Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4385/07.0TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.23 E 24 DO C.EXP.
Sumário: 1. A data relevante, para efeitos de avaliação do bem expropriado, é a data da publicação da DUP.

2. Na actualização da indemnização, na expropriação, devem ser observadas as regras esclarecidas pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2001, de 12/7/2001 ( publicado no DR I Série, de25/10/2001 ).

Decisão Texto Integral:               Nestes autos de expropriação, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelo expropriado e, em consequência, fixando em 6.303,55€ a indemnização devida pela expropriante ao expropriado, quantia a actualizar desde o dia 14/12/2005 até à data do trânsito da presente decisão, de acordo com os índices de preço no consumidor.   

              A expropriante recorre desta sentença, com base em duas “ra-zões de discordância […]
         - a actualização deve ser feita, não a partir da data da declara-ção de utilidade pública (14/12/2005), mas a partir da data da sua publicação (13/1/2006);
         - a actualização só deve incidir sobre o valor total fixado pelo tribunal (6.303,55€) até à data em que foi colocada à disposição do expropriado a quantia sobre a qual se verificou acordo das partes; a partir dessa data, e até ao trânsito em julgado da sentença, só sobre a diferença entre esses valores é que deve ser feita a actualização.”

              Não se transcrevem as conclusões, por estas sintetizarem devida-mente a fundamentação do recurso, e porque esta fundamentação, também sintética, será quase que integralmente transcrita abaixo, servindo, no essencial, de fundamentação desta decisão sumária, por corresponder a um entendimento jurisprudencial praticamente unânime, na sequência do acórdão de fixação de jurisprudência também citado no recurso.

              O expropriado não contra-alegou.

              São, pois, aquelas, as duas questões a resolver.

                                                                 *


Quanto à 1ª questão

              Diz a expropriante:
         “De acordo com o n.º 1 art. 24.º do Código das Expropria-ções, “O montante da indemnização calcula-se com referência à data da DUP, sendo actualizado à data…”.
         No entanto, a interpretação “não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico…” (art. 9º, nº 1, do Código Civil).
         Por força de interpretação sistemática, onde naquele preceito se diz “data da DUP”, deve ler-se “data da publicação da DUP”.
         É que a data relevante, para efeitos de avaliação do bem expropriado, é a data da publicação da DUP, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 23.º do CE: “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da DUP, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
         A necessária harmonização do disposto naquele art. 24.º/1 com o que dispõe este art. 23º/1 implica que o primeiro seja interpretado no sentido de se referir à data da publicação da DUP.
         No mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo, Alípio Guedes, Valorização de bens expropriados, 2ª ed., 2001, p. 82; Pedro Elias da Costa, Guia das expropriações por utilidade pública, Coimbra, 2003, p. 262; Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações, 2ª ed., 2003, p. 159; e Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações anotado, 2ª ed., 2000, p. 95.
         De resto, foi esta a doutrina consagrada no AFJ 7/2001, publicado no DR n.º 248, de 25/10/2001:
         “Fixa-se a seguinte jurisprudência: (…) ii) …há lugar à actualização, desde a data da publicação da DUP…”.
         Por fim, refira-se que o valor fixado na sentença recorrida corresponde àquele que os peritos apuraram na diligência de avaliação realizada, sendo que no relatório pericial foi expressamente referido que esse valor era reportado à data de 13/1/2006 (isto é, à data da publicação da DUP).
         Assim, no caso dos autos, a actualização deve ter lugar, não desde 14/12/2005 (como se decidiu na sentença recorrida), mas sim desde a data da sua publicação (13/1/2006), nessa parte devendo, pois, ser modificada a decisão recorrida.”

              Neste mesmo sentido o signatário desta decisão sumária relatou o acórdão do TRC de 17/10/2010, publicado sob o nº. 2598/06.0TBVIS.C1 da base de dados do ITIJ (todos os acórdãos que se vão citar são desta base), como se pode ver no ponto 29 do mesmo, aí se referindo também, com a mesma posição, o acórdão do TRL de 09/02/2010 (2593/05.7TMSNT.L1-7) e esclarecendo-se que o AFJ podia ser tomado em conta, pois que a norma do CE91 sobre a qual se pronunciou tem o mesmo sentido no CE99. Anote-se que na decisão recorrida nada é dito no sentido de justificar a decisão em sentido contrário a este AFJ, que terá sido assim desconsiderado por simples lapso.

              Ainda no mesmo sentido, vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos do TRL de 25/05/2010 (26/05.8TBPST.L1-1); do TRL de 11/2/2010 (114/1998.L1-6); do TRP de 01/06/2009 (4451/06.9TBMTS.P1); do STJ de 28/10/2008 (08A2701);  do STJ de 27/05/2008 (07B4767); do TRC de 08/03/2006 (3931/05) e do TRC de 30/05/2006 (178/06). Não se conhece jurisprudência ou doutrina de sentido contrário.

                                                                 *

                                               Quanto à 2ª questão

              Diz a expropriante:
         “[…O] n.º 1 do art. 24.º do CE determina que: “O montante da indemnização calcula-se com referência à data da DUP, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor”.
         É conhecida a razão de ser desta norma legal: sendo o momento chave para a fixação do valor do bem expropriado o da publicação da DUP, o expropriado seria prejudicado se recebesse esse mesmo valor à data da decisão final do processo de expropriação, sem qualquer actualização que o compensasse dos efeitos da erosão monetária entretanto ocorrida.
         Mas precisamente porque essa é a razão de ser da norma do art. 24º/1 do CE, há que conciliar o disposto neste preceito com a faculdade que o Código confere ao expropriado de receber a indemnização, ou pelo menos parte dela, em momento anterior ao da decisão final do processo, quando haja recurso da decisão arbitral.
         Com efeito, havendo recurso da decisão arbitral, há que ter em conta o disposto no art. 52º/3 do CE, segundo o qual:
         “Se houver recurso, o juiz atribui imediatamente aos interessados, nos termos do número anterior, o montante sobre o qual se verifique acordo, retendo, porém, se necessário, a quantia provável das custas do processo no caso de o expropriado ou os demais interessados decaírem no recurso”.
         O “montante sobre o qual se verifique acordo” determina-se conjugando o valor indemnizatório defendido pela parte que recorre da decisão arbitral com o valor defendido na resposta ao recurso apresentada pela parte contrária.
         Assim, se a decisão arbitral fixou a indemnização em 100; se o expropriado recorreu, pedindo 200; se o expropriante, na resposta, defendeu a manutenção da decisão naqueles 100; o montante sobre o qual há acordo das partes é 100, e este valor pode ser imediatamente levantado pelo expropriado, sem ter de esperar pela decisão final do processo.
         Ora, visando a actualização da indemnização compensar o expropriado pelo seu recebimento tardio, seria absurdo que, tendo o expropriado recebido, na fase inicial do recurso da decisão arbitral, determinado montante, por conta da indemnização final, ele viesse a beneficiar, no final do processo, de uma actualização que incidisse sobre esse mesmo montante.
         Daí que, conforme jurisprudência fixada no acima citado AFJ 7/2001:
         “Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante, a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado […]”.
         No caso dos autos, a decisão arbitral fixou a indemnização em 1.706,76€. A REFER depositou esse valor, à ordem do tribunal, em 2007, anteriormente à remessa do processo para o tribunal.
         O expropriado recorreu da decisão arbitral, pedindo que a indemnização fosse fixada no valor de 48.000€.
         Na resposta, a REFER defendeu a improcedência do recurso e a manutenção do valor fixado no acórdão arbitral.
         Deste modo, e para os efeitos do disposto no art. 52º/3 do CE, a quantia sobre a qual se verificou acordo das partes, para o efeito de levantamento pelo expropriado, foi de 1.706,76€.
         Nos termos do artigo 52º/3 do CE, em 12/12/2007 foi proferido despacho – notificado aos expropriados em 17/12/2007 (notificação expedida em 13/12/2007) – com o seguinte teor:
         “Considerando o disposto no n.º 3 do art. 52º do CE, atribuo à expropriada a quantia sobre a qual se verifica acordo - 1.706,76€ -, sem prejuízo do valor que se mostre necessário reter a título de custas prováveis”.
         A secção de processos calculou o montante das custas prováveis em 4.631,40€ (fls. 93). Daí que o expropriado nenhuma quantia tenha efectivamente chegado a levantar: a quantia a reter a título de garantia das custas, por imposição do art. 52º/3 do CE, era superior ao montante indemnizatório sobre o qual existiu acordo das partes.
         Mas nem por isso se deve deixar de aplicar a doutrina do AFJ acima referido.
         Por um lado, o AFJ 7/2001 aponta como facto determinante da exclusão da actualização, não o efectivo levantamento da indemnização pelo expropriado, mas sim a notificação do despacho que atribua ao expropriado essa indemnização.
         Por outro lado, a retenção a título de garantia do pagamento das custas em caso de decaimento no recurso é irrelevante para o efeito aqui considerado:  tudo se passa como se a quantia fosse efectivamente entregue ao expropriado e este dispusesse de parte dela para garantia das custas. Conforme se pode ler ainda no acórdão de fixação de jurisprudência citado, “por valor já entrado tem de entender-se valor atribuído e não valor efectivamente levantado. A partir da atribuição o valor ficou na disponibilidade do expropriado e a retenção é feita como garantia das custas e será atendida na conta final”.
         De facto, a quantia de 1.706,76€ que nos autos foi retida para garantia do pagamento das custas em caso de decaimento no recurso foi já uma quantia do expropriado, que lhe havia sido atribuída.
         A justeza da solução consagrada no citado acórdão de fixação de jurisprudência não oferece dúvidas: sendo a quantia indemnizatória colocada à disposição do expropriado, não faria sentido que, no final do processo, a expropriante tivesse de depositar a respectiva actualização. De contrário, estar-se-ia a pagar ao expropriado o valor de actualização de uma quantia que ele já havia recebido, isto quando a actualização determinada na lei apenas visa compensar o expropriado pelo diferimento no recebimento.”

              Neste mesmo sentido, decidiu-se no ac. do TRC já referido acima, em que fui relator.     E tal corresponde a jurisprudência, ao que se crê, uni-forme  (já que não se conhecem acórdãos em sentido contrário); vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos do TRP de 25/03/2010 (794/05.7TB LSD.P1); do TRP de 18/02/2010 (685/03.6TBLMG.P1 - mas neste caso não houve despacho a autorizar o levantamento, pelo que na prática a actualização teve que incidir sobre a totalidade); do TRP de 01/06/2009 (4451/06.9TBMTS.P1); do TRL de 11/02/2010 (114/1998.L1-6 - mas também não foi proferido despacho, pelo que incidiu sobre a totalidade); do TRL de 09/02/2010 (2593/05.7TMSNT.L1-7); do STJ de 28/10/2008 (08A2701); do STJ de 27/05/2008 (07B4767); do TRC de 24/06/2008 (318/2000.C) e do TRC de 30/05/2006 (178/06). Isto para além, evidentemente, do AFJ já invocado.

                                                                 *

                   Sumário:

                   Na actualização da indemnização, na expropriação, devem ser observadas as regras esclarecidas pelo AFJ 7/2001.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, substituindo a par-te recorrida da decisão do tribunal da 1ª instância por esta: a indemni-zação será a actualizar desde a data da publicação da declaração de utilidade pública (13/1/2006) até 17/12/2007; a partir desta data, a actuali-zação incidirá apenas sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor sobre o qual existiu acordo das partes (sendo este último de 1.706,76€).


Pedro Martins