Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
346/10.0GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: AUSÊNCIA DO ARGUIDO
AUDIÊNCIA
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
MORADA INEXISTENTE
MORADA SEM RECETÁCULO
Data do Acordão: 05/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º NºS 3 E 4, 196º NºS 1 E 2 E 333º CPP
Sumário: Se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado em que é arguida:

A... , filha de (...) e de (...), natural da freguesia de Sé Nova, concelho de Coimbra, nascida aos 10.06.1973, titular do B. I. n.º (...), casada, desempregada, residente na Rua (...) Alfarelos;

Foi proferido despacho do seguinte teor:

“Pelas razões já consignadas no despacho de 16.01.2013, considera-se efetuada a notificação da arguida e legitimada a realização da audiência de julgamento na sua ausência.

Não se vê por isso razão válida para adiar a presente audiência de julgamento, quando estão até presentes os demais convocados para a mesma.

Se a arguida não cumpriu as obrigações decorrentes do TIR que prestou, sivi imputate.

Por conseguinte condena-se a arguida pela sua falta injustificada numa multa de 2 UC.

Notifique”.

Despacho de 16-01-2013:

“Fls. 184: Tendo a carta sido remetida para a morada que, para o efeito, a própria arguida indicou, considera-se efetuada a notificação e, por conseguinte, legitimada a realização da audiência na sua ausência (art. 196, nº 2 e nº 3, als. b) a d), e art. 113, nº 1, al. c) e nº 2 do CPP) (dr. Ac. RC de 05.11.2003, proc. 2760/03)”.

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Inconformada, da sentença interpôs recurso a magistrada do Mº Pº, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e que, delimitam o objeto:

A) A arguida prestou regularmente Termo de Identidade e Residência indicando uma morada para efeitos de futuras notificações, conforme exigido pelo art. 196, n.° 2 do Código de Processo Penal, nenhuma outra tendo sido indicada nos autos.

B) Foi enviada uma carta para a morada do TIR para notificação da arguida da data designada para a realização da audiência, por via postal simples com prova de depósito, para cumprimento do art. 313, n.º 3 do Código de Processo Penal, tendo o impresso sido devolvido aos autos, em branco, assim como a carta, com menção de que «não havia recetáculo».

C) Apesar de tal circunstancialismo, entendeu a Mm.ª Juiz que a arguida se considerava regularmente notificada para a audiência de discussão e julgamento e legitimada a realização da audiência na sua ausência.

D) Salvo o devido respeito, consideramos que inexistindo prova de depósito nos termos do disposto no art. 113, n.º 3, não se poderá considerar a arguida regularmente notificada para os termos e efeitos indicados no douto despacho judicial que ora se impugna (cfr. fls 204).

E) Da conjugação dos arts. 113, n.º 1, al. c) e n.º 3, 196, n.º 1, 2, 3, al. c) e d) e 313, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, resulta, a nosso ver, que o arguido, tendo prestado TIR, só se considera regulamente notificado para a audiência de julgamento (nos termos decorrentes da aplicação de tal medida de coação), com as consequências previstas no art. 196, n.º 3, al. d), se a notificação tiver sido efetuada mediante via postal simples com prova de depósito.

F) Não havendo prova de depósito, não poderá o mesmo considerar-se regularmente notificado nem poderá realizar-se a audiência na sua ausência nos termos do disposto no art. 333 do Código de Processo Penal.

G) Impunha-se, assim, a presença da arguida na audiência, nos termos do disposto no art. 332, n.º 1 do Código de Processo Penal.

H) A realização da audiência sem a presença da arguida, nestas circunstâncias, configura uma nulidade insanável nos termos do disposto no art. 119, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade que afeta a própria sentença nos termos do art. 122, n.º 1 do mesmo diploma legal, que igualmente se impugna nos termos do disposto no art. 410, n.° 3 do Código de Processo Penal.

I) Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo não fez uma correta interpretação da lei, violando o disposto nos arts. 113, n.º 1, al. c) e n.º 3, 196, n.º 3, al. c) e d), 313, n.º 3, 332, n.° 1, todos do Código de Processo Penal e nessa medida gerando a nulidade da audiência de julgamento e, subsequentemente, da sentença, nulidade esta que é insanável e que aqui se invoca nos termos dos arts. 119, al. c) e 410, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.

Deverá o recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido e a douta sentença proferida nos autos, dando-se sem efeito todos os atos subsequentes a tal despacho, designando-se nova data para a realização da audiência e ordenando-se as diligências necessárias à notificação pessoal da arguida e prestação de novo TIR.

Respondeu a arguida, aderindo ao recurso apresentado.

Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:

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Conhecendo:

O recurso vem interposto somente do despacho de fls. 204 (supra reproduzido), sendo as questões suscitadas, as seguintes:

- Irregularidade na notificação da arguida da data de julgamento, o que constitui nulidade insanável.

- Revogação do despacho recorrido, dando-se sem efeito os atos subsequentes praticados.

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Notificação da arguida para comparecer em audiência de julgamento:

A arguida foi constituída nessa posição processual, fls. 138 e, foi interrogada conforme auto de fls. 143 e 144.

A fls. 139 dos autos consta o TIR, no qual se indica uma morada, naturalmente indicada pela arguida, e mais constando que, as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar.

É certo que a arguida sempre teve a oportunidade de vir indicar “outra” morada, conforme TIR que assinou, mas nunca o fez ao longo do processo.

Do mesmo TIR consta que “o incumprimento das alíneas anteriores, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, bem assim a realização da audiência nos termos do art. 333 do CPP”.

Em situação normal, era obrigação do arguido comunicar a mudança de residência ou ausência por mais de 5 dias.

Todas estas obrigações constantes do TIR que a arguida assinou.

Como se referiu, as notificações que devam ser efetuadas a arguido que prestou TIR, sê-lo-ão por via postal simples para a morada indicada.

Enviada a carta com vista a notificação da data da audiência de julgamento, o distribuidor devolve-a com a indicação de “não tem recetáculo postal” – fls. 184 (constatando-se nos autos que, antes e depois se insistiu por esta via de notificação, sendo sempre de igual teor a informação do distribuidor).

Face a tal informação, foi proferido o despacho de fls. 189, datado de 16-01-2013.

A questão é: foi regularmente efetuada a convocação da arguida para a audiência de julgamento?

Preceitua o art. 113 nºs 3 e 4, do CPP:

As notificações;

3- Quando efetuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.

4- Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente”.

Se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência.

Se inexistia esse número de polícia na rua, à arguida competia dar a informação e não o fez, sendo nítida a fuga ao cumprimento de qualquer obrigação processual, pois que como já supra se referiu, a constituição como arguida e prestação do TIR estão documentadas, só a fls. 138 e 139, com data de 13-09-2012, quando o auto de denúncia é enviado pela autoridade policial aos serviços do Mº Pº do tribunal da Lousã, em 19-08-2010.

O regime legal introduzido com as notificações por via postal simples seria em absoluto postergado caso se entendesse que a simples alteração da morada do arguido não comunicada ao Tribunal impediria sem mais a realização de audiência de discussão e julgamento, assim como fica postergado no caso de ab initio se indicar morada incorreta ou sem recetáculo, ou como refere a lei, se for impossível proceder ao depósito da carta.

O Sr. Ministro da Justiça acentuava na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 41/VIII que, o arguido tem o direito à defesa, mas não tem o direito de se furtar à acusação nem o de impedir o julgamento.

Como refere o Acórdão n.º 17/2010, do Tribunal Constitucional, Processo n.º 498/09, in Diário da República, 2.ª série — N.º 36 — 22 de Fevereiro de 2010:

“No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exato desse depósito, e enviá-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando -se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.

Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha (sublinhado nosso). Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coação, justifica -se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.

Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.

Na verdade, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto pessoal, que caracterizava desde há muito tempo o nosso sistema processual penal, sobretudo quando aplicada aos despachos que designam data para o julgamento, havia sido num passado recente, uma das causas identificadas para os adiamentos sucessivos das audiências de julgamento e para as situações de envelhecimento e perecimento da prova e de prescrição de procedimentos criminais que tanto comprometem a imagem social e a celeridade da administração da justiça.

Daí que o legislador tenha resolvido encarar esse grave problema, optando por consagrar um meio de notificação mais célere e de maior facilidade de execução, mas com menores garantias de certeza quanto ao real conhecimento pelo arguido do conteúdo do despacho notificado”.

E se acrescenta:

“A introdução desta forma de notificação do arguido pelo Decreto–Lei n.º 320-C/2000, em detrimento da notificação por contacto pessoal, foi assim explicada pelo legislador, no preâmbulo daquele diploma:

“Pretende ajustar -se o Código de Processo Penal…a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.

A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando –se assim imperioso efetuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objetivos.

Para a consecução de tais desígnios, introduz -se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo –se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento”.

Este foi o entendimento que sustentamos no recurso nº 2760/03 de 5-11-2003, citado no despacho recorrido e em que se analisava caso em que não havia recetáculo postal na morada indicada no TIR, vindo a autoridade policial constatar que o arguido que se havia ausentado para local incerto.

“O arguido que prestou Termo de Identidade e Residência, nos termos do disposto no art.196 do C. P. Penal, na redação dada pelo D.L. 320-C/2000 de 15/12 e verificando-se, posteriormente, mudança de residência sem comunicação ao processo, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais em que tenha o direito ou dever de estar presente, ou seja, legitima, em relação ao arguido não cumpridor das obrigações assumidas, a prática de todos os atos processuais posteriores à prestação de TIR”.

Se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência.

O que quer dizer que legitima, em relação ao arguido não cumpridor das obrigações assumidas, a prática de todos os atos processuais posteriores à prestação do referido TIR.

Assim, entendemos que o recurso não merece provimento, mantendo-se o despacho recorrido.

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Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso interposto pelo Magistrado do Mº Pº e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves