Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
640/09.2T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA ORDENACIONAL
SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 07/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 27º,28º E 32ºDO DL 433/82 DE 27/10
Sumário: 1.Estando em causa contra - ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo de € 476.00, tendo os factos sido praticados em 29 de Maio de 2008 e não tendo havido causa de suspensão da prescrição conforme artigo 27ºA do DL 433/82 de 27/10, o procedimento prescreveu em 29 de Novembro de 2009.
Decisão Texto Integral:


TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
4ª Secção
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Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos presentes autos foi a sociedade “Transp… S.A.” condenada como autora de duas contra-ordenações de acesso não autorizado a zona internacional do porto, previstas e punidas pelos artº 193º, nº 1, 204º, nº 2 e 208º da Lei nº 23/2004, de 4 de Julho, em duas coimas de € 250,00 e em cúmulo de ambas, na coima única de € 350,00.
Inconformada, a condenada impugnou judicialmente esta decisão.
Em sede de audiência de julgamento, invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Na sequência, o tribunal a quo proferiu a seguinte sentença:
“Transp… SA, pessoa colectiva com o n° 50075… com sede … em Lisboa,
Veio impugnar judicialmente a decisão proferida Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Ministério da Administração Interna – que lhe aplicou a coima única no valor de Euros.: 350,00 (trezentos e cinquenta euros), pela prática de duas contra-ordenações, p.p. pelos artigos 193°, n01, 207°, nº 1 e 208° da Lei n° 23/2007, de 4 de Julho, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
a) o acesso à zona internacional dos portos e aeroportos apenas é condicionada a cidadãos estrangeiros, não havendo qualquer restrição quanto a cidadãos nacionais;
b) assim sendo, os motoristas da recorrente que se encontravam na zona internacional do porto de Aveiro, ambos de nacionalidade portuguesa, não necessitavam de qualquer autorização.
Pede, em consequência, que o recurso seja considerado procedente e a recorrente absolvida.
O Tribunal é competente.
Nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.
No início da audiência de julgamento, veio a recorrente invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Alega, para tal, que já decorreram mais de 18 meses entre a data da prática dos factos (29/05/08) e a data da notificação do despacho para exame preliminar (02/12/2009).
Sendo o prazo de prescrição de 1 ano, verifica-se a alegada prescrição.
Cumpre apreciar e decidir.
A contra-ordenação em causa é punida com coima de €: 159,00 a €: 476,00 (artigos 193°, nº 1, 204° e 208° da Lei 23/2007, de 4 de Julho, pelo que o prazo de prescrição é de um ano (al. c) do art. 27° do RGCOC).
Os factos ocorreram em 29 de Maio de 2008 pela que a prescrição teria lugar a 29 de Maio de 2009.
Contudo, e segundo o art. 28°, nº 1, al. a) do referido diploma legal, a prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompe-se com a notificação à recorrente para o exercício do seu direito de defesa, efectuada ao abrigo do art. 50º do RGCOC e que ocorreu em 30 de Janeiro de 2009.
A partir desta data iniciou-se nova contagem do prazo de prescrição que, neste momento, se encontra suspenso desde 3 de Dezembro de 2009, data em que a recorrente foi notificada do despacho que procedeu ao exame preliminar do presente recurso, o que acontecerá até à data da decisão final do mesmo, conforme decorre dos artigos 27°-A, nº 1, al. c) e 28º, nº 3 do referido diploma legal.
Pelo exposto, não se verifica a invoca da prescrição.
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Procedeu-se à audiência de julgamento de onde resultaram provados os seguintes factos:
1 - No dia 29 de Maio de 2008, pelas 10h45m e 11h15m, na área de cargas do terminal sul do Porto de Aveiro, sito em Vilarinho, Cacia, Aveiro, encontravam-se dois cidadãos de nacionalidade portuguesa de nome C e M ambos ao serviço da recorrente, conduzindo os veículos pesados de mercadorias de matrícula VB---- e ----CB e efectuando movimentação de carga;
2 - Estes funcionários não possuíam autorização do SEF para aceder ao local supra-referido;
3 - A arguida não agiu com o cuidado e a diligência a que estava obrigado.
A factualidade apurada e anteriormente descrita fundou-se no auto de notícia de fls. 4 e 5 e de fls. 7 e 8.
Segundo o art. 8°, nº 1 o acesso à zona internacional dos portos e aeroportos, em escala ou transferência de ligações internacionais, por parte de cidadãos estrangeiros sujeitos à obrigação de visto de escala nos termos da presente lei, fica condicionado à titularidade do mesmo.
De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, a zona internacional do porto é de acesso restrito e condicionado à autorização do SEF.
Entende a recorrente que estando em causa a presença de dois cidadãos de nacionalidade portuguesa na zona internacional do porto de Aveiro, os mesmo não necessitavam de qualquer autorização do SEF uma vez que a lei apenas impõe a necessidade de concessão da mesma a cidadãos estrangeiros.
De acordo com o art. 3°, al. u) da Lei n° “zona internacional do porto ou aeroporto" é a zona compreendida entre os portos de embarque e desembarque e o local onde forem instalados os pontos de controlo documental de pessoas”.
Por seu turno, o artigo 8°, nº 1 da referida lei estabelece que "O acesso à zona internacional dos portos e aeroportos, em escala ou transferência de ligações internacionais, por parte de cidadãos estrangeiros sujeitos à obrigação de visto de escala nos termos da presente lei, fica condicionada à titularidade do mesmo".
A zona internacional do porto é de acesso restrito e condicionado à autorização do SEF (nº 2 do referido artigo).
Entende a recorrente que nada na lei prevê a não acessibilidade de cidadãos portugueses à zona internacional do Porto de Aveiro não se verificando, assim, a exigência de autorização prevista na lei.
Para que tal ocorresse teria que constar expressamente da lei que aos cidadãos nacionais também seria vedado o acesso a tal local.
Salvo o devido respeito, não concordamos com a interpretação efectuada pela recorrente.
O já referido art. 8°, nº 2 estabelece a necessidade de autorização do SEF para acesso à zona internacional do porto, sendo que essa autorização diz respeito ao local em si, não consistido numa obrigação imposta a qualquer categoria de cidadão; ou seja, a restrição verifica-se relativamente a quaisquer cidadãos, quer estrangeiros quer nacionais.
O acesso a essa zona está reservado a quem para tal tenha autorização do SEF, a qual, nos termos do art. 3°, nº 1 do Decreto Regulamentar n° 84/2007, de 5 de Novembro, li “… é válida pelo tempo estritamente necessária à concretização da finalidade que motivou a sua concessão”.
Assim sendo, e pelos motivos supra-expostos entendo não assistir razão à recorrente mantendo-se a decisão recorrida.
Perante o exposto, julgo improcedente a presente impugnação mantendo a decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - Ministério da Administração Interna.”
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“a) O procedimento contra-ordenacional encontra-se prescrito nos termos dos art.ºs 27° e 28°, n.º 3 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
b) Face ao período prescricional aplicável de um ano, acrescido de metade, o mesmo ocorreu em 29 de Novembro de 2009, antes da verificação de qualquer causa de suspensão.
c) Para a contagem do prazo prescricional nos termos do nº 3 do Artº 28°, não se contabilizam as interrupções, mas apenas as suspensões.
d) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no Artº 28°, nº 3 do RGCO.”
Nestes termos, deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que determine a absolvição da recorrente e, assim, fazendo a costumada Justiça!
Respondeu o Ministério Público defendendo que o recurso merece provimento.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questão a decidir: Prescrição do procedimento contra-ordenacional

Apreciando:
O Regime Geral das Contra-ordenações é aplicável a qualquer regime normativo contra-ordenacional que especificamente o não contrarie, o que acontece no caso em análise.
Temos assim que nos presentes autos, tendo a coima aplicável o limite máximo de € 476,00, o prazo de prescrição é, nos termos do artº 27º, alínea c., do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro[ Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem ], de 1 (um) ano.
Os factos ocorreram em 29 de Maio de 2008, data em que começou a decorrer a prescrição (artº 27º).
Em 30 de Janeiro de 2009, ou seja, 8 (oito) meses e 1 (um) dia depois, interrompeu-se o prazo de prescrição com a notificação à arguida para exercício do seu direito de defesa (artº 28º, alínea c.).
Voltou então a decorrer novo prazo (art.ºs artigo 32.º do RGCO e 121.º, n.º 2 do Código Penal), que se viria a interromper em 19 de Agosto de 2009, ou seja, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias depois, ao ser proferida decisão condenatória (artº 28º, alínea d.)
Tornou a correr novo prazo prescricional.
Em 29 de Novembro de 2009, ou seja, antes que tivesse sido o recorrente notificado do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso (artº 27º-A, nº 1, alínea c.), perfizeram-se dezoito meses sobre a data da prática das contra-ordenações.
Por isso, procedimento contra-ordenacional prescreveu nesta data (artº 28º, nº 3).
Assim sendo, acorda-se em julgar procedente o recurso e consequentemente, declara-se extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional.
Sem custas.
Coimbra, 7 de Julho de 2010