Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
973/20.7T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ALEGAÇÕES DE RECURSO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
FUNDADO RECEIO DE LESÃO GRAVE
TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR DE LOCAL DE TRABALHO.
Data do Acordão: 11/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 362º E 651º, Nº 1, DO NCPC; 194º, Nº 1 DO C. TRABALHO.
Sumário: I – Nos termos do artº 651º, nº 1, do nCPC, aplicável por força dos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º, nº 1 do CPT, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º do nCPC, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.
II - Da articulação das disposições legais referenciadas resulta que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso em duas situações distintas:

- a primeira, no caso de não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão da 1ª instância;

- a segunda, quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

III - Na primeira das hipóteses compreendem-se os casos de a parte não ter conhecimento da existência do documento, ou conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele, bem como quando o documento se formou ulteriormente, sendo necessário, para que a junção se considere lícita, que a parte que apresenta o documento demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância.

IV - Já na segunda hipótese não se pretende contemplar as situações em que a parte ficou surpreendida com o desfecho da causa, maxime, não ter obtido o respetivo ganho, quando acreditava que tal fosse ocorrer, pois nesse caso já podia, e deveria, ter apresentado o documento em 1ª instância. Visa-se, pelo contrário, abranger as situações que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração, antes da decisão ter sido proferida.

V – Uma vez que os documentos em causa, que a requerida-apelante pretende juntar, não visam efetuar a prova de quaisquer factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância, nem se evidenciam como necessários em virtude do julgamento ali realizado, porque não se reportam a factos cuja relevância a apelante não podia, razoavelmente, ter em conta, sendo que, quanto à impossibilidade de a parte apresentar os documentos, a mesma não se mostra verificada, além de que a apelante não demonstrou que lhe não foi possível apresentar os documentos até ao encerramento da discussão, não se admite a junção desses documentos.

VI - Os procedimentos cautelares são um instrumento processual privilegiado para proteção eficaz de direitos subjetivos ou de outros interesses juridicamente relevantes.

VII - Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).

VIII - Assim, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável é o motivo que pode justificar o acesso a medidas cautelares inespecíficas. Desde que a situação de periculum in mora o exija, justifica-se a adoção de medidas tendentes a superar essa situação e a evitar a consumação do risco.

IX - Qualquer procedimento cautelar, pela sua própria natureza, visa apenas alcançar uma solução provisória tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da ação principal de que constitua dependência possa ocasionar ao requerente.

X - Basta, portanto, a verificação da aparência ou da probabilidade, embora séria, da existência do direito por este invocado – o que leva a exigir do julgador uma análise da prova que lhe permita alcançar, não um juízo de certeza mas um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto á existência desse direito – a par da verificação de um fundado e, nessa medida, objetivo receio de ameaça de lesão do mesmo, não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente, para que se justifique a adoção de medidas adequadas a acautelar esse direito durante o período de natural demora de resolução da ação principal em que o mesmo se discuta em toda a sua plenitude.

XI - Decorre do artº 194º, nº 1, do CT, que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço - al. a) -, ou quando ocorra outro motivo do interesse da empresa e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador - al. b).

XII - A lei admite a transferência do local de trabalho quando motivos de interesse da empresa o exijam, ou seja, o artº 194º afirma o princípio de que o empregador tem a faculdade, em geral, de transferir o trabalhador, apenas impondo como limite a tal faculdade a existência de um prejuízo sério para o trabalhador.

XIII - A mudança definitiva do local de trabalho, ou transferência do trabalhador, está sujeita apenas aos requisitos cumulativos previstos naquele normativo, ou seja a mudança deve ser justificada pelo interesse da empresa (devendo este requisito ser apreciado em termos objectivos, ou seja como um interesse de gestão) e que a mudança do local de trabalho não cause prejuízo sério ao trabalhador (ou seja que acarrete desvantagens económicas ou pessoais sérias para o trabalhador e não quaisquer incomodidades ou inconvenientes de ordem subjectiva).

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
L... veio intentar a presente providência cautelar não especificada contra I..., SA, pedindo que a mesma seja julgada procedente e provada e, consequentemente, seja suspensa a decisão tomada pela requerida relativamente à transferência do requerente, mantendo-se o mesmo a prestar trabalho na estação de Castelo Branco.

Alegou, para o efeito e tal como consta da sentença recorrida:

É funcionário da requerida desde 12/07/1989, exercendo as funções de operador de circulação. Essas funções são exercidas na estação da ... de Castelo Branco desde 2003, com a excepção do período compreendido entre 01/06/2005 e 08/08/2011, em que exerceu as mesmas funções na estação das ... No início de Março de 2020 (6 de Março) tomou conhecimento através de e-mail que a entidade empregadora se preparava para proceder à transferência do seu local de trabalho para a estação da ... com efeitos a 23/04/2020, situação que, face aos efeitos da pandemia gerada pela doença Sars Covid 19, não foi efetivada na data aprazada, sendo que o poderá ser, a qualquer momento, pela entidade empregadora, aqui requerida.

Ora, entende o requerente que a transferência do seu local de trabalho e a consequente ordem de afectação definitiva à Estação de ... não cumpre os requisitos legais previstos no artigo 194.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer porque não se encontra devidamente fundamentada, quer porque não se verifica na verdade qualquer encerramento do estabelecimento da requerida em Castelo Branco, quer ainda porque a mesma não respeita os critérios de seleção e ordenação dos trabalhadores abrangidos pela extinção do posto de trabalho.

Acrescenta ainda o requerente que a transferência do seu local de trabalho da Estação a que se encontra adstrito – Castelo Branco -, para a Estação de ... lhe causa um grave prejuízo pessoal e familiar. Isto porque, por um lado, o requerente é portador de uma doença crónica – colite gástrica – que desenvolve, por vezes, úlceras gástricas, provocando-lhe náuseas, alterações intestinais, hemorragias, vómitos e dores, pelo que para controlar a doença, para além da medicação que faz, tem que observar diariamente uma dieta rigorosa ao nível alimentar, que só será possível se tiver possibilidade de se deslocar diariamente ou o máximo número de vezes a casa à hora da refeição. E porque, por outro lado, o seu agregado familiar é composto por si, pela sua mulher e pela sua sogra, que tem 86 anos e é doente cardíaca, estando actualmente dependente da sua ajuda para todos os actos da sua vida, designadamente levantar-se, fazer a sua higiene, confeccionar os alimentos e administrar a medicação que necessita.

Acresce que a mulher do requerente é enfermeira especialista no Serviço de Urgências do Hospital de ..., com um horário fixo incompatível com as necessidades de assistência que são necessárias à sogra do requerente, sendo por isso o requerente que normalmente faz o almoço e dá a refeição com a medicação à sua sogra. Assim como a levanta e ajuda na sua higiene de manhã, antes de ir para o trabalho, tarefas que são impossíveis se for transferido para a Estação de ...

Por último, salienta ainda o requerente que a distância que terá que percorrer diariamente da sua residência para a Estação de ... ascende a cerca de 200 km (ida e volta) o que provocará um cansaço extremo e o fará perder mais de duas horas de viagem em cada dia, prejudicando o seu descanso e a vida familiar.

Concluiu pugnando pela procedência da providência cautelar.

Mais apresentou o requerimento de inversão do contencioso, previsto no artº 369º, nº 1, do CPC, dispensando-se o requerente do ónus de propositura da acção principal.

A requerida apresentou oposição, sustentando, no essencial, que a ordem de deslocação em serviço é lícita, não havendo fundamento de facto ou de direito para que a presente providência seja decretada. Na verdade, sustenta a requerida que a comunicação da decisão de transferência se encontra devidamente fundamentada de acordo com o exigido pela lei, ou seja, encerrando em si a explicação de uma medida de racionalidade de gestão — que impele a empresa a agir e não um mero capricho ou subterfúgio para diferente propósito — sindicável e, para cúmulo, já amplamente conhecida do requerente, pelo que nenhuma violação há ao previsto no n.º 2 artigo 196.º do Código do Trabalho.

Acresce que não está em causa o encerramento, total ou parcial, da Estação de Castelo Branco, mas sim uma mudança no estabelecimento por via de uma transferência colectiva de postos de trabalho, motivada por alterações no plano territorial da requerida, em virtude de necessidade de melhoria da produtividade e racionalidade da gestão que, ao contrário do que o requerente pretende, se encontra acolhida na letra e no sentido do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 194.º do Código do Trabalho. Mais sustenta a requerida que a ordenação elaborada está de acordo com os parâmetros vigentes na empresa e, logo, não sendo admissível perante tal critério (e nunca foi praticado pela requerida) o cômputo de períodos interpolados de antiguidade em posto de trabalho, razão pela qual conclui, em suma, ser a ordem de deslocação lícita.

Por fim, defende a requerida que o direito que lhe assiste de alterar o local de trabalho do requerente nunca representará um perigo susceptível de causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pelo que o procedimento dos autos não se justifica.

Conclui, pedindo a improcedência do procedimento, por não se demonstrar existir uma probabilidade séria de lesão grave ou dificilmente reparável do direito do requerente e, em consequência, a sua absolvição dos pedidos.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão, que transcrevemos:

“Atento o exposto, julgo procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, determino a suspensão da ordem de transferência de local de posto de trabalho do requerente para ..., declarando-se a mesma ilegítima.

Ao abrigo do disposto no artigo 369.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mais dispenso o Requerente do ónus de propositura da ação principal.

Custas a cargo da requerida”.

x

A requerida, não se conformando com tal decisão, dela interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

...

O requerente apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões em discussão:

- a reapreciação da matéria de facto;

- se a ordem emitida pela requerida de alteração do local de trabalho foi legítima e legal;

- a inversão do contencioso.

x

A 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma:

...

- o direito:

- questão prévia:

Juntamente com as suas alegações veio a requerida-apelante juntar seis documentos.

Nos termos do artº 651º, nº 1, do CPC, aplicável por força dos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º, nº 1 do CPT, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Da articulação das disposições legais referenciadas resulta que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso em duas situações distintas:

- a primeira, no caso de não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão da 1ª instância;

-a segunda, quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Na primeira das hipóteses, compreendem-se os casos de a parte não ter conhecimento da existência do documento, ou conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele, bem como quando o documento se formou ulteriormente, sendo necessário, para que a junção se considere lícita, que a parte que apresenta o documento demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância.

Já na segunda hipótese, não se pretende contemplar as situações em que a parte ficou surpreendida com o desfecho da causa, maxime, não ter obtido o respectivo ganho, quando acreditava que tal fosse ocorrer, pois nesse caso já podia, e deveria, ter apresentado o documento em 1ª instância. Visa-se, pelo contrário, abranger as situações que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração, antes da decisão ter sido proferida.

Ora, os documentos em causa, que a requerida-apelante pretende juntar, não visam efectuar a prova de quaisquer factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância, nem se evidenciam como necessários em virtude do julgamento ali realizado, porque não se reportam a factos cuja relevância a apelante não podia, razoavelmente, ter em conta, sendo que, quanto à impossibilidade de a parte apresentar os documentos, a mesma não se mostra verificada.

Assim como a apelante não demonstrou que lhe não foi possível apresentar os documentos até ao encerramento da discussão.

Assim, em relação ao processo electrónico não serão tais documentos tomados em conta e, no que toca ao processo físico, determinar-se-á que se proceda ao seu desentranhamento e entrega à parte.

- a primeira questão - impugnação da matéria de facto:

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º do C.P.C.:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.

Acresce que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º do CPC.

Lidas as alegações e respetivas conclusões constatamos que o recorrente indica os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, ou seja, os documentos que identifica e que impõem decisão diversa e, ainda, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim sendo, o recorrente cumpriu na totalidade o ónus que sobre si impendia, pelo que este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.

...

Improcede, assim e nesta parte, a impugnação factual.

Pelas mesmas razões improcede tal impugnação no que respeita aos factos, considerados como não provados, 13 a 15.

- a segunda questão - se a ordem emitida pela requerida de alteração do local de trabalho foi legítima e legal:

Como se sabe, os procedimentos cautelares são um instrumento processual privilegiado para protecção eficaz de direitos subjectivos ou de outros interesses juridicamente relevantes.

Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).

Assim, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável é o motivo que pode justificar o acesso a medidas cautelares inespecíficas. Desde que a situação de periculum in mora o exija, justifica-se a adopção de medidas tendentes a superar essa situação e a evitar a consumação do risco.

Estamos no âmbito de uma providência cautelar que, como referia Calamandrei, “não é um fim mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material”. Com efeito, qualquer procedimento cautelar, pela sua própria natureza, visa apenas alcançar uma solução provisória tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da acção principal de que constitua dependência possa ocasionar ao requerente. Basta, portanto, a verificação da aparência ou da probabilidade, embora séria, da existência do direito por este invocado – o que leva a exigir do julgador uma análise da prova que lhe permita alcançar, não um juízo de certeza mas um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto á existência desse direito – a par da verificação de um fundado e, nessa medida, objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo, não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente, para que se justifique a adopção de medidas adequadas a acautelar esse direito durante o período de natural demora de resolução da acção principal em que o mesmo se discuta em toda a sua plenitude.

Lê-se no artº 362º, nº 1, do CPC que "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado."

Daqui resulta que são requisitos da providência cautelar não especificada:

1- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na Lei;

2- A existência de um direito;

3- O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;

4- A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

Passando ao caso dos autos, temos que está em causa a transferência do requerente do seu local de trabalho, situado na estação ferroviária de Castelo Branco, para a estação ferroviária de ...

Decorre do artº 194º, nº 1, do CT, que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço - al. a) -, ou quando ocorra outro motivo do interesse da empresa e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador - al. b).

No caso de a transferência ser definitiva e verificando-se tal prejuízo sério, o trabalhador terá direito à compensação prevista no artº 366º do CT- nº 5 daquele artº 194º.

Resulta do disposto no artº 129º do CT, como corolário do princípio jurídico-laboral da inamovibilidade, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, não podendo ser transferido para outro local de trabalho, sem o seu acordo, fora das situações expressamente previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.

Sabe-se que o local de trabalho é um elemento essencial do contrato de trabalho, quer na perspectiva do empregador quer na perspectiva do trabalhador.

No que a este se refere, basta atentar que é em função deste local que o resto da sua vida, pessoal e familiar, é planificado.

Uma das excepções a esse princípio da inamovibilidade é, como se disse, a admissibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço .

Com elucida Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pag. 443), o fundamento da admissibilidade da transferência neste tipo de situações radica no facto de o estatuto contratual do trabalhador estar ligado, “em certos termos, à organização técnico-laboral em que ele se insere, segue-lhe o destino e as vicissitudes”.

Ora, a lei admite a transferência do local de trabalho quando motivos de interesse da empresa o exijam, ou seja, o artº 194º afirma o princípio de que o empregador tem a faculdade, em geral, de transferir o trabalhador, apenas impondo como limite a tal faculdade a existência de um prejuízo sério para o trabalhador.

Assim, a mudança definitiva do local de trabalho, ou transferência do trabalhador, está sujeita apenas aos requisitos cumulativos previstos naquele normativo, ou seja a mudança deve ser justificada pelo interesse da empresa (devendo este requisito ser apreciado em termos objectivos, ou seja como um interesse de gestão) e que a mudança do local de trabalho não cause prejuízo sério ao trabalhador (ou seja que acarrete desvantagens económicas ou pessoais sérias para o trabalhador e não quaisquer incomodidades ou inconvenientes de ordem subjectiva).

E desde logo há que dizer que a alegação da apelante de que não estamos perante uma mudança individual do local de trabalho por motivo sério do empregador mas sim da mudança colectiva de locais de trabalho por extinção parcial de estabelecimento não encontra qualquer suporte factual no elenco dos factos provados, que não admitem tal interpretação.

Como se refere na sentença, “na verdade, nenhuns factos foram alegados, nem resultaram provados, no sentido de que se tratou de uma mudança parcial do estabelecimento, pelo que afastada fica, à partida, a aplicação do disposto no artigo 194º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho”.

E a argumentação da recorrente de que a mudança colectiva de locais de trabalho por extinção parcial de estabelecimento consta como fundamentação das comunicações da extinção de postos de trabalho vertidas nos documentos nº 6 e nº 8, e terem sido matéria alegada como causa de pedir pelo Requerente ao longo dos artigos 14º a 24º do requerimento inicial esbarra com dois obstáculos inultrapassáveis - por um lado, não basta invocar o teor das comunicações, sendo premente provar, a fim de aquilatar do interesse sério da empresa, a factualidade aí invocada, e, por outro, a recorrente não deduziu qualquer impugnação da matéria de facto, com a observância dos ónus do artº 640º do CPC, relativa aos referidos pontos 14 a 24.

Como também se refere na sentença, quanto ao interesse da empresa, sustenta Júlio Gomes (in Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, 2007, pág. 641 e seguintes), ainda que no âmbito do anterior Código do Trabalho (2003): “o conceito de “interesse da empresa” (…) há de tratar-se, pois, de uma decisão que possa explicar-se em termos de uma racionalidade de gestão - o que aliás, está de acordo com a necessidade de fundamentação prevista no artigo 317.º (hoje artigo 196.º) para qualquer transferência - e não de uma decisão tomada de ânimo leve e sem a necessária reflexão (repara-se que a letra do n.º 1 do artigo 315.º (hoje artigo 194.º/1, al. b)) refere mesmo que o interesse da empresa deve “exigir” a transferência)”.

Assim, em situações de transferência de trabalhadores terá de ser feita uma adequada e concreta ponderação dos interesses em confronto, de maneira a encontrar a solução mais eficiente e eficaz para as necessidades empresariais que reclamem a transferência, mas igualmente equilibrada por referência à posição dos trabalhadores, de maneira a que a sua deslocação, em face das circunstâncias concretas e conhecidas pela entidade patronal, não se revele prejudicial para aquele, para além dos limites do que é razoável e exigível – cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Porto de 18.11.2019, disponível em www.dgsi.pt.

Importa também aqui chamar à liça o disposto no artº 196º do CT:

“1 - O empregador deve comunicar a transferência ao trabalhador, por escrito, com oito ou 30 dias de antecedência, consoante esta seja temporária ou definitiva.

2 - A comunicação deve ser fundamentada e indicar a duração previsível da transferência, mencionando, sendo caso disso, o acordo a que se refere o nº 2 do artigo 194.º”.

Também como se salienta na sentença, a fundamentação referida no número 2 do artigo 196.º tem de especificar e concretizar, com um mínimo de detalhe e objectividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem ao empregador a aludida transferência (ainda que temporária) - cfr., entre outros o acórdão da Relação de Porto de 09.12.2007, disponível em www.dgsi.pt).

Como nota Diogo Vaz Marecos (in Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 478), “o disposto no artigo 196.º visa essencialmente não só possibilitar que o trabalhador disponha de um período de tempo mínimo para organizar a sua vida, como permitir a apreciação judicial dos motivos ou fundamentos invocados para a transferência do local de trabalho. Na hipótese de um tribunal vir a sindicar a fundamentação aduzida, este encontra-se circunscrito aos motivos constantes do texto que determina a transferência, não sendo considerados os motivos que o empregador venha a apresentar em sede judicial que extrapolem a comunicação realizada”.

Conforme resulta do facto 9, a fundamentação adoptada pela Ré, para justificar a transferência do Autor, foi a seguinte: “De acordo com as indicações da Direção de Circulação ferroviária, relativamente à extinção de postos de trabalho na linha do Oeste, Beira Baixa, Norte e Ramal de Alfarelos, com efeitos a 1 de Agosto de 2019, por motivos que resultam da necessidade de otimização e racionalização da gestão de quadro de efetivos” – Cfr. doc n. 6 e “Tendo em conta a necessidade de reorganização dos recursos humanos no atual contexto, procedeu a Direção de Circulação ferroviária à redefinição dos quadros geria de efetivos em estações do Oeste, Norte, Beira Baixa Ramal de Alfarelos, Minho e Douro, com o objetivo de os adaptar às necessidades funcionais e de serviços de circulação ferroviária requeridos” – Cfr. doc n.º 8

O que desde logo ressalta desta formulação é o seu carácter vago e genérico, sem a necessária concretização no que toca às invocadas “otimização e racionalização” e “necessidade de reorganização dos recursos humanos no atual contexto”, impedindo a aludida apreciação judicial dos motivos ou fundamentos invocados para a transferência do local de trabalho. Citando a sentença, essa formulação nada diz em concreto acerca das razões que determinaram a extinção do posto de trabalho do requerente – “o quadro de efetivos foi reduzido? Na afirmativa qual a razão de ser dessa redução? Deveu-se a uma redução do serviço motivada por uma diminuição da procura? Ou antes a uma informatização ou automatização dos meios? São questões que poderiam justificar a alegada reorganização dos recursos humanos efetivada pela requerida mas que não obtêm qualquer resposta na fundamentação por esta aventada no que respeita à extinção do posto de trabalho em causa. Com efeito, temos para nós que a requerida mais alguma coisa deveria ter fundamentado, por forma a que o trabalhador afetado por tal decisão pudesse ponderar e aquilatar do motivo invocado”.

E ainda que essa justificação acolhesse os ditames legais, o que é certo é que nada ficou provado a esse respeito, sendo que, nessa parte, não se verificou a pretensão de reapreciação da matéria de facto por parte da Requerida.

Aliás, ficou significativamente provado – sem impugnação - que:

27. Na estação de Castelo Branco antes da presente alteração ao seu gráfico de serviço, existiam dois turnos de serviço diários e o quadro de pessoal afeto a estes era de quatro trabalhadores.

28. Em consequência da pandemia foi implementado um plano de contingência baseado na separação de equipas: no caso dos CCO, retiraram-se da sala de comando mais de 40% dos efectivos, com guarnecimento de várias estações de concentração onde se consegue efectuar o comando da circulação descentralizado, em substituição de mesas do CCO.

29. Uma dessas estações de concentração é estação de Castelo Branco que no contexto da pandemia passou a assegurar o comando da circulação na Linha da Beira Baixa que era efetuado no CCO de Lisboa: no caso concreto de Abrantes, Castelo Branco, Guarda e Vilar Formoso;

30. Ora, esse guarnecimento recorre a trabalhadores da própria estação — como tem sucedido com o próprio Requerente e seus colegas — ou da zona envolvente, porém, apenas enquanto se mantiver o plano de contingência da pandemia, pelo que a estação de Castelo Branco, na vertente mesa de concentração, continuará guarnecida de pessoal das 00:00 às 24:00 horas até decretamento do levantamento das restrições implementadas em virtude da pandemia.

Não se mostra, assim, demonstrado o aludido interesse da empresa atendível que tornasse lícita a ordem de transferência do local de trabalho do requerente.

