Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2811/08.0TVLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
CESSAÇÃO
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.405, 808 CC, DL Nº 178/86 DE 3/7
Sumário: 1 – Ao contrato de concessão comercial, porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos, mas também as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.

2 – Os contratos de concessão comercial, tal como (também) decorre do estipulado para o contrato de agência (nos termos do art. 24º do já citado DL nº 178/86, de 3 de Julho), podem terminar de quatro formas diferentes: Mútuo Acordo; Caducidade; Resolução e Denúncia.

3 – Não é por se apurar que ocorreu uma “inexecução mútua” que se pode concluir que se deu a extinção do contrato por essa via, sendo certo que a mesma não corresponde à forma de extinção do contrato do “mútuo acordo”.

4 – Assim, a forma de extinção do contrato na circunstância ajuizada foi a resolução propriamente dita, ainda que qualificada de ilícita.

5 – Com efeito, mesmo que a resolução do vínculo seja considerada ilícita, desta decisão/qualificação judicial não pode resultar a subsistência do contrato numa situação, como a ajuizada, em que ambas as partes já não podem ou querem retomar as prestações contratuais, por ambas já terem prosseguido soluções alternativas.

6 – Posto que, sendo impossível o cumprimento das prestações contratuais, ainda que a impossibilidade decorra da resolução ilícita, o vínculo contratual cessou e a resolução, apesar de ilícita, produziu o seu resultado.

Decisão Texto Integral:       








      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

P (…), S.A.” [que incorporou a G (…), S.A., após alteração da denominação social de E (…), LDA.], propôs acção declarativa, com processo comum ordinário, contra “VV (…)– SOCIEDADE DISTRIBUIDORA DE GÁS, LDA.”, A (…) e M (…), para efectivação de responsabilidade civil contratual com fundamento na falta de cumprimento de contrato que incluía a revenda de gás da marca E(...) , no final da qual formulou o seguinte pedido: «(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenar-se os Réus solidariamente (os 2º e 3ª Réus até ao limite afiançado) a pagar à Autora, a quantia global de € 1.073.761,32 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação do último dos Réus e até integral pagamento, tudo acrescido de custas e de procuradoria condigna».

Para tanto alegou, muito em síntese, que ela Autora é uma empresa que se dedica ao exercício de todas e quaisquer actividades relacionadas com petróleos, seus derivados e sucedâneos, sendo que no exercício da sua actividade celebrou com a Ré, em 21 de Dezembro de 2000, um contrato nos termos do qual autorizou a 1ª Ré a instalar na Marinha Grande um estabelecimento de petróleo liquefeito engarrafado por ela fornecido e concedeu-lhe o direito de revender esse gás, da marca “ E(...) ”, que lhe fornecesse, dando também a essa 1ª Ré uma quantia monetária de € 12.885,05, obrigando-se, em contrapartida, essa Ré a adquirir-lhe e/ou pagar-lhe as quantidades que indica, e em cada três meses consecutivos de vigência do contrato, contrato esse a vigorar por um período de cinco anos com início em 2 de Janeiro de 2001,  sucedendo que tudo correu em conformidade nos primeiros 5 anos de vigência do contrato, face ao que veio a propor à mesma 1ª Ré aumentos para os anos subsequentes, mediante duas novas prestações monetárias (ora de € 100.000,00 e € 130.000,00), o que veio a ser aceite pela 1ª Ré, mas sucedeu que se essa Ré já cumpriu deficientemente as suas aquisições nos anos de 2005 e 2006, tal se agravou enormemente nos anos de 2007 e 2008, o que sabe ser devido a a 1ª Ré em Janeiro de 2007 ter celebrado com uma concorrente dela Autora (“ R(...) ”) um contrato de aquisição exclusiva de gás à mesma, face ao que, após concessão de um prazo suplementar de 15 dias para ser reposta a situação, como tal não resultou, veio a resolver o contrato que a ligava à 1ª Ré, em 22 de Julho de 2008, donde lhe assistir o direito à indemnização contratualmente prevista e que quantifica em € 777.163,03, o que acrescido da quantia de € 296.598,29 a que se julga com direito, a título de vasilhame que não lhe foi entregue, a constitui como credor da 1ª Ré no total de € 1.073.761,32, quantia pela qual são solidariamente responsáveis os 2º e 3ª RR., que por termos de fiança prestados  a 26 de Dezembro de 2000 e a 1 de Dezembro de 2005 aceitaram obrigar-se pessoalmente perante ela Autora para garantia da satisfação dos créditos desta contra a 1ª Ré, mais renunciando ao benefício da excussão.

                                                                       *

Citados os RR., apresentaram eles a sua contestação/reconvenção, através da qual, no que à 1ª vertente concerne, deduziram a nulidade do contrato e de algumas das suas cláusulas (porque o contrato em causa é um contrato standard, de adesão, a que a 1ª Ré se limitou a aderir e por isso sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL 446/85, de 25/10, sendo violador das nomas contidas nos seus artigos 15.º, 19.º, al. c), 5.º e 6.º deste; invocam ainda os RR. que estabelecer exclusividade e valores mínimos de venda violam as regras da concorrência ao nível nacional e europeu e são discriminatórias e por isso proibidas e nulas).

Mais aceitam – no que à alegada falta de cumprimento do contrato e suas consequências vem alegado pela A. – que, nos anos de 2007 e 2008, a 1ª Ré adquiriu quantidades de gás inferiores àquelas que tinha contratado com a Autora, mas alega que tal incumprimento não ocorreu por culpa sua, antes, e em contraponto, imputa tal culpa à Autora, bem como ainda, que esta é que faltou ao cumprimento do contrato e por isso não tinha justificação para operar a resolução do contrato, porque o contrato devia vigorar pelo menos até 21/12/2010, sendo mesmo expectável que vigorasse até 21/12/2020, e, tendo-o feito injustificadamente, causou prejuízos à 1.ª Ré no montante de €100.000,00 (após redução do pedido), que pede em reconvenção.

De referir que a este propósito os RR. alegaram, muito sinteticamente, o seguinte:

- A 1ª Ré admite que não alcançou as quantidades acordadas nos anos de 2007 e 2008, mas alega que não foi por culpa sua mas antes por culpa da Autora porque esta não conseguiu fazer face às encomendas de gás da 1ª Ré porque a quota de mercado daquela era pequena e por isso foi adquirida pela “ G(...) ”.

- Para aumentar as vendas de gás E(...) por parte dos revendedores estes têm de poder trocar garrafas de gás de outras marcas e a E(...) tem de aceitar trocar essas garrafas, porque sempre tinha sido possível trocar garrafas da B(...) R(...) ou S(...) por E(...) e vice-versa, contudo, apesar da E(...) aceitar essas trocas em 2006 e 2007 era com dificuldades dada a escassez de garrafas da marca E(...) ; por isso a E(...) aceitou poucas vezes fazer trocas com outras marcas recusando mesmo tal situação e ao não trocar tais garrafas a Autora impediu a 1ª Ré de alcançar tais objectivos.

- E foi neste contexto que a 1ª Ré passou a vender gás R(...) e alegou que nunca com carácter exclusivo, bem como, que desde 2004 que vende gás da R(...) .

- A Autora passou a abastecer directamente com depósitos de gás E(...) e a passagem para outras fontes de combustíveis, incluindo o gás natural, explicam a redução da aquisição da quantidade acordada com a Autora.

Consequentemente, não se podia considerar que foi a 1ª Ré que deu causa à resolução operada pela Autora.

Assim, no que ao direito de indemnização fixado contratualmente com fundamento em incumprimento do contrato invocado pela A., os RR. alegaram essencialmente que a Autora não teve prejuízo porque transferiu esse mercado para a empresa “ C(...) ”, o valor é exagerado e manifestamente desproporcionado e nunca pode exceder o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (cfr. art. 811º, nº2, do C.Civil), de todo o modo, deverá tal valor ser sujeito a redução, por ser manifestamente excessivo (cfr. art. 812º, do mesmo C.Civil), bem como a 1ª Ré está impossibilitada de recuperar tais garrafas vazias de gás.

Finalmente, no que à nulidade / validade das fianças prestadas diz respeito, os RR. alegaram, muito sinteticamente, que as obrigações decorrentes das fianças que os 2º e 3ª RR. prestaram são futuras e incertas e de tais documentos não resulta a origem e/ou natureza dessas obrigações futuras nem foi fixado qualquer critério que permitisse, à data dos termos de fiança, determinar quais os títulos concretos donde as obrigações futuras poderiam resultar e por isso são nulas, para efeitos do disposto no art. 280º, do C.Civil e citam Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2001 de 23/01/2001, publicado no DR datado de 08/03/2001 e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2007.

Já em termos da reconvenção que deduziram a final do seu articulado, os RR. sustentam, no essencial, que além de a Autora ter procedido de forma absolutamente injustificada à resolução do contrato, fêlo cessar numa altura em que o mesmo ainda deveria vigorar, pelo menos até 21 de Dezembro de 2010 (ou seja, quando terminaria o segundo período de cinco de vigência do mesmo contrato), donde, na medida em que deixou de poder beneficiar do ganho líquido resultante da revenda do gás pelo menos até 21 de Dezembro de 2020 (ou seja, por mais cerca de 12 anos e meio), para além de ter tido uma quebra nas vendas motivada pela exposta incapacidade da A. de trocar as garrafas, de tudo lhe resultando um prejuízo global, relativo a lucros cessantes, não inferior a € 600.000,00, a que acresce a perda de rendimento do capital correspondente a esses lucros (juros), termos em que ascendem os prejuízos sofridos pela 1ª Ré/reconvinte, ao montante global de € 744.000,00.

Nestes termos, concluem no sentido de que deve a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendose em consequência a Ré do pedido, julgandose ainda totalmente procedente por provada a reconvenção, e condenandose em consequência a Autora no pagamento à reconvinte da quantia de € 744.000,00 (rectius, de € 100.000,00, após redução do pedido), acrescida de juros de mora à taxa máxima legal, a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Replicou a Autora, sustentando, no essencial, a inviabilidade ou improcedência das exceções deduzidas pelos RR., e bem assim, impugnando o que foi deduzido em via reconvencional.

                                                           *

Proferido despacho saneador, em que também se admitiu o pedido reconvencional formulado, relegou-se para decidir, a final, a matéria das exceções (nulidades do contrato e das fianças), prosseguiu-se com a afirmação tabelar dos demais pressupostos processuais e procedeu-se à devida condensação da matéria de facto, mediante a especificação dos factos assentes e a quesitação em base instrutória dos factos controvertidos, sem reclamações.

                                                           *

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal, como consta das respectivas atas.

            Na sentença, operou-se a apreciação detalhada das várias questões em apreciação, no final do que se formulou uma “síntese” final, que pelo seu conteúdo útil e comodidade da exposição se reproduz:

«5.1. DA QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO E REGIME APLICÁVEL – O acordo celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré consubstancia um contrato de concessão comercial e a sua regulamentação tem de ser encontrada (i) nas cláusulas contratuais adoptadas pelas partes, (ii) nas regras gerais do direito dos contratos e (iii) nas disposições legais dos contratos típicos que não tenham carácter excepcional e em relação aos quais apresente analogia, como pode suceder eventualmente com o contrato de agência, principalmente nos casos de cessação do contrato.

5.2. DA VALIDADE/NULIDADE DO CONTRATO – O contrato de concessão comercial estabelecido entre a Autora e a 1.ª Ré é válido e eficaz:

- O contrato de concessão comercial celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré não configura um contrato de adesão, para efeitos do disposto no art. 1.º, do DL 446/85, de 25/10 (na redacção do DL n.º 323/2001, de 17/12);

- De todo o modo, mesmo que hipoteticamente assim não se entendesse, não existem cláusulas nulas nem proibidas, por isso o contrato em causa não viola o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 446/85, de 25/10 (na redacção do DL n.º 323/2001, de 17/12);

- Não existem práticas individuais restritivas do comércio, para efeitos do disposto no DL 166/2013, de 27/12 (na redacção do DL n.º 220/2015, de 08/10);

- De todo o modo, seria um abuso do direito a 1.ª Ré invocar agora os mesmos (cfr. art. 334.º, do Código Civil).

5.3. DA FALTA DE CUMPRIMENTO DO CONTRATO E SUAS CONSEQUÊNCIAS:

- A Autora não exerceu validamente a resolução do contrato porque não tinha justa causa para o fazer já que não é possível afirmar que a 1.ª Ré faltou ao cumprimento do contrato por culpa sua, pois o contrato extinguiu-se por inexecução mútua, por isso, a Autora não tem direito a receber qualquer indemnização com este fundamento.

- Porque não se apurou nem a quantidade nem o valor das garrafas vazias ainda em poder da 1.ª Ré, impõe-se relegar o respectivo valor da indemnização a atribuir para liquidação de sentença, ao abrigo do disposto no art. 609.º, n.º 2, do CPC.

- Não ficou provado que a 1.ª Ré sofresse qualquer prejuízo com a resolução injustificada do contrato por parte da Autora porque, como já referido, o contrato extinguiu-se por inexecução mútua, por isso, a 1ª Ré não tem direito a receber qualquer indemnização.

5.4. DA VALIDADE/NULIDADE DAS FIANÇAS PRESTADAS – Porque o seu objecto não é determinável, as fianças prestadas pelos 2.º e 3.º Réus são nulas, ao abrigo do disposto no art. 280.º, n.º 1, do Código Civil e em conformidade com o Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2001 de 23/01/2001.

Em consequência do exposto, impõe-se absolver os Réus do pedido de indemnização formulado pela Autora e condenar a 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia correspondente ao número de garrafas vazias (vasilhame) que aquela ainda tenha em seu poder, da marca E(...) (depois de descontado o valor das cauções de €22.402,09), que vier a ser apurada em sede de liquidação de sentença.»

            E, na imediata sequência, enunciou-se o seguinte “Dispositivo”:

            «Nos termos e fundamentos expostos,

1. Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,

2. Condeno a 1.ª Ré V(…) – SOCIEDADE DISTRIBUIDORA DE GÁS, LDA., a pagar à Autora (…) após alteração da denominação social de (…), LDA.] a quantia correspondente à quantidade de vasilhame que aquela ainda tenha em seu poder, da marca E(...) (depois de descontado o valor das cauções de €22.402,09), que vier a ser apurada em sede de liquidação de sentença.

3. Absolvo a 1.ª Ré (…)., do restante pedido de indemnização formulado pela Autora.

4. Absolvo o 2.º Réu (…) e a 3.ª Ré (…) de todo o pedido formulado pela Autora (…)

5. Julgo a presente reconvenção totalmente improcedente e, em consequência,

6. Absolvo a Autora (…) S.A., do pedido deduzido pela 1.ª Ré (…)

7. As custas da acção são a cargo da Autora (…)

8. As custas da reconvenção são a cargo da 1.ª Ré (...

9. Registe e notifique.»

                                                                       *

            Inconformada com essa sentença, apresentou a 1ª Ré recurso de apelação contra a mesma, da qual extraiu as seguintes conclusões:

            (…)

                                                                       *

            Também inconformada com essa sentença, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

 (…)

                                                                       *

            A 1ª Ré apresentou contra-alegações ao antecedente recurso e, ao mesmo tempo, ampliou o objecto do recurso (art. 636º, nº1 do n.C.P.Civil), termos em que concluiu nos seguintes termos:

(…)

                                                                       *

                        A Autora, por sua vez, respondeu a estas últimas contra-alegações (com ampliação do recurso), terminando com as seguintes conclusões:

            «

(…)

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos[2], cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil

            - impugnação da decisão da matéria de facto:

a) que devem figurar entre os factos “provados” os artigos 24º; 25º; 34º; 35º; 36º e 38º todos da Petição inicial [recurso da Autora];

b) que deve ser dada como “não provada”, ou então “alterada”, a matéria que consta do facto “33.” da sentença, devendo também ser “alterada” a matéria de facto do facto “34.” da sentença; que devem ser dados como “provados” os factos “i.” a “ix.” (com a redacção que para cada um deles enuncia/reclama) [ampliação do recurso pela 1ª Ré];

- desacerto da decisão de mérito na parte em que absolveu a 1ª Ré de indemnizar a Autora do valor indemnizatório consequente da resolução do contrato, tal como contratualmente previsto, invocando ser ele no montante de € 777.163,03 [recurso da Autora];

- desacerto da decisão de mérito na parte em que condenou a 1ª Ré a indemnizar a Autora pelo valor das garrafas de gás que em incidente de liquidação se provarem estar em poder da recorrente (o que deve ser substituído, nessa parte, pela condenação da 1ª Ré na restituição das mesmas garrafas de gás à Autora; violação do art. 609º do n.C.P.Civil) [recurso da 1ª Ré].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, o que naturalmente contempla a conjugação da condensação dos factos assentes com os decorrentes das respostas dadas aos quesitos da base instrutória elaborada, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que os recursos têm em vista a alteração parcial dessa factualidade. 

            Tendo presente esta circunstância, foi consignado na sentença da 1ª instância o seguinte:

«A. Factos Provados

Resultaram provados os seguintes factos (correspondentes à alíneas da matéria de facto assente e aos pontos de facto da base instrutória de fls. 247-257):

1. A autora dedica-se ao exercício de todas e quaisquer actividades relacionadas com petróleos, seus derivados e sucedâneos, em todas as suas modalidades [A)].

2. No exercício da sua actividade, a autora, no dia 21.12.2000, e a 1ª ré, subscreveram o

“contrato” junto a fls. 26 a 34 do Apenso A [B)].

3. Nos termos do referido contrato, a autora autorizou a 1ª ré “a instalar na Marinha Grande um estabelecimento destinado a vender gás de petróleo liquefeito engarrafado” por ela fornecido, e concedeu-lhe o direito de revender o gás da marca “ E(...) ” que lhe fornecesse (cláusula 1ª, nº 1, do contrato) [C)].

4. De acordo com a cláusula 1ª, nº 2, do referido contrato, a 1ª ré obrigou-se a adquirir e/ou pagar à autora, um mínimo de:

- 750.000 quilogramas de E(...) GÁS no 1º ano de vigência do contrato;

- 750.000 quilogramas de E(...) GÁS no 2º ano de vigência do contrato;

- 750.000 quilogramas de E(...) GÁS no 3º ano e seguintes de vigência do contrato

[D)].

5. Conforme cláusula 1ª, nº 3, do referido contrato, a 1ª ré obrigou-se ainda a adquirir e/ou pagar à autora, em cada 3 meses consecutivos da respectiva vigência, gás “ E(...) ”

correspondente a pelo menos 15% das quantidades mínimas referidas no nº 2 da cláusula 1ª para o ano que estiver em causa, ou “pelo menos o correspondente a 15% do gás “ E(...) ” efectivamente por ela adquirido no ano anterior, consoante aquele destes quantitativos que representar uma quantidade maior [E)].

6. Nos termos da cláusula 1.ª, ponto 4, «A E(...) tem o direito de pôr termo ao CONTRATO, em qualquer momento, caso o REVENDEDOR não adquira e/ou pague à E(...) quer as quantidades mínimas trimestrais quer as quantidades mínimas anuais referidas nos anteriores n.ºs 2 e 3, sem prejuízo de a E(...) ter a haver do REVENDEDOR a indemnização a que tiver direito» [documento de fls. 27 do apenso A – cfr. art. 607.º, n.º 4, do CPC].

7. Nos termos constantes da cláusula 2ª do mencionado contrato, a 1ª ré obrigou-se, entre outras, a “pagar” à autora o gás “ E(...) ” que esta lhe fornecesse pelos preços e demais condições por ela indicadas e/ou estabelecidas [F)].

8. A autora, conforme ajustado na cláusula 3ª, nº 1, do referido contrato, obrigou-se “a vender e entregar” à 1ª ré “nas instalações desta em Vieira de Leiria” as quantidades de gás “ E(...) ” que esta, com a antecedência razoável lhe encomendasse para fazer face às necessidades de consumo dos consumidores por ela abastecidos, devendo tais quantidades respeitar a entrega mínima ou a estabelecer por aquela [G)].

9. Como contrapartida pela celebração do contrato e das obrigações nele assumidas, a 1ª ré recebeu da autora a quantia de Esc. 2.583.220$00 (€ 12.885,05) [H) e 38.º].

10. Sob a cláusula 7ª, nº 1, do mencionado contrato, consta que: “O contrato é celebrado por um período de 5 anos com início em 2 de Janeiro de 2001, findo o qual se considera prorrogado automaticamente por períodos sucessivos de 5 anos, salvo se qualquer das partes o denunciar por escrito, mediante carta registada expedida com aviso de recepção enviada com, pelo menos, 1 ano de antecedência em relação ao termo do período de vigência que então estiver em curso (…)”[I)].

11. Nos anos de 2000 a 2004, a 1ª ré adquiriu à autora as seguintes quantidades de gás “ E(...) ”:

- Em 2000, 794.100 kg;

- Em 2001, 790.900 kg;

- Em 2002, 775.400 kg;

- Em 2003, 744.600 kg;

- Em 2004, 796.600 kg [J)].

12. No dia 4 de Maio de 2004, a autora enviou uma carta à 1ª ré na qual lhe propunha a compra de mais 200.000 kg de gás “ E(...) ” no período dos 12 meses seguintes à aceitação dessa proposta em relação ao período idêntico imediatamente anterior [K)].

13. Na mesma carta, a autora comprometeu-se a entregar à 1ª ré, caso esta aceitasse tal volume de compras, a importância de €100.000,00 (cem mil euros) [L)].

14. A 1ª ré aceitou a proposta mencionada em K) e L) no dia 11.05.2004, obrigando-se a adquirir a quantidade anual aí prevista (862.000 kg), tendo para tal recebido da autora a importância de €100.000,00 [M) e 38.º].

15. No dia 21 de Novembro de 2005, a autora enviou uma carta à 1ª ré na qual lhe propunha a compra de mais 350.000 kg de gás “ E(...) ” no período dos 12 meses seguintes à aceitação dessa proposta em relação ao período idêntico imediatamente anterior [N)].

16. Na mesma carta, a autora comprometeu-se a entregar à 1ª ré, caso esta aceitasse tal

aumento volume de compras, a importância de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros) [O)].

17. A 1ª ré aceitou a proposta mencionada em N) e O) no dia 22.11.2005, obrigando-se a adquirir a quantidade anual aí prevista (936.200 kg), tendo para tal recebido da autora a importância de € 130.000,00 [P) e 38.º].

18. Em 2005 e 2006, a 1ª ré adquiriu à autora as seguintes quantidades de gás “ E(...) ”:

- Em 2005, 844.200 kg;

- Em 2006, 897.000 kg [Q)].

19. Por carta datada de 21 de Março de 2007, a autora comunicou à 1º ré que aceitava prorrogar até ao fim de Março de 2007 o prazo para que o volume previsto fosse atingido [R)].

20. Por carta datada de 11.06.2008, a autora concedeu à 1ª ré “um prazo de 15 dias” para remediar a “situação de incumprimento” em que incorreu (nos anos de 2007 e 2008), “retomando o cumprimento do contrato”, “sob pena de dever considerar-se, findo esse prazo e persistindo o incumprimento, desde logo, e sem necessidade de qualquer outra comunicação para o efeito, resolvido o contrato” [S)].

21. Referindo ainda a autora, nessa carta, “que caso a situação (…) não seja dentro desse prazo de 15 dias reparada, deverá desde já considerar-se, nos termos da sua cláusula 1.4 resolvido contrato, resolução que nessas condições se opera e declara para todos os efeitos legais” [T)].

22. Em resposta, a 1º ré enviou à autora, no dia 25.06.2008, uma carta, recebida por esta no dia 27.06.2008, na qual alega que as razões para a diminuição das suas compras são na sua maioria imputáveis à autora (cfr. doc. fls. 45-47), solicitando-lhe a marcação de uma reunião entre ambas para definir “o caminho a seguir” [U)].

23. Em 18.07.2008 a autora reuniu-se com a 1ª ré, a pedido desta, não tendo a primeira aceite a proposta da segunda no que concerne à diminuição do volume de vendas [V)].

24. Nos termos constantes da cláusula 7 do contrato firmado entre autora e 1ª ré, em caso de resolução do contrato por incumprimento da segunda («A E(...) poderá, porém, em qualquer momento dar por findo o CONTRATO se o REVENDEDOR faltar ao cumprimento de qualquer das cláusulas do mesmo e/ou ao cumprimento de qualquer das obrigações nele por ele assumidas»), esta terá que pagar à primeira uma indemnização calculada pela fórmula I=0,3 x PF x T x Q/12, em que “I” é a indemnização, “PF” é o período de facturação do gás butano ou propano (o que for mais baixo), “T” o tempo que medeia entre a cessação do contrato e termo do período contratual e “Q” a quantidade de acordo com os mínimos estipulados na cláusula 1.2 ou a quantidade total comprada nos 12 meses anteriores, consoante a que for maior [W)].

25. O valor do gás “ E(...) ” butano em garrafa de 13 kg., de acordo com a tabela de preços praticada pela autora face à 1ª ré, é de € 1.145/kg, o tempo até ao fim do contrato seria, atenta a renovação automática deste, de 29 meses, e a quantidade prevista de 936.200 kg/ano (o que corresponde a uma indemnização de €777.163,03) [X)].

26. A autora detém uma garantia bancária prestada pelo Banco K(...) , SA, no dia 29 de Maio de 2001, no montante de € 24.939,89, a pedido e solicitação da 1ª ré, com referência a todas e quaisquer obrigações, de qualquer natureza, que para com a autora tenha e/ou possa vir a ter (doc. fls. 27) [Y)].

27. De acordo com o estabelecido na cláusula 8 do contrato firmado entre autora e 1ª ré, caso esta não entregue àquela o vasilhame sua pertença que detém em seu poder, terá que pagar à autora o respectivo valor [Z)].

28. Por carta datada de 22.07.2008, a autora comunicou à 1ª ré a resolução do contrato,

instando-a para pagar a indemnização devida calculada nos termos da cláusula 7ª do contrato, no montante de € 777.163,03 (doc. fls. 48 do Apenso A) [AA)].

29. Por termo de fiança datado de 26.12.2000, declararam A (…) e M (…) que: “pelo presente para todos os efeitos confirmam que assumem, solidariamente entre si, perante e para com a E (…), LDA. – ao adiante designada apenas por E(...) (…), a responsabilidade de fiadores e principais pagadores até à quantia de 6 000 000$00 (seis milhões de escudos) de todas e quaisquer obrigações que para com a E(...) tenha e ou possa vir a ter, a V (…)– Sociedade Distribuidora de Gás, Lda., obrigando-se, em consequência a pagar todas e quaisquer responsabilidades que a dita V(…) – Sociedade Distribuidora de Gás, Lda., tenha e ou possa vir a ter para com a referida E(...) , qualquer que seja a origem, natureza ou causa das mesmas, mesmo que representadas por letras e livranças, já emitidas ou a emitir, qualquer que seja a natureza de tais letras e livranças. Esta fiança é assumida com a maior amplitude, até ao limite do quantitativo indicado, sem qualquer limite no tempo e com a expressa renúncia por parte deles fiadores, a todo o benefício ou direito, designadamente de excussão, que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular a obrigação, e subsiste mesmo em caso de mora, lapso ou tolerância” (doc. fls. 29) [AB)].

30. Por termo de fiança datado de 01.12.2005, declararam A (…) e M (…)que: “pelo presente para todos os efeitos confirmam que assumem, solidariamente entre si, perante e para a E (…), LDA. (…), adiante designada apenas por E(...) , a responsabilidade de fiadores e principais pagadores até à quantia de € 130.000 (cento e trinta mil euros) de todas e quaisquer obrigações que para com a E(...) tenha e ou possa vir a ter, a V (…) Sociedade Distribuidora de Gás, Lda., obrigando-se, em consequência a pagar todas e quaisquer responsabilidades que a dita VV (…) – Sociedade Distribuidora de Gás, Lda., tenha e ou possa vir a ter para com a referida E(...) , qualquer que seja a origem, natureza ou causa das mesmas, mesmo que representadas por letras e livranças, já emitidas ou por emitir, qualquer que seja a natureza de tais letras e livranças. Esta fiança é assumida com a maior amplitude, até ao limite do quantitativo indicado, sem qualquer limite no tempo e com a expressa renúncia por parte deles fiadores, a todo o benefício ou direito, designadamente de excussão, que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular a obrigação, e subsiste mesmo em caso de mora, lapso ou tolerância” (doc. fls. 31) [AC)].

31. No ano de 2007 a 1.ª ré adquiriu à autora 469.653 Kg de gás E(...) e no ano de 2008, até Abril, a 1.ª ré adquiriu à autora 36.629 Kg de gás E(...) [1.º].

32. Por contrato estabelecido entre a 2.ª Ré e a “ R(...) Gás Portugal, S.A.”, datado de 02 de Janeiro de 2007, designado de “CONTRATO DE FORNECIMENTO EXCLUSIVO DE GPL ENGARRAFADO, PARA REVENDA”, entre outras cláusulas, a R(...) nomeou a aqui 2.ª Ré como a sua concessionária exclusiva de gás butano e propano da marca “ R(...) GAS” para a área abrangida pelo concelho de Marinha Grande, exceptuando algumas zonas e 1.ª Ré comprometeu-se ainda a adquirir à “ R(...) ”, em exclusividade, gás similar àquele cuja aquisição se obrigara perante a autora [2.º].

33. A recusa da autora em fornecer maior quantidade de material à 1.ª ré no ano de 2006 (aludida na carta referida em U) resultou da falta de vontade da autora em não aumentar, com novas contrapartidas monetárias, o volume de negócios previsto no contrato (e não da sua falta de meios) [5.º].

34. O gás natural existe no mercado nacional desde o ano de 1997, sendo o seu consumo insusceptível de prejudicar, com relevância, as vendas da 1ª ré [6.º].

35. A 1ª ré era visitada pelo representante de vendas da autora regularmente, de dois em dois meses [7.º].

36. A 1ª ré, em Julho de 2008, adquiriu à autora 6.110 Kg de gás E(...) [8.º].

37. E continuava a adquirir produto semelhante ao da autora à empresa acima mencionada ( R(...) ) [9.º].

38. A 1ª ré tem em seu poder vasilhame da marca E(...) pertencente à autora, em quantidade e valor não apurado [10.º].

39. Desde 2003, a autora, em regra, aceitava receber da 1ª ré taras vazias de outras marcas, sempre que esta lhas dava em troca de garrafas cheias de gás E(...) [17.º].

40. Mas poucas vezes (desde 2003 e de forma mais acentuada em 2007 e 2008) a autora

aceitou receber da 1ª ré, em troca das garrafas cheias de gás E(...) que lhe revendia, garrafas ou taras vazias de outras marcas [18.º].

41. O referido em 18 sucedia porque a autora tinha algumas dificuldades em trocar rapidamente as taras de outras marcas por garrafas de gás E(...) [19.º].

42. A partir de 2004 a 1.ª ré passou a vender gás da marca R(...) [22.º].

43. Nos anos de 2004 a 2006, a 1ª ré conseguiu aumentar as vendas de gás E(...) (não obstante ter acumulados tais vendas com as da marca R(...) ) [25.º].

44. A Autora, antes do referido em AA), por contrato datado de 28 de Abril de 2008, em tudo idêntico ao que havia celebrado com a 1.ª Ré, passou a vender gás para a empresa “ C(...) – Comércio e Assistência Técnica de Gás, Lda.” [28.º e 32.º]…

45. …A qual foi criada por ex-funcionários da 1ª ré (que desta se tinham despedido anteriormente no ano de 2008) [29.º].

