Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
187/14.5YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL - SECÇÃO DE PROCESSOS
Texto Integral: S
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: DEFERIDA A EXECUÇÃO DO MDE
Legislação Nacional: ARTS 12º, 13º E 21º DA LEI N.º 65/2003
Sumário: I - A oposição ao solicitado no MDE só pode ter por fundamento “o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu”, conforme art 21.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003.

II - As razões familiares invocadas pelo requerido não obstam à execução do MDE, assim como a existência de dois processos pendentes em Portugal, um para cumprimento de uma pena de multa, e outro para cumprimento de uma pena de prisão ainda não transitado.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

Pela Autoridade Judiciária Francesa, (Ministério Público do Tribunal de Grande Instância de Limoges), foi em 30/07/2014, emitido um mandado de Detenção Europeu contra o cidadão português A..., com vista à sua detenção e entrega para julgamento em França.

O Digno Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal, promoveu a execução do aludido mandado ao abrigo do disposto no art 16 nº 1 da Lei 65/2003 de 23/8.

Foi ouvido o detido com observância do disposto nos nºs 3, 4 e 5 do art 18 nº 5 da Lei 65/2003 de 23/8 (fls 28 a 31).

Tendo o detido declarado não consentir na sua entrega ao Estado Emissor do MDE, foi dada a palavra ao Exmo defensor Oficioso que manifestou desejo em opor-se, requerendo prazo para deduzir oposição.

Deferida a pretensão, foi validada a detenção do arguido, tendo o mesmo sido, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

O arguido deduziu oposição com os seguintes fundamentos:
- Que reside em Portugal com a família, tendo nascido recentemente o seu filho.
- a existência de dois processos crime, pendente em Portugal, um para cumprimento de uma pena de multa e outro, para cumprimento de uma pena de prisão, relativamente ao qual foi interposto recurso (processo nº 130/13.9PBVCL), estando ainda na comarca da Covilhã.

Na resposta o Exmo Procurador-Geral Adjunto reitera o requerimento inicial no sentido de se proceder à execução do Mandado.

Cumpre decidir:
O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade (artº 1º da lei 65/03 de 23/8.
O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo em conformidade com o disposto na Lei nº 65/2003, de 23/8
E na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho (art 2 da cit Lei).
“ O mandado de detenção europeu é um mandado de detenção que priva um cidadão de um Estado-Membro ou de um Estado terceiro do exercício pleno da liberdade em prol de uma perseguição penal – procedimento penal ou cumprimento de pena ou medida de segurança privativa da liberdade, que se vê eminentemente em colisão com a excessiva protecção e garantia da segurança do colectivo ou do cidadão individual. Colisão que se agrava quando essa relação interestadual de perseguição criminal se funda no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciárias.”
“... não obstante o mandado de detenção europeu se basear no princípio do reconhecimento mútuo, denota uma posição moderada, por revelar “uma preocupação de equilíbrio entre salvaguarda das liberdades fundamentais e exigências de eficácia da administração da justiça penal europeia”, isto é, entre a liberdade do cidadão e a segurança de todos os cidadãos europeus que devem ser erigidas em um espaço de justiça comum”. (Do mandado de Detenção Europeu – Manuel Monteiro Guedes Valente).
O princípio do reconhecimento mútuo impõe às autoridades de um Estado que aceitem reconhecer os mesmos efeitos às decisões estrangeiras que às decisões nacionais, apesar das diferenças que oponham, as ordens jurídicas. (ob. cit). O princípio assenta na confiança mútua, recíproca entre os Estados membros, designadamente no que concerne à conformação das decisões judiciais com as normas consagradas nos respectivos sistemas legais.
A lei prevê causas de recusa obrigatória de execução de mandado e outras que são de recusa facultativa.
Como causas de recusa obrigatória prescritos no art 3º da DQ temos:
- Amnistia;
- O princípio ne bis in idem;
- A idade.
A lei nº 65/2003, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a DQ do mandado de detenção europeu, no uso da prerrogativa prevista no nº 3 do art 1º da DQ, aditou a estes motivos de não execução obrigatória do MDE, a não execução do mandado se se fundar em infracção punível com a pena de morte ou outra pena que gere uma lesão irreversível da integridade física ou se tiver sido emitido por razões de ordem política (art 11 da Lei 65/03).
Como causas de recusa facultativa temos:
- Inexistência da dupla incriminação;
- Decurso de um duplo procedimento penal;
- A constatação de que existem causas que obstem a posterior procedimento criminal;
- A prescrição da acção penal ou da pena;
- A constatação do princípio ne bis in idem;
- Os elementos (espaciais) da nacionalidade ou residência;
- A prevalência do princípio ou da cláusula da territorialidade (art 12 da cit. Lei).
No que respeita à recusa facultativa o STJ já decidiu que esta não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de, decerto, assentar em argumentos e elementos de facto adicionais apontados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o Estado requerente.

Apontadas as linhas gerais e percebido o alcance interno do mandado de detenção europeu cumpre apreciar a oposição do requerente, tendo por orientação a Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho de 13 de Junho e como enquadramento normativo interno a Lei nº 65/2003 de 23/8 que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu, em cumprimento da Decisão Quadro, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático – art 8º nº 4 da CRP.
De acordo com o disposto no art 21, nº 2 da Lei nº 65/2003, a oposição só pode ter por fundamento “o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu”.
Ora, percorrendo as causas de recusa de execução do MDE (art 11º e 12 da cit Lei) concluímos que não assiste qualquer razão ao requerido.
Os argumentos do requerido não obstam ao prosseguimento da execução do MDE pois, não se verifica qualquer causa de recusa obrigatória ou facultativa.
As razões familiares invocadas pelo requerido não obstam à execução do MDE assim como, a existência de dois processos pendentes em Portugal
um para cumprimento de uma pena de multa e outro, para cumprimento de uma pena de prisão, relativamente ao qual foi interposto recurso (processo nº 130/13.9PBVCL), estando ainda na comarca da Covilhã.
Como é referido pelo Mº Pº a entrega do requerido à Autoridades Judiciárias Francesas destina-se a ser julgado em França, portanto, não há lugar á hipótese da recusa facultativa, do artº 12º, nº 1 al g) da Lei nº 65/2003 de 23/08.
Nos termos do art 12, nº 1 al g), constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em território nacional e ter nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança, e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
Por outro lado, a possibilidade de entrega diferida a que se refere o artº 31º, nº 1 da Lai nº 65/2003, de 23/08, também não se coloca, uma vez que, o arguido já foi julgado em Portugal e a sentença ainda não transitou em julgado, nem se prevê quando tal trânsito vai ocorrer.
Nos termos do artº 31º nº 1 o tribunal pode, após ter proferido decisão no sentido da execução do mandado de detenção europeu, suspender a entrega da pessoa procurada, para que seja sujeita a procedimento penal em Portugal ou, no caso de já ter sido condenado por sentença transitada em julgado, para que possa cumprir, em Portugal, a pena respectiva.
No entanto, a entrega do requerido pode ser sujeita à condição prevista no artº 13º, al c) da Lei nº 65/2003, de 23/08 ou seja, “a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão garantir que a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenado no Estado membro de emissão.
Portanto, o requerido após ser ouvido e até julgado em França, deverá ser devolvido a Portugal apara cumprimento da pena aplicada e, caso seja confirmada a sentença.

Pelo exposto, defere-se a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pela Autoridade Judiciária Francesa (Ministério Público do Tribunal de Grande Instância de Limoges) no âmbito do processo nº 1418200082, referente ao cidadão português A... e, nesta conformidade, ordena-se a sua entrega às autoridades francesas para os efeitos expressos no mandado de Detenção Europeu, observando-se o disposto nos arts 28 e 29 da Lei 65/2003 de 23/8 E A CONDIÇÃO PREVISTA NO ARTº 13º AL C) DO MESMO DIPLOMA.

Consigna-se que o requerido não abdica do princípio da especialidade a que alude o art 7º da lei 65/2003.

Custas pelo requerido fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.


Coimbra, 3 de Dezembro de 2014

(Alice Santos - relatora)

(Belmiro Andrade - adjunto)