Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/14.6GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: FINS DA PENA
ÁLCOOL
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º E 15.º DO CP
Sumário: I - A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.

II - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

III - A violação do dever de cuidado por parte do arguido, ao confiar que não estava embriagado, quando possuía uma T.A.S. mais de 12 vezes superior à permitida por lei para poder conduzir um veículo automóvel pesado de mercadorias, é muito elevada, roçando a negligência grosseira.

IV - A condução com níveis de alcoolemia acima de certo grau é punível como crime por o legislador presumir que a situação é perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido

A..., filho de (...) e de (...), natural da Freguesia de (...), Concelho de Amarante, nascido a 29 de Novembro de 1980, casado, motorista, residente na Rua (...), 4575-094 Penafiel,

imputando-lhe factos pelos quais teria cometido, em autoria material e sob a forma consumada, um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, a que acresce a sanção acessória de proibição da conduzir veículos a motor, p. e p. pelo art.69.º, n.º1, al. a), do mesmo Código.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24 de Julho de 2014, decidiu julgar a acusação do Ministério Público procedente, por provada, e em consequência:

- Condenar o arguido A..., como autor material, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia total de €800,00 (oitocentos euros); e

- Condenar ainda o mesmo arguido na pena acessória de proibição da condução de veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I - O Arguido tinha iniciado a condução de um pesado de mercadorias, não se percebendo que estava em estado de embriaguez, pois tinha estado a fazer o descanso obrigatório de 10 horas na área de serviço da auto-estrada.

II - O Arguido agiu negligentemente.

III - Há manifesto erro na interpretação e aplicação do Direito.

IV - Indica-se como violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 15°, 47° n.° 1, 69°, 70°, 71° n.°l e 73°, n.° 1, al. c), todos do C.P..

V - Termos em que, nos Doutamente Supridos, deve ser proferido Douto Acórdão que dê provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença, proferindo Vossas Excelências Douto Acórdão no qual o Arguido seja condenado no mínimo legal, e a pena acessória de inibição de conduzir seja reduzida para o mínimo legal de 3 meses.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da douta sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

            A matéria de facto apurada constante da sentença recorrida é  a seguinte:

No dia 23 de Julho de 2014, pelas 09 horas e 45 minutos, o arguido A... conduzia o veiculo pesado de mercadorias, com a matrícula (...)RU, titulado por B..., Lda, na área de Serviço da Mealhada, Al, sentido norte/sul, Comarca de Cantanhede.

Submetido ao teste de presença de despistagem de álcool no sangue, na decorrência de fiscalização ao peso e dimensão do veículo, acusou o mesmo uma taxa de alcoolemia de 2,49 g/l.

O arguido havia estado a consumir bebidas alcoólicas na noite anterior, na área de serviço, sendo que se achava, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, a retomar a condução do veículo pesado, decorridas que se achavam oito horas sobre a sua dita ingestão.

O arguido não conduziu mais de 40 metros.

O arguido quis conduzir o veículo descrito confiando não se achar com taxa de alcoolemia em quantidade superior à legal, tendo violado o dever objectivo de cuidado que sobre si impendia, não obstante ter capacidade e qualidades pessoais que lhe permitiam tomar numa reflexão ponderada, consciência de que se achava a conduzir alcoolizado.

O arguido trabalha como motorista profissional, auferindo como salário a quantia mensal de € 1000,00. Vive com a esposa e a filha em casa própria, sendo que a esposa é trabalhadora têxtil e recebe cerca de € 400,00 mensais.

O arguido paga duas prestações bancárias para financiamento da habitação, no valor global de € 317,00.

Tem o 6.º ano completo.

Confessou os factos dados como provados, integralmente e sem quaisquer reservas  

Do CRC consta uma condenação concretizada em Espanha, no final do ano passado,  por condução em estado de embriaguez, encontrando-se actualmente sujeito à sanção de inibição de conduzir em Espanha. 

            Factos não provados

            Não resultaram factos não provados da causa, com excepção do elemento subjectivo posto em relevo pelo Ministério Público na acusação. Ou seja, o Ministério Público que o arguido  quis conduzir o veículo pesado supra descrito, o veículo pesado de mercadorias, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 15.º, 47.º n.º 1, 69.º, 70.º, 71.º n.º l e 73.º, n.º 1, al. c), todos do C.P., ao não haver condenado o arguido no mínimo legal da pena de multa, ou seja, em 10 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e no mínimo legal da pena acessória de inibição de conduzir, que é de 3 meses.


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            Passemos ao conhecimento da questão.

O recorrente afirma que face à factualidade dada como provada em juízo e ao direito aplicável, a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, deveria ser reduzida para o mínimo legal de 10 dias, à taxa diária de €5,00, e a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, fixada em 5 meses, deveria ser-lhe reduzida para o mínimo legal de 3 meses, porquanto o arguido agiu com negligência, pois tinha estado a dormir, não se tendo apercebido que estava com o grau de alcoolemia descrito nos autos, e não colocou em perigo nenhum utente pois estava a iniciar a marcha após ter descansado 10 horas na estação de serviço da auto-estrada.

Vejamos.

É pacifico que o arguido A... com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto pelo art.292.º, n.º l do Código Penal, na redacção da Lei n.º77/2001, de 13 de Julho, e punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Prevendo o crime a aplicação, em alternativa, de uma pena de prisão ou de multa, como penas principais, a primeira operação, tendo em vista a aplicação da pena criminal, é a escolha da pena.

O Tribunal a quo, tendo em conta o critério de orientação geral para a escolha da pena estabelecido no art.70.º do Código Penal, optou pela aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão.

Tal opção não é questionada pelo recorrente, importando decidir se é excessiva a pena de multa que lhe foi aplicada.

A determinação concreta da pena de multa começa com a fixação do número de dias de multa.

Estes, por expressa remissão do art.47.º, n.º1 do Código Penal, devem ser determinados de acordo  com os critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Nos termos deste último preceito, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica,  necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”.[4]

A culpabilidade aqui referida não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O fim das penas, que se querem determinar concretamente, é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ( art.40.º, n.º1 do Código Penal).

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.   

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

Dentro da prevenção há que atribuir prevalência às exigências de prevenção especial por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral surge sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, factores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Para o mesmo autor, esses factores podem dividir-se em “Factores relativos à execução do facto”, “Factores relativos à personalidade do agente” e “Factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.[5]

As alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º2 do art.71.º do Código Penal, integram os factores relativos à “execução do facto”; as alíneas d) e f), os factores relativos à personalidade do agente; e a alínea e), integra os factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

Olhando aos “Factores relativos à execução do facto” tomando-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, e a intensidade da negligência, diremos que é muito elevado o grau da ilicitude, uma vez que conduzia um veículo pesado de mercadorias, com uma TAS de 2,49 g/l, e numa auto-estrada, onde os veículos circulam a altas velocidades; é elevada a intensidade da negligência, uma vez qualquer cidadão com uma tão elevada taxa de álcool no sangue não teria confiado – que se deu como provado que confiou – que não se encontrava alcoolizado; e se é certo que não resultaram consequências graves da sua conduta seja para o próprio, seja para terceiras pessoas, também não se pode deixar de mencionar que o arguido foi interceptado pela GNR 40 metros após ter iniciado a condução. O grau de violação dos deveres impostos ao agente é muito grave, pois sendo um condutor profissional tem o particular dever de não conduzir embriagado e mais ainda de o fazer numa auto-estrada, fortemente embriagado, com uma T.A.S. mais de 12 vezes superior à permitida por lei , pois para este tipo de condutores é considerado sob a influência de álcool a condução com uma TAS igual ou superior a 0,2 g/l ( art.81.º, n.º 3 do CE).

Quanto às circunstância do crime haver sido cometido por negligência e não por dolo, importa clarificar que « …o facto negligente não é, simplesmente, uma forma atenuada ou menos grave de aparecimento do correspectivo facto doloso (…)» , pois « …o facto doloso e o facto negligente têm , cada um, o seu tipo de ilícito e o seu tipo de culpa próprios e distintos.».[6]

No caso, a violação do dever de cuidado por parte do arguido, ao confiar que não estava embriagado, quando possuía uma T.A.S. mais de 12 vezes superior à permitida por lei para poder conduzir um veículo automóvel pesado de mercadorias, é muito elevada, roçando a negligência grosseira.

Nos “Factores relativos à personalidade do agente” realçamos as modestas condições pessoais e económicas do arguido e a pouca sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, uma vez que resulta do CRC do arguido que foi condenado em Espanha, em 20 de Dezembro de 2013, no final do ano passado, por condução em estado de embriaguez, encontrando-se actualmente sujeito à sanção de inibição de conduzir naquele País.

Quanto aos “Factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” realçamos essa anterior condenação criminal e a circunstância dos factos em causa terem sido cometidos 7 meses após essa condenação.

Embora o ilícito pelo qual se encontra agora a ser julgado surja ainda como um episódio ocasional, é já preocupante o caminho de desrespeito pela preservação da segurança rodoviária e de bens inerentes a esta, que está na base do bem jurídico violado pelo ora recorrente.

Os veículos são, reconhecidamente, geradores de risco para a vida, integridade física e para os bens de todos aqueles que utilizam as vias públicas ou fazem utilização das suas margens ou proximidades. A condução com níveis de alcoolemia acima de certo grau é punível como crime por o legislador presumir que a situação é perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados. A prática tem demonstrado que a condução sob o efeito do álcool é causa frequente de acidentes.

A confissão dos factos é de reduzida relevância uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito.

Encontra-se inserido socialmente, na família e no trabalho.

As exigências de prevenção geral neste tipo de crime são, em termos gerais, elevadas, tendo em conta, nomeadamente, a continuação da existência de um elevado índice de sinistralidade rodoviária resultante de condução sob influência de álcool no sangue, com graves consequências para a vida, o corpo e o património quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes.

Quanto às razões de prevenção especial ou individual entendemos que elas são prementes, pois por um lado, o arguido conduzia na auto-estrada um veículo automóvel pesado de mercadorias com uma TAS de 2,49 g/l e, por outro lado, tem já antecedentes criminais pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.

Considerando todo o exposto, e que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, o Tribunal da Relação conclui que a aplicação ao arguido, pelo Tribunal a quo, de uma pena de 100 dias de multa respeita, em concreto, a medida da sua culpa e as exigências de prevenção.

Quanto à taxa diária de multa fixada pelo Tribunal a quo, também não encontramos qualquer motivo para censurar a aplicação ao arguido de uma taxa diária de € 8,00.

Nos termos do art.47.º, n.º 2 do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, “ cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.

Para fixação da taxa de multa em função da situação económico-financeira do arguido importa conhecer, essencialmente, o rendimento auferido pelo mesmo, de que o mesmo possa dispor, seja ele resultante do trabalho ou de património. 

Resultou provado que o arguido trabalha como motorista profissional, auferindo como salário a quantia mensal de € 1000,00; vive com a esposa e a filha em casa própria, sendo que a esposa é trabalhadora têxtil e recebe cerca de € 400,00 mensais.

Tem como encargos, para além dos que resultam do dia a dia, duas prestações bancárias para financiamento da habitação, no valor global de € 317,00.

Resultando do quadro da factualidade dada como provada que a situação económica do arguido A... não é de pobreza, mas média, remediada, é justo que não se tenha fixado a taxa diária no mínimo legal de € 5,00, sendo a taxa diária de € 8,00, uma taxa adequada à sua situação económica e financeira e à dos seus encargos pessoais.

Por fim e quanto à pretensão do arguido A... de redução da pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir, avançamos, desde já, que é manifesto que ela não pode proceder.

O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º.

Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º, da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41 ), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”[7]

Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Assim, na graduação da sanção acessória deve o Tribunal atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.

Não obstante a pena principal e a acessória assentarem num juízo de censura global pelo crime praticado, a pena acessória não tem que seguir o destino e a sorte da pena principal, uma vez que não visa integralmente a mesma finalidade.

A amplitude do período de proibição de conduzir veículos com motor, por condução de veículo com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, vai de três meses a três anos.

O factualismo descrito, que depõe contra e a favor do arguido A..., supra descrito, com particular realce para a anterior condenação por condução em estado de embriaguez em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que cumpria à data dos factos em causa, levam-nos a concluir que a aplicação ao mesmo de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor inferior a 5 meses, quando o arguido conduzia com uma TAS de 2,49 g/l, não satisfaria as exigências de prevenção especial de socialização, nem o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.

Aliás, entendemos que a salvaguarda do arguido na ressocialização e os interesses daqueles que com ele se podem cruzar na via pública, deveria ter conduzido à aplicação ao arguido A... de uma pena acessória bem superior àquela em que foi condenado e só não se eleva essa pena por decorrência da proibição de reformatio in pejus a que alude o art.409.º do Código de Processo Penal).        

Assim, mantendo também a pena acessória aplicada ao arguido na douta sentença recorrida, e não se reconhecendo a violação pelo Tribunal a quo das normas invocadas pelo arguido, no sentido de lhe deverem ser reduzidas as penas em que foi condenado, improcede o recurso pelo mesmo interposto.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa), sem prejuízo da eventual concessão do requerido apoio judiciário.

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Coimbra, 17 de Dezembro de 2014

(Orlando Gonçalves - relator)

              

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] - cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.


[5]  in “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 210 e 245 e seguintes.
[6] Prof.Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, páginas 630 e 631.   

[7] - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.