Tornando, assim, irrelevante a verificação do prejuízo sério do requerente, o qual, face às alterações a que se procedeu aos pontos 12, 16 e 17 da matéria de facto, sempre se teria de considerar como inexistente.

Ainda no domínio da LCT, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198), escrevia que “embora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador”.

Mais recentemente, Monteiro Fernandes, na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, escreveu o seguinte:

“Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.

(...)

De resto, o carácter virtual do «prejuízo sério» implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade.

Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis” (ob. cit., pags. 449/450).

Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado entendimento semelhante:

“Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado- acórdão de 25/11/2010, proc. 411/07.0TTSNT.L1.S1.

“O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..)A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais” - acórdão de 03/03/2010, proc. 933/07.3TTCBR.C1.S1.

“O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. – acórdão de 13/04/2011, proc. 125/08.4TTMAI.P1.S1.

Estando todas estas decisões publicadas em www.dgsi.pt.

A intensidade do prejuízo é diferente, na hipótese de se tratar de uma transferência definitiva ou de uma transferência temporária, justificando-se uma maior intensidade do prejuízo nesta do que naquela.

Mas o prejuízo não tem de estar já concretizado, podendo

ser conjectural, desde que seja objetivamente comprovável, e que, no caso concreto, vá implicar uma modificação substancial da vida do trabalhador em consequência da mudança do seu local de trabalho.

Assim, e em termos de síntese, como o faz o Ac. da Rel. de Lisboa citado, pode afirmar-se que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade -entre outros, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, sendo necessário, para que se verifique, que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.

Estando apenas provado que o requerente padece de Colite Ulcerosa universal (afectando todo o cólon), com sintomatologia severa, conforme relatório médico que constitui o documento nº 12 junto aos autos, e que a sogra do requerente é dependente de forma parcial (mRS3), a residir com a filha e com o requerente (facto 16), e considerando o horário da mulher do requerente (facto 17), não se pode falar do prejuízo sério, com o significado e extensão delimitados.

Tanto mais que se provou que:

32. A estação de ... tem instalações sociais que permitem aos trabalhadores confecionar refeições e pernoitar evitando assim outros transtornos e deslocações diárias a casa.

33. Utilizando as instalações sociais, onde o Requerente pode pernoitar e preparar refeições, não necessitará de apanhar qualquer comboio ou outro meio de transporte, apenas se quiser ir todos os dias a Castelo Branco por sua livre escolha.

- a terceira questão - a inversão do contencioso:

A este respeito escreveu-se na sentença o seguinte:

“Por último, cumpre aferir da requerida INVERSÃO DO CONTENCIOSO, ao abrigo do disposto no artigo 369.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Por força do disposto no referido preceito legal, mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Haverá, então, que aquilatar da verificação dos pressupostos da inversão do contencioso.

Nas palavras de Ramos Faria/Ana Luísa Loureiro (in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013. Vol. I, p. 301/302), a “convicção segura acerca da existência do direito” – que levará à adoção de uma medida que poderá realizar a “composição definitiva do litígio” – é aquela que se exige ao julgador numa acção. Embora a decisão não seja aqui de tutela plena, o legislador exige o transferência alegadamente ilícita – o que o trabalhador pretende é que o tribunal aprecie a validade ou não da ordem e, caso considere que essa mesma ordem foi ilegítima determine que o trabalhador pode regressar ao seu local de trabalho.

Na minha opinião, será com base nos referidos pressupostos (fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável para o trabalhador caso este seja transferido), i.e., em sede de ação principal o trabalhador não mais provará do que já foi provado em sede de tutela cautelar porque, em sede de ação principal terá que ser novamente demonstrado o "prejuízo sério para o trabalhador", ex vi art. 194 nº1 do Código do Trabalho. Concluindo, que a tutela cautelar já possui um grau de certeza bastante elevado, o que fará com que a ação principal não mais será do que uma repetição da providência cautelar, na maioria das vezes. É esta "reforçada convicção" que faz com que o plano cautelar tenha uma feição de perpetuidade ou definitividade.

Feita que está esta comparação, é possível concluir que a ação cautelar é adequada a realizar a composição definitiva do litígio visto que, com a tutela cautelar o trabalhador pretendia que a sua transferência para outro local de trabalho fosse, pelo tribunal, considerada ilegítima para, por sua vez, se manter no local de trabalho de onde teria eventualmente sido transferido.

Ora, parece-me que neste caso, o objeto da tutela cautelar é precisamente o mesmo que o objeto que estaria em causa no âmbito da tutela definitiva – a manutenção do local de trabalho – e caso o juiz – se requerido pelo requerente da providência – não decrete a inversão do contencioso, a ação principal será uma mera repetição do procedimento cautelar.

O leitor mais atento questionar-se-á sobre a posição do empregador, ficará este "desprotegido"? A resposta terá que ser negativa, pois se é verdade que por uma razão de economia processual, celeridade, simplicidade e flexibilidade, com vista a obstar a repetição de ações, a inversão do contencioso terá o seu campo de aplicação nestes casos, satisfazendo a pretensão do requerente e consolidando a ação como definitiva quanto ao requerido, este não terá que se conformar com esta "convolação", a inversão do contencioso determina que caberá a este - o ónus de - instaurar uma ação de impugnação com a finalidade de obstar à consolidação da tutela provisória, se assim o pretender.

Desta forma, poderemos assumir que este mecanismo é adequado a proteger os corolários da justiça nomeadamente, em respeito da igualdade de armas, não violando quaisquer princípios processuais das partes”

Ora no caso dos autos, a presente ação cautelar é adequada a realizar a composição definitiva do litígio visto que, com a tutela cautelar o trabalhador pretendia que a sua transferência para outro local de trabalho fosse, pelo tribunal, considerada ilegítima para, por sua vez, se manter no local de trabalho de onde teria eventualmente sido transferido.

Temos, pois, para nós, que, para além de legalmente autorizada a inversão do contencioso, a concreta natureza da presente providência, concede tal juízo.

Ora, dissemos já que a inversão do contencioso apenas poderá ser decretada se for adquirida convicção segura com grau de exigência e segurança semelhante ao necessário para apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal.

Compulsando a matéria de facto dada como provada, a fundamentação da decisão de facto e o enquadramento jurídico realizado afigura-se-nos ter sido alcançado tal grau de exigência atenta a robustez e coerência da prova produzida, mormente quanto à existência de prejuízo sério para o trabalhador.

Sendo, pois, inequívoco que a providência a decretar acautelará de forma adequada a composição definitiva do litígio, nesta parte.

Para concluir pela inversão do contencioso nos termos sobreditos”.

Embora tenhamos concluído pela não verificação do invocado prejuízo sério, acompanhamos estas considerações no que toca à falta de concretização, que analisámos, da comunicação a que se refere o artº 196º do CT, determinante da ilicitude da ordem de transferência. Por via disso, estamos perante a descrita e adquirida convicção segura, com grau de exigência e segurança semelhante ao necessário para apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal. Nesta o objecto seria precisamente a manutenção do local de trabalho, com a abordagem jurídica da presente providência. E a requerida/ empregadora tem sempre a possibilidade legal de intentar acção judicial com vista a combater a tutela provisória da providência.

Improcede, assim, o recurso.

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se:

- em determinar que, em relação ao processo electrónico, não sejam tomados em conta os documentos juntos com as alegações da apelante e em ordenar, no que toca ao processo físico, o seu desentranhamento e entrega à requerida-apelante, indo esta condenada nas custas do incidente;

- em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, embora com fundamentação algo diferente, a decisão recorrida.

Custas do recurso pela apelante.

Coimbra, 27/11/2020