Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/05.0TBCTB-F. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PRESTAÇÃO DE FACTO
EXECUÇÃO DE CUSTEAMENTO
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.849, 868, 871, 872, 876, 877 CPC
Sumário: 1. Em acção executiva para prestação de facto optando o exequente pela prestação por outrem passa a tramitar-se uma execução para pagamento de quantia certa, para obter o montante necessário à realização da prestação devida.

2.- Esta execução de custeamento tem carácter acessório ou instrumental da execução para prestação de facto, e corre incidentalmente com esta, correspondendo, pois, a dois tipos diversos de execução.

3.- Obtida aquela quantia necessária à realização da prestação devida, não se extingue, obviamente, a execução para prestação de facto.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório

1. Condomínio do Prédio sito na Rua x(...), Alcains, intentou acção executiva, para prestação de facto, contra clara MJ (…) MS (…), residentes em Alcains.

Invocou como título executivo a sentença proferida no processo declarativo, pela qual foram os executados condenados a abster-se de exercer na sua fracção, correspondente ao R/c do aludido prédio, a actividade de restauração, pizzaria e padaria; a retirarem as chaminés, condutas, ares condicionados e extractores; a deixarem de utilizar o anexo da fracção como salas de refeição; e a repor o terraço na sua forma primitiva. Mais requereram a fixação de sanção pecuniária compulsória.

Na oposição à execução, as partes transaccionaram, tendo sido acordado, além do mais, que os executados cumpririam a sentença exequenda em 90 dias e que a reposição do terraço na sua forma primitiva seria substituída por outra medida que especificaram.

O exequente optou pela prestação de facto por outrem, nos termos do art. 935º do CPC, o que foi deferido, à sombra do nº 2, do mesmo artigo, tendo-se efectuado a respectiva avaliação e efectuado penhora de bens dos executados. No dia de abertura de propostas em carta fechada, em 13.2.2014, a agente de execução informou ter sido depositada a quantia correspondente à dívida exequenda (sendo 4.900 € o valor da avaliação do custo das obras a executar) e custas prováveis, pelo que nos termos do art. 846º do NCPC a execução devia ser sustada. Foi então proferido despacho judicial a dar sem efeito tal diligência, mais se acrescentando em tal despacho que “devendo a execução para pagamento de quantia certa ser extinta e consequentemente a execução para prestação de facto”. Em 18.2.2014 a agente de execução comunicou às partes que a execução estava extinta, por pagamento voluntário, nos termos do art. 849º, nº 1, a), do NCPC. Em 21.5.2014 o exequente veio requerer fosse notificada a GNR de modo a que as obras necessárias ao cumprimento do sentenciado, designadamente retirada de chaminés, condutas, ares condicionados e extractores, fossem levadas a cabo, o que mereceu oposição dos executados, em 23.5.2014, alegando que havia acordo entre as partes, firmado noutro processo, com vista a suspender a instância na presente execução, a fim de chegarem a um entendimento mútuo, tendo o exequente respondido que nunca houve se chegou a entendimento algum mútuo, pelo que o processo devia prosseguir.

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Em seguida foi proferido despacho judicial nos seguintes termos “Atenta a posição do exequente, prossigam os presentes autos de execução” 

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2. Os executados interpuseram recurso, tendo formulado conclusões que ora se sintetizam (por não estarem disponíveis em formato editável):

A) O despacho recorrido é nulo, por não estar fundamentado de facto e de direito;

B) Na presente execução para prestação de facto após o exequente ter optado pela sua prestação por outrem seguiu-se os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa, nos termos do disposto no art. 935º, nº 2, do CPC (anterior redacção), execução que foi extinta conforme comunicação da agente de execução de 18.2.2014;

C) O despacho recorrido, ao ordenar a prossecução da execução é ilegal, devendo ser tal decisão revogada e mantendo-se a extinção dos autos.