46. Em 19/12/2008 a autora alterou a sua denominação para G(...) Comercialização Portugal, S.A. [31.º].

*

B. Factos Não Provados

Não resultaram provados os seguintes factos:

a) Que a 1.ª Ré apenas a partir de 02/01/2007 é que passou a adquirir gás à referida “ R(...) ” [3.º].

b) Que a 1ª ré, desde 2007, tem vindo a subir o seu volume de vendas com produtos similares de empresas concorrentes [4.º].

c) Que a 1.ª Ré tem em seu poder vasilhame no exacto valor total de €296.598,29 (correspondente à diferença entre o valor total do vasilhame - €319.000,38 – e o valor total das cauções em poder da E(...) – €22.402,09) [10.º].

d) Que quando a autora abordou a 1º ré para subscrever o contrato mencionado em B), já o mesmo havia sido por ela redigido [11.º].

e) Que nessa ocasião, a autora impediu a ré de alterar as cláusulas do referido contrato,

introduzir novas cláusulas e excluir outras [12.º].

f) Que, invocando a autora que tal contrato era igual para todos os revendedores de gás E(...) , com excepção da cláusula relativa às quantidades de gás que se encontram obrigados a adquirir [13.º].

g) Que a autora, na altura referida em 11, não comunicou à 1ª ré o teor de cada uma das

cláusulas do mencionado contrato [14.º].

h) Que nem lhe forneceu qualquer explicação sobre o modo do seu funcionamento, efeitos e consequências de cada uma delas [15.º].

i) Que ao colocar no escrito referido em B) uma cláusula impondo a aquisição de volumes mínimos de gás pela 1ª ré, como condição do respectivo fornecimento pela autora, pretendeu esta impedir aquela de vender mais do que uma marca de gás [16.º].

j) Que o referido em 17.º e 18.º impediu a 1ª ré de conquistar novos consumidores [20.º].

k) (…) e de adquirir da autora os volumes mínimo de gás estabelecidos no “contrato” e nas suas alterações posteriores [21.º].

l) Que por virtude do referido em 17 e 18, a 1ª ré, a partir de 2004, passou a vender gás da marca R(...) para compensar a perda de clientes [22.º].

m) Que a R(...) jamais colocou à 1ª ré qualquer problema devido à troca de garrafas R(...) por outras de outras marcas concorrentes [23.º]…

n) …Permitindo desta forma que a 1ª ré conquistasse clientes de outras marcas [24.º].

o) Que desde 2000 a 2008, a 1ª ré perdeu muitos consumidores para a E(...) , por esta os passar a abastecer directamente a partir de grandes depósitos de gás (consumo de gás a granel), num volume anual (em média) de 150 toneladas [26.º].

p) Que em resultado da transferência de consumos para o gás natural, ou para outras fontes de energia mais baratas e menos poluentes, e da transferência de consumidores para outras marcas, qualquer revendedor suporta perdas anuais de clientes de cerca de 20% [27.º].

q) Que a criação da empresa (“ C(...) – Comércio e Assistência Técnica de

Gás, Lda.”) foi incentivada pela autora junto de tais ex-funcionários da 1ª ré (quando estes ainda trabalhavam para esta) [30.º].

r) Que a autora, ao enviar a carta referida em AA), agiu com intenção de entregar à “ C(...) , Lda.” a clientela da 1ª ré [33.º].

s) Que a maior parte do vasilhame (referido em 10) está nas instalações da autora ou em poder dos consumidores a quem a 1ª ré vendia gás E(...) [34.º].

t) Que a 1.ª Ré jamais se recusou a entregar à autora o restante vasilhame (poucas dezenas de garrafas) que tem em seu poder [35.º].

u) Que ao actuar da forma descrita, a autora impediu a 1ª ré (até 21.12.2020) de:

- beneficiar do ganho líquido resultante da revenda de gás no valor de 10% ao ano, correspondente ao montante global de € 600.000,00 [36.º]...

v) … - dispor do capital correspondente ao seu lucro líquido, para realizar investimentos que lhe permitissem incrementar e diversificar os seus negócios, no montante de € 144.000,00 [37.º].

w) Que caso a autora investisse esses valores (referidos em 38.º) na sua produção, podia deles retirar um lucro anual de (pelo menos) 25% [39.º]».

                                                                       *

3.2 – Impugnação da decisão da matéria de facto:

(…)

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, integrante do recurso da Autora, qual seja, a do desacerto da decisão de mérito na parte em que absolveu a 1ª Ré de indemnizar a Autora do valor indemnizatório consequente da resolução do contrato, tal como contratualmente previsto, invocando ser ele no montante de € 777.163,03:

Como é bom de ver, esta constituía a questão nuclear do pedido formulado aquando da propositura da acção, sendo correspondentemente o ponto crucial do recurso interposto pela mesma.

Foi entendimento do Tribunal a quo que a Autora não exerceu validamente a resolução do contrato porque não tinha justa causa para o fazer já que não é possível afirmar que a 1ª Ré faltou ao cumprimento do contrato por culpa sua, pois o contrato extinguiu-se por inexecução mútua, por isso, a Autora não tem direito a receber qualquer indemnização com este fundamento.

Que dizer?

Muito direta e inequivocamente – e releve-se o juízo antecipatório! – que nos merece concordância a conclusão/resultado final a que se chegou, conquanto, em nosso entender, cumpra optar por uma linha de argumentação algo diversa.

Senão vejamos.

Como bem se sublinhou no preliminar enquadramento dogmático da resolução que o Exmo. Juiz a quo cuidou de fazer, constitui um dos princípios basilares em matéria contratual o designado por princípio da estabilidade, segundo o qual, uma vez firmados através do encontro das vontades das partes outorgantes, os contratos não podem mais ser revogados ou mesmo modificados por uma das partes e sem o concurso das demais.

Por assim ser, os contratos, uma vez celebrados, devem, de acordo com outro dos princípios basilares que enquadram o seu regime – o princípio da pontualidade – ser pontualmente cumpridos[3], ficando as partes adstritas às obrigações que para elas resultem do conteúdo no qual acordaram – como resulta da aplicação do art. 406º do Código Civil e como decorre do velho brocardo latino do “pacta sunt servanda”.

Assim, é a conjugação destes dois princípios que constitui a causa e razão de ser da faculdade que é reconhecida às partes, na maioria dos contratos, de procederem à sua resolução quando a sua contraparte não respeite o conteúdo contratual a que está vinculada, posto que, a parte cumpridora não pode ficar vinculada ao cumprimento de obrigações previstas num contrato em que a sua contraparte, inversamente, não cumpre aquilo que, para ela, o contrato determina.

Essa é a razão que leva a permitir que, violada a pontualidade do cumprimento por uma das partes, a parte cumpridora, por sua iniciativa e com fundamento nessa violação, possa proceder à destruição do vínculo contratual, naquilo que consiste a resolução do contrato.

Sem embargo do vindo de dizer, a simples mora no cumprimento de obrigações contratuais não concede à parte lesada a faculdade de resolver o contrato sendo necessário que, essa mora se transforme em incumprimento definitivo, por força da perda de interesse na prestação ou da concessão de um prazo suplementar ao devedor para que cumpra a prestação[4], para que só depois possa ser declarada a resolução.

Por outro lado, a impossibilidade de cumprimento, na medida em que seja imputável a uma das partes, permite também a resolução do contrato, sendo por equiparação ao seu regime que se estabelecem as regras que permitem a resolução por incumprimento.

Ademais, tem vindo a entender-se que o cumprimento defeituoso constitui também fundamento susceptível de permitir a resolução de um contrato[5]: não estando regulada em termos gerais tal figura jurídica, considera-se verificada quando a prestação não corresponda àquilo que foi estipulado pelas partes, havendo desconformidade entre aquilo que foi acordado e aquilo que é prestado.

A tendência mais comum é de considerar que existindo cumprimento defeituoso, o contrato possa ser resolvido com esse fundamento, como se de incumprimento definitivo se tratasse, por, em bom rigor, não poder defender-se que prestação tenha sido cumprida.

