Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
267/16.2T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SUCESSÃO DE ENTIDADE PATRONAL
TRABALHADOR
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CCT APLICÁVEL.
Sumário: I – Por força do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, havendo sucessão de empresas na prestação do serviço de limpeza em relação a um determinado local, os trabalhadores que aí prestavam normalmente a sua atividade laboral passam a ficar vinculados à nova empresa que se obrigou contratualmente à prestação do serviço de limpeza, sem perda de direitos, regalias e antiguidade.

II – O requisito relativo à ‘normalidade da prestação do trabalho’ no local, exigido para a transferência do trabalhador não se circunscreve à afetação exclusiva do trabalhador ao local de trabalho ou à empreitada em execução nesse local.

Decisão Texto Integral:








Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
A.... instaurou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B... , S.A. e C... , S.A., pedindo a condenação de uma das rés no reconhecimento da ilicitude do despedimento do autor e no pagamento das seguintes prestações:
a) A quantia de € 6.205,00 a título de retribuições até final do termo do contrato, respeitantes aos meses de novembro a dezembro de 2015, janeiro a maio de 2016 e a nove dias do mês de junho de 2016;
b) A quantia de € 745,03 a título de compensação/indemnização pela cessação do contrato de trabalho;
c) A quantia de € 387,50 a título de indemnização por férias vencidas e não gozadas referentes ao ano de 2015;
d) A quantia de € 389,00 a título de subsídio de férias vencido e referente ao ano de 2015;
e) A quantia de € 340,92 a título de proporcional de férias no ano do termo do contrato/ano de cessação;
f) A quantia de € 340,92 a título de proporcional de subsídio de férias no ano do termo do contrato/ano de cessação;
g) A quantia de € 272,73 a título de proporcionais de Natal referente ao tempo de duração do contrato;
h) A quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, e
i) A quantia referente aos juros de mora à taxa legal sobre as quantias em dívida desde os respetivos vencimentos e até integral pagamento.
Alegou, em muito breve síntese, que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a 1.ª R., em 9 de junho de 2014, pelo prazo de 12 meses, para exercer funções de encarregado geral. Exercia a sua atividade no X... , em Viseu, onde a 1.ª R. prestava contratualmente serviços de limpeza. Sucede que a partir de novembro de 2015, os serviços de limpeza passaram a ser prestados pela 2.ª R.. Desde então, viu-se impedido de exercer as suas funções profissionais porque a 1.ª Ré declarou que foi transmitido para a 2.ª Ré e esta afirmou que continuava a pertencer aos quadros de pessoal da 1.ª Ré. Desconhecendo qual das rés é a sua entidade patronal, demandou as duas empresas. Referiu ainda que desde outubro de 2015 não recebeu qualquer quantia relativa aos vencimentos e créditos laborais que lhe são devidos, considerando-se titular dos créditos peticionados. Acrescentou que toda a situação ocorrida lhe causou danos não patrimoniais que merecem ressarcimento.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
A 1.ª Ré contestou, invocando que o contrato de trabalho do autor foi transferido para a ré C... .
Por sua vez, a 2.ª R., na contestação por si oferecida, referiu que o autor estava indistintamente afeto a várias empreitadas de prestação de serviços de limpeza mantidas pela ré B... , pelo que não podia a C... assumir a posição de empregadora do autor, na medida em que apenas lhe foi adjudicada a empreitada de um dos locais onde o autor habitualmente prestava trabalho. Sustentou, também, que o autor apenas pode reclamar as remunerações dos 30 dias que antecederam a propositura da ação e sobre as retribuições intercaladas peticionadas há que descontar os rendimentos de trabalho e/ou subsídio de desemprego que o mesmo recebeu. Acrescentou que o autor não tem direito à totalidade do peticionado quanto a férias e subsídio de férias, sendo que o mesmo gozou férias, pelo menos de 17 a 31 de agosto. Requereu a condenação do autor como litigante de má fé.
O autor respondeu, invocando que as retribuições intercalares foram peticionadas de acordo com o disposto no artigo 393.º, n.º 2 do Código do Trabalho, por se tratar de um contrato de trabalho a termo, não havendo lugar a quaisquer descontos. Pugnou pela procedência dos pedidos apresentados e impugnou a acusada litigância de má fé.
Na pendência da ação, a 1.ª R. foi declarada insolvente. Na sequência, foi proferido o despacho de fs. 228 e 228 verso que declarou extinta a instância contra a 1.ª R. por inutilidade superveniente da lide, tendo a ação prosseguido contra a 2.ª R.
Após a realização do julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente ação parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré C... , S.A a:
a) reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor A...
b) a pagar ao Autor a título de indemnização pela ilicitude do despedimento quantia global de € 7.323,39 (sete mil trezentos e vinte e três euros e trinta e nove cêntimos), [correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir de auferir desde o despedimento até ao termo certo do contrato, incluindo retribuição por férias não gozadas, respetivo subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal], acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do despedimento em 01-11-2015 até efetivo e integral pagamento.
c) absolve-se a Ré dos restantes pedidos contra ela formulados pelo Autor.
Não se vislumbra a existência de litigância de má-fé por parte do Autor, improcedendo o pedido de condenação do mesmo como litigante de má-fé.»
Inconformada com esta decisão, veio a ré C... interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
[…]

Contra-alegou o autor, concluindo no final:
[…]
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação, tendo-se observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Inexistência de despedimento ilícito;
2.ª Caso improceda a 1.ª questão enunciada, saber se há fundamento para a redução da indemnização pelo despedimento.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
[…]
*
IV. Inexistência de despedimento ilícito
Invoca a apelante que o contrato de trabalho do recorrido não foi para si transmitido, por não se mostrar preenchido o requisito da normalidade da prestação debitória de trabalho previsto na cláusula 15.º do instrumento de regulamentação coletiva aplicável, razão pela qual nunca se poderia ter verificado o despedimento ilícito do recorrido.
Para melhor enquadramento da questão suscitada, apesar da sua extensão, transcreve-se o segmento da decisão recorrida que versa a temática respeitante à transmissão do contrato de trabalho:
«Desta forma, e atentas as posições assumidas pelas partes nos articulados, a questão principal a dirimir é saber se o referido contrato de trabalho que vinculava o Autor e a B... se transferiu para a Ré C... , quando foi adjudicada a esta em 01 de Novembro de 2015 a empreitada relativa à prestação do serviço de limpeza do X... que até essa data estava adjudicada à B... .
Ao contrato em apreço, e como também é aceite pelas partes, é aplicável a CCT celebrada entre a APFS - Associação Portuguesa Facility Services e a FETESE -Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicada no BTE nº 15 de 22-04-2008, por força da Portaria de Extensão nº 1159/2008 de 24/12.
Tal CCT estabelece sob a epígrafe “perda de um local ou cliente” na cláusula 15ª que
“1- A perda de um local de trabalho por parte da empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento.
2- Em caso de perda de um local de trabalho, o empregador que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
3- No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo -se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior diretamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos.
4- Para os efeitos do disposto no n.º 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho:
a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há 120 ou menos dias;
b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Os 120 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.
5- Quando justificadamente o trabalhador se recusar a ingressar nos quadros da nova empresa, a empregadora obriga -se a assegurar -lhe novo posto de trabalho.
6- Sem prejuízo da aplicação dos números anteriores, a empregadora que perder o local de trabalho é obrigada a fornecer, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção do pedido, à empresa que obteve a nova empreitada e ao sindicato representativo dos respetivos trabalhadores os seguintes elementos referentes aos trabalhadores que transitam para os seus quadros:
a) Nome e morada dos trabalhadores;
b) Categoria profissional;
c) Horário de trabalho;
d) Situação sindical de cada trabalhador:
e) Data da admissão na empresa e, se possível, no sector;
f) Início da atividade no local de trabalho;
g) Situação contratual: a prazo ou permanente; h) Se a prazo, cópia de contrato; i) Mapa de férias do local de trabalho;
j) Extrato de remuneração dos últimos 120 dias, caso sejam concedidos a algum trabalhador acréscimos de remuneração por trabalho aos domingos, trabalho noturno ou quaisquer prémios ou regalias com carácter regular e permanente;
k) Situação perante a medicina no trabalho, com indicação do último exame;
l) Qualquer outra obrigação cujo cumprimento decorra da lei.
7- No caso dos trabalhadores na situação de baixa que transitaram para outra empresa, nos termos desta cláusula, cujo contrato de trabalho tenha cessado por reforma coincidente com o termo de suspensão, compete à empresa adquirente da empreitada o pagamento dos créditos daí resultantes.
8- O disposto na presente cláusula aplica-se, com as necessárias adaptações, às reduções de empreitadas.”
Por sua vez a cláusula 13.ª define o local de trabalho nos seguintes termos “O local de trabalho do pessoal de limpeza é o sítio geograficamente convencionado entre as partes para prestação da atividade do trabalhador.”
Ora, como vem sendo entendimento jurisprudencial a referida cláusula 15ª visa fundamentalmente o objetivo de assegurar aos trabalhadores as maiores possibilidades de manutenção do seu emprego e a necessária estabilidade do seu local de trabalho, ou seja a manutenção do seu posto de trabalho no mesmo local onde o executam, atentas as contingências da atividade em causa.
Contudo, visa também garantir a viabilidade das empresas do sector, quer na perspetiva da empresa que perde a prestação dos serviços de limpeza, quer na da empresa que ganha essa prestação de serviços, na medida em que, em ambos os casos, visa evitar que a empresa suporte custos salariais sem qualquer contrapartida no campo dos proventos resultantes da prestação do serviço: no que se reporta à empresa que perdeu essa adjudicação, evitando que fique com os trabalhadores afetos ao local cuja empreitada perdeu; no que se reporta à empresa que ganhou a adjudicação, evitando que para ela sejam transferidos trabalhadores não afetos ao local de trabalho. (cfr. neste sentido, entre outros o Ac. da RP de 19- 12-2012, no proc. 1007/10.5TTMTS.P1, cuja cópia foi junta aos autos pela Ré e disponível in www.dgsi.pt, Ac. da RL de 08-07-2004, no proc. 4655/2004-4 e Ac da RL de 18-05-2011 no proc. 4350/07.7TTLSB.L1-4).
Efetivamente, a aludida cláusula visa proporcionar aos trabalhadores a estabilidade de emprego e às empresas de limpeza a sua viabilidade economia. Isto porque, como se refere no Ac. da RP de 22-09-2014, no processo 52/12.0TTVNG.P1, in www.dgsi.pt (referindo-se à cláusula 17ª do CCT entre a AEPLSAS e o STAD com ultima alteração publicada no BTE nº 12 de 29-03-2004 mas com inteira aplicação ao caso dos autos, atenta a similitude de tal cláusula com a cláusula 15º do CCT aplicável ao caso dos autos) “tendo as empreitadas de serviços de limpeza, por regra, a duração de um ano, se a duração dos contratos de trabalho tivesse a mesma cadência, estaria ameaçada a segurança no emprego. Por outro lado, se a desvinculação dos contratos de trabalho coincidisse com a cessação das empreitadas, as empresas de prestação de serviços de limpeza poderiam concorrer entre si de forma desleal, pois poderiam conseguir trabalhadores novos que se deixassem contratar por retribuição inferior à praticada na última empreitada, levantando a empresa que perdesse a empreitada a ficar com os trabalhadores, mas sem local de trabalho de limpeza para os ocupar e com a obrigação de lhes pagar retribuição superior à que ora se teria passado a processar pela sua sucessora. “As empresas deste sector revestem-se de uma peculiar configuração organizativa, que tem a ver com a própria natureza dos serviços prestados e com as condições laborais em que os mesmos se concretizam. A sucessiva perda de locais de trabalho – sempre possível no aleatório sistema do concurso de empreitada sujeito à dinâmica do mercado e da concorrência – poderia facilmente pôr em causa a própria sobrevivência destas empresas, que ficariam obrigadas à manutenção de uma forte componente salarial sem quaisquer contrapartidas no campo dos lucros resultantes da prestação de serviços, e em consequência disso, pôr em risco a segurança e a estabilidade do emprego dos seus trabalhadores. Daí que se tenha estabelecido na referida cláusula que a empresa que, em concurso, obtiver a nova empreitada se obrigue a ficar com os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço, na data da adjudicação.”
No que concerne ao trabalhador a aludida cláusula pretende, principalmente proteger o seu emprego num local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, estando pois em causa a prestação de trabalho em determinado espaço físico (cfr. além do citado AC da RP de 22-09-2014 o Ac. Do STJ de 22-10-2008, no proc. nº 08S1900 e Ac. da RP de 26-11-2012 no proc. 335/11.7TTVNF.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, em conformidade com a referida Cláusula 15ª do CCT aplicável, a transmissão da posição contratual do trabalhador depende de quatro requisitos:
a) a perda do local de trabalho por parte da empresa a que o trabalhador se encontrava vinculado;
b) a afetação do trabalhador a esse local de trabalho;
c) a transmissão desse mesmo local de trabalho para uma outra empresa prestadora de serviços;
d) que o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias.
No caso em apreço, resulta claro que se mostram preenchidos três dos referidos requisitos, ou seja a perda do local de trabalho do X... pela B... , empresa à qual o Autor se encontrava vinculado, a transmissão desse mesmo local de trabalha para a Ré C... por força da adjudicação da empreitada referente a tal local de trabalho desde 01-11-2015, verificando-se também comprovado que o Autor prestava serviço no aludido local de trabalho há mais de 120 dias.
Cumpre contudo, apurar se o mesmo pode considerar-se afeto a esse local de trabalho, ou no dizer da referida cláusula 15ª se pode ser considerado que o Autor ali normalmente prestava serviço.
Defende a Ré que não pode ser considerado que o Autor prestava normalmente serviço em tal local de trabalho, uma vez que o mesmo prestava atividade noutros locais de trabalho referentes a outras empreitadas adjudicadas à B... e que não foram para si transmitidas.
Ora, como se refere no citado Ac. da RP de 19-12-2012, cuja cópia foi junta aos autos pela Ré, “o conceito de normalidade a que se reporta o nº 2 da cláusula 15ª prende-se mais com o carácter regular e habitual, da prestação do trabalho do que com a quantidade dessa prestação, conceito esse que é também definido pela negativa no nº 4 dessa Clª”.
No caso em apreço, não restam dúvidas que o Autor prestava com carácter regular e habitual e por isso, normalmente no local de trabalho do X... , sendo neste local que exercia funções durante a maior parte do tempo do seu período normal de trabalho.
E fazendo-o há mais de 120 dias antes da transmissão daquele local de trabalho para a Ré C... , estão verificados os requisitos previstos na aludida cláusula 15ª para que ocorresse a transferência do seu contrato de trabalho para a Ré.
É certo que, resultou provado que também exercia atividade, indistintamente, noutros locais de trabalho referentes a outras empreitadas adjudicadas à B... , sua entidade patronal, contudo, fazia-o em menor período de tempo.
No entanto, entendemos que não pode colocar-se a questão da transmissão do contrato de trabalho apenas na parte correspondente ou proporcional ao trabalho que o mesmo prestava no local de trabalho cuja empreitada foi adjudicada à Ré.
Efetivamente, tal solução seria impraticável e geraria dificuldades de gestão, designadamente de gestão prática da atividade do Autor trabalhador.
Assim, tendo em conta que o Autor exercia a sua atividade a maior parte do seu tempo de trabalho no local de trabalho que veio a ser transmitido à Ré, entendemos que se verifica o requisito da normalidade da prestação de trabalho por parte do Autor no local de trabalho que foi transmitido para a Ré, com a consequente transferência do contrato de trabalho do Autor para esta.
Na verdade, e como se refere no Ac. da RC de 31-05-2007, no proc. nº 156/06.9TTCVL.C1, in www.dgsi.pt “tendo a Ré ficado com os serviços de limpeza de uma zona onde o trabalhador prestava serviço ( o qual também prestava serviço noutras zonas dessa atividade) e, face de nova concessão para o efeito, não pode aquela recusar receber esse trabalhador, pois este também aí tinha o seu local de trabalho”
Assim, e tendo em conta tal entendimento que subscrevemos, exercendo o Autor a sua atividade normalmente no local de trabalho que foi perdido pela sua então entidade patronal e que foi transmitido para a Ré, onde aquele exercia funções na maior parte do seu tempo de trabalho, não tinha a Ré fundamento para recusar a prestação do trabalho do Autor, estando obrigada a recebê-lo como seu trabalhador.
Tal solução é a que melhor corresponde ao interesse do trabalhador salvaguardo na aludida Cláusula 15ª de manutenção do seu posto de trabalho no mesmo local onde exercia a sua atividade a maior parte do tempo.
Por outro lado tal solução também não viola os interesses das empresas salvaguardados pela aludida cláusula, ou seja de viabilidade económica das mesmas.
Efetivamente, do ponto de vista da tutela do interesse económico e da viabilidade da empresa que perdeu o local de trabalho, a B... , tal solução é a que melhor se adequa à tutela de tais interesses, pois não tem que continuar a suportar os custos salarias do trabalhador, ora Autor que exercia a sua atividade na maior parte do tempo no local de trabalho perdido sem que deste tenha a correspondente contrapartida no campo dos proventos resultantes da prestação de tais serviços.
E, do ponto de vista da tutela do interesse económico e da viabilidade da empresa que adquiriu o local de trabalho, a ora Ré C... , tal solução também corresponde aos interesses salvaguardados que são também os de não ser onerada com custos salariais acrescidos sem qualquer contrapartida relativa a proventos resultantes da prestação dos serviços, atento o facto de o Autor prestar a sua atividade a maior parte do tempo no local de trabalho que foi por esta adquirido.
Afigura-se-nos por isso que esta é a solução que mais se adequa e é proporcional às finalidades salvaguardas pela aludida cláusula 15ª.
De tudo o que se deixou exposto terá que se concluir que se mostram preenchidos os requisitos da transferência do contrato de trabalho para a Ré C... e como tal estava esta obrigada a receber o Autor ao seu serviço, tendo ocorrido transferência do contrato do Autor para a Ré.
Desta forma tendo ocorrido transmissão do contrato de trabalho do Autor para a Ré, a recusa da mesma em aceitar a prestação de trabalho do Autor, impedindo-o de exercer as suas funções desde 01 de Novembro de 2015, configura efetivamente um despedimento ilícito, porque sem justa causa que o justifique e sem precedência de processo disciplinar, atento o disposto no artº 381º, als. b) e c) do CT.
Na verdade, a conduta a Ré configura uma vontade clara dirigida ao Autor de pôr fim ao contrato de trabalho, fazendo-o cessar, resultando clara a intenção da Ré empregadora tendente à cessação do contrato, não permitindo que o Autor prestasse as suas funções nem pretendendo a prestação futura da atividade do Autor.
Pelo exposto, consideramos que a conduta da Ré configura um comportamento inequívoco representativo da vontade de cessação do contrato de trabalho do Autor que se havia transmitido para si, pelo que não existindo justa causa para a cessação do contrato e não tendo o despedimento sido precedido de processo disciplinar, terá que se concluir que a situação em apreço configura uma situação de despedimento ilícito.»
Cumpre desde já manifestar o nosso acordo com a análise efetuada, que emerge de consistente fundamentação e de uma lúcida e perfeita perceção da realidade sub judice e da questão em dissídio.
A apelante insurge-se contra o entendimento manifestado, colocando o foco no conceito de normalidade na prestação do serviço a que alude o n.º 2 da cláusula 15.ª do CCT celebrada entre a APFS - Associação Portuguesa Facility Services e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicada no BTE nº 15 de 22-04-2008, com Portaria de Extensão nº 1159/2008 de 24/12 e que se mostra aplicável à relação contratual laboral que se aprecia.
Segundo a mesma o requisito da normalidade da prestação debitória do trabalho abrange situações de afetação exclusiva do trabalhador ao local de trabalho.
Salvaguardado o devido respeito, que é muitíssimo, não concordamos com tal entendimento.
O n.º 2 da cláusula 15.ª do mencionado CCT estipula que «em caso de perda de um local de trabalho, o empregador que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço».
Por exclusão tipificada, o n.º 4 da cláusula indica quais os trabalhadores que não se consideram a prestar normalmente serviço no local de trabalho. São eles:
a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há 120 ou menos dias;
b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Os 120 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.
O recorrido não se integra neste universo de trabalhadores legalmente excluídos, pois resultou demonstrado que desde a sua admissão, em 09-06-2014, o mesmo trabalhou continuamente no X... , além de outros locais, com a categoria profissional e retribuição acordados desde início, pelo que a sua situação não se subsume a qualquer uma das alíneas doa referido n.º 4 da cláusula., conforme se mostra apreciado pelo tribunal a quo.
E continuando a acompanhar o juízo expresso na sentença, afigura-se-nos que a concreta situação dos autos se subsume à previsão do n.º 2 da cláusula, ou seja, o recorrido integrava o universo de trabalhadores que normalmente prestava serviço no local objeto da empreitada de limpeza, perdida pela B... e ganha pela C... .
Do circunstancialismo factual assente resulta que o recorrido, desde a sua admissão e no exercício das suas funções profissionais, trabalhava no X... e, pelo menos, na Escola Y... e no Z... , encontrando-se durante a maior parte do tempo do seu período normal de trabalho no X... , o que é compreensível, face às funções concretamente executadas (cfr. ponto factual 49) e tendo em consideração o número de trabalhadores significativamente superior existente neste espaço comparativamente com o número de trabalhadores existente na Escola Y... e no Z... .
Assim, não obstante o recorrido prestasse a sua atividade indistintamente em várias empreitadas da B... , o espaço físico predominante do exercício de tal atividade era o X... , desde 09-06-2014.
E tal circunstância tem de ter algum significado. No caso, a ligação entre o trabalho e um determinado lugar, no caso o X... , prevalece com destaque na justificação do próprio contrato de trabalho e na sua execução.
O exercício da atividade profissional do recorrido está basicamente ligado a este espaço físico.
Ora, visando a cláusula 15.ª, n.º 2 proteger, como acertadamente é explicado na sentença recorrida, o local de trabalho num espaço físico concreto e determinado, por forma a garantir a estabilidade do emprego em tal espaço, se o empregador perde a empreitada de limpeza no espaço físico em que predominam as funções exercidas pelo trabalhador, a empresa que tiver obtido a nova empreitada nesse espaço, tem de ficar com esse trabalhador, só assim se garantindo a concretização da finalidade do clausulado.
A normalidade da prestação de serviço prevista no referido n.º 2, no nosso entender, não se circunscreve à afetação exclusiva do trabalhador ao local de trabalho ou à empreitada em execução nesse local.
Por conseguinte, na concreta situação dos autos, face ao circunstancialismo factual apurado, conclui-se que o recorrido integrava o universo de trabalhadores que normalmente prestava serviço no X... .
Destarte, por força da aplicação da aludida cláusula 15.ª, n.º 2, a recorrente estava obrigada a receber o recorrido como seu trabalhador, por ter ocorrido a transferência do contrato de trabalho.
Logo, a recusa em aceitar a prestação de trabalho do recorrido, consubstancia um despedimento ilícito, nos termos doutamente apreciados na sentença recorrida, para os quais se remete.
Por conseguinte, improcede a 1.ª questão suscitada no recurso.
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V. Da visada redução da indemnização
Argumenta a recorrente que a considerar-se ter existido transmissão do contrato de trabalho (como se considerou), apenas migrariam as horas prestadas pelo recorrido no local, pelo que a indemnização pelo despedimento ilícito tem de ser proporcionalmente reduzida, assim como os demais montantes em que foi condenada.
Soçobra a questão suscitada.
O contrato de trabalho do recorrido transmitiu-se na sua plenitude e não a tempo parcial, garantindo o n.º 3 da sobejamente referida cláusula 15.ª que «o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo -se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior diretamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos»
Em suma, inexiste fundamento para a pretensão deduzida pela recorrente.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Sumário elaborado pela relatora:
I- Por força do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, havendo sucessão de empresas na prestação do serviço de limpeza em relação a um determinado local, os trabalhadores que aí prestavam normalmente a sua atividade laboral passam a ficar vinculados à nova empresa que se obrigou contratualmente à prestação do serviço de limpeza, sem perda de direitos, regalias e antiguidade.
II- O requisito relativo à “normalidade da prestação do trabalho” no local, exigido para a transferência do trabalhador não se circunscreve à afetação exclusiva do trabalhador ao local de trabalho ou à empreitada em execução nesse local.



Coimbra, 12 de julho de 2017

Relatora: Paula do Paço
1º Adjunto: Ramalho Pinto
2º Adjunto: Felizardo Paiva