Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3376/09.0TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PRESCRIÇÃO
DEFESA
HIPOTECANTE
LETRA DE CÂMBIO
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 70º LULL; 637º, Nº 1, E 698º, Nº 1, DO CC
Sumário: I – O hipotecante que não seja o devedor, em execução fundada em letra de câmbio, instaurada contra ele – que não é obrigado cambiário - , por força da hipoteca prestada pode defender-se arguindo a prescrição cambiária, com base no decurso do prazo previsto no artº 70º da LULL para as acções contra o obrigado cuja responsabilidade garantiu com a hipoteca.

II – Sendo os hipotecantes estranhos às relações cambiárias corporizadas em letras dadas à execução, eles não deixam, todavia, de garantir, com o património hipotecado, a responsabilidade dos obrigados cambiários que garantiram, pelo que lhes é lícito opor ao credor, ainda que a eles tenha renunciado o devedor, os meios de defesa que este tiver contra o crédito (nestes se incluindo a prescrição do direito cambiário contra a pessoa cuja responsabilidade garantiu com a hipoteca), com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador – artºs 637º, nº 1, e 698º, nº 1, CC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório:

A) - 1 - O F...., S.A., intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, contra A..., sua mulher, B.... e “C..., S.A.”, com sede em Lisboa, execução comum para pagamento de quantia certa, fundada em três letras de câmbio com os n.°s ...., .... e ...., com vencimento, respectivamente, em 27/1/2008, 27/2/2008 e 27/3/2008, no valor de 50.000,00 cada, delas constando como sacada e aceitante, a executada “ C...., S.A.”, como sacador, “D..., S.A.”, bem como, nos respectivos versos, endossos a esta sociedade “D..., S.A.” e à “E..., S.A.” e a menção “pague-se à ordem do F...”.

Mais alegou que, “…para garantia e bom pagamento de todas e quaisquer obrigações/responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela sociedade D..., S.A. e E... (e já declaradas insolventes) e até ao montante máximo de (capital e acessórios) de € 1.238.016,38, os também ora executados A.... e mulher, B..., constituíram a favor do banco exequente, hipotecas voluntárias sobre o imóvel que ora se nomeia à penhora…”.

Pretende o pagamento de € 158.046,47 (150.000,00 € de capital e € 8.046,47, atinentes aos respectivos juros de mora vencidos e imposto de selo), acrescidos dos juros de mora vincendos e do imposto de selo.

2 - Os referidos A.... e B.... deduziram oposição à execução, alegando, em síntese:

- A hipoteca constituída por eles, Opoentes, destinou-se a garantir as responsabilidades da sacadora e endossante ao Banco das letras exequendas, “D... S.A.”, entretanto declarada insolvente, não decorrendo já, de tais letras, qualquer responsabilidade desta sociedade - a quem eles prestaram tal garantia -, para com o Exequente, uma vez que as mesmas encontram-se prescritas, pois que, à data em que foram citados - 14/12/2009 - havia decorrido muito mais do que o prazo de 1 ano a que alude o art.º 70º da L.U.L.L..

Assim, sendo eles, oponentes, executados na qualidade de garantes da sociedade sacadora, a sua responsabilidade é sempre em função e na medida da responsabilidade da pessoa a favor de quem deram garantia, pelo que, nada podendo ser exigido a esta, por força da aludida prescrição, nada também lhes pode ser exigido a eles, ora Opoentes.

Terminaram defendendo que a oposição fosse julgada procedente e eles, executados, fossem absolvidos do pedido.

3 - O Exequente contestou, alegando, em síntese, carecerem os Oponentes de legitimidade para invocarem a prescrição do direito de acção contra a entidade sacadora e endossante uma vez que apenas são demandados na qualidade de garantes das sociedades E..., S.A. e da D..., S.A. e estas não são executadas.

Terminou defendendo a improcedência da oposição.

4 - No despacho saneador, considerando que os autos possuíam já os elementos necessários para decidir, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” entendeu que os Opoentes não tinham legitimidade para arguir a prescrição e que esta, em todo o caso, não se verificava, porquanto, não tendo tal excepção sido arguida pelo único obrigado cambiário demandado nos autos - a sacada/aceitante C...., S.A.-, não havia decorrido o respectivo prazo de 3 anos, pelo julgou a oposição improcedente.

5 - Desta decisão recorreram os Opoentes, tendo o recurso sido admitido como Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

B) - É esse recurso de Apelação que ora cumpre decidir e cujas respectivas alegações, os Recorrentes findam com as seguintes conclusões:

[…]


C) - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).
Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso consiste em saber, em face da matéria que se tem por provada, se se mostra correcto o desatendimento da prescrição invocada pelos Opoentes e a improcedência da Oposição que lhe foi consequente.

II - Fundamentação:

A) Os factos.

No saneador-sentença recorrido deu-se como provada a factualidade que se passa a transcrever:

[…]

B) - O direito.
Dado que se está em presença de execução cujos títulos executivos são três letras de câmbio em que não tiveram qualquer intervenção os ora Opoentes, estes, não obstante serem executados em virtude de terem garantido, com os imóveis que deram de hipoteca a favor do Banco exequente, o pagamento das obrigações assumidas para com este pela sociedade “D..., S.A.”, que figura naquelas letras como sacadora e endossante e pela “E..., S.A.”que figura naqueles títulos como endossante, não podem, no entender da Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, que perfilhou essa doutrina defendida pelo Exequente, arguir a excepção da prescrição cambiária, nem, também, poderiam os Oponentes - adiantamos nós, pensando noutras consequências que resultariam do entendimento que subjaz a essa conclusão -, deduzir qualquer outra excepção que tivessem atinente aos títulos - que assim, se quedariam intocáveis - já que, não tendo sido demandados aqueles obrigados cambiários (a sacadora, posto que insolvente, não o poderia ser), a aceitante - de quem não são garantes hipotecários os opoentes - não deduzira tal excepção.
Generalizando, um tal entendimento, se acolhido fosse - o que se rejeita, adianta-se já - seria susceptível de dar azo, até, a que se demandassem, propositadamente, apenas os garantes (v.g. hipotecários) estranhos à relação cambiária, para assim obviar às excepções que os obrigados cambiários pudessem opor aos títulos.
Assente que os Opoentes são estranhos às relações cambiárias corporizadas nas letras dadas à execução, eles não deixam, todavia, de garantir, com o património hipotecado, a responsabilidade dos mencionados obrigados cambiários.
Ora, sempre que o dono da coisa hipotecada seja pessoa diferente do devedor - como sucede aqui -, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que a eles tenha renunciado o devedor, os meios defesa que este tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador (cfr. art.º 698º, nº 1, do Código Civil).[3]
Não obstante esta equiparação, não integral, é certo, porque ressalvada a exclusão referida na parte final do nº 1 do citado art.º 698º, não incluindo, também, as excepções que não respeitem, propriamente, ao crédito (v.g. os benefícios previstos nos art.ºs 637º e 638º, do CC), importa salientar que, enquanto que o fiador garante a dívida de modo pessoal, ou seja, com todo o seu património, o terceiro dador da hipoteca garante a dívida exclusivamente com os bens sobre os quais constitui hipoteca.
Assim, não sendo devedor daquele a favor do qual constituiu a hipoteca sobre determinado imóvel, pode o terceiro dador da hipoteca, opor ao credor, por força da apontada equiparação, além dos meios de defesa que lhe são próprios, aqueles que competem ao devedor (cfr. 637º, nº 1, do CC), nestes se incluindo a prescrição do direito cambiário contra a pessoa cuja responsabilidade garantiu com a hipoteca (art.ºs 303º, 304º, nº 1, 305º, nº 1, do CC e 70º da LULL).[4]
Assim sendo, já se está a ver que, não só os executados/opoentes tinham legitimidade para arguir a prescrição em causa, como o prazo prescricional que quanto a eles relevava era o previsto para aqueles cuja responsabilidade garantiram com as hipotecas.
Consequentemente, o prazo a atender era o de 1 ano, previsto para as acções do portador contra os sacadores/endossantes no § 2º do citado art.º 70º, carecendo de sentido argumentar com o prazo prescricional previsto para o aceitante só porque tinha essa qualidade o único obrigado cambiário que foi accionado.
Irreleva, “in casu”, a data do protesto das letras - 22/09/2008 -, como termo “a quo” do prazo prescricional, já que não foi efectuado “em tempo útil”, como se exige no art.º 70º da LULL (cfr. tb. artº 44º dessa Lei).
Deste modo, dúvida parece não haver de que, vencendo-se as letras de câmbio em causa em 27/1/2008, 27/2/2008 e 27/3/2008, esse prazo de 1 ano, aquando da instauração da execução e, consequentemente, na ocasião da citação dos executados/opoentes, em 14/12/2009, já estava esgotado, pelo que, prescritos estavam os direitos cambiários do Exequente quanto àqueles cuja responsabilidade os Opoentes garantiram com as hipotecas.
Assim, prescritos, nos termos sobreditos, os direitos cambiários representados pelas letras de câmbio ajuizadas, extinguiram-se as obrigações cambiárias dos devedores cuja responsabilidade foi garantida com as hipotecas constituídas pelos Opoentes e, consequentemente, a responsabilidade destes, no que ao pagamento desses títulos respeita.
Do exposto resulta, pois, que a oposição procede, com a consequente extinção da execução relativamente aos executados ora Apelantes.

Em síntese conclusiva, poder-se-á sumariar o seguinte: O hipotecante que não seja o devedor, em execução fundada em letra de câmbio, instaurada contra ele - que não é obrigado cambiário -, por força da hipoteca prestada, pode defender-se arguindo a prescrição cambiária, com base no decurso do prazo previsto no art.º 70º da LULL para as acções contra o obrigado cuja responsabilidade garantiu com a hipoteca.”.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, na procedência da Apelação:

- Julgar procedente a invocada excepção da prescrição e, consequentemente;

- Julgar procedente a Oposição deduzida pelos executados A.... e B...., julgando extinta, relativamente a estes, a execução.

Custas pelo Apelado.


Falcão de Magalhães (Relator)
Gregório Silva de Jesus
Martins de Sousa


[1] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet , através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] Não tendo avalizado as letras em causa, menos propriamente os Opoentes invocam o disposto nos art.ºs 31º e 32º da LULL.
[4] Cfr., quanto ao fiador e à possibilidade de este invocar os meios de defesa do devedor, concretamente, a prescrição, o Acórdão do STJ de 11/02/1973, no BMJ nº 231, pág. 176. .