nº 5 do citado art. 23º.
Ora, analisados os factos dados como provados, ficam sem se perceber se nas concretas circunstâncias de modo e de lugar em que estava a ser utilizado o equipamento referido no ponto 7º) dos factos provados era ou não fisicamente possível esse equipamento virar sobre si próprio e, muito menos, se o poderia fazer mais de um quarto de volta.
Logo por aqui se verifica que os factos provados não permitem concluir que naquelas circunstâncias de modo e de lugar aquele equipamento estivesse obrigado a ter a estrutura de protecção referida no ponto 18º) dos factos provados ou outra equivalente.
Por outro lado, os factos provados também não permitem excluir que naquelas concretas circunstâncias de utilização o equipamento em causa estava a ser operado em condições de estabilidade impeditivas da viragem do mesmo sobre si próprio e, muito menos, em medida superior a um quarto de volta.
Também por aqui não se pode ter por excluída a verificação da circunstância isentadora prevista no art. 25º/5/a supra citado, razão pela qual não pode sustentar-se que naquelas circunstâncias aquele equipamento estivesse obrigado a ter a estrutura de protecção referida no ponto 18º) dos factos provados ou outra equivalente.
Assim sendo, nem sequer pode sustentar-se, a nosso ver, que a recorrente violou a norma de cuidado do art. 23º/2 do DL 50/05.
Por isso, por referência às concretas circunstâncias em que era utilizado o equipamento referido no ponto 7º) dos factos provados, tem de considerar-se atípica a conduta da recorrente que consistiu na retirada daquele equipamento de protecção e na utilização deste sem esse equipamento naquelas concretas circunstâncias, pois não era abstractamente previsível, naquelas concretas circunstâncias e em consequência daquela conduta, a eclosão do acidente a que os autos se reportam com os concretos contornos que o caracterizaram[22].
Em conclusão: não se vislumbra, pois, que exista uma qualquer norma de cuidado (seja qual for a natureza da mesma) que tenha sido violada com a conduta da recorrente e que tornasse objectiva e abstractamente previsível a eclosão do acidente nos exactos termos em que o mesmo ocorreu[23].
Nessa medida, falece um dos pressupostos de responsabilização agravada da recorrente pela qual pugnam os recorridos e que foi afirmada na sentença recorrida.
+
Mesmo a entender-se de outro modo e se considere que a conduta da recorrente violava o art. 23º/2 citado, sendo por isso objectivamente perigosa e abstractamente apta a causar um acidente de que resultasse a morte do sinistrado (e nessa medida seria uma conduta ilícita), menos certo não é que o acidente e a morte aqui em causa, tal como ocorreram, não representam a concretização de um perigo típico (porque concretamente não previsível) que com a proibição subjacente àquela norma se pretende evitar.
Na verdade, o risco que com aquela norma se pretende evitar é, como dela própria se extrai, que os sujeitos transportados por um determinado equipamento sejam atingidos ou mesmo esmagados se aquele equipamento virar mais do que um quarto de volta.
Sucede que o acidente em questão não resultou duma viragem do equipamento sobre si próprio, antes resultou de uma imprevisível elevação da estrutura frontal dos rastos e da parte do equipamento onde se encontrava sentado o sinistrado, o qual acabou por ser esmagado contra o tecto da galeria da mina onde aquele equipamento estava a ser operado – pontos 8º a 11º dos factos provados.
Ora, se é certo que uma única conduta pode desencadear uma multiplicidade de riscos para o mesmo bem jurídico (v.g., no caso em apreço, morte por consequência das lesões traumáticas emergentes do acidente tal como ocorreu, morte por consequência das lesões traumáticas emergentes do acidente que se traduzisse num virar do equipamento sobre si próprio em mais de que um quarto de volta, morte por infecção que viesse a ser contraída pelo sinistrado num hospital em que porventura viesse a ser socorrido, morte por actuação médica negligente …), menos certo não é que nem todos esses perigos são, por assim dizer, os perigos normais dessa conduta, sendo certo que só a concretização num resultado típico de um perigo típico de uma conduta pode ser objectivamente imputado ao autor dessa conduta, sob pena de se alargarem injustamente as esferas de censura (criminal, civil, contra-ordenacional…) a condutas que só naturalisticamente têm conexão com um determinado resultado.
Ora, a concretização de um determinado “modelo de perigo” depende exactamente da sua previsibilidade[24] por um observador normal colocado na posição do agente e com os conhecimentos especiais que este tinha.
A partir daqui, fácil é de ver quão remota seria a possibilidade de, atendendo às circunstâncias concretas, prever o acidente que no caso está em apreço, nas concretas circunstâncias em que ocorreu, o qual, por isso, deve ter-se por imprevisível.
Assim sendo, na hipótese agora em consideração de se entender que a conduta protagonizada pela recorrente envolvia a violação do referido art. 23º/2 do DL 50/05, o acidente aqui em questão e a morte dele decorrente representam a concretização não previsível de um perigo emergente daquela e, como tal, não podem o acidente e a morte ser-lhe objectivamente imputada.
Ou seja, no caso dos autos, o acidente e a morte do sinistrado só se concretizaram por força de circunstâncias exteriores ao modelo de perigo cuja concretização se pretende evitar com o referido art. 23º/2.
Consequentemente, não poderiam o acidente e a morte imputar-se à recorrente, pois que a conduta (supostamente perigosa) desta não representaria, nos termos atrás expostos, causa adequada daqueles.
De tudo flui, assim, que não pode subsistir a responsabilidade agravada pela reparação devida pelo acidente a que os autos se reportam que a sentença recorrida impôs à recorrente.
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A responsabilidade civil da recorrente por acidentes de trabalho que vitimassem o sinistrado só parcialmente estava transferida para a seguradora, como claramente flui do ponto 5º) dos factos provados.
Há, assim, lugar para aplicação do estatuído no art. 79º/4 da LAT/09, devendo a recorrente ser responsabilizada pelas prestações infortunísticas normais devidas pelo acidente em apreço na parte correspondente à retribuição mensal do sinistrado que não estava transferida para a seguradora.
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IV) – Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente enquanto responsável agravada pelas prestações infortunísticas devidas pelo acidente de trabalho em apreço nestes autos, mantendo-se a responsabilidade da recorrente pelas prestações infortunísticas normais na parte correspondente à retribuição mensal do sinistrado que não estava transferida para a seguradora.
Consequentemente, substitui-se o dispositivo da sentença recorrida pelo seguinte:
Pelo exposto o tribunal, julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores, reconhece e declara como de trabalho o acidente descrito nos autos e sofrido por D... e condena as rés a pagar aos autores os seguintes valores:

A

I – À autora, uma pensão anual, por morte do sinistrado, no montante de € 3 859,53, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer pela segunda ré na quantia de € 3 730,77 e pela primeira ré na quantia de € 128,76, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 275,68, sendo € 266,48 a suportar pela segunda ré e € 9,20 a suportar pela primeira ré;
II – À autora, os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 275,68, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 266,48 a satisfazer pela segunda ré e € 9,20 a suportar pela primeira ré.
III – À autora, o subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré.
IV – À autora, a quantia de € 15,84 referente a despesas de transporte com as deslocações obrigatórias ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, a suportar pela segunda ré.
V – À autora, juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.

B

I – Ao autor B..., uma pensão anual, por morte do sinistrado, no montante de € 2 573,02, com efeitos a partir do dia 14 de Novembro de 2012, a satisfazer pela segunda ré na quantia de € 2 487,18 e pela primeira ré no montante de € 85,84, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, no montante de € 183,79, sendo € 177,66 a satisfazer pela segunda ré e € 6,13 a suportar pela primeira ré;
II – Ao autor B..., os subsídios de férias e de Natal, cada um deles no montante de € 183,79, correspondendo a 1/14 da pensão anual, a satisfazer, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, sendo € 177,66 a satisfazer pela segunda ré e € 6,13 a suportar pela primeira ré;
III – Ao autor B..., o subsídio por morte, no montante de € 2 766,85, a suportar pela segunda ré.
IV – Ao autor B..., juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações.
Absolvem-se as rés de tudo o mais peticionado.
Sem custas, por delas estarem isentos os recorridos.
Coimbra, 20/11/2014

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)


[1] A este respeito, considerando a violação do dever objectivo de cuidado como elemento de responsabilização subjectiva do agente, pode consultar-se TERESA BELEZA, Direito Penal, II, pp. 572/573.
No sentido de que a violação do dever objectivo de cuidado  constitui elemento normativo da acção negligente pode consultar-se ANGEL CALDERON CEREZO, Autoria Y Participacion En El Delito Imprudente. Concurrencia de Culpas. La Imprudencia, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, p. 18.
A propósito da consideração da violação do dever objectivo de cuidado como elemento dos tipos negligentes pode ainda consultar-se JESCHEK, Tratado de Derecho Penal, 4ª, Comares, p. 524, CAVALEIRO FERREIRA, Lições de Direito Penal, 1992, pp. 302 a 308 (aí se sustenta que o dever objectivo de cuidado tem na lei portuguesa um sentido objectivo e outro subjectivo), EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, pp. 421 ss (sendo que este autor trata a negligência bem assim como a violação do dever objectivo de cuidado ao nível da culpa) e ENRIQUE GIMBERNAT ORDEIG, Qué es la imputación objetiva, p. 176, nota 11.
Quando ao conceito de cuidado, pode dizer-se que o mesmo é objectivo e normativo.
É objectivo porque para o estabelecer não interessa o cuidado que, na situação concreta, foi aplicado ou podia ser aplicado pelo agente, uma vez que esta é uma questão que respeita à culpabilidade, mas o cuidado que é requerido na vida de relação social relativamente ao comportamento em causa.
Por outro lado, supõe um juízo normativo que resulta da comparação entre a conduta que devia ter adoptado um homem razoável e prudente na situação do autor e a conduta que este efectivamente observou. 
Este juízo normativo é integrado por dois elementos: um elemento intelectual, segundo o qual é necessária a consideração de todas as consequências da acção que, num juízo razoável (objectivo), eram de verificação previsível (previsibilidade objectiva); outro valorativo, segundo o qual só é contrária ao cuidado a conduta que vai além da medida socialmente adequada (risco permitido) - neste sentido MUNÕZ CONDE, Teoria General Del Delito pp. 68 e 71 e ss., JOHANNES WESSELS, Derecho Penal, Parte General, Edicionnes Depalma, Buenos Aires, 1980, p. 192 e ss., SANTIAGO MUIR PUIG, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria del delito, p. 221 a 241.
[2]  A este respeito pode consultar-se ALBERTO JORGE BARREIRO, La Imprudencia Professional. La Imprudencia, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, pp. 231 a 240, JUAN CÓRDOBA RODA, Los Delitos Culposos, La Imprudencia, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, pp. 198 a 203.
[3] Está aqui em causa a pura causalidade naturalística.
[4]  “A atuação da primeira R, supra descrita foi causa adequada … do acidente descrito e das suas consequências, que não teriam ocorrido ou não teriam a gravidade que assumiram…”.
[5]A atuação da primeira R, supra descrita foi causa direta e necessária do acidente descrito e das suas consequências, …”.
[6]  No sentido de que a teoria da adequação é já uma teoria de imputação objectiva e não uma teoria de causalidade oposta à teoria da “conditio sine qua non”, JESHECK, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Comares, 4ª, pp. 256/257, JAKOBS, Derecho Penal, Parte General, Marcial Pons, 1995, pp. 238 ss.
No mesmo sentido, mas agora no âmbito do Direito Civil, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, p. 860, nota 1.
[7]  Neste sentido, WOLFGANG FRISH, Tipo Penal e Imputación Objetiva, Colex, 1995, OLAYO EDUARDO GONZÁLEZ SOLER, Homicidio y lesiones imprudentes en accidentes de trabajo, La Imprudencia, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, pp. 110/111, ANGEL TORIO LOPES, Naturaleza y ámbito de la teoria de imputación objectiva, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, serie 1, número 3, p. 35, II, JESCHEK, Tratado de Derecho Penal, p. 258.
No mesmo sentido, mas agora no âmbito do direito civil, RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, I, p. 501, DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, 3ª, pp. 87/88.
[8]  Como esclarece JESCHEK, apenas são imputáveis os resultados nos quais se realiza o risco juridicamente desaprovado que é gerado pela conduta proibida (Tratado de Derecho Penal, p. 256).
[9]  CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo  e concurso de riscos, pp. 90/91.
[10] É através deste juízo de previsibilidade abstracta que é possível qualificar uma conduta como perigosa e, consequentemente, como proibida, sendo certo que, nesta perspectiva e no âmbito dos ilícitos de resultado, um comportamento pode considerar-se perigoso quando a probabilidade da verificação do resultado típico, considerada no momento da acção, não for insignificante e quando o perigo exceder o que é tolerado pelas práticas correntes no sector da vida social em que se insere, não podendo perder-se de vista, a este respeito, a necessária distinção que deve fazer-se entre condutas que se encontram regulamentadas por regras de cuidado e condutas que o não estão (CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo  e concurso de riscos, pp. 81 a 95).
A propósito deste requisito de previsibilidade abstracta, a moderna teoria da imputação objectiva fala, por exemplo, na criação de um risco juridicamente desaprovado, interpretado este no sentido da criação de um perigo desaprovado de realização do resultado típico e proibido (v.g., WOLFGANG FRISH, Tipo Legal..., pp. 34 a 50; cfr. JESCHEK, Tratado ..., p. 258), ou na acção perigosa juridicamente proibida (v.g., ANGEL TORIO LOPES, Naturaleza y ámbito de la teoria de imputación objectiva, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, serie 1, numero 3, pp. 33 e 34).
Cumpre ainda destacar que a qualificação de uma conduta como perigosa tem sempre subjacente a consideração do desenvolvimento possível e normal dos acontecimentos. Ou seja, uma conduta humana é considerada perigosa pelo facto de, segundo as regras da experiência, se concluir no sentido de que, verificadas determinadas circunstâncias, é normal que os acontecimentos sigam determinado curso causal conducente ao resultado proibido.
Por outras palavras, a conduta é considerada perigosa porque, tendo em conta as regras da experiência, é possível que a mesma gere um curso normal de acontecimentos conducentes à lesão do bem jurídico, sendo aquela possibilidade verificável, objectivamente, no momento da acção.
Essa sucessão normal de acontecimentos é susceptível de ser tipificada e constitui aquilo que se poderá designar como modelo ou tipo de perigo (CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo  e concurso de riscos, pp. 164 a 167).
Resta acrescentar que, se aquando deste primeiro juízo, concluirmos pela imprevisibilidade do resultado, então seremos forçados a excluir a punição do agente pela produção do resultado, por atipicidade da conduta.
[11]  Aquilo que se consagrou denominar como juízo ex ante de prognose póstuma - EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, p. 25.
[12]  Com efeito, a imputação objectiva pressupõe que o resultado represente, nas circunstâncias em que se produziu, a concretização do risco desaprovado gerado pela conduta objectivamente perigosa (neste sentido, CURADO NEVES, Comportamento ..., p. 154, WOLFGANG FRISH, Tipo Legal..., pp. 50 a 60, ALBERTO JORGE BARREIRO, La imprudencia profissional, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, p. 241, YESID REYES ALVARADO, Fundamentos teóricos de la imputación objetiva, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XLV, fascículo III, MCMXCII.
Se, pelo contrário, afirmarmos a verificação do mencionado primeiro juízo de previsibilidade objectiva, mas negarmos a previsibilidade concreta do resultado, igualmente terá de ser excluída a punição do agente por ilícito consumado, restando apenas a possibilidade de punição por tentativa, caso esteja em apreciação uma situação de conduta dolosa.
[13]  Para assim concluir basta atentar na lição a respeito expendida por CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo ..., pp. 95/96.
[14]  Neste sentido, conjugadamente, TERESA BELEZA, Direito Penal, pp. 142 a 144, CAVALEIRO FERREIRA, p. 151, EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, pp. 258/259, EDUARDO GONZÁLEZ SOLER, Homicidio y lesiones imprudentes en accidentes de trabajo, La Imprudencia, Consejo General Del Poder Judicial, 1993, p. 112.
[15]  CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo…, pp. 164 ss; sobre o conceito de tipo ou modelo de perigo, pode-se consultar-se a nota 14 deste acórdão.
[16]  No sentido de que, no âmbito dos ilícitos negligentes, o resultado concreto que se produziu e os elementos essenciais do curso causal têm que ser previsíveis, objectivamente, atendendo à capacidade de conhecimento de uma pessoa conscienciosa pertencente ao mesmo sector de actuação do agente, complementada pelos conhecimentos causais do agente, JESCHEK, Tratado ..., p. 533.
[17]  Neste juízo vai averiguar-se se o que produziu o resultado típico e as circunstâncias que lhe deram origem constituem um modelo de perigo enquadrável no tipo de ilícito que ao agente seja imputado. Ou seja, a recondução das circunstâncias determinantes da produção do resultado típico deve ser feita por referência ao momento da prática do facto, o que significa que, a este nível, ainda se está a concretizar a norma de cuidado subjacente ao tipo de ilícito.
[18]  Aqui procura determinar-se o que produziu o resultado típico e as circunstâncias que lhe deram origem, por forma a determinar se o resultado danoso é imputável a uma conduta perigosa do agente.
[19]  CURADO NEVES, Comportamento ...., pp. 178/179 e supra, nota  14.
[20]  Assim sucede, por exemplo, no âmbito dos homicídios involuntários gerados por acidente de viação, quando a morte do sinistrado decorre da conjugação dos ferimentos que lhe foram ocasionados pelo acidente com uma doença de que já padecia - CURADO NEVES, Comportamento ..., pp. 181 a 183.
Deve, contudo, ter-se bem presente que nas situações de deficiente constituição da vítima do tipo acabado de apontar, os partidários da denominada Teoria do Risco não negam a imputação objectiva do resultado ao agente.
Na verdade, de acordo com essa teoria, o resultado deve ser atribuído ao agente quando o mesmo representa a realização de um risco que foi criado pela sua acção, só assim não sucedendo nos casos excepcionais em que a interpretação da "ratio legis" do preceito incriminador permite concluir no sentido de que aquele tipo de resultado, na forma como se realizou, não cabe no âmbito de protecção da norma - para maiores desenvolvimentos, ROXIN, Problemas Fundamentais de Direito Penal, Reflexões sobre a problemática da imputação em Direito Penal.
Ora, em situações do tipo da que está em consideração tem-se considerado que o resultado ainda deve imputar-se objectivamente ao agente (ver exemplos fornecidos por JESCHEK, Tratado ..., p. 260, ponto 6).
Porém, como é sabido, no confronto entre os resultados da aplicação da teoria da adequação e da teoria do risco, se os desta forem mais amplos, devem prevalecer os daquela, dada a opção pela teoria da adequação, cujos fundamentos  surgem, assim,  como critérios mínimos de imputação objectiva do resultado ao agente, eventualmente corrigidos por outros critérios doutrinais que limitem as possibilidades de imputação objectiva decorrentes daquela teria da adequação, designadamente pelos da teoria  do risco.
[21] Da norma não decorrem concretamente, a superfície, a altura e a superfície livre que tem de ser respeitada, ficando a respectiva concretização para outros instrumentos de natureza legislativa ou administrativa que por referência ao caso dos autos não estão invocados e desconhecemos que existam.
[22]  CURADO NEVES, Comportamento Lícito Alternativo…, pp. 160/161.
[23]  Parte-se assim do princípio que se tem por indiscutido de que a mera protagonização de uma actividade em si mesmo perigosa não envolve a conclusão de que essa actividade se deve ter por típica, no sentido de apta a produzir determinados resultados legalmente proibidos.
Na verdade, existem determinadas actividades em si mesmo perigosas e que, apesar disso, são permitidas por Lei, sob pena de paralisação da vida e progresso sociais, mediante a observância de determinadas regras de cuidado, destacando-se entre aquelas actividades, pelo seu especial interesse para o caso dos autos, a da exploração mineira levada a efeito com utilização de equipamentos do tipo daquele que esteve envolvido no acidente a que os autos se reportam (Cfr., a respeito, EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, pp. 424 e 425, e WOLFGANG FRISH, Tipo Penal ..., pp. 41 a 46).
No entanto, essa actividade perigosa só é permitida mediante a imposição da obrigação de observância de determinadas regras de cuidado consagradas em diplomas legais diversificados.
E, assim sendo, por referência ao caso dos autos, só podia ganhar relevância jurídica para efeitos da responsabilização agravada que está aqui em causa a conduta assumida pela recorrente se fosse possível concluir no sentido de que a mesma era objectivamente violadora de uma qualquer dessas normas ou regras de cuidado a cuja observância o legislador condiciona a admissibilidade da utilização daquele tipo de equipamentos, pois só nesse caso poderia dizer-se que a recorrente omitiu o dever de diligência a que estava obrigada no desempenho daquela actividade perigosa, assim omitindo, também, o dever de representação, ou de justa representação, dos resultados ilícitos emergentes da sua actuação.

[24] CURADO NEVES, Comportamento lícito alternativo e concurso de riscos, p. 179/180.