Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3303/05.4TBVIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA
CONVENÇÃO CMR
PERDA DAS MERCADORIAS
INDEMNIZAÇÃO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.23 E 29 CMR, 329 E 330 CPC
Sumário: 1. A aplicação do regime decorrente do artigo 23°, n° 3 da Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, porque definidor do regime legal do direito a indemnização, é do conhecimento oficioso do Tribunal, independentemente da sua arguição pela parte beneficiária, atento o disposto no artigo 664° do CPC. Daí que, ainda que apenas a interveniente haja invocado a limitação de responsabilidade que consta do artigo 23° da Convenção CMR, sempre o Tribunal não poderia deixar de integrar os factos apurados no direito aplicável, logo, determinar o cálculo da indemnização dentro dos limites estabelecidos no citado normativo.

2. A pretexto do art. 29.° da Convenção CMR que o transportador só não tem o direito de se aproveitar das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova “se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.

3. O art. 330 CPC admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida.

4. No art. 329.° CPC (especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu) são reguladas as especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu nos casos que, antes da Reforma de 1995, correspondiam ao incidente autónomo do chamamento à demanda, enunciados no antigo art. 330, sendo que o interesse tem de ser directo, no sentido de que não basta um mero interesse indirecto ou reflexo, isto é, não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Autora

- Wüba—(…)

Réu:

-  A (…)

Interveniente acessória

- Companhia de Seguros (…), SA

A.

Alega a autora, em síntese, que as sociedades portuguesas B (…) — Auto Rádio Portugal, Lda. e M (…) Portuguesa, Lda. fazem parte do grupo internacional B (...) e que no exercício da sua actividade industrial venderam à B (...)GmbH, para entrega em França, nas instalações da N (...), com sede em Grenthville, os artigos constantes das facturas juntas aos autos como documentos n°s 1 e 2, acrescentando que durante o transporte desapareceu mercadoria, tendo faltado à descarga, de acordo com a reclamação apresentada, 5 aparelhos referentes à guia de remessa 1978753, factura n.° 105008463, de 13/08/2004, no valor de €407,06 e 375 aparelhos referentes à guia de remessa 1948693, factura n.° 104017952, de 13/08/2004 no valor total de €35027,44.

Mais alega que as vendedoras encarregaram o transitário L(…)Transitários, SA de organizar o transporte da referida mercadoria de Braga para as instalações da N (...) em Grentheville, França, a qual escolheu como transportador o ora réu que carregou a mercadoria em Braga, no dia 13 de Agosto de 2004, acrescentando que este, em vez de seguir para o seu destino, estacionou o veículo transportador no Largo de São Pedro, Esculca, em Viseu, sem ninguém a bordo, na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

Alega ainda que, no dia 14 de Agosto de 2004, por volta das 10:00 horas, o réu verificou que durante a noite o camião tinha sido arrombado, tendo participado a ocorrência à autoridade policial, bem como à respectiva seguradora que não assumiu qualquer responsabilidade pelos prejuízos causados pelo seu segurado.

Mais alega que a firma B (…) GmbH pagou à B (…) - Auto Rádio Portugal, Lda. e à M (…) Portuguesa, Lda. a totalidade daquelas facturas e que é a seguradora de todas as companhias e filiais do grupo B (...) em que se integra a B (...) GmbH através de apólice de seguro de transporte como n.° 411 -400000-RG, acrescentando que o roubo de que tratam os presentes autos estava coberto pela respectiva Apólice e assumiu a responsabilidade pelo sinistro perante a destinatária da mercadoria, a B (...) GmbH, tendo por esta sido subrogada em todos os direitos que a mesma tem contra o Réu.

Com estes fundamentos, concluiu pedindo que o réu seja condenado a indemnizar-lhe todos os prejuízos causados pelo roubo ocorrido durante o transporte titulado pelo CMR RC102582, acrescidos de juros, à taxa anual de 5%, até integral pagamento.

A autora requereu ainda a intervenção principal provocada da L(…), Transitários, S. A. alegando que foi esta sociedade que escolheu o transportador e, por isso, reconhece-lhe o direito de intervir no processo como associado do réu.

B.

Citado de forma válida e regular, o réu impugnou os factos alegados pela autora no que respeita aos prejuízos sofridos e alegou que estacionou o seu veículo junto à sua residência, em local público bem iluminado e bem frequentado, rodeado de residências, tendo trancado as portas, fechado os vidros e retirado as chaves, acrescentando que era o lugar na sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro e que na cidade de Viseu não existem parques vigiados/guardados adequados ao seu veículo de grandes dimensões.

Alega ainda que tinha transferido a sua responsabilidade civil para a seguradora Tranquilidade, pelo que, caso venha a ser condenado a pagar à autora a indemnização peticionada, será a dita seguradora a responsável pelo seu pagamento, acrescentando que esta estabeleceu na cláusula n.° 3, alínea k) das condições gerais a exclusão da sua responsabilidade, no caso de furto em parque sem guarda, mas não negociou tal cláusula que lhe foi imposta pela seguradora, além de que a mesma é absolutamente proibida por absolutamente desequilibrada e inexequível.

Concluiu pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido e requereu a intervenção da Companhia de Seguros (…), 5. A. como sua associada.

C.

Na réplica, a autora impugnou os factos alegados, reafirmou a responsabilidade do réu, enquanto transportador, pela perda total ou parcial da mercadoria entre o momento do seu carregamento e o da entrega e manteve a posição assumida na petição inicial.

Concluiu pela procedência da acção conforme peticionado.

*

Por despacho constante de fls. 153 a 154, foi admitida a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros (…), 5. A., assim como foi indeferida a intervenção principal provocada da L(…) Transitários, SA, tendo a autora interposto recurso de agravo desta decisão, ao qual foi negado provimento.

D.

Citada de forma válida e regular, a Companhia de Seguros (…), SA contestou, aceitando que celebrou um contrato de seguro com o réu, titulado pela apólice n.° 0001073934, que se encontrava em vigor na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

No mais, impugnou os factos alegados pela autora por desconhecimento e alegou que, após lhe ter sido participado o sinistro em causa, diligenciou por efectuar uma vistoria e na sequência do respectivo relatório concluiu que, no caso, está excluída a sua responsabilidade, porquanto o réu negligenciou o estacionamento do veículo e mercadorias nele carregadas, pois abandonou os mesmos, não tomando as precauções razoáveis de segurança, e foi, no seu próprio interesse, pernoitar na sua própria residência em Viseu, em vez de seguir viagem, configurando-se uma exclusão da apólice de seguro contratada, assim como alega que veio a ser apurado, posteriormente à elaboração do contrato de seguro, que o réu não possui alvará para o exercício da actividade de transporte internacional rodoviário, nem possui capacidade profissional para requerer o referido alvará, pelo que não está legalmente habilitado para o exercício desta actividade, sendo, assim, além do mais, o contrato de seguro nulo.

No que respeita aos danos, alega ainda que a medida da indemnização não é o valor da mercadoria, mas sim o peso, nos termos do artigo 23.°, n.° 3 da Convenção CMR, pelo que, sendo 815,22 kg o peso bruto total das mercadorias em falta, o valor indemnizável não pode ultrapassar €8134,G8, a que sempre haveria que deduzir a franquia de €500.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

E.

Notificada a autora, veio esta impugnar por desconhecimento as condições gerais e particulares do contrato de seguro, bem como os termos em que a apólice foi subscrita e, bem assim, a alegada inexistência de alvará por parte do réu para o exercício de transporte internacional, acrescentando que o desaparecimento da mercadoria durante o transporte ocorreu por culpa exclusiva do segurado da interveniente, pelo que esta não pode invocar a limitação prevista no artigo 23.°, n.° 3 da Convenção CMR, inaplicável no caso concreto.

Concluiu pela improcedência das excepções e pela procedência da acção.

F.

Notificada da contestação apresentada pelo réu, veio a chamada responder dizendo que a cláusula k) não isenta em absoluto qualquer responsabilidade sua como resulta da sua completa leitura, acrescentando que o réu aderiu ao contrato tipificado na apólice, de cujas cláusulas tinha e tem perfeito conhecimento, designadamente da cláusula k), a que nunca colocou qualquer obstáculo, sempre aceitou o que dela consta e nunca a pôs em crise.

*

*

Foi elaborado o despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido relegada para a sentença, a final, a apreciação das excepções peremptórias e seleccionada a matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória que se fixaram sem qualquer reclamação.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o réu A (…) a pagar à autora a quantia de €7.764,72 (sete mil, setecentos e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 5% ao ano, desde o dia 19/7/2005 até integral pagamento.

WÜBA – (…) A. na Acção Ordinária à margem referenciada que move a A (…) notificada da sentença de 22 de Fevereiro de 2011 que julgou a acção apenas parcialmente procedente, não se conformando com a mesma, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

Deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e em consequência:

a) — devem ser corrigidas as respostas dadas à matéria dos Quesitos 6.°, 7º e 9.° da Base Instrutória dando-se como não provada essa matéria nos termos do ponto 1) supra;

b) — uma vez que o comportamento do Réu foi ilegítimo e negligente, não poderá o Réu beneficiar da limitação do Artigo 23.° n.° 3 da Convenção CMR, deve ser revogada a douta sentença de 22 de Fevereiro de 2011 condenando-se o Réu integralmente no pedido por tal ser de JUSTIÇA.

*

A (…), Réu nestes autos, notificado da sentença, por dela não concordar, veio da mesma interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1. As sociedades portuguesas B (...)– (…), Lda. e M (…)Portuguesa, Lda., a primeira com sede em Braga e a segunda em Vila Real, fazem parte do grupo internacional B (...).

2. No exercício da sua actividade industrial venderam à B (...)GmbH com sede em Hildesheim, na Alemanha, para entrega nas instalações desta em França na N (...) Pour RB GmbH, com sede em Grentheville, em França, os artigos constantes das facturas n°s 104017952 e 105008463 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

3. A venda previa o transporte por camião nos termos da cláusula Incoterms CIP Carriage and Insurance.

4. A organização e efectivação dos transportes das referidas sociedades portuguesas é feita, normalmente, utilizando os serviços da L (…) - Transitários, S. A..

