Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO | ||
Descritores: | ADOÇÃO CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES INSTITUIÇÃO CONFIANÇA PARA ADOPÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/04/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA - JUÍZO FAM. E MENORES – J2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 35.º, Nº 1, AL. G) E 38.º-A, AL. B), DA LPCJP; 1978º C. CIV.; 36º CRP. | ||
Sumário: | I – De acordo com o preceituado no art.º 38º-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978º do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adopção. II - O artigo 1978º, n.º 1, do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adopção, pode ser decidida pelo Tribunal; a confiança judicial protege o interesse da menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ela viva. III - Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º da CRP) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança. IV - O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral, religioso e social. V - Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra Processo n.º 39/14.9T8CBR.C1 1-Relatório 1.1.-Os presentes autos foram instaurados para promoção e protecção da menor M..., nascida em 30 de Agosto de 2014, filha de S... O processo iniciou-se com o envio, pela Maternidade B..., de uma informação segundo a qual a progenitora da menor carecia de capacidade para assumir os cuidados à bebé. Na sequência, foi a menor provisoriamente confiada à Maternidade B... A fls. 27 foi a menor confiada provisoriamente ao Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia de T... A fls. 131 e ss foi celebrado acordo de promoção e protecção, aplicando à M... a medida de acolhimento em instituição e comprometendo os pais a submeter-se a uma avaliação psicológica, cujo relatório consta de fls. 224 e ss. Entretanto, foi proferida sentença a declarar que P... não era pai da M... Foi cumprido o artigo 114.º, n.º 1 da LPCP, tendo o Ministério Público alegado no sentido da aplicação da medida de confiança a instituição com vista à futura adopção, e a mãe da menor alegado no sentido de ser aplicada a medida de apoio junto da mãe. Designado dia para debate judicial, o mesmo desenrolou-se em duas sessões, cumprindo-se o legal formalismo. 1.2. - O Tribunal é competente, o processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem, a menor encontra-se devidamente representada por patrono, procedeu-se à realização da audiência, após foi proferida sentença, onde o colectivo decidiu aplicar à menor M... a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos dos artigos 35.º, nº 1, al. g) e 38.º-A, al. b) da LPCJP, confiando-se a mesma à guarda e cuidados do CAT de T..., nomeando-lhe a Ex.m.ª directora técnica da instituição (cfr. o artigo 62.º-A, no 3 da LPCJP), ficando a progenitora da menor, S..., inibida do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esta filha, ficando também proibidas as visitas à menor na instituição, de acordo com os artigos 1978.º-A do C.C. e 62.º-A, n.º 6 da LPCJP. 1.3. Inconformada com tal decisão a mãe da menor, S..., dela recorreu terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: ... 1.4. A menor através da sua advogada respondeu terminando com as seguintes conclusões: ... 1.5 – O Ministério Público respondeu terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: «1 – Na decisão tomada e integrante do Acórdão em recurso fez-se uma ajustada ponderação da factualidade e circunstancialismo apurado e do que preceitua a Lei, quanto ao que aqui havia a decidir. 2 – A decisão proferida mostra-se devidamente fundamentada, quer em termos formais, quer em termos substantivos. 3 – A progenitora não tem capacidade para cuidar da filha e lhe proporcionar todas as condições necessárias ao seu desenvolvimento integral. 4 – Na família alargada não existe qualquer hipótese séria de integração da menor, que se possa considerar adequada, em termos actuais e de futuro, a salvaguardar os reais interesses da criança. 5 – Revela-se urgente dar estabilidade à vida desta criança, o que passará pela solução alcançada, ou seja, pela sua confiança a instituição, mormente o CAT de T..., onde já se encontra, com vista a futura adopção (que se pretende para o mais breve possível), solução que implica, necessária e legalmente, a inibição do poder paternal dos seus pais, bem como a proibição de visitas à menor da sua família natural. 6 – Não foi violado qualquer princípio ou norma legal, nomeadamente aplicáveis e constantes do Código Civil e da LPCJP, acima referidos. 7 – No interesse da M... deve, então, ser negado provimento ao recurso e confirmar-se a decisão constante do acórdão impugnado.» 1.6. As Sr.ªs Desembargadoras Adjuntas prescindiram dos vistos. 1.7- Cumpre decidir. 2. Fundamentação de facto. 2.1. Factos provados ... 3. Apreciação 3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.). A questão a decidir consiste em saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que aplique à menor uma medida de apoio junto da mãe, prevista no art.º 35, al. a) LPCJP, por ser a mais adequada às circunstâncias do caso em concreto e por se entender ser aquela que salvaguarda o superior interesse da menor M... Vejamos Antes de entrarmos na análise da questão cabe referir que a recorrente nas conclusões 12.ª a 16.ª parece pretender colocar em causa a matéria de facto ao referir que a situação actual da recorrente não foi tida em conta nem analisada, porquanto do depoimento das testemunhas ... se pode retirar que à recorrente não tem sido dada oportunidade de arranjar trabalho, porquanto a mesma acabou por ser rotulada perante a comunidade onde se insere por causa de lhe terem sido retirados os filhos, e que também a sua família a marginalizou. Sem entrarmos no campo de saber se a recorrente cumpriu o art.º 640 do C.P.C., que se reporta ao recurso da matéria de facto, até porque a mesma nunca o refere expressamente, basta atentar na matéria de facto provada para se ver que a recorrente não tem razão sobre esta matéria. No ponto 2.1.48. são aludidas as alterações da situação da progenitora, aqui recorrente, após a decisão de adoptabilidade da F..., no ponto 2.1.6. alude-se às relações entre a recorrente e sua família, nomeadamente com os seus irmãos. Quanto à questão da oportunidade de trabalho, após audição da prova verificamos que a testemunha ... refere que o facto da recorrente ter problemas com a boca, dentes estragados, lhe pode acarretar dificuldade na obtenção de arranjar emprego, pelo que não pode a recorrente tirar dos depoimentos apontados a conclusão que a dificuldade de arranjar emprego fica a dever-se ao facto de ter sido rotulada perante a comunidade, onde se insere, de lhe terem sido retirados os filhos. Dito isto, cabre apreciar a questão supra aludida. De acordo com o preceituado no art.º 38-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978 do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adopção. O artigo 1978º n.º 1 do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adopção, pode ser decidida pelo Tribunal, a confiança judicial protege o interesse da menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ela viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação - Cons. Gomes Leandro - "O Novo Regime Jurídico da Adopção", pág. 273; "Curso de Direito da Família" - Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2ª ed., I, pág. 57. Esta protecção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36º expressamente reconhece no seu n.º 6 que os filhos podem ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles. Por sua vez a adopção tem consagração constitucional no n.º 7 do mesmo preceito. Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança. Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso" - Dr. Campos Mónaco - "A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais", Coimbra Editora, 2004, pág. 152. Revestindo os presentes autos a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a), da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança, será este o critério primordial a ter em conta na apreciação do caso subjudice. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral, religioso e social. E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes. A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz. São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos. E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança. Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção. Esta visão plasmada na nossa lei da adopção, está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adopção e de crianças. A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito. Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais. É certo que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) –veja-se o artigo 4º, al. f),g) e i) da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989. No entanto tal princípio não é absoluto. Há situações em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos. Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável. Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica. De entre as várias medidas de promoção e protecção previstas pela L.P.C.J.P., há algumas que quase de forma automática devem ser afastadas dada a sua inaplicabilidade ao caso que temos entre mãos. Assim, é inaplicável a medida de apoio para autonomia de vida, atenta a idade da menor (cfr. art.º 35, n.º 1, al. d) e 45, n.º 1, ambos da L.P.C.J.P.). Também a medida de confiança a pessoa idónea não tem possibilidade de aplicação in causa, desde logo por não se ter provado que o menor tenha estabelecido uma relação de confiança e de afectividade com outros. Afigura-se-nos também que a medida de acolhimento familiar previsto nos art.ºs 46 a 48 da L.P.C.J.P. não se adequa ao presente caso e às necessidades concretas do menor, desde logo por se ter provado que a progenitora da M... não mantém relações com quaisquer outros familiares, nomeadamente com os seus irmãos. Restam-nos, assim, como medidas de promoção e protecção de apoio junto da mãe prevista no art.º 35, al. a) LPCJP (pretendida pela recorrente) e confiança a instituição, com vista a futura adopção ( medida aplicada na decisão recorrida). Como se sabe a personalidade da criança constrói-se na puerícia e desenvolve-se na adolescência, sendo essencial que nestes dois momentos a criança seja feliz e saudável, para que na idade adulta seja uma pessoa equilibrada, cabendo a quem exerce o poder paternal cuidar e prestar os cuidados indispensáveis ao seu desenvolvimento. Nos termos expostos decide-se: Julgar improcedente o recurso mantendo a decisão recorrida, na integra. Custas pela recorrente (devendo ter-se presente o apoio judiciário). Coimbra 4/4/2017 (Pires Robalo – Relator) (Sílvia Pires – adjunta) (Maria Domingas Simões – adjunta) |