Não obstante, tal situação poderá levar a contradições, uma vez que existindo mora, caso em que nada foi prestado, é necessário que essa mora seja transformada em incumprimento definitivo, enquanto que existindo cumprimento imperfeito/defeituoso, o contrato poderá, sem mais, ser resolvido, apesar de poder ser ainda reparada essa deficiência de cumprimento.[6]

O que se vem de dizer serve agora para concluir o seguinte: a resolução pode ser operada pela parte cumpridora, isto é, pela que não esteja em incumprimento; por outro lado, não é qualquer incumprimento que integra a causa da resolução prevista na al.a) do art. 30º do DL nº 178/86 de 03-07[7], dependendo a validade da resolução de a gravidade ou reiteração da falta de cumprimento das obrigações respectivas por parte do outro contraente ser tal que se não mostre exigível a subsistência do vínculo contratual.

Ora, neste conspecto, sublinhou-se – e bem! – na sentença recorrida, que para determinar a gravidade dum incumprimento contratual há que atender a diversos critérios, a saber:

- à importância do incumprimento em si mesmo no conjunto da relação contratual concreta;

- à persistência ou repetição do incumprimento;

- ao tempo já decorrido desde a celebração do contrato;

- à forma como decorreram anteriormente as relações entre as partes.

Sendo a essa luz que se convocou e relevou o seguinte conjunto de factos:

 - No ano de 2007 a 1.ª ré adquiriu à autora 469.653 Kg de gás E(...) e no ano de 2008, até Abril, a 1.ª ré adquiriu à autora 36.629 Kg de gás E(...) [1.º].

- Por contrato estabelecido entre a 2.ª Ré e a “ R(...) Gás Portugal, S.A.”, datado de 02 de Janeiro de 2007, designado de “CONTRATO DE FORNECIMENTO EXCLUSIVO DE GPL ENGARRAFADO, PARA REVENDA”, entre outras cláusulas, a R(...) nomeou a aqui 2.ª Ré como a sua concessionária exclusiva de gás butano e propano da marca “ R(...) GAS” para a área abrangida pelo concelho de Marinha Grande, exceptuando algumas zonas e 1.ª Ré comprometeu-se ainda a adquirir à “ R(...) ”, em exclusividade, gás similar àquele cuja aquisição se obrigara perante a autora [2.º].

- A recusa da autora em fornecer maior quantidade de material à 1.ª ré no ano de 2006 (aludida na carta referida em U) resultou da falta de vontade da autora em não aumentar, com novas contrapartidas monetárias, o volume de negócios previsto no contrato (e não da sua falta de meios) [5.º].

- O gás natural existe no mercado nacional desde o ano de 1997, sendo o seu consumo insusceptível de prejudicar, com relevância, as vendas da 1ª ré [6.º].

- A 1ª ré, em Julho de 2008, adquiriu à autora 6.110 Kg de gás E(...) [8.º].

- E continuava a adquirir produto semelhante ao da autora à empresa acima mencionada ( R(...) ) [9.º].

- Desde 2003, a autora, em regra, aceitava receber da 1ª ré taras vazias de outras marcas, sempre que esta lhas dava em troca de garrafas cheias de gás E(...) [17.º].

- Mas poucas vezes (desde 2003 e de forma mais acentuada em 2007 e 2008) a autora aceitou receber da 1ª ré, em troca das garrafas cheias de gás E(...) que lhe revendia, garrafas ou taras vazias de outras marcas [18.º].

- O referido em 18 sucedia porque a autora tinha algumas dificuldades em trocar rapidamente as taras de outras marcas por garrafas de gás E(...) [19.º].

- A partir de 2004 a 1.ª ré passou a vender gás da marca R(...) [22.º].

- Nos anos de 2004 a 2006, a 1ª ré conseguiu aumentar as vendas de gás E(...) (não obstante ter acumulados tais vendas com as da marca R(...) ) [25.º].

- A Autora, antes do referido em AA) [antes de operar a resolução do contrato com a 1.ª Ré], por contrato datado de 28 de Abril de 2008, em tudo idêntico ao que havia celebrado com a 1.ª Ré, passou a vender gás para a empresa “C C(...) – Comércio e Assistência Técnica de Gás, Lda.” [28.º e 32.º].

- (…) a qual foi criada por ex-funcionários da 1ª ré (que desta se tinham despedido anteriormente no ano de 2008) [29.º].

Temos assim que, durante o tempo da vigência do contrato entre ambas, a 1ª Ré adquiriu à Autora as seguintes quantidades de gás:

- Em 2000, 794.100 kg;

- Em 2001, 790.900 kg;

- Em 2002, 775.400 kg;

- Em 2003, 744.600 kg;

- Em 2004, 796.600 kg;

- Em 2005, 844.200 kg;

- Em 2006, 897.000 kg;

- Em 2007, 469.653 Kg;

- Em 2008, até Abril, 36.629 Kg;

- Em 2008, em Julho, 6.110 Kg.

Donde, objetivamente, 1ª Ré não alcançou os valores mínimos a que estava obrigada, nem em 2007 nem em 2008…

Contudo, sucede que a Autora, ainda antes de operar a resolução do contrato com a 1ª Ré, por contrato datado de 28 de Abril de 2008, em tudo idêntico ao que havia celebrado com a 1.ª Ré, já passou a vender gás para a empresa “(…)Lda.”, a qual foi criada por ex-funcionários da 1ª Ré (que desta se tinham despedido anteriormente no ano de 2008).

Por isso, no momento em que a Autora concedeu expressamente à 1ª Ré um prazo de 15 dias para esta retomar as aquisições de gás nas quantidades acordadas com a cominação de resolver o contrato, já se encontrava a fornecer gás E(...) a outra empresa para a mesma zona, acrescendo ser ela uma empresa criada por ex-funcionários da 1ª Ré (que desta se tinham despedido anteriormente no ano de 2008)!

Sendo neste quadro que na sentença recorrida se afirma o seguinte: «Daqui resulta claramente que a Autora já não pretendia o cumprimento de tal contrato, porque para a mesma zona encontrou outro revendedor do seu gás E(...) . Além disso, importa referir que conceder o prazo de 15 dias para a 1.ª Ré retomar o fornecimento acordado nunca seria um prazo razoável para efeitos do disposto no art. 808.º, do CC, atento o volume acordado de aquisições de gás.»

Não podemos efetivamente deixar de concordar com tal asserção.

É certo que, no início do ano de 2007, a 1ª Ré celebrou um contrato de exclusividade com a “ R(...) Gás Portugal, S.A.”, mas, importa atentar que, já desde o ano de 2004, que tinha contrato com esta marca e nem por isso deixou de aumentar as aquisições acordadas com a Autora, para além de que a 1ª Ré não tinha exclusividade com a Autora, sendo por isso livre de adquirir outras marcas (“a exclusividade é com a R(...) e não com a Autora”, como bem se sublinhou na sentença recorrida).

Em contraponto, a Autora vinha acumulando um incumprimento que estava a afetar negativamente o exercício da actividade comercial pela 1ª Ré, qual seja, o de que, poucas vezes nos anos de 2007 e 2008 a Autora aceitou receber da 1ª Ré, em troca das garrafas cheias de gás E(...) que lhe revendia, garrafas ou taras vazias de outras marcas.

Ora tal condicionava não só o exercício da actividade da 1ª Ré, como qualquer ideia de expansão por parte da mesma.

Sem embargo – e aqui reside uma primeira discordância com a sentença recorrida – parece-nos incontornável, por objetivo, que existiu um incumprimento culposo por parte da 1ª Ré, quer ao não ter adquirido as quantidades mínimas de gás a que se havia comprometido, quer por se ter vinculado contratualmente com uma concorrente da Autora, em condições de exclusividade perante esta, o que, pelo menos, violou as regras de boa fé e lealdade que a vinculavam à Autora.

O que tudo serve para dizer que – independentemente de a 1ª Ré ter adquirido quantidades de gás inferiores ao que tinha acordado, nos anos de 2007 e 2008, e, por essa via ter faltado culposamente ao cumprimento do contrato – também inequívoca e insofismavelmente nunca poderá o Tribunal deixar de considerar ilícita, injustificada e materialmente injusta a invocação do exercício de resolução pela Autora ora recorrente, por violação dos princípios da boa fé contratual, proporcionalidade e adequação.

Ideia que igualmente foi vincada na sentença recorrida, à luz dos critérios de aferição da gravidade do incumprimento contratual aludidos supra, embora aí se vincasse que não se podia considerar haver incumprimento culposo da 1ª Ré – sendo precisamente este último o segmento que não merece o nosso acolhimento.

Assim, com essa ressalva, subscreve-se a seguinte linha de argumentação:

«Atento todo o exposto, no conjunto da relação contratual e atendendo às circunstâncias do caso concreto, à importância do incumprimento em si mesmo no conjunto da relação contratual concreta, à persistência ou repetição do incumprimento, ao tempo já decorrido desde a celebração do contrato, à forma como decorreram anteriormente as relações entre as partes e o comportamento da Autora ao proceder à distribuição de gás através de outro revendedor da mesma área, a falta de aquisição das quantidades mínimas de gás pela 1.ª Ré em 2007 e 2008 não pode configurar falta de cumprimento culposo da respectiva obrigação, por isso não existe justa causa para operar a resolução.

Senão vejamos.

Note-se que a Autora, em Junho de 2008, concede à 1.ª Ré um prazo para esta remediar a situação de incumprimento, retomando o cumprimento do contrato, sob pena de considerar o mesmo resolvido, quando na realidade já desde Abril de 2008 que as vendas de gás passaram para outra empresa formada por ex-funcionários da 1.ª Ré a “ C(...) ”.

E mais, apesar disso e não obstante isso, a Autora continua a vender gás à 1.ª Ré nas quantidades acima mencionadas.

Ora, tal comportamento da Autora é inadmissível por ser flagrantemente atentatório da boa-fé e por se traduzir no exercício inadmissível e ilegítimo de uma posição jurídica, em abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” (o exercício de uma posição jurídica em contradição com comportamento anterior (18) – ao abrigo do disposto no art. 334.º, do CC.

(18) A. M. R. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 2001, pág. 742 a 770.»

Sendo certo que para esta mesma conclusão, da inexistência de justa causa para a resolução, concorre o seguinte: é que a Autora invocou para a resolução que operou a denominada “cláusula resolutiva expressa[8], que consabidamente é aquela em que “as partes convencionam que, se ocorrer determinado facto, uma delas terá o direito de, se assim o entender, resolver o contrato.”[9]

Sucede que, conforme melhor entendimento nesta matéria, para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa (identificando-as) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»”; Na verdade, “A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”[10]

Tendo presente estes ensinamentos, e revertendo-os ao caso ajuizado, o que se constata é que no mesmo se teria precisamente utilizado uma cláusula que não identificou com precisão cada um dos incumprimentos que justificaria o direito de resolução, antes se elegeu uma previsão genérica e indeterminada, donde, na linha do vindo de expor, nunca poderia ter lugar uma válida resolução ao abrigo da mesma.[11]

E nem se argumente que a Autora não o fez automaticamente, na medida em que concedeu um prazo suplementar (“interpelação admonitória”), em face da mora, para serem retomadas as aquisições (cf. factos provados sob “20.” e “21.”): pois que, nos termos já supra sublinhados, aludindo o normativo legal a “prazo razoável para cumprir” (cf. art. 808º, nº1 do C.Civil), o prazo de 15 dias que foi facultado para o efeito não se pode considerar, na circunstância, sê-lo…

Nesta linha de entendimento, temos então a seguinte asserção: quando exista incumprimento de ambas as partes, a faculdade de resolução não pode ser validamente exercida por nenhuma delas, não cabendo à parte faltosa, ainda que exista também incumprimento da sua contraparte, resolver o contrato.[12]

À luz deste entendimento, que dizer da resolução operada pela Autora?

A tal se responde sem qualquer hesitação: que a mesma foi ilícita.

Na sentença recorrida, quanto a este particular, apontou-se basicamente no mesmo sentido, ao concluir-se que “a resolução do contrato operada pela Autora é inválida por carecer de fundamento legal” (sublinhado nosso).

Sucede que se atingiu esta ideia após se afirmar que não existia justa causa para a Autora poder resolver validamente o contrato de concessão comercial que estabeleceu com a 1ª Ré, o qual se extinguiu por “inexecução mútua”.

Sendo aqui a nossa outra divergência com a sentença recorrida: é que, se bem interpretamos a linha de raciocínio da sentença recorrida, considerou-se que a forma de extinção do contrato era a inexecução mútua, sendo por isso que se qualificava a resolução operada de inválida.

Ora, em nosso entender, tal construção jurídica não é correta, não podendo por isso ser acolhida.

Na verdade, os contratos de concessão comercial, tal como (também) decorre do estipulado para o contrato de agência (nos termos do art. 24º do já citado DL nº 178/86, de 3 de Julho), podem terminar de quatro formas diferentes: Mútuo Acordo; Caducidade; Resolução e Denúncia.

Sendo que esta afirmação decorre da circunstância de que, face ao estipulado no referido diploma, não resultam características específicas para as formas de extinção deste contrato, uma vez que tais formas de cessação são comuns ao regime geral de extinção dos contratos.

De referir que no caso de haver mútuo acordo, a cessação do contrato acaba por se operar sem divergências, dando-se primazia aos princípios gerais (cf. arts. 405º e 406º do C.Civil), como o princípio da liberdade contratual, mesmo no que é referente à cessação, sendo certo que a circunstância relevante a mencionar na cessação por mútuo acordo consiste na necessidade de forma especial (documento escrito) para a sua validade, por razões de segurança, tal como resulta do disposto no art. 25º do já citado DL nº 178/86, de 3 de Julho.

Ora se assim é, temos por inequívoco que a forma de extinção do “mútuo acordo” não corresponde ao que foi configurado na sentença recorrida sob a designação de inexecução mútua, apesar de nesta se ter chamado à colação o art. 406º do C.Civil...

Então qual foi efectivamente a forma de extinção do contrato?

Quanto a nós, a resolução propriamente dita, ainda que qualificada de ilícita.

Com efeito, mesmo que a resolução do vínculo seja considerada ilícita, desta decisão/qualificação judicial não pode resultar a subsistência do contrato numa situação, como a ajuizada, em que ambas as partes já não podem ou querem retomar as prestações contratuais, por ambas já terem prosseguido soluções alternativas: a Autora ao estabelecer um outro contrato similar ao que tinha com a 1ª Ré com a sociedade “(…), Lda.”, e a 1ª Ré, por também ter um outro contrato celebrado (que até é de exclusividade) com a sociedade “(…), S.A.”.

Isto porque “Sendo impossível o cumprimento das prestações contratuais, ainda que a impossibilidade decorra da resolução ilícita, o vínculo contratual cessou e a resolução, apesar de ilícita, produziu o seu resultado[13].

Assente, assim, a extinção do contrato ajuizado, que dizer relativamente à indemnização que a Autora peticionou nos autos (no montante de € 777.163,03) e por que insiste nesta sede recursória?

Em nosso entender que não lhe assiste direito ao correspondente recebimento, na medida em que a cláusula 7ª, nº 2 da contrato em causa, expressamente fazia derivar um tal direito do exercício do direito de resolução por incumprimento da aqui 1ª Ré e extinção do contrato por efeito de tal.

O que, nos termos vindos de apreciar e decidir – mormente por essa resolução ser considerada ilícita – não é o caso.

Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede o recurso da Autora quanto ao direito a receber a referenciada indemnização consequente da resolução do contrato.

                                                           ¨¨

Consequentemente, fica definitivamente prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto suscitada em via subsidiária pela 1ª Ré na sua ampliação do recurso.

                                                           *

4.2 – Vejamos agora a remanescente questão suscitada no recurso da 1ª Ré – desacerto da decisão de mérito na parte em que condenou a 1ª Ré a indemnizar a Autora pelo valor das garrafas de gás que em incidente de liquidação se provarem estar em poder da recorrente (o que deve ser substituído, nessa parte, pela condenação da 1ª Ré na restituição das mesmas garrafas de gás à Autora; violação do art. 609º do n.C.P.Civil):

De referir que este recurso assentava essencialmente na alegação de que devia ter sido proferida uma condenação na restituição das garrafas de gás que a 1ª Ré tenha em seu poder, porque o pedido principal da Autora se traduzia no pedido de restituição do vasilhame, sendo que, só subsidiariamente, pedia o pagamento de uma quantia equivalente ao valor desse vasilhame, pedido este que só valeria caso a Ré lhe não restituísse o vasilhame que se provasse estar em seu poder.

 Acontece que, salvo o devido respeito, confrontando a p.i., mais concretamente o petitório, não resulta de todo a formulação nesta de tal – pedido principal e pedido subsidiário.

O que aí figura – como resulta inequivocamente do relatório supra – é unicamente um pedido de pagamento de uma quantia pecuniária, no global de € 1.073.761,32 (acrescida de juros de mora).

Por outro lado, a Autora/apelante, pugnou na p.i. por que caso a 1ª Ré não lhe restituísse o vasilhame que alegadamente teria ficado em seu poder (quase nove mil garrafas de gás – cf. art 44º da p.i.), a 1ª Ré lhe restituísse o valor correspondente (descontado das cauções prestadas).

Sucede que, se de acordo com o disposto na cláusula 8ª do contrato, no caso de rescisão e/ou termo do contrato, deveria a 1ª Ré, de imediato, devolver todo o material que à data tivesse em seu poder e que a A. lhe havia entregue, sob pena de ter que pagar o respectivo valor (ponto “27.” da matéria de facto “provada” e págs. 31 do procedimento cautelar apenso), o que é certo é que tão simplesmente resultou provado que “A 1ª ré tem em seu poder vasilhame da marca E(...) pertencente à autora, em quantidade e valor não apurado” (cf. ponto “38.” da matéria de facto “provada”).

Neste quadro, e como bem se refere na sentença recorrida, não foi possível nesta ação apurar qual a quantidade concreta de garrafas de gás ainda em poder da 1ª Ré, nem qual o seu concreto valor, pelo que outra solução não restava que relegar para liquidação de sentença, nos termos do art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil, o apuramento do valor (depois de descontado o valor das cauções) a que a Autora a esse título tem direito.

Sendo certo que se no procedimento cautelar/arresto apenso já foi apurado um determinado número de garrafas em poder da 1ª Ré (e nessa medida apreendidas), tal terá o decisivo valor e relevância de prova já feita nesse sentido, na liquidação a ter lugar.

Acrescendo que nada obsta, nessa sede ou ulteriormente, mediante acordo, à restituição em espécie desse número de garrafas de gás, ou dedução/compensação do seu valor no montante indemnizatório efetivamente a pagar pela 1ª Ré.

Não merece, assim, qualquer censura a sentença recorrida ao ter decidido que o número de garrafas bem como o seu valor unitário ficaria relegado para incidente de liquidação ulterior, donde improceder também esta questão recursiva.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Ao contrato de concessão comercial, porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos, mas também as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.

II – Os contratos de concessão comercial, tal como (também) decorre do estipulado para o contrato de agência (nos termos do art. 24º do já citado DL nº 178/86, de 3 de Julho), podem terminar de quatro formas diferentes: Mútuo Acordo; Caducidade; Resolução e Denúncia.

III – Não é por se apurar que ocorreu uma “inexecução mútua” que se pode concluir que se deu a extinção do contrato por essa via, sendo certo que a mesma não corresponde à forma de extinção do contrato do “mútuo acordo”.

IV – Assim, a forma de extinção do contrato na circunstância ajuizada foi a resolução propriamente dita, ainda que qualificada de ilícita.

V – Com efeito, mesmo que a resolução do vínculo seja considerada ilícita, desta decisão/qualificação judicial não pode resultar a subsistência do contrato numa situação, como a ajuizada, em que ambas as partes já não podem ou querem retomar as prestações contratuais, por ambas já terem prosseguido soluções alternativas.

VI – Posto que, sendo impossível o cumprimento das prestações contratuais, ainda que a impossibilidade decorra da resolução ilícita, o vínculo contratual cessou e a resolução, apesar de ilícita, produziu o seu resultado.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela improcedência de ambos os recursos, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, ainda que com fundamentação parcialmente diversa.  

            Custas de cada um dos recursos pelo respetivo recorrente.

                                                                       *

Coimbra, 15 de Dezembro de 2016

   Luís Filipe Cravo ( Relator)

 Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
 
[2] De referir que o Exmo. Juiz a quo já considerou tempestivo o recurso interposto pela Autora/recorrente – face à extemporaneidade do mesmo suscitada como “questão prévia” nas contra-alegações da 1ª Ré – não se vislumbrando razões para de tal dissentir nesta instância de recurso.
[3] Nesta medida, pode-se mesmo dizer que o princípio da estabilidade e o princípio da pontualidade são as duas vertentes ou sub-princípios do princípio dito da “eficácia dos contratos
[4] Nisto consiste a denominada interpelação admonitória, sem embargo de nada impedir que “por uma razão de economia de tempo e de actividade a parte inocente faça à outra sob o ponto de vista formal, uma só declaração em que lhe fixe prazo para cumprir e desde logo resolva o contrato se tal injunção não for respeitada” – assim GALVÃO TELLES, in “Direito das Obrigações”, 7.ª edição, Coimbra, 1997, a págs. 457, nota [1].
[5] Assim PEDRO ROMANO MARTINEZ, in “Da Cessação do Contrato”, Livª Almedina, 2006, a págs. 150 e seguintes.
[6] Donde, temos para nós que, mais correcto seria considerar, enquanto fundamento de resolução, o cumprimento defeituoso como uma modalidade de incumprimento e sujeitá-lo às regras que presidem à transformação da mora em incumprimento definitivo, permitindo apenas, com base nele, a resolução, quando o credor tivesse perdido objectivamente o interesse na prestação, correctamente executada, ou tivesse concedido um prazo suplementar para que a deficiência de cumprimento fosse corrigida sem que a sua contraparte o tenha efectuado.

[7] Isto de acordo com o entendimento segundo o qual ao contrato de concessão comercial – como qualificado, sem discussão, na sentença recorrida – porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (art. 405º do C.Civil), as regras gerais dos contratos, mas também as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato, sendo certo que sobre tal preceitua o citado DL nº  178/86 de 03-07 (atualizado pelo DL nº 118/93 de 13-04) - nesse sentido, como expressão duma jurisprudência alargada veja-se o acórdão do S.T.J. de 18-06-2014, no proc. nº 2709/08.1TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[8] Mais concretamente duas, a saber: (i) - Nos termos da cláusula 1.ª, ponto 4, «A E(...) tem o direito de pôr termo ao CONTRATO, em qualquer momento, caso o REVENDEDOR não adquira e/ou pague à E(...) quer as quantidades mínimas trimestrais quer as quantidades mínimas anuais referidas nos anteriores n.ºs 2 e 3, sem prejuízo de a E(...) ter a haver do REVENDEDOR a indemnização a que tiver direito»; (ii) - Nos termos da cláusula 7.ª, ponto 2, «A E(...) poderá, porém, em qualquer momento dar por findo o CONTRATO se o REVENDEDOR faltar ao cumprimento de qualquer das cláusulas do mesmo e/ou ao cumprimento de qualquer das obrigações nele por ele assumidas»
[9] Na definição feita por DANIELA BAPTISTA, em “Da cláusula resolutiva expressa”, págs. 199, dos “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Heinrich Ewald Hörster”.
[10] Assim BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186-187, e bem assim na respectiva nota 77; no mesmo sentido, CALVÃO DA SILVA, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Livª Almedina, Coimbra, 1987, a págs. 321 e segs.
[11] Cf. neste mesmo sentido, na jurisprudência, inter alia, o acórdão do STJ de 08.10.2013, no proc. nº 6431/09.3TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[12] Cf. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Outubro de 1972, in B.M.J. nº 221, a págs. 278, onde se diz “o contraente que não satisfez ao que se obrigou (e a má execução da sua prestação é uma modalidade de incumprimento) não tem direito a resolver o contrato e a pedir  indemnização mesmo que da sua parte o outro contraente não tenha também cumprido integralmente a respectiva prestação”.
[13] Assim o já referido PEDRO ROMANO MARTINEZ, in obra supracitada na nota [6], ora a págs. 223.