Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
170/11.2TMGR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PREJUÍZO
CREDOR
JUROS
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.18º, 186º, 236º, 237º E 238º CIRE
Sumário: 1.- O deferimento inicial do requerimento para exoneração do passivo restante depende não apenas da não verificação dos fundamentos de indeferimento previstos no artigo 238º do CIRE, mas também, numa interpretação teleológica e em conformidade com a Constituição, da verificação da possibilidade de satisfação de um mínimo do passivo existente, mediante a liquidação do activo existente e pela cessão do rendimento disponível durante cinco anos.

2 - No caso de eventual atraso na apresentação à insolvência, o simples avolumar do passivo decorrente da contagem de juros de mora sobre o capital em dívida não integra a causação de prejuízo aos credores para os efeitos previstos na alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE.

3.- Tendo sido proferida decisão judicial a declarar fortuita a insolvência da requerente do incidente de insolvência, não deve o incidente de exoneração do passivo restante ser indeferido com base no disposto no disposto no artigo 238º, nº 1, alínea e), do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            No Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, ML (…) aliás, ML (…)[1], veio apresentar-se à insolvência, apresentando, simultaneamente, plano de pagamento e requerendo, subsidiariamente, a exoneração do passivo restante.

            Para fundamentar as suas pretensões, em síntese, a requerente alegou que em 2005, para auxiliar um familiar, contraiu um empréstimo no montante de € 11.245,00, tendo em 2008, para a mesma finalidade, contraído novo empréstimo, desta feita no montante de € 14.374,00. Alegou que tem um encargo mensal de € 668,00 para amortização dos empréstimos que contraiu, sendo que aufere uma pensão de reforma no montante mensal de € 1.003,43 e vive na companhia de sua mãe, de noventa e dois anos de idade.

            A 29 de Abril de 2011 foi proferido despacho a dar por findo o incidente de Plano de Pagamento em virtude do plano proposto não ter sido aprovado por todos os credores.

            A 30 de Maio de 2011, além do mais, ML (…)s foi convidada a apresentar nova petição inicial, com suporte documental, se possível, “especificando quais as obrigações já vencidas (não as que está a pagar em prestações dos créditos contratados), indicando credor, data de vencimento, valor do crédito e natureza a cujo cumprimento faltou; considerando que alega viver com a mãe, indicar de forma precisa: quais os rendimentos desta (que compõe seu agregado familiar) e ainda indicar se habita em imóvel próprio ou da progenitora, caso em que deverá esclarecer se algum deles se encontra arrendado, e em caso afirmativo, qual o valor mensal da renda.”

            A 07 de Junho de 2011, em resposta ao convite para aperfeiçoamento da petição inicial que lhe foi endereçado, ML (…) veio oferecer nova petição inicial onde veio alegar que padece de uma incapacidade parcial permanente de 71 %, que sua mãe aufere uma pensão no valor mensal de cerca de € 400,00, que vive juntamente com sua mãe em casa que lhe pertence, despendendo, mensalmente, em água, luz, gás e telefone cerca de € 70,00, em serviços de cuidados de higiene diária a sua mãe, o montante de € 120,00, em serviços domésticos na casa onde habita, o montante de € 140,00, em serviço de refeições diárias ao domicílio, o montante de € 172,00 e em despesas de farmácia o valor aproximado de € 200,00. Mais alegou que o empréstimo contraído em 2005 se destinou a auxiliar um sobrinho, toxicodependente, hoje com trinta e sete anos de idade e que criou desde os seis meses de idade deste e para pagamento do custo de drogas duras, pois aquele havia sido ameaçado de morte caso não pagasse o referido montante, tendo o montante do segundo empréstimo sido destinado também ao mesmo sobrinho. Alegou que nesse momento apenas tinha dois credores, tendo liquidado a dívida de € 498,00 que havia contraído junto da Caixa Geral de Depósitos. Referiu que não cumpriu os acordos de pagamento relativos aos empréstimos contraídos para auxílio de seu sobrinho, pelo que se venceram todas as prestações, tendo-lhe sido exigido, a partir daí, o pagamento do capital e juros respeitantes a ambos os empréstimos, tendo o crédito hipotecário contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria regularizado.

            A 13 de Junho de 2011 foi proferido o seguinte despacho:

            - “Fls. 95 e segs.: nos autos. A Requerente vem esclarecer apenas em parte o seu passivo, alegando que a situação com a entidade bancária está regularizada e que apenas se encontra vencido o crédito que sobre ela detêm (…) o qual é garantido por hipoteca. Todavia, que não tem sequer acções judiciais pendentes. Mal se compreende então na falta de junção de qualquer documento de interpelação para o cumprimento por parte do credor, de onde retira o alegado vencimento sob o artigo 31. Visto que protesta juntar documentos sob os art.s 8.º e 12, concede-se um último prazo de 5 dias para juntar os mencionados documentos e ainda o que lhe aprouver no que tange ao ponto retro indicado.

            Com as legais consequências já cominadas no despacho de fls. 91 e segs..[2]

            A 20 de Junho de 2011, ML (…) veio oferecer dois documentos, alegando, em síntese, que à data da apresentação do plano de pagamento aos seus credores não tinha a sua situação regularizada junto de nenhum dos credores, que apenas tinha feito tentativas infrutíferas de pagamentos extrajudiciais, tendo sido interpelada pessoalmente ao pagamento pelo Sr. (…) o que a determinou a apresentar-se à insolvência como meio de impedir a perda da sua casa de habitação.

            A 28 de Junho de 2011, foi proferida sentença que declarou a insolvência de ML (…), não se enunciando quaisquer factos provados e justificando-se esta decisão com a afirmação de que implicando a apresentação à insolvência o reconhecimento pelo devedor dessa situação e não tendo a requerente outros bens ou rendimentos para além dos indicados, era patente que esta se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.

            O Sr. Administrador da Insolvência apresentou o relatório a que se refere o artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3] em que se pronunciou no sentido de ser deferido o requerimento para exoneração do passivo restante.

            Realizou-se a assembleia de credores, sendo concedido prazo aos credores para, querendo, se pronunciarem, por escrito, sobre o requerimento para exoneração do passivo restante.

            A 02 de Setembro de 2011 foi proferida decisão que com base no disposto no artigo 238º, nº 1, alínea d) do CIRE indeferiu o requerimento de ML (…)s para exoneração do passivo restante.

            Inconformada com esta decisão, ML (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. O despacho ora recorrido aplicou incorrectamente o disposto no artigo 238.º do CIRE;

2. Porquanto não se encontram preenchidos “in casu” os requisitos cumulativos aí elencados;

3. Houve erro na apreciação dos factos, o que motivou a aplicação incorrecta do Direito, neste caso, do disposto no artigo 238.º n.º 1 alínea d), do CIRE;

4. Resulta dos autos em concreto, quer do alegado pela Requerente, quer pelos docs. Juntos aos autos com a P.I., quer mesmo do despacho do Tribunal a quo transcrito no ponto 18.1 “(…)A Requerente vem esclarecer apenas em parte o seu passivo, alegando que a situação com a entidade bancária está regularizada e que apenas se encontra vencido o crédito que sobre ela detêm Afonso Caminho o qual é garantido por hipoteca. Todavia, que não tem sequer acções judiciais pendentes. Mal se compreende então na falta de junção de qualquer documento de interpelação para o cumprimento por parte do credor, de onde retira o alegado vencimento sob o artigo 31.,”que o incumprimento da Recorrente só se verificou a partir de Janeiro de 2011, mês em que a mesma foi interpelada para cumprimento pelo Sr. (…);

5. Quando se apresentou à Insolvência estava dentro do prazo dos 6 meses estipulados.

6. Ainda que assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se concede, importa então apurar se uma eventual apresentação tardia da ora Recorrente se repercutiria negativamente na situação dos credores;

7. Dessa situação de incumprimento não resultou prejuízo para os credores, no sentido em que esse prejuízo só pode aferir-se desde a data do incumprimento de cada uma dessas obrigações.

8. Incumprimento esse que é recente, como se referiu.

9. Sendo importante sublinhar que a Recorrente apresentou um plano de pagamento judicial, feito na medida das suas possibilidades financeiras, tendo em vista a satisfação dos credores.

10. Plano de Pagamentos este que, após apreciação, foi rejeitado apenas por um dos dois credores.

11. Os contratos dos dois únicos credores estão garantidos através de hipoteca do imóvel, propriedade da apelante.

12. No âmbito do CIRE os créditos continuam a vencer juros, que são considerados créditos subordinados, a serem pagos depois dos demais créditos – art.º 48 n.º 1b) do CIRE.

13. O vencimento de juros em si não prejudica os credores, pelo contrário, destina-se a compensá-los pela mora. O que os prejudicará é não obterem o pagamento desses juros por insuficiência do activo.

14. Não é o simples acumular dos juros que consubstancia o prejuízo para o credor.

15. Do exposto resulta que não se pode associar automaticamente o “prejuízo dos credores” ao atraso do devedor na apresentação à insolvência, sob pena de se tornar inútil a autonomização deste pressuposto como requisito do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

A recorrente termina as suas conclusões pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão sob censura e substituindo-se a mesma por outra que defira o pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto na alínea b), do artigo 237º do CIRE.

Não foram oferecidas contra-alegações.

As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o eventual preenchimento da previsão da alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE e apenas recorrente se pronunciou, pugnando pelo não preenchimento da aludida previsão legal e requerendo a junção de dois documentos.

Apenas um dos dois documentos foi admitido, entendendo-se que o mesmo continha matéria passível de consubstanciar uma ampliação da causa de pedir, razão pela qual foram os restantes sujeitos processuais notificados para, querendo, darem o seu acordo expresso à aludida ampliação.

Os restantes sujeitos processuais não se pronunciaram, tendo sido proferido despacho pelo relator a não admitir a aludida ampliação da causa de pedir.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Do preenchimento do fundamento legal de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante previsto na alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE;

2.2 Do eventual preenchimento do fundamento legal de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante previsto na alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE.

3. Fundamentos de facto, em parte ínfima pressupostos na decisão sob censura[4], bem como dos decorrentes do exercício dos poderes deste tribunal de Relação no julgamento da matéria de facto


3.1

            ML (…) nasceu a quinze de Outubro de 1951, é solteira e é filha de J (…) e de A (…) (documento autêntico junto de folhas 53 e 54).

3.2

            A (…) nasceu a quinze de Novembro de 1919 e casou a oito de Junho de 1941 com J (…), casamento que se dissolveu por óbito do marido a 19 de Maio de 1989 (documento autêntico junto de folhas 61 e 62).

3.3

            No dia 21 de Setembro de 2005, no Cartório Notarial de Leiria, ML (…) confessou-se devedora a A (…) da quantia de onze mil duzentos e quarenta e cinco euros, constituindo hipoteca para garantia do pagamento desse montante sobre a fracção “N”, terceiro andar frente, destinado a habitação, tipo T dois e garagem individual na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida x... e Rua y..., freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o número ..., e inscrito na matriz sob o artigo ... (documento autêntico de folhas 55 a 57).

3.4

            No dia 22 de Outubro de 2008, no Cartório Notarial da Marinha Grande, ML (…) confessou-se devedora a A (…) da quantia de catorze mil trezentos e setenta e quatro euros, proveniente de um empréstimo que este lhe concede, obrigando-se a restituir a quantia ora mutuada em prestações iguais, mensais e sucessivas, no montante de duzentos euros cada, com início em Janeiro de 2009, no prazo de cinco anos, podendo a devedora antecipar total ou parcialmente o pagamento, ficando por conta da mutuária todas as despesas de segurança e cobrança do empréstimo, incluindo as desta escritura, seu registo e distrate, acrescendo ao montante em dívida à data de Setembro de 2009, juros de sete por cento ao ano, constituindo hipoteca para garantia do pagamento desse montante sobre a fracção “N”, terceiro andar frente, destinado a habitação, tipo T dois e garagem individual na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida x... e Rua y..., freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o número ..., e inscrito na matriz sob o artigo ... (documento autêntico de folhas 58 a 60).

3.5

            A 18 de Dezembro de 2003, ML (…), na qualidade de mutuária, subscreveu documento escrito em que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL concedeu à mutuária um empréstimo no montante de quarenta mil euros, empréstimo destinado à aquisição de habitação própria e permanente que se compõe de “Apartamento com hall, cozinha, despensa, sala, 2 quartos, casa de banho, corredor, varandas e garagem, na Av. x..., ... Frente, na Marinha Grande, freguesia e concelho de Marinha Grande”, registada na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, sob o nº .../Marinha Grande e então omisso na matriz urbana, iniciando-se o empréstimo em 19 de Dezembro de 2003 e sendo reembolsado em duzentas e dezasseis prestações mensais e sucessivas de capital e juros, sendo o montante em dívida a 25 de Novembro de 2010 de € 28.219,70 (documentos de folhas 66 a 74).

3.6

            Pela apresentação nº 13, de 24 de Novembro de 2003, está inscrita a aquisição do direito de propriedade a favor de ML (…) sobre a fracção N, terceiro andar frente, destinada a habitação, tipo T 2, com 83 m2 e garagem individual na cave com 15 m2, fracção do prédio constituído em propriedade horizontal composto de rés-do-chão com lados direito e esquerdo, primeiro, segundo e terceiro andares com lados direito, frente e esquerdo do logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 59.531,75 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, freguesia da Marinha Grande, sob o nº .../20020514, imóvel avaliado em € 60.500,00 em Julho de 2011 (documentos autênticos de folhas 75 a 80 e 82 a 83 e folhas 112 – inventário de bens elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência).

3.7

            Pela apresentação nº 14, de 24 de Novembro de 2003, com referência à fracção N do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, freguesia da Marinha Grande, sob o nº .../20020514, foi inscrita hipoteca voluntária, a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, para garantia do pagamento do capital de quarenta mil euros, juro anual de 6,20 %, acrescido de 4 % na mora, a título de cláusula penal, despesas de quatro mil euros, sendo o montante máximo assegurado de cinquenta e seis mil duzentos e quarenta euros (documento autêntico de folhas 75 a 80).

3.8

            Pela apresentação nº 1, de 24 de Abril de 2006, com referência à fracção N do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, freguesia da Marinha Grande, sob o nº .../20020514, foi inscrita hipoteca voluntária, a favor de A (…), para garantia do pagamento do capital de onze mil duzentos e quarenta e cinco euros (documento autêntico de folhas 75 a 80).

3.9

            Pela apresentação nº 39, de 30 de Janeiro de 2008, com referência à fracção N do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, freguesia da Marinha Grande, sob o nº .../20020514, foi inscrita penhora a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL, para garantia do pagamento da quantia exequenda de quarenta mil novecentos e vinte e três euros e oitenta cents (documento autêntico de folhas 75 a 80).

3.10

            Pela apresentação nº 3, de 18 de Novembro de 2008, com referência à fracção N do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, freguesia da Marinha Grande, sob o nº .../20020514, foi inscrita hipoteca voluntária, a favor de A (…), para garantia do pagamento do capital de catorze mil trezentos e setenta e quatro euros e juro anual de 7 %, sendo o montante máximo assegurado de dezassete mil trezentos e noventa e dois euros e cinquenta e quatro cents (documento autêntico de folhas 75 a 80).

3.11

            O valor referido em 3.3 foi utilizado para socorrer um sobrinho de ML (…) hoje com 37 anos e que criou desde os seis meses que, sendo toxicodependente, foi ameaçado de morte por pessoas relacionadas com tráfico de droga caso não liquidasse determinada quantia decorrente de consumo de drogas duras (artigo 18º da petição aperfeiçoada).

3.12

            O valor referido em 3.4 foi novamente para o sobrinho ML (…)s que prometia sempre devolver o dinheiro à tia, desculpando-se com a sua doença e com promessas de tratamento dessa dependência (artigo 21º da petição aperfeiçoada)

3.13

            A 25 de Novembro de 2010, do registo criminal de ML (…) não constava qualquer registo (documento autêntico de folhas 85).

3.14

            A 11 de Junho de 2008, ML (…) foi submetida a junta médica tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente global de 71 %, consignando-se que a doença se reportava a 2004 (documento de folhas 46).

3.15

            ML (…) tem problemas do foro oftamológico (glaucoma crónico de ângulo aberto evolutivo grave, quadro de cegueira legal por glaucoma no olho direito e quadro de glaucoma no olho esquerdo de difícil controlo, que lhe limitam de modo significativo a sua actividade profissional), auditivo (hipoacusia bilateral que lhe conferem uma incapacidade parcial permanente de 30 %) e osteoarticular (documentos de folhas 47, 48, 49 e 50).

3.16

            Durante o ano de 2010, ML (…) recebeu da Caixa Geral de Aposentações uma pensão mensal no montante de € 1.016,65, recebendo o valor líquido de € 1.003,43 (documento de folhas 63).

3.17

            A 30 de Junho de 2010, a Central de Responsabilidades de Crédito, do Banco de Portugal, relativamente a ML (…) registava:

- débito à Caixa Geral de Depósitos, no montante de € 498,00, resultante de descobertos em depósitos à ordem, sendo a situação de tal crédito regular;

- débito à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL, derivado de crédito à habitação, vencido há mais de um mês e há menos de dois meses, no montante de € 423,00, garantido por hipoteca, situação que se achava regularizada a 07 de Setembro de 2010;

- débito à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL, derivado de crédito à habitação, no montante de € 28.934,00, garantido por hipoteca, sendo a situação de tal crédito regular (documentos de folhas 64 e 65).


3.18

            ML (…) vive na companhia de sua mãe, na casa de que é proprietária, auferindo sua mãe uma pensão de reforma no montante mensal de € 488,96 (artigos 5º e 9º do requerimento inicial aperfeiçoado e documento de folhas 97).

3.19

            Quer ML (…), pela sua incapacidade, quer a mãe desta, pela sua idade, necessitam da ajuda de terceiros para as auxiliar nas diversas tarefas quotidianas (artigo 6º da petição aperfeiçoada).

3.20

            ML (…) e sua mãe suportam mensalmente cerca de € 70,00, a título de despesas com água, luz, gás e telefone (artigo 10º da petição aperfeiçoada).

3.21

            ML (…) e sua mãe suportam mensalmente a quantia de € 120,00, para pagamento de assistência a domicílio a esta última, nomeadamente para providenciar pela sua higiene diária (segundo artigo 10º da petição aperfeiçoada).

3.22

            ML (…) e sua mãe suportam mensalmente a quantia de € 140,00 para que terceiros façam a lide normal da casa (artigo 11º da petição aperfeiçoada).

3.23

            ML (…) contratou os serviços de uma associação que lhe fornece refeições diárias ao domicílio despendendo mensalmente para tanto a quantia de € 172,00 (artigo 12º da petição aperfeiçoada e documento de folhas 98).

3.24

            ML (…) e sua mãe suportam mensalmente cerca de € 200,00 em despesas na farmácia (artigo 13º da petição aperfeiçoada).

3.25

            ML (…) está obrigada a pagar mensalmente a quantia de duzentos euros para amortização do empréstimo mencionado em 3.3, duzentos euros para amortização do empréstimo mencionado em 3.4 e duzentos e sessenta e sete euros para amortização do empréstimo mencionado em 3.5 (artigo 36º da petição aperfeiçoada).

3.26

            Aquando da contracção do empréstimo referido em 3.4, ML (…)ainda não havia amortizado qualquer prestação relativa ao empréstimo referido em 3.3 (artigo 30º da petição aperfeiçoada).

3.27

            Por não ter cumprido os acordos de pagamento estabelecidos com A (…)este exigiu-lhe, a partir daí, o pagamento do capital e juros respeitantes a ambos os empréstimos (artigo 31º da petição aperfeiçoada).

3.28

            ML (…) tem pago as prestações acordadas com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL (artigo 32º da petição aperfeiçoada).

3.29

            Além do imóvel descrito em 3.6 destes fundamentos de facto, ML (…)s é titular de bens móveis avaliados em € 370,00, em Julho de 2011, sendo que nesses bens móveis se incluem um frigorífico usado, um fogão usado e uma mesa pequena de cozinha usada com duas cadeiras usadas (folhas 112 e 113 – inventário de bens elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência).

3.30

            A de 2011, na sequência de propostas concordantes do administrador da insolvência e do Ministério Público no sentido da insolvência de ML (…) ser qualificada como fortuita, foi proferida decisão a declarar fortuita a insolvência desta insolvente.

4. Fundamentos de direito

4.1 Do preenchimento do fundamento legal de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante previsto na alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida alegando, em primeiro lugar, que não se apresentou intempestivamente à insolvência e, além disso, ainda que assim fosse, que desse hipotético atraso na apresentação à insolvência não resultaram quaisquer prejuízos para os credores, sendo que para tal efeito não devem ser relevados os decorrentes do mero vencimento de juros de mora.

Antes de mais, recordemos os normativos pertinentes.

            “Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo” (artigo 235º do CIRE).

            Sempre que esteja em causa requerimento de insolvência por apresentação, o pedido de exoneração do passivo restante deve ser feito em tal requerimento (artigo 236º, nº 1, do CIRE).

            “Do requerimento de exoneração do passivo restante consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes” (artigo 236º, nº 3, do CIRE).

            “Na assembleia de apreciação do relatório é dada aos credores e ao administrador da insolvência a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento” (artigo 236º, nº 4, do CIRE).

            Nos termos do disposto no artigo 237º do CIRE, a “concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe que:

a) Não exista motivo para o indeferimento liminar[5] do pedido por força do disposto no artigo seguinte;

b) O juiz profira despacho declarando que a exoneração será concedida uma vez observadas as condições previstas no artigo 239º durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado despacho inicial;

c) Não seja aprovado e homologado um plano de insolvência;

d) Após o período mencionado na alínea b), e cumpridas que sejam efectivamente as referidas condições, o juiz emita despacho decretando a exoneração definitiva, neste capítulo designado despacho de exoneração”.

O artigo 238º, nº 1, do CIRE dispõe que “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:

a) For apresentado fora de prazo;

b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;

c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;

d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;

e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º;

f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;

g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração, que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”

“A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” (artigo 186º, nº 1, do CIRE).

            No caso dos autos, sendo a requerente da insolvência pessoa singular e não resultando da factualidade alegada que fosse titular de empresa, não impendia sobre ela o dever de apresentação à insolvência (artigo 18º, nº 2, do CIRE)[6].

No entanto, mesmo não estando a insolvente obrigada a apresentar-se à insolvência, importa ainda assim apurar se tendo-se abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da insolvência houve prejuízo para os credores, e se sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica (artigo 238º, nº 1, alínea d), do CIRE).

A exoneração do passivo restante, como se expõe no número 45 do preâmbulo do decreto-lei nº 53/2004, de 18 de Março que aprovou o CIRE, constitui o acolhimento entre nós do “princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência”, princípio que “é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante».

            Suscita-nos algumas reservas a afirmação contida no mesmo ponto do citado preâmbulo de que o “Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, na medida em que dos requisitos necessários para o deferimento do requerimento para exoneração do passivo restante não consta que seja necessária a satisfação de um valor mínimo dos créditos dos credores do insolvente.

Assim, interpretadas literalmente as referidas normas, a não se relevar a alusão à exoneração do passivo restante, referência que tem ínsita a necessária satisfação de pelo menos algum passivo, permitindo o funcionamento do instituto em análise mesmo em casos em que à partida se sabe que não se logrará qualquer satisfação do passivo, agravando-se o mesmo ainda mais por força das despesas com o fiduciário (artigo 240º do CIRE), afigura-se-nos que tal regime constituirá uma ofensa desproporcionada e injustificada dos direitos dos credores, incurso em inconstitucionalidade material por conjugação dos artigos 18º, nº 2 e 62º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa[7].

Deste modo, entende-se que o deferimento inicial do requerimento para exoneração do passivo restante depende não apenas da não verificação dos fundamentos de indeferimento previstos no artigo 238º do CIRE[8], mas também, pelas razões já antes aduzidas, numa interpretação teleológica e em conformidade com a Constituição, da verificação da possibilidade de satisfação de um mínimo do passivo existente, mediante a liquidação do activo existente e pela cessão do rendimento disponível durante cinco anos.

Os credores do insolvente, enquanto sujeitos directamente afectados pela procedência do requerimento do insolvente para exoneração do passivo restante, são admitidos a pronunciar-se sobre a pretensão do insolvente (artigos 236º, nº 4 e 238º, nº 2, ambos do CIRE). No entanto, nestes normativos, nem em qualquer outro normativo do CIRE se confere aos credores o poder de mediante a sua mera oposição obstarem à procedência da pretensão do insolvente para exoneração do passivo restante[9].

No caso em apreço, dada a delimitação objectiva do recurso em função das respectivas conclusões, importa verificar se a recorrente se atrasou na apresentação à insolvência e, na hipótese afirmativa, se por causa desse atraso causou prejuízos aos credores, sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

A resposta à existência de atraso da recorrente na apresentação à insolvência implica, antes de mais, a determinação da data em que se verificou aquela insolvência.

Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”

“Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência” (artigo 3º, nº 4 do CIRE).

Analisando a factualidade provada importa assim determinar se se verifica uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas por parte da requerente ou, pelo menos, se se regista uma iminência dessa impossibilidade.

As prestações para amortização das dívidas contraídas pela requerente totalizam € 667,00 (veja-se o ponto 3.25 dos fundamentos de facto). As despesas suportadas pelo agregado familiar da requerente constituída por si e pela sua mãe juntamente com as referidas prestações totalizam € 1.469,00 (vejam-se os pontos 3.20 a 3.24 dos fundamentos de facto).

Os rendimentos do agregado familiar da requerente ascendem a € 1482,39 (vejam-se os pontos 3.16 e 3.18 dos fundamentos de facto).

De um ponto de vista estritamente matemático, face aos dados de facto antes enunciados, dir-se-ia que a requerente não se acha em situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações, infirmando-se o juízo efectuado aquando da declaração de insolvência da requerente (veja-se a folha 100 destes autos).

No entanto, importa reter, em primeiro lugar, que nas despesas suportadas pela requerente não vêm previstas as despesas com vestuário e calçado, sendo do conhecimento geral que todo o ser humano carece, em maior ou menor medida, de se vestir e calçar, sendo certo, por outro lado, que as roupas e o calçado se gastam com o tempo. Com as despesas necessárias à roupa e calçado, mesmo tendo em conta a irregularidade de tais gastos, apelando às regras da experiência comum no que respeita o custo da roupa e calçado e respectiva duração média, a requerente ultrapassaria certamente os € 160,68 de que disporia anualmente, sem ter em conta os subsídios de férias e de Natal. Tendo em conta estes subsídios, já os dados se alteram, porque então o valor total anualmente disponível seria de € 3.125,46. Ora, neste quadro, com uma gestão cuidadosa dos rendimentos anuais, já a requerente e sua mãe teriam o suficiente para fazer face à totalidade dos seus encargos mensais.

Em segundo lugar, resulta da factualidade apurada que na sequência da falta de pagamento de quaisquer prestações acordadas para amortização dos empréstimos contraídos junto de A (…), a requerente foi interpelada por este credor para proceder ao pagamento do capital e dos juros dos dois empréstimos (vejam-se os pontos 3.26 e 3.27 dos fundamentos de facto).

Se é certo que relativamente ao primeiro empréstimo, não resulta da confissão de dívida que em certa medida o titula[10] o estabelecimento de um prazo de pagamento (veja-se o ponto 3.3 dos fundamentos de facto), já quanto ao segundo empréstimo foi estabelecido um prazo de pagamento e fixado o valor de cada prestação[11] (veja-se o ponto 3.4 dos fundamentos de facto).

A omissão de fixação de prazo para reembolso da dívida confessada em 2005 significa que se trata de uma obrigação pura (artigo 777º, nº 1, do Código Civil), passível de se vencer mediante interpelação (artigo 805º, nº 1, do Código Civil).

No entanto, resulta da matéria de facto que a requerente e o credor Afonso de Jesus do Caminho terão chegado a um acordo sobre os termos em que seriam reembolsadas as importâncias em dívida e que a requerente não cumpriu esse acordo não pagando as prestações acordadas (vejam-se os pontos 3.25 a 3.27 dos fundamentos de facto). Essa não satisfação das prestações acordadas tornou exigível o pagamento da totalidade das prestações (artigo 781º do Código Civil), tendo o credor A (…)exigido à requerente o pagamento da totalidade do capital e juros respeitantes a ambos os empréstimos.

A factualidade provada não permite determinar em que momento foi exigido o pagamento integral do capital e juros das dívidas de que é credor A (…)mas é certo que nesse momento a requerente ficou impossibilitada de satisfazer as suas obrigações vencidas, porquanto resulta patente da factualidade provada que esta não tem liquidez que lhe permita a satisfação de tais montantes (só o capital em dívida a este credor atinge o montante de € 25.619,00), nem resulta que tenha crédito na praça que lhe permita obter essa liquidez, tudo indicando, face ao panorama financeiro da requerente e à actual conjuntura nacional e internacional, que não obteria qualquer crédito para fazer face às obrigações vencidas que tem para satisfazer.

É por isso inequívoco que a requerente, ao ser interpelada para proceder ao pagamento da totalidade dos montantes em dívida a A (…) veio a encontrar-se numa situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas[12], ou seja em estado de insolvência.

Não curou o tribunal a quo de no uso dos seus poderes inquisitórios (artigo 11º do CIRE) apurar em que data ocorreu a aludida interpelação e sem qualquer factualidade para o efeito afirmou gratuitamente[13] que há largo tempo se verificava o incumprimento das obrigações vencidas (veja-se a folha 115). Como melhor se verá pela exposição que segue, se acaso resultasse dos autos que os credores da requerente sofreram outros prejuízos além dos decorrentes da mora, esta indeterminação da data em que se verificou a insolvência da requerente determinaria a necessidade de anulação da decisão para ampliação da base factual, a fim de se tentar apurar em que data foi a requerente interpelada para proceder ao pagamento do capital e juros em dívida a A (…), de modo a poder verificar se houve ou não atraso na apresentação à insolvência.

No caso em apreço, o único prejuízo que se pode chamar à liça é o avolumar do passivo decorrente da contagem de juros de mora. Será isso bastante para afirmar que um eventual atraso da recorrente na apresentação à insolvência causou prejuízo para os credores juridicamente relevante à face do disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE?

A jurisprudência acha-se dividida na concretização deste segmento da previsão da alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE.

Na verdade, entendem alguns, que constituem prejuízo para os efeitos deste normativo, os juros devidos pelo atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias[14]. Numa posição intermédia, sustenta-se que demonstrado o atraso na apresentação à insolvência é lícito presumir, com base em presunção natural, a existência de prejuízo para os credores[15]. Ao invés, em nítida contraposição, sustentam outros, ainda que com argumentações não coincidentes, que os juros de mora devidos pelo atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias não integram o prejuízo requerido pela previsão legal em análise[16]. Desenha-se ainda uma outra posição no sentido de que todo e qualquer prejuízo decorrente do atraso à apresentação da insolvência é relevante, desde que se apure de modo efectivo, não podendo ser meramente presumido[17].

Apreciemos tomando posição neste dissídio jurisprudencial.

O processo de insolvência é um processo executivo especial e universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (artigo 1º do CIRE).

O objectivo precípuo do processo de insolvência é assim a satisfação total ou parcial dos créditos de um insolvente, tendo a generalidade das obrigações incumpridas a natureza de obrigações pecuniárias e, quando não é esse o caso, a lei prevê casos de conversão de prestações de facto ou de coisas em prestações pecuniárias (vejam-se, por exemplo, os artigos 102º e 103º do CIRE).

Actualmente, ao invés do que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (artigo 151º, nº 1) e, anteriormente, no Código de Processo Civil (artigo 1196º do Código de Processo Civil), a declaração de insolvência não obsta à contagem de juros de mora, apenas sucedendo que tais créditos por juros de mora constituídos após a declaração de insolvência são havidos como créditos subordinados (artigo 48º, alínea b), do CIRE), o que implica que apenas serão solvidos depois de integralmente pagos os créditos com garantia real, os créditos privilegiados e os créditos comuns e pela ordem por que vêm legalmente identificados no artigo 48º, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se a massa for insuficiente para o seu pagamento integral (artigo 177º, nº 1, do CIRE).

O atraso ou o retardamento no cumprimento da obrigação imputável ao devedor (presumindo-se a culpa, ex vi artigo 799º, nº 1, do Código Civil) constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806º, nº 1, do Código Civil). A lei dispensa assim o credor de provar o prejuízo sofrido, ficcionando que o dano corresponde, em princípio, aos frutos civis (artigo 212º, nº 2, do Código Civil) que o capital em dívida era susceptível de produzir tendo em conta a taxa supletiva legal[18], salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estabelecido um juro moratório diferente do legal (artigo 806º, nº 2, do Código Civil). Nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o credor pode ainda exigir uma indemnização suplementar desde que prove que a mora lhe causou danos de montante superior aos juros legalmente previstos (artigo 806º, nº 3, do Código Civil).

Na economia desta decisão, este excurso pelo regime da mora nas obrigações pecuniárias justifica-se para comprovar que a contagem de juros de mora é uma consequência necessária do atraso no cumprimento daquelas obrigações, sendo por isso uma realidade omnipresente no processo de insolvência. Dito de outro modo: face ao regime legal de sancionamento da mora no cumprimento das obrigações pecuniárias, o legislador do CIRE não podia deixar de saber que as situações de insolvência estão necessariamente associadas a casos em que se verifica a contagem de juros de mora.

Se assim é, como cremos que resulta demonstrado pelo que precede, qual o sentido a atribuir à causação de prejuízo para os credores com o atraso na apresentação à insolvência?

Se acaso o legislador pretendesse abarcar com tal previsão os prejuízos decorrentes da simples mora no cumprimento de obrigações pecuniárias, seria desnecessária a expressa alusão à causação de danos por força do atraso na apresentação à insolvência, bastando apenas que previsse o atraso na apresentação à insolvência para que tais danos fossem contemplados.

Neste quadro normativo, ao autonomizar a provocação de danos consequentes do retardamento na apresentação à insolvência, afigura-se-nos que o legislador terá tido em vista algo mais do que os simples juros advindos da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias.

Não por acaso, em sede de incidente de qualificação da insolvência, o legislador previu expressamente que “se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente” (artigo 186º, nº 5, do CIRE).

Tendo em conta a teleologia subjacente ao instituto de exoneração do passivo restante e a sua congruência com o incidente de qualificação da insolvência (assim se percebe o disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE), parece que a causação do prejuízo aos credores não se bastará com os juros decorrentes da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias e antes visará a prática pelo devedor de actos que levem à dissipação do património ou à contracção de novas responsabilidades após a verificação da situação de insolvência.

Daí que também nos afastemos daqueles que sustentam que demonstrado o atraso na apresentação à insolvência, se presume judicialmente a causação de prejuízos aos credores, cabendo ao insolvente a alegação e prova de factos que ilidam aquela presunção.

E afastamo-nos desta orientação por duas razões.

Em primeiro lugar, porque embora invocando a utilização de uma presunção judicial para comprovação da causação de prejuízo aos credores, a orientação criticada, na prática, cria uma presunção legal iuris tantum ilidível por prova do contrário (artigo 350º, nº 2, do Código Civil), quando o resultado probatório obtido por presunção judicial é ilidível mediante simples contraprova (artigo 346º do Código Civil); isto é, para ilidir o resultado probatório obtido por presunção judicial não é necessário fazer prova do contrário, bastando apenas tornar duvidoso o resultado probatório obtido daquela forma.

Em segundo lugar, porque mesmo que se conceda na verificação dos requisitos para que opere a aludida presunção judicial, sempre ficará por demonstrar qual o prejuízo concreto causado com o atraso na apresentação (contagem de juros, contracção de novas dívidas, diminuição do activo?), o que na perspectiva que temos vindo a defender será insuficiente para o preenchimento da previsão legal interpretanda.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que no caso em apreço nunca se preencheria o fundamento de indeferimento do incidente de exoneração do passivo restante previsto na alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE, pelo que queda sem relevância jurídica a determinação da data exacta em que se verificou a impossibilidade de cumprimentos das obrigações vencidas por parte da recorrente, assim se justificando o não uso dos poderes oficiosos para ampliação da matéria de facto, ex vi artigo 712º, nº 4 do Código de Processo Civil.

4.2 Do eventual preenchimento do fundamento legal de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante previsto na alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE

Na decisão sob censura escreveu-se a dado passo[19]: “Dos elementos constantes dos autos, mormente do sobredito relatório decorre que ao constituir mais obrigações em 2005 e 2008, agravou as suas dívidas, e colocou-se nomeadamente por sua culpa em situação de insolvência, avolumando o passivo em prejuízo da credora CCAM de Leiria, não podendo ignorar sem culpa o agravamento da sua situação económica –vide art. 238/1) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas. O que reconhece.

Este segmento da decisão recorrida não mereceu qualquer análise ou crítica no recurso ora em apreciação.

Ora, se bem qualificamos juridicamente a realidade fáctica relevada no aludido segmento da decisão sob censura, do que se trata não é do preenchimento da previsão da alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE, mas antes da eventual verificação da hipótese legal constante da alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE.

Na verdade, de acordo com o disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE, o pedido de exoneração do passivo deve ser indeferido quando constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa no devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º do mesmo diploma legal. Por outro lado, de acordo com o nº 1, do artigo 186º do CIRE, a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

No caso em apreço, nesta acção especial de insolvência intentada nos começos de 2011, verifica-se que a insolvente contraiu uma obrigação no montante de € 11.245,00, em 2005, valor que foi entregue a um seu sobrinho, toxicodependente, não tendo a insolvente amortizado qualquer montante desse empréstimo até ao momento presente. Em Outubro de 2008, a insolvente voltou a contrair, junto do mesmo credor, uma dívida no montante de € 14.374,00, para a mesma finalidade e, de novo, não procedeu a qualquer pagamento para amortização deste valor.

Neste circunstancialismo, era de esperar que o credor viesse mais tarde ou mais cedo a reagir, como veio, exigindo o pagamento dos capitais em dívida e respectivos juros, tudo com consequências catastróficas para a estabilidade financeira da insolvente, pois não dispõe a mesma de liquidez que lhe permita fazer face aos pagamentos devidos.

A contracção do empréstimo em 22 de Outubro de 2008 ocorreu dentro dos três anos que precederam a instauração da presente acção especial de insolvência.

A questão que se coloca é a de saber se a conduta da insolvente deve ser qualificada como culposa e, na afirmativa, qual a modalidade de culpa que lhe corresponde.

Em direito civil, a culpa é aferida de acordo com um padrão objectivo, correspondente à conduta que um bom pai de família adoptaria no caso concreto, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil, também aplicável à responsabilidade contratual por força do disposto no artigo 799º, nº 2, do Código Civil). Além disso, essa culpa é apreciada enquanto deficiência da conduta e não como deficiência da vontade[20].

A culpa grave, como é sabido, enquanto modalidade da negligência, pressupõe a inobservância dos deveres de cuidado que a generalidade das pessoas observam[21].

Revertendo ao caso dos autos importa sopesar toda a factualidade provada e perguntar se a conduta da insolvente corresponde àquela que um bom pai de família adoptaria em face das circunstâncias do caso e, além disso, concluindo-se que um bom pai de família não adoptaria a referida conduta, se a mesma envolve ou não a inobservância dos deveres de cuidado que a generalidade das pessoas observam.

Um bom pai de família, com os rendimentos e os bens da insolvente, contrairia um empréstimo de € 14.374,00, destinado a um sobrinho toxicodependente, quando ainda não havia pago qualquer montante de uma anterior dívida no montante de € 11.245,00, também com igual destino, ainda que esse sobrinho tivesse sido por si criado desde os seis meses de idade?

A resposta a esta interrogação parece-nos claramente negativa, quer porque face às responsabilidades já contraídas, a situação financeira da insolvente já se apresentava consideravelmente degradada, estando sujeita a que o credor da obrigação contraída em 2005 lhe exigisse o pagamento da totalidade em dívida, quer ainda atenta a própria finalidade da contracção da dívida, porquanto se tratava manifestamente de uma destinação envolta em riscos elevados dada a condição de toxicodependente do sobrinho da insolvente.

E porque se trata de aferir da correcção da conduta da insolvente, salvo melhor opinião, não relevam as considerações afectivas subjacentes ao comportamento adoptado pela insolvente. A finalidade visada com a contracção sucessiva de obrigações não retira a essa conduta a patente e grosseira desconformidade com as regras que devem pautar a actuação de quem quer que seja na assunção de responsabilidades financeiras.

Ora, a não ser que a insolvente seja destituída da mínima capacidade de previsão de que qualquer ser humano se acha provido, facto de que não há notícia nos autos, no circunstancialismo supra descrito, ao agir como o fez, a insolvente não podia deixar de representar que estava “a cavar a sua própria sepultura” financeira, a colocar-se numa total impossibilidade de cumprir as suas obrigações e a agravar, progressivamente, essa situação de impossibilidade.

A generalidade das pessoas adoptaria a conduta que a insolvente adoptou ou só alguém particularmente descuidado, imprevidente, quiçá mesmo indiferente a adoptaria?

Na nossa perspectiva, a generalidade das pessoas, na situação em que a insolvente já se achava em 2008, não contrairia o empréstimo que nesse ano veio a contrair, revelando a contracção dessa obrigação particular descuido e imprevidência por parte da insolvente.

Assim, por tudo quanto precede, pode concluir-se, com segurança, que a insolvente, nos três anos que precederam o início do processo de insolvência, criou, com culpa grave, a situação de insolvência que veio a determinar a sua apresentação à insolvência. Ao proceder da forma como procedeu a insolvente incorreu no fundamento de indeferimento do incidente de exoneração do passivo restante previsto na alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE.

Porém, em sede de incidente de qualificação da insolvência, já após a prolação da decisão recorrida, por efeito da convergência das propostas do Sr. Administrador da Insolvência e do Ministério Público, veio a ser proferida decisão que qualificou a insolvência de ML (…) como fortuita.

Esta decisão é vinculativa no âmbito destes autos por força do disposto no artigo 185º do CIRE, interpretado a contrario sensu e deve ser relevada ex vi artigos 663º e 713º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil.

Por isso, não obstante tudo o que antes se expôs quanto à actuação da recorrente e o despacho proferido quanto à alegada inadmissibilidade legal de ampliação da causa de pedir, a decisão sob censura não se pode manter, por não poder ser considerada culposa a insolvência da recorrente, prevalecendo o caso julgado entretanto formado no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, em momento prévio ao despacho do relator que decidiu não admitir a ampliação da causa de pedir.

 5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em revogar o despacho proferido a 02 de Setembro de 2011, devendo prosseguir o incidente de exoneração do passivo restante com a prolação do despacho a que se refere o artigo 239º do CIRE, se a tanto outra causa não obstar; custas a cargo da massa insolvente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais (artigos 303º e 304º do CIRE).


***

Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] Esta identificação resulta da certidão de nascimento junta a folhas 53 e 54.
[2] No artigo 31º alegou-se: “Assim, e por não ter cumprido os acordos de pagamentos, Requerente, viu vencidas todas as prestações, tendo-lhe sido exigido a partir daí o pagamento do capital e juros respeitantes a ambos os empréstimos.” Esta alegação respeita aos dois empréstimos contraídos junto de (…), para auxílio do sobrinho da requerente da insolvência.
[3] Doravante citado abreviadamente como CIRE.
[4] Em bom rigor a decisão recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto, nulidade que não é de conhecimento oficioso. Porém, este tribunal, como tribunal de instância, tem que suprir a apontada nulidade, fixando e especificando os factos pertinentes para a boa decisão da causa.
[5] Assinale-se a manifesta impropriedade legislativa na qualificação dos fundamentos de indeferimento do requerimento para exoneração do passivo restante como constituindo um indeferimento liminar pois que, como expressamente resulta do disposto no nº 2, do artigo 238º do CIRE, o despacho de indeferimento apenas é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência, na assembleia de credores para apreciação do relatório.
[6] Na nossa perspectiva, a qualidade de sócio ou gerente de uma sociedade comercial não confere à pessoa singular em causa a qualidade de titular de empresa que se integre na esfera jurídica dessa sociedade. Em nosso entender, para a determinação de tal titularidade, o que releva é que a própria pessoa singular seja titular de uma empresa. A razão de ser do dever de apresentação de pessoa singular apenas nos casos de titularidade de empresa prende-se com as presumíveis consequências económicas mais gravosas da não apresentação à insolvência nesses casos (neste sentido veja-se, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, Coimbra Editora 2009, Catarina Serra, páginas 341 a 343). Por isso, discordamos da interpretação seguida no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Abril de 2009, proferido no processo nº 2598/08.6TBGMR-G.G1, acessível no site do ITIJ.

[7] Sobre o alcance do conceito normativo de direito de propriedade, do ponto de vista constitucional, veja-se, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2010, 2ª edição, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 1247 e 1248, anotação VIII e página 1261, anotação XXI.
[8] Como esclarecem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, página 784, terceiro parágrafo, as alíneas b) a g), do nº 1, do artigo 238º do CIRE definem, pela negativa, requisitos de cuja verificação depende a exoneração. Importa não olvidar que por força do disposto no artigo 11º do CIRE as regras gerais de distribuição do ónus de alegação e prova dos factos são atenuadas por força da intervenção oficiosa do tribunal.
[9] Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Outubro de 2008, acessível no site do ITIJ, processo 0835723.
[10] A expressão é propositadamente dubitativa na medida em que a escritura pública de confissão de dívida não contém a indicação da causa da dívida confessada.
[11] Saliente-se que o plano de amortização acordado – sessenta prestações de duzentos euros cada uma – não permitia o pagamento do capital mutuado, apenas permitindo o pagamento da quantia de doze mil euros.
[12] Importa referir que, ao contrário do que parece pressupor o tribunal a quo (vejam-se folhas 33 e 34 deste autos), as prestações relativas às dívidas fraccionadas se vencem no prazo acordado entre as partes, sendo cada uma das prestações obrigações vencidas em cada um dos momentos em que devem ser cumpridas.
[13] Se o tribunal a quo tem tido o cuidado de enunciar os factos concretos que considerava provados, como sempre se impõe, certamente não teria feito uma tal afirmação, confundindo a constituição de obrigações com o seu vencimento.
[14] Neste sentido, cingindo-nos às decisões mais recentes, por ordem cronológica, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis no site do ITIJ:
                - acórdão da Relação de Guimarães, de 30 de Abril de 2009, proferido no processo nº 2598/08.6TBGMR-G.G1 [5];
                - acórdão da Relação do Porto, de 15 de Julho de 2009, proferido no processo nº 6848/08.0TBMTS.P1;
                - acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 1013/08.0TJLSB-D.L1-8;
- acórdão da Relação do Porto, de 20 de Abril de 2010, proferido no processo nº 1617/09.3TBVZ-C.P1;
- acórdão da Relação de Coimbra, de 14 de Dezembro de 2010, proferido no processo nº 326/10.5T2AVR-B.C1.
[15] Neste sentido, além do já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Dezembro de 2010, o acórdão do mesmo tribunal de 07 de Setembro de 2010, proferido no processo nº 72/10.0TBSEI-D.C1.
[16] Neste sentido, cingindo-nos também às decisões mais recentes, por ordem cronológica, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis no site do ITIJ:
                - acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 2009, proferido no processo nº 2538/07.OTBBRR.L1-2;
                - acórdão da Relação de Lisboa, de 24 de Novembro de 2009, proferido no processo nº 44/09.7TBPNI-C.L1-1
                - acórdão da Relação do Porto, de 11 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 347/08.8TBVCD-D.P1;
                - acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Fevereiro de 2010, proferido no processo nº 1793/09.5TBFIG-E.C1;
                - acórdão da Relação do Porto, de 19 de Maio de 2010, proferido no processo nº 1634/09.3TBGDM-B.P1;
                - acórdão da Relação do Porto, de 30 de Setembro de 2010, proferido no processo nº 430/09.2TJPRT.P1 [2];
                - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 2010, proferido no processo nº 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1;
                - acórdão da Relação do Porto de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo nº 1826/09.5TJPRT-E.P1;
- acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2010, proferido no processo nº 2575/09.0TBALM.L1-1;
                - acórdão da Relação do Porto, de 10 de Fevereiro de 2011, proferido no processo nº 1241/10.8TBOAZ-B.P1;
                - acórdão da Relação de Lisboa, de 24 de Março de 2011, proferido no processo nº 444/10.0TBPNI-D.L1-6;
                - acórdão da Relação de Coimbra, de 07 de Junho de 2011, proferido no processo nº 460/10.1TBESP.C1;
                - acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Junho de 2011, proferido no processo nº 1189/10.6TYLSB-B.L1-8.
[17] Veja-se neste último sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Novembro de 2011, proferido no processo nº 85/10.1TBVCD-F.P1.S1, acessível no site do ITIJ.
[18] Afastamo-nos da posição daqueles que entendem que os juros de mora não constituem um prejuízo quer na modalidade de dano emergente, quer na modalidade de lucro cessante (assim veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 2009, proferido no processo nº 2538/07.OTBBRR.L1-2), pois na nossa perspectiva constituem um lucro cessante, correspondendo à remuneração que o titular do capital auferiria se aplicasse o capital que ainda não lhe foi pago. É a natureza frutífera do capital que subjaz à solução legal de dispensar o credor de provar o dano sofrido com o atraso no cumprimento da obrigação pecuniária.
[19] Veja-se a folha 117.
[20] Sobre esta problemática veja-se, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora 2011, Nuno Manuel Pinto Oliveira, páginas 438 a 441.
[21] Neste sentido, veja-se, Das Obrigações em Geral, Volume I, 6ª edição, Almedina 1989, João de Matos Antunes Varela, página 547, nota 1.