5. Foram enviados à L(…) as respectivas ordens de transporte, indicando-se que a destinatária da mercadoria era a B (...)Werke GmbH de Hildesheim, na Alemanha, com entrega em França nas instalações da N (...), em Grentheville.

6. A mercadoria da B (...)foi embalada em 29 paletes e a da M (...) em 24 paletes, abrangendo as ordens de transporte em conjunto 53 paletes.

7. Como é habitual nas relações entre as referidas sociedades portuguesas e a L(…), a escolha do transportador foi feita pela L (…)

8. Neste caso, o transportador escolhido foi o ora Réu A (…)tendo a mercadoria sido embarcada no atrelado P- 74823, tendo como tractor o veículo FH- 12-37, ambos pertencentes ao Réu.

9. O Réu carregou a mercadoria em Braga no dia 13 de Agosto de 2004 e emitiu e assinou o CMR RC 102582 A, junto com a petição inicial como documento n.° 5, do qual resulta a recepção das 53 paletes sem qualquer reserva.

10. O transportador ora Réu saiu de Braga em 13 de Agosto de 2004 e estacionou o veículo transportador em Esculca, Viseu, sem ninguém a bordo, na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

11. O Réu reside na Rua de (...), em Viseu, e pernoitou em casa na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

12. O Réu estacionou o veículo junto à sua residência sita em Esculca, zona residencial de Viseu, em lugar público, bem iluminado, em aglomerado residencial, tendo trancado as portas, fechado os vidros e retirado as chaves.

13. O camião estava estacionado no Largo de São Pedro.

14. A distância entre o local de estacionamento do camião e o prédio onde mora o Réu é de cerca de 80 metros.

15. Era o lugar da sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro, não havendo na sua localidade parques guardados, nem fechados para o efeito.

16. Na cidade de Viseu, não existem parques públicos vigiados/guardados adequados ao veículo do Réu de grandes dimensões.

17. No trajecto entre Braga e Vilar Formoso, não havia parques guardados ou fechados.

18. Estacionado o camião, o motorista, ora Réu, foi para casa dormir, tendo regressado ao veículo no dia seguinte, às 9 horas da manhã.

19. No dia 14 de Agosto de 2004, por volta das 10:00 horas, o Réu verificou que, durante a noite, o camião tinha sido arrombado, tendo participado a ocorrência na esquadra sede da Polícia de Segurança Pública em Viseu, conforme declaração junta com a petição inicial como documento n.° 6.

20.O camião foi assaltado entre as 22 horas e 15 minutos do dia 13 de Agosto de 2004 (sexta-feira) e as 9 horas do dia seguinte.

21. A L(…) comunicou às sociedades B (...)– (…), Lda. e M (…) Portuguesa, Lda., a ocorrência do assalto, primeiro através do e-mail de 16/08/2004 junto com a petição como documento n.° 7 e depois de efectuada a descarga em França, através do fax de 17/08/2004, junto com a petição como documento n.° 8, no qual confirma as reservas feitas quando a mercadoria chegou a França.

22. A descarga da mercadoria ocorreu em 17 de Agosto de 2004 em França, tendo a destinatária aposto no CMR as reservas constantes do documento n.° 9 junto com a petição cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

23. De acordo com a reclamação apresentada, faltaram à descarga os seguintes aparelhos:

— 5 aparelhos referentes à guia de remessa 1978753, factura comercial 105008463, de 13/08/04, no valor total de €407,06;

— 375 aparelhos referentes à guia de remessa 1948693, factura comercial 104017952, de 13/08/04, no valor total de €35.027,44.

24. O peso bruto total das mercadorias em falta é de 815,22 kg.

25. O desaparecimento da mercadoria ocorreu durante o transporte.

26. A Autora é seguradora de todas as companhias e filiais do grupo B (...), em que se integra a B (...)GmbH através de apólice de seguro de transporte com o n.° 41 1-400000-RG junta com a petição como documento n.° 10.

27. O roubo de que tratam os presentes autos está coberto pela respectiva apólice n.° 411 -400000-RG e a Autora assumiu a responsabilidade pelo sinistro perante a destinatária da mercadoria, a B (...)GmbH, tendo sido por ela subrogada nos termos do documento n.° 11 junto com a petição.

28. A B (...)GmbH de Hildesheim pagou à B (...)(…) e à M (…) Portuguesa a totalidade das facturas n°s 104017952 e 105008463.

29. O Réu transferiu a responsabilidade civil por furto ou roubo para a Companhia de Seguros (…), 5. A., nos termos e condições da apólice n.° 0001073934, estando o contrato de seguro em vigor à data do sinistro.

30. O Réu participou o sinistro à sua seguradora, a Companhia de Seguros (…)e, S. A..

31. A interveniente Companhia de Seguros (…), S. A. efectuou uma vistoria, após lhe ter sido participado o sinistro dos autos.

32. O Réu deu depois conhecimento que tinha participado a ocorrência à sua seguradora, mas até hoje, apesar de ter sido feita uma vistoria à mercadoria, continuam por indemnizar os danos causados pelo roubo.

33. Veio a ser apurado, posteriormente à elaboração do contrato de seguro titulado pela apólice acima referida, que o Réu, o segurado (…), não possui alvará para o exercício do transporte internacional rodoviário, nem possui capacidade profissional para requerer o referido alvará, nos termos das condições de acesso à actividade transportadora definidas no Decreto-Lei n.° 38/99, de 6 de Fevereiro.

34. Os alvarás do tractor e do semi-reboque que compõem o camião estão em nome da empresa Transportes (…), Lda..

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões apresentadas pela recorrente Autora WÜBA – (…), A. ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

I.

1) — Reapreciação das respostas dadas à matéria de facto

(…)

Deste modo, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso, muito embora com as precisões e os fundamentos diversos que se alinham -, na relação intra-diegética dos Autos e na relação da verdade material, verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente às respostas dadas aos referidos quesitos, restringindo, muito embora, a resposta ao quesito 7º para

“provado que o Réu quando estacionou o camião o fez em lugar público, bem iluminado, em aglomerado residencial”.

Em todo o caso, como supra se referiu, sem que tal assuma virtualidade para fazer inflectir o decidido, pois que o acesso à zona de carga do camião se verificou através de corte ou rasgo do toldo envolvente e protector das mercadorias.

Com efeito, mesmo não se dando como provado que o Réu quando estacionou o camião deixou as portas trancadas, os vidros fechados e tenha retirado as chaves, alterando-se, restritivamente, a resposta, a verdade é que também e não provou o contrário, o mesmo é dizer que o não tenha feito. Sendo que tal, no presente contexto, funciona como factor sistemático de todo irrelevante, pois que - como as fotografias junto aos Autos evidenciam (fls. 297 -274) -, o acesso à carga no dito camião foi feito através de cortes ou rasgos feitos na lona envolvente ao perímetro de carga.

Permanecendo que

 - 9°) Era o lugar da sua localidade, onde o veículo poderia estar mais seguro,

sendo legítimo, como tal, considerá-lo provado, em função dos depoimentos prestados pelas testemunhas referidas, tal como se reproduziu, em voz única. 

Elemento que permite igualmente atribuir esteio ao que, neste particular se consagrou:

15°)

O camião estava estacionado numa rua lateral ao largo de São Pedro, mas a cerca de mais ou menos 20 metros do referido largo?

provado que o camião estava estacionado no Largo de São Pedro.

16°)

A distância entre o local de estacionamento do camião e o prédio onde mora o Réu é de cerca de 80 metros?

Provado

Com efeito ocorre a nulidade prevista na alínea c) do n.° 1 do art. 668.° do Cód. Proc. Civil — oposição entre os fundamentos e a decisão «quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente» (Ac. STJ, de 13.2.1997: BMJ, 464.°-525). No entanto, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil) (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

O que responde negativamente às questões em I).

II.

I) - A limitação da Indemnização peticionada pela Autora nos termos do n.° 3 do Artigo 23.° da Convenção CMR.

15 — O Réu transportador tinha a obrigação de exercer o dever de custódia, guardando e conservando a mercadoria desde a sua recepção em Braga, até às instalações da N (...) em Grentheville em França, como faria um bonus pater familias.

16- O Réu não cumpriu as obrigações que assumiu como transportador.

17 - O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições da Convenção que excluem ou limitam a sua responsabilidade se o dano provier de dolo ou falta que lhe seja imputável — Artigo 29.° da Convenção CMR.

18 - O Réu não provou, nem sequer alegou, que tivesse tido qualquer cuidado de vigiar a carga durante a noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

19 — Também não provou que ao deixar o camião estacionado tenha trancado as portas, fechando os vidros e retirado as chaves.

20 - Pelo contrário provou-se que o Réu estacionou o camião carregado numa via pública (Largo de São Pedro), sem vigilância permanente e foi dormir, só regressando no dia seguintes pelas 10:00 horas, sem ter tomado qualquer cuidado de vigiar a carga durante a noite, nem tendo o cuidado de deixar o camião em local que pudesse ser visível de sua casa.

21 — Dos depoimentos das testemunhas acima transcritos ponto 1) alínea b) n.° 1 e 2 que aqui se dão por integralmente reproduzidos resulta que no Largo de São Pedro já tinha havido vários assaltos anteriormente.

22— Nas declarações feitas pelo Réu aos peritos da sua seguradora o mesmo declarou que o veículo não tinha instalado qualquer alarme.

23 - Ao agir assim, sem tomar quaisquer cuidados de vigilância e guarda da mercadoria o Réu nunca podia excluir a possibilidade do furto da mercadoria, sendo previsível que a falta de vigilância e abandono do veículo numa via pública, e a falta de alarme, foi determinante para a concretização do roubo.

24- É inaplicável ao caso a excepção de limitação da indemnização do Artigo 23.° n.° 3 da mesma Convenção, em virtude da existência de falta imputável ao transportador e comportamentos ilícitos que integram o conceito de dolo eventual.

25 - O Mmo. Juiz a quo ao condenar o Réu a pagar à Autora uma indemnização limitada ao valor consignado no artigo 23.° n.° 3 da Convenção CMR, aplicou erradamente esta disposição legal, violando o disposto nos Artigos 17.°, 29.° e 30.° daquela Convenção CMR.

Deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e em consequência:

a) — devem ser corrigidas as respostas dadas à matéria dos Quesitos 6.°, 7º e 9.° da Base Instrutória dando-se como não provada essa matéria nos termos do ponto 1) supra;

b) — uma vez que o comportamento do Réu foi ilegítimo e negligente, não poderá o Réu beneficiar da limitação do Artigo 23.° n.° 3 da Convenção CMR, deve ser revogada a douta sentença de 22 de Fevereiro de 2011 condenando-se o Réu integralmente no pedido por tal ser de JUSTIÇA.

Convocando, do mesmo modo, termos anteriormente expressos, o comportamento do R. não se revela - muito menos por expressão de específico decisionismo voluntarista - como expressão de ilegitimidade ou negligência.

Leva-se em consideração, par o efeito, que o dolo directo se verifica sempre que o sujeito tem a intenção de produzir o resultado anti-jurídico. Representa ou prefigura no seu espírito - isto é, prevê  - esse resultado como consequência necessária ou possível da sua conduta, mas não se abstém desta porque é tal resultado que ele precisamente deseja. O evento ilícito constitui o fim ou objectivo do seu comportamento (Galvão Telles, Dir. das Obrigações, 2.ª ed., 325; 3ª ed., 295 a 297). Hipótese que, em absoluto se não perfilou.

Do mesmo modo, perfilando o esquisso operacional do dolo eventual, o critério mais seguido gira em torno da resposta que se possa dar à seguinte interrogação: que teria feito o agente, se previsse o facto ilícito, não como mera consequência possível, mas como efeito necessário da sua conduta: ter-se-ia abstido de agir? ou teria persistido nessa conduta, como meio de alcançar o efeito que directamente quis obter? Os sequazes da teoria da vontade exigem algo mais do que a mera indiferença do agente, para servir de base à sua reacção hipotética: querem uma verdadeira adesão da vontade do agente ao resultado. É a tese de Eduardo Correia (Dir. Criminal, -384, ss.), para quem há dolo, nos casos em exame, sempre que o agente, ao actuar, não confiou em que o tal efeito possível se não verificaria; haverá mera negligência (consciente) quando o agente tenha actuado só porque (infundadamente embora) confiou em que o resultado não se produzia. No primeiro caso haverá dolo eventual porque a insensibilidade do agente perante os valores que violou continua a merecer um juízo de forte reprovação; no segundo, haverá mera culpa, embora culpa consciente, porque o agente previu (como possível) a produção do facto e não tomou as medidas necessárias para o evitar (A. Varela, Das Obrigações, 3. ed., 1 .°- 460). Ocorrência, do mesmo modo - circunstancialmente -, não acontecida.

 Tal, exactamente, porque, como se destacou em decisório, levando em consideração:

“ (…) O camião estava estacionado no Largo de São Pedro, a cerca de 80 metros do local onde mora, sendo aquele o lugar da sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro não havendo na sua localidade parques guardados, nem fechados para o efeito; por outro lado, atente-se que, na cidade de Viseu, não existem parques públicos vigiados/guardados adequados ao veículo do réu de grandes dimensões, e, não menos importante, no trajecto entre Braga e Vilar Formoso, não havia parques guardados ou fechados.

Se o réu estacionou o seu camião às 22.15 horas, parece evidente que nunca conseguiria chegar a Espanha durante o dia, pelo que teria sempre necessidade de dormir no trajecto até à fronteira (se não dormia em casa, teria de dormir num qualquer outro local); e será aqui que a autora pretende culpabilizar o réu, porquanto, segundo se percebe, defende que o mesmo deveria dormir dentro do camião (a autora utiliza a expressão “sem ninguém a bordo”). O tribunal bem sabe que muitos motoristas optam por pernoitar dentro destes veículos, mas tudo dependerá das respectivas condições, na certeza que todos os condutores, sobretudo os que percorrem milhares de quilómetros em apenas alguns dias, devem descansar convenientemente.

O camião foi alvo de um assalto perpetrado por terceiras pessoas na calada da noite, o qual poderia ter acontecido, por exemplo, na cidade de Mangualde ou da Guarda (só para seguir a A25), enquanto o réu estivesse a dormir na pensão, residencial ou hotel!

Por tudo, entende-se que o réu não descurou os cuidados que, naquela concreta situação, lhe eram razoavelmente exigidos, sendo sobretudo de afastar a tese da actuação com dolo”).

Sempre sem arredar que:

“de harmonia com tal regime-regra era à autora que cabia a alegação e prova dos factos constitutivos que, segundo o artigo 29° da CMR, servem de pressuposto ao pretendido efeito jurídico, consistente na indemnização sem as limitações estabelecidas no mencionado artigo 23°.

A aplicação do regime decorrente do artigo 23°, n° 3 da Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, porque definidor do regime legal do direito a indemnização, é do conhecimento oficioso do Tribunal, independentemente da sua arguição pela parte beneficiária, atento o disposto no artigo 664° do CPC. Dai que, ainda que apenas a interveniente haja invocado a limitação de responsabilidade que consta do artigo 23° da Convenção CMR, sempre o Tribunal não poderia deixar de integrar os factos apurados no direito aplicável, logo, determinar o cálculo da indemnização dentro dos limites estabelecidos no citado normativo (Cf. referenciado Ac. da RL, de 24/6/2010, proc. n.° 7298/05.GTCLRS.L1 -2, também disponível em dgsi.pt”

O que foi feito em adequação aos normativos regulmentadores supracitados com adequação e elemento quântico de correspondência, que, igualmente sai validado, que não sofreu específica impugnação.

Mas que, a pretexto da análise configurada, e dos próprios normativos invocados se não pode, em termos de indemnização, impor ao R. Uma vez que resulta explícito, a pretexto do art. 29.° da Convenção CMR que o transportador  só não tem o direito de se aproveitar das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova  “se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”. O que se não verificou na relação sub judice. Antes que o R., transportador, cumpriu o ónus de alegação e de prova das referidas circunstâncias com vista a eximir-se da responsabilidade decorrente da perda da mercadoria.

O que igualmente impõe responder negativamente às questões em II.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se, nesta parte, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

                                                        *

Das conclusões apresentadas pelo recorrente A (…), Réu nestes autos ressaltam - noematicamente - as seguintes questões elencadas, também na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

I.

O recorrente não foi responsável pelo desaparecimento da mercadoria furtada.

O recorrente não se conforma com a sua condenação no pagamento de 7.764.72 € acrescidos de juros.

No entendimento do recorrente, se assim não fosse entendido, a haver um principal responsável, era a L (…) SA, transitário, que organizou o referido transporte de mercadorias internacional, cuja intervenção veio a ser indeferida, (conforme douta sentença de fls), em data posterior ao prazo para o Recorrente apresentar a sua contestação.

A Autora ao reconhecer este facto, (embora incorrectamente), veio, logo na PI, requerer o seu chamamento aos autos, coligado com o recorrente.

Este facto levou o Réu/recorrente apenas a requerer a intervenção da Seguradora Tranquilidade para quem transferiu a responsabilidade civil, dos danos provocados por furto.

Pelas circunstâncias descritas o Recorrente não foi responsável pelos danos provocados devido ao furto das mercadorias do seu veículo.

Tendo tomado todos os cuidados em estacionar o seu veículo no local mais seguro, em termos do trajecto, junto à sua residência, em local adequado para o efeito, conforme supra referido.

O recorrente nunca poderia pernoitar no dito veículo, atenta a viagem que deveria fazer para entregar a mercadoria em França.

Será de concluir que na eventualidade de ter dormido na cabine do veículo de grandes dimensões (TIR) o furto poderia ter ocorrido na mesma, sem que o recorrente se pudesse aperceber.

10º

(não consta qualquer texto)

11°

O Recorrente não poderá ser responsável quanto à perda de mercadoria, já que as circunstâncias como ocorreram, não podia evitar — cfr. art. 17 n.°2 e 18 da CMR

12°

O recorrente também não se conforma com o facto de a sua Seguradora/chamada (…) não tivesse sido condenada pelos prejuízos apurados atendendo ao seguro em vigor, para quem o recorrente transferiu a responsabilidade civil pelos danos objecto dos presentes autos,

13°

A seguradora chamada — (…) S.A., assumiu a responsabilidade civil por furto ou roubo, nos termos e condições da apólice n.°000 1073934,

14º

Estando o contrato válido e em vigor, (independentemente da capacidade profissional ou de titular de registo ou de alvará, já que o contrato de seguro é o da mercadorias em Trânsito (C.M.R) e pela clausula k do n°1 da C.G.

Apreciando, também, diga-se, desde logo, sobre o entendimento expresso pelo recorrente, segundo o qual

 “a haver um principal responsável, seria a L (…). SA, transitário, que organizou o referido transporte de mercadorias internacional, cuja intervenção veio a ser indeferida, (conforme sentença de fls.), em data posterior ao prazo para o Recorrente apresentar a sua contestação”,

sobre o qual se disse, em decisório (fls.950), que -

“Abre-se aqui um parêntesis para dizer que, existindo um transitário (no caso, a L (…) Transitários, SA), não é líquido que, perante a autora, seja o réu directamente responsável; aliás, não é por acaso que a autora, ainda que de forma não processualmente feliz, logo se preocupou em fazer intervir nos autos a sociedade transitária sobre esta questão, veja-se o recente Ac. da RC, de 9/11/2010, proc. n.° 1 16/0G.0TBFAG.C1, dgsi.pt, o qual se debruça sobre um caso semelhante.

Não obstante, este problema não foi directamente suscitado por qualquer das partes; é certo que, nos artigos 19° a 22° da contestação, o réu ainda aborda a responsabilidade da (…) mas não suscita, podendo fazê-lo, a sua intervenção principal, na qualidade de devedora principal (art. 329.° n.° 1 do Código de Processo Civil), preocupando-se sim em chamar acessoriamente a juízo a companhia de seguros para a qual havia transferido a sua responsabilidade (aqui com base no disposto no art. 330.° n.° 1 do mesmo diploma) — de resto, sempre o réu, no final, haveria de responder pelos seus actos, seja directamente perante a autora, seja perante o transitário, numa hipotética acção de regresso.

Assim sendo, o tribunal avançará pois para a análise do transporte propriamente dito” -

- cabe referir - no condicionalismo processual expresso - que no art. 329.° CPC (especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu) são reguladas as especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu nos casos que, antes da Reforma de 1995, correspondiam ao incidente autónomo do chamamento à demanda, enunciados no antigo art. 330.°. Com este enquadramento, só faz sentido que o terceiro auxilie o réu na defesa respeitante às questões implicadas pela verificação do direito do autor se este tiver deduzido contra o réu outro pedido, ou se o pedido deduzido depender também de causa de pedir cuja verificação, ainda que levando à procedência do pedido, é estranha à constituição do direito de regresso; está excluída a intervenção do chamado quanto a esse pedido ou a essa causa de pedir, circunscrevendo-se ela no âmbito das questões respeitantes ao pedido ou causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso. Deste modo, por vinculação, também, ao disposto no art. 26.°, do CPC, a legitimidade «tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, como a apresenta o autor». Por sua vez, o interesse tem de ser directo, no sentido de que não basta um mero interesse indirecto ou reflexo, isto é, não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Em todo o caso, não cabe aos tribunais substituir-se às partes na escolha dos meios que entendam utilizar para a prossecução dos fins a que se proponham, e tão só, verificar se elegeram, ou não, o legalmente adequado, acolhendo-o ou rejeitando-o (Ac. RG, de 5.5.2004: Proc. 709/04-1.dgsi.Net).

Diferenciadamente, tendo em conta a matéria dada por provada, fixada no esquisso dos Autos, e no desenvolvimento do que anteriormente se expôs, se é certo que, nos termos do art. 17º da Convenção CMR,

“o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora na entrega”,

certo é, do mesmo modo, que, em função do art. 29.° da Convenção CMR - o transportador  só não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova

“se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.

Ou seja, não há - neste circunstancialismo - como inverter que a regra seja, de facto, a de que o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega. Do mesmo modo, que o transportador só fica desobrigado dessa responsabilidade se a perda teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta sua, um vício próprio da mercadora ou circunstâncias que não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar, cabendo ao transportador o ónus de alegação e de prova das referidas circunstâncias com vista a eximir-se da responsabilidade decorrente da perda da mercadoria (neste sentido, de novo, o invocado Ac. da RL, de 24/6/2010, proc. n.° 7298/05.6TCLRS.L1-2, também disponível em dgsi.pt).

Tendo sido isso, exactamente, o que aconteceu, tal como se demonstrou nos Autos, havendo o Réu cumprido o específico ónus de prova  (art. 342° Código Civil) traduzido, assim, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, não podendo, por isso, tal satisfazendo, o R sofrer quaisquer  desvantajosas consequências a tal propósito.

O que atribui resposta afirmativa às questões em I.

II.

15º

Exigia-se apenas que o veículo estivesse legalmente autorizado a circular. Pelo que o recorrente entende que deveria o Tribunal a quo, condenar a chamada Seguradora e não o recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito requer-se a revogação da douta sentença, absolvendo o recorrente do pagamento da indemnização a que foi condenado.

Nesta vertente diferenciada, permanece intangível para o Réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento. Pretende o art. 331.º do Cód. Proc. Civil que a parte delineie com clareza a razão de ser dessa intervenção, convencendo o Tribunal da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal. (Ac. RC, de 1.3.2005: Proc. 4316/04.dgsi.Net). Tal como nos Autos aconteceu e se tem por manifesto.

Também sob este aspecto, o Relatório do DL n.° 329-A/95 é deveras elucidativo, com destaque para a circunstância de, aí, se consagrar que:

«Relativamente às situações presentemente (ou seja, na redacção anterior do CPC) abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da “assistência”, também uma forma de intervenção (acessória) provocada ou suscitada pelo réu da causa principal.

Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida — invocada pelo réu como causa do chamamento — é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu da demanda anterior — e não a de parte principal; mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) deva ser tratado como “parte principal”.

A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento.»

Em suma, o art. 330.° CPC admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida.

Foi isso, exactamente, que nos Autos se permitiu, por imperativo processual, querendo assim, igualmente, significar que a intervenção acessória provocada se ajusta ao caso de o chamado não ser sujeito da relação jurídica controvertida - como nos Autos -, mas sim sujeito de relação conexa com ela (Ac. RP, de 28.9.2000: JTRP00029921/ITIJ/Net).

Neste contexto, é fora de dúvida que contrato de seguro de responsabilidade gera obrigações apenas entre os contratantes, não sendo um contrato a favor de terceiro (Ac, RP, de 19.10.1999: BMJ, 490.°- 319). Em plena conformidade, pois, justifica-se que o tribunal haja julgado a presente acção

“de acordo com o direito e não tem (tenha) que se pronunciar sobre quaisquer outros elementos, não cabendo condenar ou absolver a interveniente acessória no que quer que seja; assim, as enunciadas questões deverão sim ser discutidas numa futura e hipotética acção movida pelo aqui réu contra a companhia de seguros, onde seja pedido o reembolso da quantia que vier entretanto a ser paga”.

Cabendo consignar, depois de tudo, e não obstante, que o art. 330.° do Cód. Proc. Civil admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida. Isto porque o nosso processo civil está sujeito à teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir. Desta forma o tribunal não pode alterar a causa de pedir, nem substitui-la, por força do princípio da substanciação. Assim, se a causa de pedir invocada pela Autora assenta num contrato de transporte, não pode a acção ser julgada procedente com base noutra causa de pedir. Não sendo a chamada sujeito passivo da relação material controvertida, não tem o tribunal que apreciar - mesmo - qualquer invocada excepção peremptória de prescrição, pois «a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 330.°, n.° 2, do CPC) (Ac. RG, de 23.6.2004: Proc. 408/04-2.dgsi.Net).

Elemento vinculístico - como em decisão pretérita se acentuou - é que as deslocações por via terrestre têm de ser sempre entendidas como compatíveis com as paragens normais para refeição, satisfação de necessidades fisiológicas e, sendo caso disso, até com paragem durante a noite para pernoitar. Esta situação, é bem de ver, corre risco de furto de carga e, até, do próprio veículo (Ac. RL, 2-10-1997: CJ, 1997, 4 -100). Mas por tal - no circunstancialismo provado, expresso dos Autos - se não pode culpar o Réu.

O que, neste particular, não pode deixar de atribuir resposta negativa às questões em II.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando:

1.

A relação não procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do tribunal a quo, regras de avaliação prudencial. O tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil. Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando-as criticamente e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

2.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

3.

Demais, o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.

4.

A aplicação do regime decorrente do artigo 23°, n° 3 da Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, porque definidor do regime legal do direito a indemnização, é do conhecimento oficioso do Tribunal, independentemente da sua arguição pela parte beneficiária, atento o disposto no artigo 664° do CPC. Daí que, ainda que apenas a interveniente haja invocado a limitação de responsabilidade que consta do artigo 23° da Convenção CMR, sempre o Tribunal não poderia deixar de integrar os factos apurados no direito aplicável, logo, determinar o cálculo da indemnização dentro dos limites estabelecidos no citado normativo.

5.

 A pretexto do art. 29.° da Convenção CMR que o transportador  só não tem o direito de se aproveitar das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova  “se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”. O que se não verificou na relação sub judice. Antes que o R., transportador, cumpriu o ónus de alegação e de prova das referidas circunstâncias com vista a eximir-se da responsabilidade decorrente da perda da mercadoria.

6.

 O art. 330.° CPC admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida. Foi isso, exactamente, que nos Autos se permitiu, por imperativo processual, querendo assim, igualmente, significar que a intervenção acessória provocada se ajusta ao caso de o chamado não ser sujeito da relação jurídica controvertida - como nos Autos -, mas sim sujeito de relação conexa com ela.

7.

No condicionalismo processual expresso - art. 329.° CPC (especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu) - ,são reguladas as especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu nos casos que, antes da Reforma de 1995, correspondiam ao incidente autónomo do chamamento à demanda, enunciados no antigo art. 330.°, sendo que o interesse tem de ser directo, no sentido de que não basta um mero interesse indirecto ou reflexo, isto é, não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular.

8.

Em todo o caso, não cabe aos tribunais substituir-se às partes na escolha dos meios que entendam utilizar para a prossecução dos fins a que se proponham, e tão só, verificar se elegeram, ou não, o legalmente adequado, acolhendo-o ou rejeitando-o.

9.

Neste contexto, é fora de dúvida que contrato de seguro de responsabilidade gera obrigações apenas entre os contratantes, não sendo um contrato a favor de terceiro.

10.

As deslocações por via terrestre têm de ser sempre entendidas como compatíveis com as paragens normais para refeição, satisfação de necessidades fisiológicas e, sendo caso disso, até com paragem durante a noite para pernoitar. Esta situação, é bem de ver, corre risco de furto de carga e, até, do próprio veículo. Mas por tal - no circunstancialismo provado, expresso dos Autos - se não pode culpar o Réu.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se, nesta parte, a decisão recorrida, com a absolvição do Réu da indemnização a que nela foi condenado.

Sem Custas.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo