Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4803/17.9TJLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CESSÃO
INÍCIO
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 235.º, 237.º, AL. B) E 239.º, N.º 2, TODOS DO CIRE.
Sumário: O período de cessão inicia-se com a declaração de encerramento do processo de insolvência e não com o trânsito em julgado da decisão liminar de exoneração do passivo restante.
Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... , já identificado nos autos, apresentou-se à insolvência e requereu que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante.

No seguimento do pedido por si formulado, veio o requerente a ser declarado insolvente, por decisão já transitada.

Cf. decisão, aqui junta de fl.s 1 v.º a 7, proferida em 11 de Abril de 2018, foi liminarmente admitido o já referido pedido de exoneração do passivo restante em que se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, nos termos do artigo 239º, nº 2, nº 3 e nº 4 do CIRE, determino que:

- durante os cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado do presente despacho, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir em quantia superior a um salário mínimo nacional, se considera cedido à administradora judicial, ora nomeada também fiduciária.

- O insolvente fica obrigado, durante o período da cessão, a:

(i) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e a fiduciária sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

(ii) exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que sejam aptos;

(iii) entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

(iv) informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

(v) não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

Notifique, publicite e registe, sendo este último após trânsito do presente despacho (arts. 247º do CIRE).

*

Notifique a Sr. AI para, em dez dias, juntar aos autos a certidão do registo da apreensão do imóvel apreendido.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o requerente A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho, aqui junto a fl.s 15 v.º), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Ao arrepio do estabelecido na lei (nomeadamente artigos 235º, 237º al b) e 239 n.º2 todos do CIRE), o douto despacho inicial de exoneração do passivo restante define que o início do período da cessão tem lugar após o trânsito em julgado do dito despacho.

2. O processo em que foi declarada a insolvência do Recorrente não se encontra encerrado, não se verificando nenhuma das circunstâncias a que alude o n.º1 do art.230º do CIRE.

3. Existe ainda um bem imóvel, pertencente agora à massa insolvente, por liquidar (conforme douto despacho de que se recorre).

4. Deve o período de cessão do Recorrente ter o seu início apenas após o encerramento do processo de insolvência, cumprindo-se o estipulado na lei e a ratio legis subjacente a tal determinação.

5. Só após a liquidação e encerramento do processo se consegue apurar o valor que contínua, ou já não, a ser devido pelo insolvente aos credores.

6. Violou o despacho ora em crise os artigos 235º; 237º alínea b) e 239º nº2, todos do CIRE.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, determinado que o período de cessão do Recorrente tem início após o encerramento do processo de insolvência e não antes, alterando-se nesta parte douto despacho de que agora se recorre.

Fazendo-se, assim, a já acostumada inteira e devida, JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber em que data se iniciou o período da cessão.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Em que data se iniciou o período da cessão.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber quando se iniciou o período da cessão (se com o transito em julgado da decisão liminar de exoneração do passivo restante, como sustentado na decisão recorrida ou apenas após o encerramento do processo de insolvência, como defende o recorrente).

Esta discrepância de entendimentos resulta do facto de o recorrente entender que o processo de insolvência, ainda não foi declarado encerrado, ao passo que a M.ma Juiz a quo entendeu que, por força do disposto no artigo 233.º, n.º 7, do CIRE, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º do DL n.º 79/2017, de 30 de Junho, que entrou em vigor no dia 01 de Julho de 2017 (cf. seu artigo 8.º), apesar de existirem bens apreendidos, passou a ser permitido o encerramento do processo de insolvência, no despacho liminar de exoneração do passivo restante, com ele se iniciando o início do período de cessão do rendimento disponível.

Como resulta do antes exposto, o desacordo do recorrente relativamente à decisão recorrida é, pois, apenas, quanto à parte em que nesta se decidiu que o início do período de cessão se iniciou como respectivo trânsito em julgado, defendendo, ao invés, que, por inexistência de decisão de encerramento do processo de insolvência, o referido período de cessão, se inicia, apenas com a decisão de encerramento do mesmo, nos termos previstos nos artigos 235.º, 237.º, al. b) e 239.º, n.º 2, todos do CIRE.

Desde já importa salientar que, efectivamente, como o refere o recorrente, compulsando/analisando a decisão inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, na mesma não se determinou, quer de forma expressa quer tácita, o encerramento do processo de insolvência.

Em face do que se impõe determinar se resulta do disposto no artigo 230.º, n.º 1, al. e) e n.º 7, do CIRE se o encerramento do processo de insolvência ali previsto é automático; ou seja, se sempre que o encerramento do processo de insolvência ainda não haja sido determinado, o deve ser aquando da prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido no seu artigo 237.º, al. b); ou se aquele preceito deve ser entendido em conjugação com o que, para além dele, no CIRE se estipula acerca do encerramento do processo de insolvência e liquidação da massa insolvente.

Dispõe-se no artigo 230.º, n.º 1, al.s a) e e), do CIRE que:

1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento;

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;

(…)

e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º.

Acrescentando-se, agora, por força do referido DL n.º 79/2017, no n.º 7 do artigo 230.º do CIRE que:

“O encerramento do processo de insolvência nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 230.º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível”.

Importa, ainda, ter em consideração o disposto no artigo 182.º, n.º 1, do CIRE, de acordo com o qual só se procede ao rateio final e distribuição do respectivo produto pelos credores (reconhecidos e graduados) após a liquidação da massa insolvente.

Só depois de se saber qual o produto da liquidação é que se pode proceder ao pagamento aos vários credores.

Assim, inexistindo no processo de insolvência o incidente de exoneração do passivo restante, é indubitável que, no respeitante ao encerramento do processo de insolvência, rege o disposto no n.º 1 al. a), do referido artigo 230.º; existindo este incidente, então, terá de ter-se em linha de conta, também, o que se estabelece na sua al. e) e n.º 7.

Da conjugação destas alíneas e do citado artigo 182.º, n.º1 que, como vimos, estabelece a regra de que a distribuição e o rateio final só podem ter lugar depois de encerrada a liquidação da massa insolvente, tinha de se concluir (antes da introdução do n.º 7 do artigo 233.º do CIRE) que mesmo no caso de existência do incidente de exoneração do passivo restante, se já tivesse ocorrido a liquidação, podia e devia decretar-se o encerramento do processo de insolvência, nos termos da alínea e); no caso de esta ainda não ter sido concluída, então, já não tinha aplicação esta alínea, verificando-se, ao invés, o regime regra – previsto na alínea a) – e, então, haveria que aguardar pelo rateio final, nos termos supra referidos.

Com a entrada em vigor da nova redacção do artigo 233.º, n.º 7, que resulta do supra citado DL n.º 79/2017, passou a ser possível, o encerramento do processo de insolvência, nos termos do artigo 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE, mesmo existindo bens ou direitos a liquidar, caso em que, a decisão de encerramento do processo determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível.

O que neste se refere de inovador é que o encerramento do processo de insolvência nos termos do artigo 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período da cessão do rendimento disponível.

Ou seja; o que dele resulta é que, anteriormente, existindo bens, não era possível declarar o encerramento do processo de insolvência, aquando da prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, precisamente, para impedir que não viesse a ser feita a venda e posterior liquidação dos mesmos, referindo-se, agora, que havendo encerramento nos termos do preceito ora citado, este tem como efeito, precisamente, determinar unicamente (sublinhado nosso) o início do período da cessão, não impedindo a ulterior tramitação do processo de insolvência para venda, liquidação e pagamento aos credores.

Daqui resulta, pois que, não obstante in casu existirem bens a liquidar, a alteração introduzida pelo n.º 7 do artigo 233.º do CIRE, permitia que fosse declarado o encerramento do processo de insolvência e, consequentemente, o período de cessão teria início com a prolação do despacho liminar de exoneração do passivo restante.

A questão é que in casu não foi declarado o encerramento do processo de insolvência no despacho a que se refere o artigo 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE e tinha que o ser, por tal declaração não ser automática, dependendo de decisão judicial nesse sentido, como resulta da parte final do disposto no artigo 230.º, n.º 1, do CIRE, onde, expressamente, se refere que “o juiz declara o seu encerramento”.

Concluindo, era legalmente possível – como o continua a ser, após a baixa dos autos à 1.ª instância –, no caso em apreço, ter sido declarado o encerramento do processo de insolvência, na decisão liminar do incidente de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 1, al. e) e n.º 7, do CIRE, mas como se impunha que tal fosse judicialmente declarado e não o foi, não pode concluir-se que tenha sido declarado tal encerramento, pelo que o período de cessão só se inicia com a declaração do referido encerramento, como o determina o disposto nos artigos 235.º, 237.º, al. b) e 239.º, n.º 2, todos do CIRE.

Pelo que e face aos fundamentos expostos, não pode subsistir a decisão recorrida, merecendo provimento a pretensão do recorrente.

Assim, procede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra, que determina que o período de cessão se inicia com a declaração de encerramento do processo de insolvência.

Sem custas, o presente recurso.

Coimbra, 10 de Julho de 2018.