3. A exequente contra-alegou, concluindo como segue:

a) Os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do Item III das Alegações de Recurso são uma repetição do que vem anteriormente exposto pelos recorrentes, e que se limitam a relatar a evolução processual havida, provocada aliás pelo seu repetido incumprimento.

b) Sem qualquer repercussão no despacho de que os recorrentes dizem recorrer (artº 10 e 11 do Item III)

c) Não colhe a argumentação dos recorrentes M... e mulher quanto à falta de fundamentação e ilegalidade do despacho recorrido.

d) Os recorrentes voltam a, fastidiosamente, repetir-se para concluir aquilo que ninguém pôs em dúvida; ou seja, que as execuções de prestação de facto e do pagamento de quantia certa se encontram extintas.

e) Situação esta que nunca foi posta em crise até porque para se avançar para a execução definitiva da sentença proferida no Processo 95/05.0TBCTB, o que se pretendeu concretizar na Execução 95/05.0TBCTB-A, seria indispensável que aquelas mencionadas execuções de prestação de facto e de pagamento de quantia certa se mostrassem extintas e resolvidas.

f) O despacho ora recorrido é uma mera repetição de despachos já anteriormente proferidos nos autos, ou seja a concretização da sentença proferida no processo principal e que os ora recorrentes teimam em não cumprir.

TERMOS EM QUE

Deve manter-se o despacho ora recorrido e, em conformidade dar continuidade às diligências de execução.

E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade do despacho.

- Extinção da execução.

2. Nos termos do art. 613º, nº 3, ex vi do art. 615º, nº 1, do NCPC, é nulo o despacho quando:

b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

Na verdade ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, em consonância com o determinado no art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC.

No caso, porque se tratou de um simples despacho de prosseguimento da execução não se exigia um rigoroso elencar dos factos provados, pois tal despacho só pode ser lido nos termos da tramitação processual ocorrida, perfeitamente a par das partes.

Já quanto à parte de direito julgamos que se impunha uma explicação da posição tomada, porquanto o processo assumiu uma postura pouco clara a partir do momento em que a agente de execução considerou que houve lugar à extinção da execução, entendimento sustentado na prévia tomada de posição, mas não decisão, da Sra. Juíza que após dar sem efeito a venda judicial considerou que devia ser extinta a execução para pagamento de quantia certa e consequentemente, mas equivocamente, a execução para prestação de facto. O que gerou inevitavelmente a situação dúbia de que os ora recorrentes se pretendem prevalecer. Por conseguinte, face a tal situação impunha-se que se fizesse tal clarificação, com fundamentação jurídica adequada, não bastando dizer secamente que “prossigam os presentes autos de execução”.

Assim, face à total ausência da fundamentação de direito o despacho recorrido padece da apontada nulidade. Como tal, este tribunal suprirá a nulidade conhecendo de fundo do objecto da apelação (art. 665º, nº 1, do NCPC).   

3. E avançamos, desde já, que os apelantes não têm qualquer razão, pretendendo prevalecer-se duma suposta extinção da execução para prestação de facto que não existe, de modo nenhum, o que só pode dever-se a desatenção ou então a intenção de escapar às obrigações que sobre os mesmos impendem.

Sabemos que o exequente optou pela prestação do facto devido por outrem, o que implicou a avaliação do custo da prestação devida, a penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada e o seguimento dos demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa (art. 935º do CPC = ao actual art. 870º do NCPC).

Nesta hipótese, de escolha do credor da prestação do facto por outrem o ritualismo está enumerado desde há muito tempo nos arts. 936º a 938º do CPC (suas diversas versões de 1961, 1995 e 2003) e semelhante aos arts. 871º a 873º do NCPC). Os passos são os seguintes, conforme ilustra L. Freitas, em A Acção Executiva (À luz do CPC de 2013), 6ª Ed., págs. 456/457, e E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Ed. (reimpressão de 1992), págs. 691/695.

Feita a avaliação, procede-se à penhora dos bens do executado necessários ao custeamento da prestação e ao pagamento das custas, seguindo-se a tramitação do processo de execução para pagamento de quantia certa, a realização da prestação tem lugar extrajudicialmente, podendo ser feita pelo próprio exequente, ou por terceiro por ele contratado, fiscalizado e pago. Concluída a prestação o exequente presta contas do seu custo, que o executado pode contestar, seguindo-se os termos do processo de prestação de contas. Aprovadas as contas, o crédito que delas resultar para o exequente (e que poderá ser superior ou inferior ao montante da avaliação efectuada pericialmente) é pago pelo produto obtido na execução de custeamento. Se ele não chegar, procede-se à penhora e venda de novos bens, até que o exequente seja integralmente pago.

Saliente-se, ainda, que, não sendo obtida do executado a importância estimada com o custo da obra, o exequente pode, a todo o tempo, desistir da prestação de facto e pedir o levantamento da quantia apurada na execução de custeamento, desde que não esteja iniciada a prestação de facto.

É este o ritualismo processual, simples e lógico, que se desenvolve já há muito tempo desde as diversas versões do CPC e agora com o NCPC.

Como não podia deixar de ser, pois o processo executivo visa facultar ao exequente a satisfação da prestação que o executado não cumpriu voluntariamente (art. 4º, nº 3, do CPC, e 10º, nº 4, do NCPC) mediante a realização coactiva da prestação.

Ou seja, no nosso caso a execução de custeamento apenas visou a obtenção do montante necessário à realização das obras devidas para cumprimento do previamente sentenciado, tendo seguido os termos da execução para pagamento de quantia certa, como comanda a lei. Trata-se de uma execução de custeamento, com carácter acessório ou instrumental da execução para prestação de facto, e que corre incidentalmente com esta, correspondendo, pois, a dois tipos diversos de execução, admitidos expressamente pela lei, como decorre expressamente dos arts. 936º, nº 1, e 937º do CPC, e 871º, nº 1, e 872º do NCPC. O que acontece, aliás, em paralelo noutras situações no âmbito da acção executiva para prestação de facto, tal como quando se cumula a execução de facto por outrem com a indemnização moratória (art. 933º, nº 1, 1ª parte do CPC, e 868º, nº 1, 1ª parte do NCPC) ou se pede a demolição da obra, prevista no caso de violação de obrigação negativa, e também indemnização pelo prejuízo sofrido (arts. 941º, nº 1, e 942º, nº 1, do CPC, e 876º, nº 1, e 877º, nº 1, do NCPC) – vide neste sentido L. Freitas, ob. cit., pág. 458.         

Desta sorte, obtida na execução de custeamento a quantia correspondente à avaliação pericial para realização das obras necessárias ao sentenciado, obviamente que a execução para prestação de facto tem de prosseguir, aguardando-se que o exequente realize extrajudicialmente as obras (se necessário, e se assim for determinado, com assistência da autoridade policial), e depois preste as devidas contas, seguindo-se depois a tramitação processual fixada na lei processual.  

Esclareça-se que a execução que foi considerada extinta foi a execução de custeamento, como resulta da actividade da agente de execução, pois depositado pelos recorrentes a quantia correspondente à realização das obras e às custas a mesma requereu a sustação da execução, o que foi deferido, e a seguir comunicou às partes que tal execução estava extinta. E ao contrário do que os recorrentes afirmam não foi tomada nenhuma decisão de extinção da execução por parte da Sra. Juíza, tendo apenas a mesma se limitado a considerar que “devendo a execução para pagamento de quantia certa ser extinta” - o sublinhado é nosso -, o que nada tem de incorrecto juridicamente falando, pois tal execução de custeamento devia efectivamente considerar-se extinta. Diga-se, inclusive, que actualmente não existe necessidade de proferir qualquer sentença judicial a declarar extinta a execução, como acontecia anteriormente à sombra do art. 919º, nº 2, do CPC (versão de 1995), decorrendo tal extinção automaticamente da lei, nos termos do art. 849º do NCPC.

Como assim, ao ordenar o prosseguimento da execução para prestação de facto o tribunal a quo agiu acertadamente em absoluto respeito pela lei.

Finalmente, não podemos terminar sem deixar de notar a incongruência dos recorrentes na sua actual postura processual, defendendo que a execução está extinta desde 13.2.2014 ou 18.2.2014, quando é certo que depois da suposta extinção eles próprios, em 23.5.2014, vieram alegar que havia acordo entre as partes, firmado noutro processo, com vista a suspender a instância na presente execução. O que é surpreendente !

Desta maneira, face ao explanado não procede a apelação.    

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Em acção executiva para prestação de facto optando o exequente pela prestação por outrem passa a tramitar-se uma execução para pagamento de quantia certa, para obter o montante necessário à realização da prestação devida;

ii) Esta execução de custeamento tem carácter acessório ou instrumental da execução para prestação de facto, e corre incidentalmente com esta, correspondendo, pois, a dois tipos diversos de execução;

iii) Obtida aquela quantia necessária à realização da prestação devida, não se extingue, obviamente, a execução para prestação de facto.

  

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido.

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Custas pelos recorrentes.

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  Coimbra, 20.1.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias