Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARTUR DIAS | ||
Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL OMISSÃO DE FORMALIDADES INSOLVÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 05/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS - 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 256º, NºS 3 E 4 CIRE. | ||
Sumário: | I – Enquanto a notificação prevista no nº 3 do artº 256º do CIRE, verificados que estejam os respectivos pressupostos, corresponde a um acto imposto pela lei, alheio a qualquer juízo de oportunidade ou conveniência, outro tanto se não passa com a notificação prevista no nº 4, à qual é inerente aquele juízo. II – A notificação prevista no nº 3 do artº 256º do CIRE incumbe ao tribunal e a sua omissão não é suprida pela notificação eventualmente feita pelo mandatário do credor contestante. III – Tal omissão constitui irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa e, por isso, é geradora de nulidade processual. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO J… e mulher, A…, casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua …, apresentaram-se à insolvência em 10/11/2011, logo apresentando também um plano de pagamentos aos credores e requerendo, subsidiariamente, a exoneração do passivo restante. Com o dito plano juntaram, além do mais, a relação dos credores a que alude o artº 252º, nº 5, al. d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[1], dela constando o total de créditos de € 294.555,00 e, nomeadamente, os seguintes credores e a indicação dos seguintes montantes dos créditos: - Banco …, S.A.[2] ---- € 236.877,00 (€ 182.268,00 + € 50.000,00 + € 4.609,00); - C…, S.A.[3] ----------------------- € 10.029,00; - U…, S.A.[4] e [5] ------------------------ € 14.046,00 (€ 12.880,00 + € 1.166,00). Determinada a suspensão do processo de insolvência (artº 255º, nº 1), foram os credores, designadamente os atrás indicados, citados nos termos do artº 256º, nºs 1 e 2. O B… respondeu, dizendo que não adere ao plano de pagamentos apresentado, “porquanto o mesmo (não)[6] inclui todas as responsabilidades dos insolventes, para com o Credor ora Requerente, e que são as seguintes: - Contrato 0205000606: 88.175,29€ - Contrato 0205000605: 55.338,27€ - Contrato 0205000699: 38.911,04€ - Contrato 490841012264979:4.570,57€ - Contrato 205226572009: 20.500,00€ - Contrato 0770025512: 20.942,20€ - Contrato 0205742500: 127.886,27€ - Contrato 0204241500: 17.392,43€, todos acrescidos de juros até à data da declaração de insolvência. Mais se requer a V. Exa que, relativamente aos créditos do Banco …, seja efectuada a respectiva alteração à relação de créditos, constante do plano de pagamentos apresentado”. A resposta referida foi entregue, em 09/12/2011, por via electrónica, constando do respectivo formulário a declaração do mandatário subscritor de que notificaria o mandatário dos devedores (Dr. …) em 09/12/2011, por correio electrónico. A U… também respondeu, opondo-se à aprovação do plano de pagamentos e corrigindo para € 14.607,34 o montante do seu crédito. Igualmente a C… respondeu, informando que não adere ao plano de pagamentos apresentado e corrigindo para € 9.285,76 o montante do seu crédito. Foi em seguida proferida a decisão constante de fls. 53 a 55, rejeitando o plano de pagamentos e determinando a cessação da suspensão e o prosseguimento dos autos de insolvência. Inconformados, os devedores recorreram, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões: …. O Banco …, S.A. respondeu defendendo a manutenção do julgado. O recurso foi admitido, tendo o Mº Juiz “a quo” proferido despacho nos termos do artº 670º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, entendendo que improcede a arguição de nulidade do despacho recorrido feita pelos apelantes na sua alegação. Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.
Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão da existência da nulidade processual integrada pela omissão dos actos prescritos nos nº s 3 e 4 do artº 256º, com a consequente anulação dos termos subsequentes, nomeadamente, do despacho recorrido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto A factualidade e incidências processuais relevantes para o conhecimento do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido. 2.2. De direito Preceituam os nºs 3 e 4 do artº 256º: 3. Quando haja sido contestada por algum credor a natureza, montante ou outros elementos do seu crédito tal como configurados pelo devedor, ou invocada a existência de outros créditos de que seja titular, é o devedor notificado para, no prazo máximo de 10 dias, declarar se modifica ou não a relação dos créditos, só ficando abrangidos pelo plano de pagamentos os créditos cuja existência seja reconhecida pelo devedor, e apenas: a) Na parte aceite pelo devedor, caso subsista divergência quanto ao montante; b) Se for exacta a indicação feita pelo devedor, caso subsista divergência quanto a outros elementos. 4. Pode ainda ser dada oportunidade ao devedor para modificar o plano de pagamentos, no prazo de cinco dias, quando tal for tido por conveniente em face das observações dos credores ou com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas. Comentando tais preceitos legais, escrevem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[7]: “Está longe de ser clara a articulação entre os nºs 3 e 4, quando este dispõe que pode ainda ser dada ao devedor a oportunidade de modificar o plano, no prazo de cinco dias. Está em causa saber quem dá a oportunidade, quando e por que modo. São as seguintes as respostas que temos por adequadas para estas questões. Dado o papel relevante que ao tribunal é atribuído pelo artigo 258º, em sede de aprovação do plano, há-de caber ao juiz a atribuição, ao devedor, dessa oportunidade. Para o efeito, tem o juiz de avaliar se a concessão se justifica, por razoavelmente permitir ultrapassar divergências existentes entre os credores e o devedor sobre elementos relativos aos créditos. Por outro lado, tendo em conta, desde logo, o prazo que a lei prevê para o efeito, mas também que estão em causa, por um lado, as observações dos credores e a posição que sobre eles tomar o devedor, e, de outro, a finalidade de obter acordo quanto ao pagamento das dívidas, só faz sentido observar o disposto no preceito (nº 4) depois de o devedor ter tomado posição sobre as observações dos credores. Quanto ao modo por que o devedor há-de aproveitar a oportunidade que lhe é dada, tem de se entender que o deve fazer após a notificação da decisão que lha concede.” Sobre esta matéria pronunciou-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/2011, citado pelo B… na sua contra-alegação, cujo sumário, dada a sua relevância, se transcreve: “I – O artigo 256º, nº 4 do CIRE confere uma faculdade que o Tribunal pode ou não exercer, tendo em conta a situação patrimonial do devedor e a satisfação dos interesses dos credores, pressupondo que o julgador proceda a um juízo de razoabilidade quanto à possibilidade de esses mesmos credores ultrapassarem as divergências existentes perante a apresentação de um novo Plano de Pagamentos. II – Trata-se, no fundo, de uma nova apreciação em que o Tribunal, face à posição expressa por todos os interessados perante o Plano de Pagamentos inicial, verifica da “probabilidade” ou não da aprovação de um novo Plano, análise que é efectuada em termos semelhantes aos já antes expressos nos termos do artigo 255º, nº 1 do CIRE”. Os atrás transcritos nºs 3 e 4 do artº 256º contemplam, se bem vemos, situações diversas, embora relacionadas entre si. No nº 3 prevê-se a hipótese de algum credor contestar a natureza, montante ou outros elementos do seu crédito tal como configurados pelo devedor, ou invocar a existência de outros créditos de que seja titular. Nesse caso, é o devedor notificado para, no prazo máximo de 10 dias, declarar se modifica ou não a relação dos créditos, só ficando abrangidos pelo plano de pagamentos os créditos cuja existência seja reconhecida pelo devedor, e apenas: (a) na parte aceite pelo devedor, caso subsista divergência quanto ao montante; (b) se for exacta a indicação feita pelo devedor, caso subsista divergência quanto a outros elementos. Mas o tribunal, tendo ou não os credores contestado nos termos previstos no referido nº 3 do artº 256º, pode, face às observações por eles feitas ou a outros elementos que indiciem a viabilidade de obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas, ter por conveniente dar oportunidade ao devedor de modificar o plano de pagamentos. Nesse caso tem aplicação a faculdade prevista no nº 4, sendo de cinco dias após a notificação para o efeito, o prazo para o devedor aproveitar a oportunidade que lhe é dada. Num caso e noutro serão, quando necessário, as eventuais modificações ou acrescentos a que o devedor proceda notificadas aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano, entendendo-se que mantêm a sua posição os credores que nada disserem no prazo de 10 dias (nº 5). Ou seja, a notificação expressamente prevista no nº 3 pressupõe que haja sido contestada por algum credor a natureza, montante ou outros elementos do seu crédito tal como configurados pelo devedor, ou invocada a existência de outros créditos de que seja titular. Por sua vez, a notificação implicitamente prevista no nº 4 pressupõe que, por julgar provável, nomeadamente em face das observações dos credores, a obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas, o tribunal entenda conveniente dar oportunidade ao devedor de modificar o plano de pagamentos inicialmente apresentado. Enquanto a notificação prevista no nº 3, verificados que estejam os respectivos pressupostos, corresponde a um acto imposto pela lei, alheio a qualquer juízo de oportunidade ou conveniência, outro tanto se não passa com a notificação prevista no nº 4, à qual é inerente aquele juízo. De qualquer modo, havendo fundamento para realizar as duas notificações, nunca, logicamente, a do nº 4 poderá preceder a do nº 3. Nos presentes autos verifica-se que os credores a que vimos fazendo referência – B…, C… e U… – além de terem declarado não aderir ao plano de pagamentos, contestaram os montantes dos seus créditos, indicados pelos devedores. Justificava-se, pois, em princípio, a notificação dos devedores prevista no nº 3 do artº 256º. E dizemos «em princípio» porque, nomeadamente no que respeita ao B.. e à C…, temos relutância em, sem uma explicação prévia, fazer a afirmação em termos absolutos. Com efeito, no tocante à contestação do Banco…, decorre da declaração feita pelo seu mandatário no formulário da resposta entregue por via electrónica que da mesma foi o mandatário dos devedores notificado (cfr. artºs 21º-A a 21º-C da Portaria nº 114/2008, de 06/02)[8]. A pergunta que se coloca, contudo, é a de saber se essa notificação preenche a previsão do nº 3 do artº 256º, dispensando outra, a realizar pelo tribunal. Parece-nos que não. Nos termos do artº 17º, o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE. O artº 229º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil estabelece que “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor, são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A” (sublinhado nosso). Ou seja, ainda que teoricamente nada impedisse que o legislador estendesse o regime do artº 229º-A à própria contestação, o certo é que não o fez, deixando a notificação desse articulado a cargo da secretaria e só onerando os mandatários das partes com as notificações dos actos processuais posteriores que devam ser praticados por escrito. No caso do incidente de aprovação do plano de pagamentos é a própria lei (artº 256º, nº 3) que utiliza o verbo contestar relativamente ao acto processual pelo qual algum credor impugna a natureza, montante ou outro elemento do seu crédito tal como configurados pelo devedor ou invoca a existência de outros créditos de que seja titular. De acordo com o artº 229º-A do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do artº 17º, a notificação prevista no artº 256º, nº 3, porque respeita a contestação (ou acto a ela legalmente equiparado), deve ser feita pela secretaria e não pelo mandatário do contestante. E se o mandatário do contestante, por sua iniciativa, procede à notificação, tal não dispensa, em nosso entender, a notificação a fazer pela secretaria, da qual o mandatário do devedor estará legitimamente à espera para contar o prazo legal de dez dias para declarar se modifica ou não a relação de créditos. Assim, pondo de parte a tomada de posição da C…, que verdadeiramente não integra contestação do montante do seu crédito tal como configurado pelos devedores, já que a correcção é para menos, os requerimentos do B.. e da U… consubstanciam verdadeiras contestações dos montantes dos seus créditos. Com efeito, os devedores relacionaram um crédito do B.. de € 236.877,00 e o credor contrapõe ascender o mesmo a € 373.716,07; e relacionaram um crédito da U… de € 14.046,00 e a credora reclama ser o mesmo de € 14.607,34. Por isso, afirmamo-lo agora com mais segurança, devia o tribunal ter notificado os devedores nos termos do artº 256º, nº 3. Não o tendo feito, omitiu-se um acto prescrito na lei, o que constitui irregularidade que, não sendo expressamente sancionada pela lei com nulidade, produzi-la-á, contudo, se for susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (artº 201º, nº 1 do Cód. Proc. Civil). E, se bem vemos, essa susceptibilidade existe. Com efeito, como oportunamente se referiu, o B.., declarou que não aderia ao plano de pagamentos apresentado, “porquanto o mesmo (não) inclui todas as responsabilidades dos insolventes, para com o Credor ora Requerente”, discriminando depois os montantes dos seus créditos sobre os devedores (sublinhado nosso). Isto é, invocou como causa da sua não adesão ao plano de pagamentos a omissão na relação dos créditos de algumas das responsabilidades dos devedores para consigo, o que permite a ideia de que, caso os devedores modificassem em conformidade aquela relação, outra poderia ser a sua postura quanto ao dito plano. E se os devedores, notificados nos termos do nº 3 do artº 256º, modificassem a relação dos créditos em conformidade com a pretensão do B… e este, por sua vez, desse a sua aprovação ao plano, os demais obstáculos poderiam, ao menos teoricamente, ser removidos através dos mecanismos do nº 4 do artº 256º e do artº 258º. Entende-se, portanto, que a omissão da notificação prevista no nº 3 do artº 256º constitui irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa, gerando, por isso, nulidade processual que importa a anulação de todos os actos posteriores absolutamente dependentes dessa omissão, nomeadamente, do despacho recorrido. Logram êxito, pois, as conclusões da alegação recursiva, o que conduz à procedência da arguição de nulidade processual nela feita e, por via disso, ao provimento da apelação e à anulação de todos os actos processuais subsequentes à omissão da notificação prevista no nº 3 do artº 256º, dela absolutamente dependentes, devendo tal notificação ser realizada, seguindo-se depois, a normal tramitação do incidente de aprovação do plano de pagamentos.
Sumário (artº 713º, nº 7 do CPC): I – Enquanto a notificação prevista no nº 3 do artº 256º do CIRE, verificados que estejam os respectivos pressupostos, corresponde a um acto imposto pela lei, alheio a qualquer juízo de oportunidade ou conveniência, outro tanto se não passa com a notificação prevista no nº 4, à qual é inerente aquele juízo. II – A notificação prevista no nº 3 do artº 256º do CIRE incumbe ao tribunal e a sua omissão não é suprida pela notificação eventualmente feita pelo mandatário do credor contestante. III – Tal omissão constitui irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa e, por isso, é geradora de nulidade processual. 3. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em dar provimento à apelação e, consequentemente: a) Em julgar procedente a arguição da nulidade processual integrada pela omissão da notificação a que alude o nº 3 do artº 256º do CIRE; b) Em anular todos os actos processuais subsequentes dessa omissão absolutamente dependentes; c) Em ordenar a realização da notificação omitida, seguindo-se depois a normal tramitação do incidente de aprovação do plano de pagamentos. As custas são a cargo da massa insolvente.
Artur Dias (Relator) Jaime Ferreira Jorge Arcanjo
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