Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
442/07.0TAOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
OFENSA A PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (OLIVEIRA DO BAIRRO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127º DO CPP, 187º DO CP
Sumário: 1 O princípio da livre apreciação da prova não permite uma apreciação arbitrária da prova; antes tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica .

Tal princípio está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração expressa np artigo 374°/2 do Código de Processo Penal.

2 No crime p. e p. pelo artigo 187º,nº1 do CP ( Ofensa a Organismo, serviço ou pessoa colectiva), um dos elementos objectivos do tipo é que os factos afirmados ou propalados sejam inverídicos.

Não se tendo provado a inveracidade dos factos propalados desde logo não esta preenchido o tipo objectivo do ilícito

3. O legislador em 1995 (artigo 187º,nº1 do CP) autonomizou a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva - credibilidade, prestígio e confiança - e reservou para a pessoa humana a previsão dos artigos. 180º e 181º do mesmo diploma, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social desta.

Decisão Texto Integral: pág. 36
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida pelo Mº Pº contra os arguidos:
E , casado, gerente comercial, nascido em …..1951, natural de Oliveira do Bairro, filho de M .. e de L, residente …,, e
M , casado, gerente comercial, nascido em .1956, natural de Oliveira do Bairro, filho de M e de L, residente … .
Sendo decidido:
1. Absolver os arguidos da prática dos crimes dos quais se encontravam acusados;
2. Julgar totalmente improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos nos autos, e, em consequência, absolver os arguidos/demandados civis do peticionado;
***
Inconformado interpôs recurso, o assistente Município de OL….
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1. A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu os factos considerados provados nos itens n.º 1, 2 e 6 e, bem assim, em relação a alguns dos factos considerados não provados. Efectivamente:
2. Quanto ao ponto n.º 1, deveria ter sido considerado provado que em 17 de Dezembro de 2007, o arguido E , na qualidade de representante legal da empresa "R…, Lda", redigiu e assinou, e também assinada pelo arguido M , uma carta que foi endereçada como proposta de fornecimento para o Procedimento Concursal de Fornecimento de Areias de 2008, da Câmara Municipal de .OL..., com o seguinte teor ("'), sendo isso mesmo que resulta do documento (envelope) junto aos autos pelo assistente na segunda sessão da audiência de julgamento (do dia 3/02/2010), e do depoimento do Sr. Presidente da Câmara Municipal (gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 7.º ficheiro, ao 22m.27s - sessão da audiência de julgamento datada de 25/01/2010).
3. No que respeita o ponto n.º 2, deveria ter sido considerado provado que tal missiva foi recepcionada primeiramente pela comissão do procedimento concursal para o fornecimento de areias para o ano de 2008 e que, após ter sido exarada informação do presidente da mesma comissão, foi a carta encaminhada ao Sr. Presidente da Câmara de OL, em 20 de Dezembro de 2008, o qual então tomou conhecimento do teor da mesma, como resulta do documento (envelope) junto aos autos pelo assistente na sessão de julgamento 3/02/2010 e dos depoimentos do Sr. Presidente da Câmara Municipal de OL (gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - do 7.º ficheiro de gravação digital disponibilizado ao assistente, sessão de 03/02/2010, aos 1m,25s e 5m.58s], F (gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 8.º ficheiro, ao 06m.17s], P (sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - ficheiro de gravação digital n.º 9, aos 56 segundos - na sessão de 03/02/2010], J (gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 10.º ficheiro de gravação, 0m.40s, sessão de 03/20/2010 ML (gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 15.º ficheiro, sessão do dia 24/02/2010, aos 2m.16s)
4. Assim também o ponto n.º 6 da matéria de facto dada como provada, deveria ter sido considerado provado que, além de o arguido E Jesus ter como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; viver com a esposa e 3 filhas, com uma filha deficiente, a seu cargo; auferir mensalmente cerca de € 633; viver em casa própria; não ter encargos, além dos normais, que o arguido é sócio-gerente da sociedade "R…, Lda”, pessoa politicamente empenhada , tendo sido Tesoureiro de uma Junta de Freguesia entre 2001 e 2005, como resulta das declarações do próprio arguido E J [gravação em sistema integrado, 4.º ficheiro de gravação digital, 06m.07s - na sessão de 25/01/2010; e 1.º ficheiro de gravação digital, aos 27 segundos, sessão de 25/01/2010].
5. Quanto aos factos "Desse modo, os arguidos lesaram o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança titulados pelo Presidente da Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de OL e que preside ao executivo municipal, quer ao Município de OL e "o Sr. Presidente da Câmara Municipal de OL, MJ, órgão de gestão da autarquia de OL, e que e que preside ao executivo municipal, é uma pessoa que goza de elevada credibilidade, sobejamente reconhecida entre os seus concidadãos, o que se comprova à saciedade pela sua eleição para um cargo público de alta responsabilidade e relevo, gozando do mesmo modo de bom nome e de alto decoro, dedicando-se à vida da autarquia prosseguindo sempre e apenas o interesse público" demandavam uma resposta de provados, porquanto, além deste segundo facto ser mesmo um facto notório, os depoimentos do Sr. Presidente da Câmara Municipal [gravação em sistema integrado (como referido na acta) - 7.º ficheiro, aos 05m,17s, 09m.21s e 22m.05s, sessão de 25/01/2010].
6. Quanto aos factos "os arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança que por eles titulados, na qualidade de elementos da aludida comissão" e "os funcionários municipais que constituíam a referida comissão do procedimento concursal para a aquisição de Areias para o ano de 2008 - F, J e P - são pessoas que sempre exerceram, nos longos anos de dedicação à autarquia de OL, as suas funções com elevada competência e zelo, prosseguindo somente o interesse público e gozando igualmente, quer na dimensão pessoal, quer na dimensão profissional das suas vidas, de bom nome e estimada reputação", demandavam uma resposta como provados atento os depoimentos de F [gravação em sistema integrado (como referido na acta) do 8.º ficheiro de gravação digital, aos 08m.56s, na sessão de 03/02/2010], do Sr. Presidente da Câmara Municipal [gravação em sistema integrado (como referido na acta) - 7.º ficheiro de gravação digital, aos 07m.48s, da sessão de 25/01/2010], P [depoimento constante da gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - ficheiro n.º 9, aos 56segundos, sessão de julgamento de 03/02/2010], J [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 1O.º ficheiro de gravação digital (aos 3m.14s), na sessão de 03/20/2010], L [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - no 13.º ficheiro, aos 13m, 47s, sessão de 03/202/2010], M [depoimento constante da gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 15.º ficheiro de gravação digital, sessão do dia 24/02/2010, aos 4m].
7. No que concerne aos factos "os arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança que por eles titulado, na qualidade de elementos integrantes do executivo municipal", e que "os membros do executivo camarário, lesados e ora demandantes - J, A e L - são pessoas que sempre exerceram as suas competências com elevado zelo e sentido de interesse público, gozando de igual modo de elevada credibilidade junto da comunidade em que se inserem, bem como gozam de bom nome e de boa reputação", devia ter sido considerado provado, conforme resulta dos depoimentos do Sr. Presidente da Câmara Municipal [gravação digital (como referido na acta) - 7.º ficheiro, ao 08m.09s, na sessão de 25/01/2010], P [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - ficheiro de gravação digital n.º 9, aos 7m.34s, na sessão de 03/02/2010], J [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - ficheiro n.º 11, sessão de 3/02/2010, aos 2m.52s e 06m.59s], A [sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 12.º ficheiro digital, sessão de 03/02/2010, 3m e 07m56s], L [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 13.º ficheiro, aos 1m,17s, 08m.19s, 13m.21J, M [gravação no sistema integrado de gravação digital - como referido na acta - 14.º ficheiro, aos 07m.14s] e ML [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 15.º ficheiro, sessão 24/02/2010, aos 4m.23s].
8. Quanto ao facto "os arguidos actuaram bem sabendo que tais afirmações não correspondem à verdade", deveria ter sido considerado provado, tendo em conta as declarações do próprio arguido E [gravação no sistema integrado de gravação digital (como referido na acta) - 3.º ficheiro, aos 05m.10s e 08m,17s, sessão de 25/01/2010].
9. Pelo que a decisão recorrida incorreu em diversos erros notórios na apreciação da prova e erro de julgamento da matéria de facto, violando as mais elementares regras de experiência comum e os princípios do direito probatório, bem como em erro de julgamento da matéria de facto, devendo a matéria de facto ser modificada, considerando-se provados os referidos factos nos termos propugnados.
10. Não se pode aceitar a tese repetida pelos arguidos de que pretendiam alertar para certos factos e que o Sr. Presidente da Câmara marcasse uma audiência, devendo o Tribunal a quo ter considerado verificado todos os elementos típicos do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. no art. 187.º do CP.
11. Tanto mais que a carta enviada, inclusivamente em resposta ao procedimento concursal, contendo aquelas graves e ofensivas afirmações, ainda que produzidas a coberto do manto da suspeita, não é e jamais poderia constituir um meio idóneo, apropriado ou adequado a alertar do que quer que fosse e a conseguir uma pretensa audiência com o Sr. Presidente da Câmara Municipal, que aliás os arguidos jamais marcaram.
12. Assim, tendo em conta o cerne das palavras em causa: "desde há algum tempo a esta parte, os concursos e especificamente a adjudicação dos mesmos decorrem envoltos num ambiente de alguma irregularidade e de suspeição de práticas menos correctas" (cfr. ponto 1 dos factos provados), deveria o tribunal ter considerado verificados os elementos de punibilidade e punido pelo crime p. e p. no art, 187 do CP.
13. Do sentido linguístico atribuído às palavras utilizadas pelos arguidos, do conhecimento de qualquer cidadão (basta que tenha a 4.ª classe, como é o caso dos arguidos, afirmação que, no entanto, desmistificámos na secção III do capítulo sobre os factos provados) e do sentido das frases utilizadas, resulta que os arguidos queriam (ou pelo menos, dada a evidência das palavras usadas, sempre representaram como consequência possível da sua conduta, conformando-se com o resultado da mesma -dolo eventual), entre o mais, ofender o prestígio, credibilidade e confiança do Município de OL, agindo livre e conscientemente, encontrando-se por isso preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da infracção.
14. Sendo irrefragável que em causa não está um qualquer legítimo exercício da liberdade de expressão, pois sempre o próprio sentido linguístico das afirmações utilizadas pelos arguidos faria exorbitar da simples crítica pujante e musculada, contendendo já com a credibilidade, o prestígio e a confiança da autarquia de OL
15. Não se pode pois afirmar que nada resultou dos autos donde se possa extrair a conclusão que a afirmação escrita não seja verdadeira, nomeadamente, nada constando sobre o destino dado ao procedimento concursal aqui em causa, nem a outros concursos que, efectivamente, a Câmara Municipal realizou (cfr. sentença a fls. 15)? - e isto mesmo quando é certo que o assistente cumpriu inclusivamente a notificação que o Tribunal a quo promoveu a pedido dos arguidos e juntou assim aos autos as cláusulas técnicas dos cadernos de encargos (características dos materiais) para fornecimentos de "Manilhas", "Blocos", "Lancil", "Cimento" e "Tijolo", dos anos de 2006 e 2007, bem como das quantidades estimadas de compra e as efectivamente adquiridas e, ainda, os respectivos certificados de Conformidade/Qualidade, relativos a tais materiais entretanto fornecidos (cfr. notificação de 17/09/2009 a fls ... ).
16. Veja-se bem o raciocínio prosseguido pelo Tribunal a quo: seria o Ministério Público ou o Assistente que devia ter conseguido provar que os concursos que o Município de OL promove decorrem de uma forma legal e fiel ao direito e tendo em vista a prossecução do interesse público - como se não fosse esse facto negativo um verdadeiro caso de diabolíca probatio.
17. Os factos imputados aos arguidos jamais se podem considerar justificados, pelo que a sentença deveria pois ter considerado como provado que os arguidos afirmaram factos inverídicos, até falsos ... e que se encontra pois verificado esse elemento típico.
18. Referir-se a suspeitas e irregularidades relativas aos concursos e, especificamente, às adjudicações são factos inverídicos e mesmo falsos (como foi reconhecido em julgamento), pelo que idóneos a afectar a credibilidade, o prestígio e toda a confiança depositada na autarquia de OL, pois que capazes de produzir (e isso mesmo é o que basta), como produziram, efeitos negativos naqueles bens que o legislador quis proteger.
19. Ora, se o arguido confessa em tribunal que não tinha fundamento para afirmar o que contém aquela carta, salta pois à evidência que, com as afirmações que o Tribunal considerou provados no ponto 1 dos factos provados (e isso mesmo resultava já do sentido linguístico atribuído às palavras utilizadas pelos arguidos, do conhecimento de qualquer cidadão e do sentido das frases utilizadas pelos mesmos), factos esses que os arguidos não provaram ser verídicos, quiseram (ou, pelo menos, sempre representaram tal possibilidade, conformando-se com essa realização) irrefragavelmente os arguidos ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da Câmara Municipal de OL, de modo a lançar o descrédito sobre o seu bom nome, embora (mas isso é outra coisa) se tenham mostrado arrependidos.
20. E nem se diga que se trata, in casu, de juízos de valor, como em erro de julgamento se escreveu na sentença, pois referir que os concurso e especificamente as adjudicações dos mesmos decorrem envoltos num ambiente de alguma irregularidade e de suspeição de práticas menos correctas, é lançar mão, não de juízos de valor enquanto referidos às qualidades de um sujeito, mas de expressões factuais, enquanto dirigidas a actividades ou acontecimentos, que se referem concretamente a concursos e às adjudicações anteriores ao ano de 2008 (pois que os arguidos enviaram a carta como proposta ao concurso para o ano de 2008), imputando, entre o mais, ao assistente a prática concreta de irregularidades e de situações menos correctas, embora os arguidos não as concretizem minuciosamente, pois que usam a suspeita como forma de ataque.
21. As palavras que foram tecidas pelos arguidos contra o bom nome e prestígio da autarquia aqui assistente são idóneas, adequadas ou capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança depositada no assistente e assim de verificar, também por aqui, o tipo legal de crime, atenta a potencialidade ofensiva dessas mesmas palavras, para mais deferidas sob o manto perverso da suspeita e atenta igualmente a natureza de crime de perigo abstracto-concreto (cfr. doutrina citada nas alegações).
22. Da prova produzida em julgamento resulta que a autarquia que, como se sabe, exerce autoridade pública, goza de elevada credibilidade, mostrando-se a sua prática corrente séria e imparcial, sendo uma instituição detentora de alto prestígio, na qual a comunidade deposita elevada confiança - como de resto, é facto notório ou pelo menos conhecido pelo tribunal, resultando ademais dos depoimentos supra transcritos, como vimos.
23. Também o elemento subjectivo do tipo se verifica in casu, apesar de os arguidos terem negado a intenção em ofender, não foram os mesmos credíveis, não só porque a restante prova produzida revela o contrário, mas também porque essa intenção resultou do próprio comportamento dos arguidos. Ou seja, resultou do acto de, livre e conscientemente, escrever a missiva e do modo como o fizeram (relembre-se, os arguidos usaram um envelope referindo "resposta ao pedido de proposta de fornecimento areias", sendo conhecedores que tal envelope seria dirigido à comissão do concurso, dado os largos anos que concorrem aos concursos promovidos pela Câmara), mas também porque em tribunal o arguido E Jesus reconheceu que a autarquia não gere os seus concursos de forma ilícita ou em irregularidade (como já vimos), revelando assim que sabia o que estava a dizer, sabia que não estava a ser rigoroso, mas mesmo assim quis proferir as expressões, actuando com essa intenção
24. Os arguidos quiseram e lançaram uma suspeita generalizada sobre o assistente e demais ofendidos, sobre a prática de fins alheios à prossecução daqueles a que edilidade está legalmente obrigada e em violação das normas legais, lesando a credibilidade, prestigio e confiança que são devidos à autarquia, bem como aos elementos que integram o executivo municipal e aos funcionários nomeados para a respectiva Comissão do Procedimento Concursal em causa.
25. Mesmo usando o critério baseado na impressão que as expressões em causa produziriam num bom pai de família, do meio sócio-económico e cultural em questão do destinatário, do visado, dúvidas inexistem de que, por tudo quanto se aduziu, os arguidos proferiram afirmações ofensivas do bom nome e consideração da pessoa colectiva, sendo que a prova produzida não permite concluir pelo invocado desejo de chamar a atenção do Sr. Presidente da Câmara e ter uma audiência com o mesmo - que os arguidos jamais solicitaram, como seria o mais natural e adequado a este pretenso propósito.
26. Não exigindo a lei um qualquer dolo específico, um propósito de ofender a honra e a consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a poder produzir a ofensa da consideração e bom nome de alguém (basta pois o dolo eventual, que se comprovou nos presentes autos).
27. Pelo que deveria a sentença recorrida ter concluído que todos os elementos do tipo de crime p.ep. no art. 187 do CP se verificam em concreto e condenado os arguidos, pelo que assim não sendo, incorreu a mesma em erro de julgamento, violando o artigo 187 do CP.
28. Mas, quando por absurdo assim não se entender e se, porventura, se considerasse que algum dos requisitos do crime do art. 187.º não se verificava, in casu, o que não se concede minimamente, a verdade é que sempre deveriam os arguidos ser punidos por prática do crime de injúria (dr. jurisprudência citada nas alegações), já que as afirmações que comprovada mente os arguidos escreveram e remeteram para a autarquia, em jeito de proposta, não perderam de modo algum a sua eficácia injuriosa.
29. E assim, verificados que estão (também) os elementos típicos do crime de injúria contra o assistente (v.g. jurisprudência citada), deveria o Tribunal a quo, atento o seu dever de oficiosidade, ter chamado à colação os mecanismos do sistema processual-penal e promovido a alteração dos factos através dos mecanismos dos arts. 358º ou 359º do CPP e condenado os arguidos pela prática de tal crime.
30. Ora, não o tendo feito, incorreu, salvo o devido respeito, a sentença recorrida em erro de julgamento, violando o disposto nos arts. 181º do CP e 358º ou 359º do CPP, pelo que deve a sentença ser revogada.
31. O pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente (bem como os demais demandantes civis) foi julgado totalmente improcedente, na medida em que a sentença recorrida considerou que não resultou da factualidade provada que os arguidos tenham praticado os crimes de que vinham acusados, pelo que dando-se provimento ao presente recurso em matéria penal (e sem prejuízo do pedido de reforma que os demandantes civis promoveram) deverão ser retiradas as devidas consequências quanto ao âmbito civil da causa.
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a final serem os arguidos condenados pelos crimes imputados, com todas as legais consequências.
Foi apresentada resposta, pelo Mº Pº, que conclui:
1- Na decisão recorrida, foi legal e correctamente vaIorada toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento.
2- O art. 127.° do Código de Processo Penal estabelece o princípio da livre apreciação da prova, como meio da descoberta da verdade material, segundo o qual esta é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
3- A livre convicção não significa livre arbítrio, atendendo a que o Tribunal terá sempre que fundamentar racionalmente, segundo critérios objectivos a sua convicção, de forma a que a mesma seja perceptível e aceite por toda a comunidade - em nome da qual os tribunais administram a justiça - e de modo a permitir um controlo da sua motivação.
4- De toda a prova produzida, incluindo as declarações prestadas por ambos os arguidos, o Tribunal formou a convicção no sentido de afastar qualquer responsabilidade do arguido M de Jesus, pois não teve intervenção na elaboração da carta, e de, de igual modo, excluir a responsabilidade criminal do arguido E, uma vez que o Tribunal considerou não ter o mesmo agido com dolo, mas apenas com negligência consciente, ao adoptar a conduta objectivamente factual que lhe é imputada na acusação, mas não no que ao dolo respeita.
5- Assim, quanto aos elementos constitutivos dos tipos legais dos crimes pelos quais os arguidos vinham acusados, o Tribunal julgou provados aqueles concernentes ao elemento objectivo e somente quanto ao arguido E, mas já não os respeitantes ao elemento subjectivo. Como é consabido, o Direito Penal do facto tem também de alicerçar-se no animus nocendi do agente para cometer o crime, no que tange aos crimes dolosos.
6- No texto factual dado Como provado e não provado na sentença recorrida, não existem quaisquer factos que, cotejados entre si, notoriamente se excluam, de acordo com um raciocínio lógico e racional, nem que a decisão recorrida extraia uma ilação logicamente contrária a esses mesmos tactos e que permitam concluir pela existência do vício de erro notório na apreciação da prova.
7- Foram assim os arguidos absolvidos da prática dos crimes que lhe eram imputados, nomeadamente contra a assistente, ora recorrente.
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela assistente, confirmando-se a decisão recorrida.
Foi apresentada resposta, pelos arguidos, que concluíram:
1- Os Arguidos vinham acusados pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, previsto e punido pelo Artigo 181, n.º 1, 187, nº 1 e 188, nº 1, alínea b) e ainda por oito crimes de injúria agravada, previsto e punido pelo artigo 181, nº 1, 184, 188, nº 1 , alínea a), todos do Código Penal.
2 - Da Audiência de Julgamento resultaram provados os seguintes factos:
a) Em 17 (dezassete) de Dezembro de 2007 (dois mil e sete), o Arguido E , na qualidade de legal representante da empresa "R Lda", redigiu e assinou, e também assinada pelo Arguido M , uma carta que endereçou ao Presidente da Câmara de OL, com o teor que resulta de fIs. 4, dos presentes autos;
b) Tal missiva foi recepcionada por MJ, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de OL, o qual tomou conhecimento do teor da mesma;
c) A Comissão do Procedimento Concursal para a aquisição de Areias para o ano de 2008 era constituída pelos funcionários autárquicos F, P e J e que haviam sido nomeados para integrar aquela Comissão por MJ;
d) Os Arguidos são Primários;
f) Os Arguidos têm como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade;
g) Ambos os Arguidos são socialmente tidos como pessoas educadas e bem relacionadas com as pessoas do meio social de origem, bem como nas relações que desenvolvem profissionalmente, bem como pela ligação ao desporto local, aqui quanto ao Arguido M;
h) A carta em causa nos presentes autos foi do conhecimento de diversos funcionários da autarquia, entre os quais e pelo menos os membros da Comissão do Procedimento Concursal para a Aquisição de Areias para o ano de 2008, da funcionária que recebe e trata do expediente relativo àquele concurso, sendo ainda do conhecimento dos diversos membros do executivo camarário e do seu presidente;
3 - E, (também) da Audiência de Julgamento resultaram como NÃO PROVADOS, além do mais os seguintes factos:
a) Em 17 (dezassete) de Dezembro de 2007 (dois mil e sete), os Arguidos, em comunhão de esforços e mediante acordo prévio, na qualidade de representantes legais da empresa "R…LDA", redigiram uma carta que endereçaram ao Presidente da Câmara de OL;
b) Desse modo lesaram o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança titulados pelo Presidente da Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de OL;
c) Os Arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestigio e confiança que por eles titulados, na qualidade de elementos da aludida comissão;
d) Os Arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestigio e confiança que por eles titulados, na qualidade de elementos integrantes do executivo municipal;
e) Os Arguidos agiram de forma livre, voluntária, com o propósito concretizado de, com a conduta descrita, imputar à Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de OL, bem como aos elementos que integram o executivo municipal e aos funcionários nomeados para a respectiva Comissão, a suspeita da prática de fins alheios à prossecução daqueles a que aquela edilidade está legalmente obrigada e em violação das normas legais, lesando desse modo, a credibilidade, prestigio e confiança que são devidos à Câmara Municipal enquanto órgão de gestão da autarquia de OL bem como aos elementos que integram o executivo municipal e aos funcionários nomeados para a aquisição de areias, bem sabendo que tais afirmações não correspondem à verdade;
f) Os Arguidos sabiam que as respectivas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
g) O Senhor Presidente da Câmara Municipal de OL, é uma pessoa que goza de elevada credibilidade, sobejamente reconhecida entre os seus concidadãos, o que se comprova à saciedade pela sua eleição para um cargo público de alta responsabilidade e relevo, gozando do mesmo modo de um bom nome e de alto decoro, dedicando-se à vida da autarquia prosseguindo sempre e apenas o interesse público;
h) Os membros do executivo municipal lesados e demandantes - J, A e L - são pessoas que sempre exerceram as suas competências com elevado zelo e sentido de interesse público, gozando de igual modo de elevada credibilidade junto da comunidade em que se inserem, bem como gozam de bom nome e de boa reputação;
i) Os funcionários municipais que constituíam a referida comissão são pessoas que sempre exerceram, nos longos anos de dedicação à autarquia de OL, as suas funções com elevada competência e zelo, prosseguindo somente o interesse público e gozando igualmente, quer na dimensão pessoal, quer na dimensão profissional das suas vidas, de bom nome e estimada reputação;
j) Os arguidos actuaram bem sabendo que tais afirmações não correspondem à verdade.
4 - A carta foi escrita somente pelo Arguido E.
5- A única intenção do Arguido ao escrever a carta foi a de solicitar a "clarificação de aspectos do concurso, sem querer levantar qualquer suspeição ... " (in douta Sentença proferida pelo Tribunal "AQUO"), nomeadamente,
6- quanto às discrepâncias verificadas entre as quantidades lançadas a concurso e as efectivamente adquiridas --- fls. 257 e fls. 250 e fis.271 a fis.280,e para a dualidade de critérios no que tange à exigência de Certificados de Qualidade 1 Conformidade em 2006 --- fls. 277, em contraponto com a sua não exigência no ano de 2007 --- fls. 252, tudo isso no domínio da mesma legislação em vigor --- Decreto Lei 197/99, de 8 de Junho.
7- A alegada carta foi endereçada exclusivamente ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de OL, tal como aliás exigido pelo programa do Concurso « … as propostas .... são apresentadas no G.A.P. Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal. (sublinhado nosso).
8- Os Arguidos desconheciam quem fazia parte da Comissão.
9- Os membros do Executivo Camarário e da própria Comissão divergem quanto à sua própria nomeação.
10 - Os membros do Executivo Camarário com excepção do seu Presidente tomaram conhecimento da carta somente na G.N.R..
11- O seu teor não foi comentado entre os funcionários camarários nem na comunidade.
12 - Dois membros do executivo camarário não desejaram procedimento criminal.
13 - A carta não foi lida em voz alta.
14 - Jamais os Arguidos tiveram intenção de ofender/ injuriar quem quer que fosse.
15 - As regras do concurso foram alteradas.
16- Os Arguidos não fizeram a afirmação ou propalação de factos inveridicos, não verdadeiros, não correctos, não provados, ou factos falsos.
17- Competia ao Assistente a prova da falta de veracidade das afirmações dos arguidos.
18- Não consta da factualidade provada o que quer que seja que permita retirar tal conclusão de inveracidade.
19- Não consta da pronuncia, mormente da douta Acusação Particular e em momento algum alega que tais factos e/ou expressões escritas na carta são inveridicas, ou seja os elementos do tipo legal de crime deveriam ter sido alegados na acusação o que de todo aconteceu, pelo que se conclui como na douta sentença proferida pelo Tribunal "A Quo" que é elemento do tipo de crime de ofensa a pessoa colectiva a inveracidade da afirmação e «… não constando da pronúncia esse elemento ( ... ) o arguido deve ser absolvido do mesmo crime .... (E ainda no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra N." 88/08.6TATBUC1 de 12 de Maio de 2010),
20- Não se encontrando assim preenchido o tipo legal do crime pelo qual os Arguidos vinham acusados.
21- Não pode considerar-se como injúria todo o facto que causa incómodo ou humilhação aos visados, pelo que não pode considerar-se " ... ofensivo da honra tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deve considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais in Pacheco, Código Penal, vol.III, Cit. ln R.C., 31/1/1996,1,242.
22- A douta Sentença proferida pelo Tribunal "A QUQ" encontra-se devidamente fundamentada, com uma correcta interpretação e análise crítica da prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova, nomeadamente quanto aos factos dados como provados e não provados, à sua fundamentação, à convicção formada e à aplicação do direito, não enfermando, consequentemente, «de qualquer erro no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu.
23- A douta Sentença proferida pelo Tribunal "A QUQ" fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, pelo que, obviamente, não podia decidir de forma diversa.
24- A decisão ora Recorrida não merece qualquer reparo ou censura, pelo que,
25- face à matéria de facto dada como provada e não provada, concluiu (decidiu) sabiamente absolver os arguidos da prática dos crimes de que vinham acusados.
7- O Tribunal "A QUO" fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, a qual não merece qualquer censura, pelo que, obviamente, não podia decidir de forma diversa, de tal modo que não violou (nomeadamente) o disposto nos Artigos 181 do Código Penal e 358 e 359 do Código do Processo Penal.
Deve negar-se provimento ao Recurso interposto pelo Assistente e, consequentemente, manter-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, no parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. Em 17 de Dezembro de 2007, o arguido E , na qualidade de representante legal da empresa “R.. Lda”, redigiu e assinou, e também assinada pelo arguido M , uma carta que endereçou ao Presidente da Câmara de OL, com o seguinte teor, designadamente:
“Servimo-nos da presente para confirmar a recepção do Vosso pedido de Consulta Prévia para Aquisição de Areias para o ano de 2008, e desde já agradecemos o convite endereçado.
No entanto, decidiu esta empresa não apresentar proposta de fornecimento para a referida consulta, por entendermos que desde algum tempo a esta parte, os concursos e especificamente a adjudicação dos mesmos decorrem envoltos num ambiente de alguma irregularidade e de suspeição de práticas menos correctas, as quais não podemos tolerar nem compactuar”, tudo conforme resulta do teor de fls. 4, cujo conteúdo ora se dá por integralmente reproduzido.
2. Tal missiva foi recepcionada por MJ, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de OL em 20 de Dezembro de 2008, o qual tomou conhecimento do teor da mesma.
3. A Comissão do Procedimento Concursal para a Aquisição de Areias para o ano de 2008 era constituída pelos funcionários autárquicos F, P e J e que haviam sido nomeados para integrar aquela Comissão por MJ.
4. Por outro lado, naquela data, o executivo municipal era constituído por J,A,L e MC
5. Os arguidos E e M são primários.
6. O arguido E tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; vive com a esposa e 3 filhas, com uma filha deficiente, a seu cargo; aufere mensalmente cerca de € 633; vive em casa própria; não tem encargos, além dos normais.
7. O arguido E mostra-se gratificado com as relações familiares, e socialmente é tido como pessoa educada e bem relacionada com as pessoas do seu meio social de origem, que é o mesmo da sua residência, bem como nas relações que desenvolve profissionalmente.
8. O arguido M tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; vive com a esposa; aufere mensalmente € 599; vive em casa própria; não tem encargos, além dos normais.
9. O arguido M mostra-se gratificado com as relações familiares, e socialmente é tido como pessoa educada e bem relacionada com as pessoas do seu meio social de origem, que é o mesmo da sua residência, bem como nas relações que desenvolve profissionalmente e pela sua ligação ao desporto local.
10. A carta aqui em causa foi do conhecimento de diversos funcionários da autarquia, entre os quais e pelo menos os membros da Comissão do Procedimento Concursal para a Aquisição de Areias para o ano de 2008, a funcionária que recebe e trata do expediente relativo àquele concurso, sendo ainda do conhecimento dos diversos membros do executivo camarário e do seu presidente.
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III – Factos não provados
Resultaram não provados os seguintes factos:
- em 17 de Dezembro de 2007, os arguidos, em comunhão de esforços e mediante acordo prévio, na qualidade de representantes legais da empresa “R,,, Lda”, redigiram uma carta que endereçaram ao Presidente da Câmara de OL;
- desse modo, os arguidos lesaram o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança titulados pelo presidente da Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de OL e que preside ao executivo municipal, quer ao município de OL
- os arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança que por eles titulados, na qualidade de elementos da aludida comissão;
- os arguidos puseram em causa o bom nome, credibilidade, prestígio e confiança que por eles titulados, na qualidade de elementos integrantes do executivo municipal;
- os arguidos agiram de forma livre, voluntária, com o propósito concretizado de, com a conduta descrita, imputar à Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de Oliveira do Bairro, bem como aos elementos que integram o executivo municipal e aos funcionários nomeados para a respectiva Comissão do Procedimento Concursal para a aquisição de Areias para o ano de 2008, a suspeita da prática de fins alheios à prossecução daqueles a que aquela edilidade está legalmente obrigada e em violação das normas legais, lesando, desse modo, a credibilidade, prestígio e confiança que são devidos à Câmara Municipal, enquanto órgão de gestão da autarquia de OL, bem como aos elementos que integram o executivo municipal e aos funcionários nomeados para a respectiva Comissão do Procedimento Concursal para a aquisição de Areias para o ano de 2008, bem sabendo que tais afirmações não correspondem à verdade;
- os arguidos sabiam que as suas respectivas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
- o Sr. Presidente da Câmara Municipal de OL MJ, órgão de gestão da autarquia de Oliveira do Bairro, e que preside ao executivo camarário, é uma pessoa que goza de elevada credibilidade, sobejamente reconhecida entre os seus concidadãos, o que se comprova à saciedade pela sua eleição para um cargo público de alta responsabilidade e relevo, gozando do mesmo modo de bom nome e de alto decoro, dedicando-se à vida da autarquia prosseguindo sempre e apenas o interesse público;
- os membros do executivo camarário, lesados e ora demandantes – J , A e L – são pessoas que sempre exerceram as suas competências com elevado zelo e sentido de interesse público, gozando de igual modo de elevada credibilidade junto da comunidade em que se inserem, bem como gozam de bom nome e de boa reputação;
- os funcionários municipais que constituíam a referida comissão do procedimento concursal para a aquisição de Areias para o ano de 2008 – F, J e P – são pessoas que sempre exerceram, nos longos anos de dedicação à autarquia de OL as suas funções com elevada competência e zelo, prosseguindo somente o interesse público e gozando igualmente, quer na dimensão pessoal, quer na dimensão profissional das suas vidas, de bom nome e estimada reputação;
- os arguidos actuaram bem sabendo que tais afirmações não correspondem à verdade.
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IV - Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, e nomeadamente:
- nas declarações do arguido E, nomeadamente, quanto aos elementos subjectivos, depondo de forma convincente; assim pelo mesmo foi dito que não queria colocar em causa a credibilidade das pessoas, até porque é amigo de algumas, mas apenas alertar para alguns procedimentos menos claros, dos quais tinha dúvidas, nos concursos, a fim de ver esclarecida a situação; não queria abalar a credibilidade de ninguém ou ofender quem quer que fosse; em últimas declarações referiu que o que disse na carta não era para insultar ninguém, admitindo que usou palavras infelizes, que não foram as mais adequadas; depôs de forma convincente sobre a sua situação pessoal, social e económica;
- nas declarações do arguido M , que depôs de forma convincente; tendo sido dito pelo mesmo que apenas assinou a carta, sem prestar atenção ao seu conteúdo, que tinha sido redigida pelo irmão, uma vez que na empresa se dedica mais ao exterior, ao contacto com os clientes e à entrega dos materiais; depôs de forma convincente sobre a sua situação pessoal, social e económica;
- no depoimento da testemunha MJ, Presidente da Câmara Municipal de OL desde Outubro de 2005; depôs de forma convincente sobre os factos; recorda-se de ter recebido a carta aqui em causa, que levantava suspeições sobre os actos de adjudicação e aquisições; sentiu-se ofendido na sua dignidade e profissionalismo, pois a abertura de propostas é um acto público, e tal carta foi dirigida ao concurso; ao que se recorda não foi divulgado na comunicação social o teor da carta, nem foi levada à reunião camarária;
- no depoimento da testemunha F, presidente da comissão do concurso; depôs de forma convincente sobre os factos; abriu a carta aqui em causa, pensando que era mais uma proposta para o concurso, tendo ficado ofendido com o seu teor, e nunca tendo percebido o motivo pelo qual foi enviada aquela carta; deu conhecimento imediato ao Presidente da Câmara; recorda-se que este concurso foi anulado porque não foi possível proceder às comparações de materiais, porque foram apresentados pelos concorrentes materiais diferentes; houve conhecimento por toda a Câmara do teor da carta, de imediato, sendo que um vereador lhe telefonou a perguntar o que se passava;
- no depoimento da testemunha P, assistente administrativa na Câmara Municipal de OL desde 1994; depôs de forma convincente sobre os factos; pertencia à comissão de abertura da carta, que foi lida em voz alta; ficou sem perceber qual o motivo para escreverem aquela carta, ao final de tantos anos a concorrer, sendo aquela empresa uma concorrente habitual;
- no depoimento da testemunha J engenheiro civil, na Câmara Municipal de OL, desde 1991; depôs de forma convincente sobre os factos; não se recorda se estava presente na altura da abertura da carta, mas fazia parte do júri do concurso; considerou tal carta ofensiva, pois trabalha há muitos anos na Câmara, já foi objecto de inspecções, e nunca foi repreendido; a adjudicação é feita pelo executivo camarário, depois de apresentadas as propostas pela comissão do concurso;
- no depoimento da testemunha J engenheiro civil, na Câmara Municipal de OL desde 2005, vice-presidente desde 2005; depôs de forma convincente sobre os factos; sabe que a carta foi dirigida a um concurso de materiais, para o ano de 2008, apenas tendo conhecimento do teor da carta quando foi chamado à GNR para depor; explicou que a adjudicação é feita pelo executivo camarário, com base nos pareceres técnicos da comissão dos concursos; sente-se difamado com o conteúdo da carta; conhece os arguidos há mais de 30 anos, e não deixou de falar com eles por causa desta situação;
- no depoimento da testemunha A, vereador das obras municipais na Câmara Municipal de OL no período de 2006/2009; depôs de forma convincente sobre os factos; sentiu-se ofendido quando teve conhecimento do teor da carta, pois são ditas coisas que não correspondem à realidade, e estranhou o seu teor porque conhece os arguidos, desde 1985, e nunca teve qualquer problema; o executivo municipal tem sempre conhecimento da adjudicação;
- no depoimento da testemunha L, vereadora da Câmara Municipal de OL, na área da Educação, Cultura e Acção Social, desde Outubro de 2005; depôs de forma convincente sobre os factos; em concreto, nada sabe do concurso, porque não era da sua área de actuação; do conteúdo da carta sabe que a mesma gerou desconforto nos técnicos da Câmara, comentando-se o seu teor entre os funcionários;
- no depoimento da testemunha M , vereador na Câmara Municipal de 2005 a 2009; depôs de forma convincente sobre os factos; teve conhecimento da carta, sentindo-se atingido como participante do órgão colegial; não sabe se o teor da carta era comentado pelos funcionários da Câmara Municipal; conhece os arguidos há muitos anos, considerando-os boas pessoas;
- no depoimento da testemunha M, funcionária na Câmara Municipal de OL, desde 1997; depôs de forma convincente sobre os factos; teve conhecimento da carta porque estava presente no acto público, tendo sido a testemunha a abrir a carta; recorda-se que as pessoas se sentiram ofendidas com o teor da carta; o executivo camarário é que fazia a adjudicação;
- no depoimento da testemunha L, vereadora na Câmara Municipal de OL de 2005 a 2009; depôs de forma convincente sobre os factos; teve conhecimento da carta apenas quando foi prestar declarações à GNR; tem uma boa imagem dos arguidos, considerando-os pessoas respeitadas e respeitadoras; não se recorda de a carta ter sido apresentada em reunião de câmara ou do executivo municipal; não se sentiu ofendida, porque não fazia parte dos concursos, nem ouviu qualquer comentário no interior da Câmara acerca desta carta;
- no depoimento da testemunha J conhece os arguidos há muitos anos, porque costuma comprar materiais de construção na empresa dos arguidos; depôs de forma convincente; todos os dias vai à empresa dos arguidos, tendo-os como boas pessoas e correctas; nunca ouviu comentar qualquer carta;
- no depoimento da testemunha A, conhece os arguidos, há 30 anos, devido à actividade comercial; depôs de forma convincente; considera-os pessoas honestas e trabalhadoras, nunca tendo ouvido falar de qualquer carta.
Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal o Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 339 e 340 e relatórios sociais de fls. 341-344 e 347-349, para prova dos factos sob os pontos 5., 7. e 9..
Os documentos de fls. 3-4, 10-15, 17 e 99, para prova dos factos sob os pontos 1., 3., 4..
Quanto aos factos não provados:
Pela total ausência de prova em relação a eles.
Em relação aos factos imputados ao arguido M , porque efectivamente o Tribunal formou convicção que não teve qualquer intervenção na redacção da carta, tendo-a assinado de “cruz”, sem prestar a devida atenção ao seu conteúdo, pois na empresa, de que é sócio gerente com o seu irmão E , trata mais dos contactos com os clientes, deixando a parte administrativa ao cuidado do irmão.
Já em relação aos crimes de injúria agravada por o Tribunal ter ficado convencido que, efectivamente, a intenção do arguido E , até porque já há longos anos que apresentava propostas em concursos da Câmara Municipal de OL e obtinha ganho em muitos desses concursos, era alertar o Sr. Presidente da Câmara para a clarificação de aspectos do concurso, sem querer levantar qualquer suspeição contra o município e executivo municipal; aliás, não resultou provado que o teor da carta tenha sido divulgado e comentado no exterior da Câmara Municipal, sendo que mesmo os ofendidos, que constituem a executivo municipal, apenas tiveram conhecimento da carta aquando da sua inquirição como testemunhas no âmbito do inquérito.
Tratou-se de um escrito menos cuidado, cujo conteúdo não foi devidamente reflectido, mas cuja intenção de lesar a honra e bom nome dos elementos camarários não se logrou provar.
Acresce que é do senso comum que, no âmbito destes concursos, há sempre uma parte que não fica satisfeita, normalmente quem não consegue ganhar o concurso, sendo normal surgirem críticas ao modo como o mesmo concurso é realizado; além do que foi transmitido por todas as testemunhas que depuseram em audiência de julgamento que os arguidos eram pessoas já conhecidas nos concursos, tendo uma boa relação com eles, por serem pessoas honestas e trabalhadoras, e sem serem pessoas conflituosas.
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Conhecendo:
O recorrente Município de OL insurge-se:
- contra a matéria de facto apurada, pontos 1, 2 e 6.
- Contra factos julgados não provados que entende deverem ser julgados provados.
-Entendendo que houve erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento.
- Que os arguidos sabiam que os factos da missiva eram inverídicos e falsos ou pelo menos representaram tal possibilidade, conformando-se.
- Que se mantém o crime de injuria contra o assistente Município.
- Que da procedência da matéria penal se deverão tirar as necessárias conclusões relativamente ao pedido cível.
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Matéria de facto:
O recurso incide sobre matéria de facto, entendendo-se como incorrectamente apreciada face à prova produzida.
É colocada em causa a prova e a apreciação da mesma.
A prova é valorada tal qual é produzida em audiência, depoimentos e documentos, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
Não se trata de apreciação arbitrária, antes tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica. O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
Ao apreciar a matéria de facto, o tribunal de recurso está condicionado pela circunstância de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
Diga-se também que a prova processual, ao invés do que acontece com a demonstração no campo da matemática ou com a experimentação no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social- cfr. A. Varela in Manual de Processo Civil pág. 407.
A propósito do art.º 127 refere o Ac. do TC 197/97 de 11.3.97 [ DR, IIª Série, de 29.12.98] que o juiz aí pressuposto pelo legislador é o juiz responsável e livre, capaz de pôr o melhor da sua cultura, inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório que lhe é fornecido.
Na parte em que o recorrente discorda da convicção do tribunal, alguma razão tem, relativamente a alguns dos pontos focados, sem que daí resulte relevância substancial.
Pontos 1 e 2 dos provados:
A confusão pode advir de a missiva ser dirigida ao Presidente mas endereçada à comissão de concursos já que se trata de resposta a proposta de fornecimento.
Assim, há que explicitar o conteúdo de tal facto, pois que dos documentos, fls. 368 e 369, bem como dos depoimentos ouvidos, bem como da fundamentação da matéria de facto na sentença resulta não ter sido a carta recepcionada pelo Presidente da Câmara, mas sim pelo Presidente da Comissão de Concursos, o qual “abriu a carta aqui em causa”.
Assim, o ponto 1 dos provados passará a ter a seguinte redacção:
1. Em 17 de Dezembro de 2007, o arguido E na qualidade de representante legal da empresa “R… Lda”, redigiu e assinou, e também assinada pelo arguido M, uma carta dirigida ao Presidente da Câmara de OL mas endereçada como “resposta ao pedido de: Proposta de Fornecimento Areias”, com o seguinte teor, designadamente:
“Servimo-nos da presente para confirmar a recepção do Vosso pedido de Consulta Prévia para Aquisição de Areias para o ano de 2008, e desde já agradecemos o convite endereçado.
No entanto, decidiu esta empresa não apresentar proposta de fornecimento para a referida consulta, por entendermos que desde algum tempo a esta parte, os concursos e especificamente a adjudicação dos mesmos decorrem envoltos num ambiente de alguma irregularidade e de suspeição de práticas menos correctas, as quais não podemos tolerar nem compactuar”, tudo conforme resulta do teor de fls. 4, cujo conteúdo ora se dá por integralmente reproduzido.
O ponto 2 dos provados passará a ter a seguinte redacção:
2. Tal missiva foi recepcionada pela comissão do procedimento concursal para fornecimento de areias para o ano de 2008 e analisada pelo presidente dessa comissão, em 19-12-2007 exarou informação e a encaminhou para o Presidente da Câmara Municipal de OL, em 20 de Dezembro de 2008, o qual tomou conhecimento do teor da mesma.
Ponto 6 dos provados:
Que o arguido E é sócio gerente de uma sociedade já consta, por outra palavras do ponto 1 dos provados ao ser indicado como representante legal da firma R…LDA
É certo que o arguido E refere ter exercido funções de tesoureiro numa Junta de Freguesia, nos anos de 2001 a 2005.
Provavelmente tal facto não foi considerado como matéria relevante, mas antes facto inócuo e por isso não valorado.
Mas talvez o possa ser como currículo no programa “Novas Oportunidades”, caso o arguido se pretenda inscrever, daí que se acrescente tal circunstância ao ponto 6 dos provados.
O ponto 6 dos provados passará a ter a seguinte redacção:
6. O arguido E tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; vive com a esposa e 3 filhas, com uma filha deficiente, a seu cargo; aufere mensalmente cerca de € 633; vive em casa própria; não tem encargos, além dos normais. Exerceu funções de tesoureiro numa Junta de Freguesia, nos anos de 2001 a 2005.
Quanto à matéria de facto não provada e que o recorrente entende dever ser julgada provada:
O Presidente da Câmara de OL no seu depoimento refere que se sentiu ofendido assim como a instituição que representa e que o teor da missiva afectou a imagem da Câmara e das pessoas.
No entanto nada diz sobre a afectação ou ofensa à credibilidade, prestígio ou confiança do Município de OL, que é o recorrente e que apenas tem legitimidade para alegar no recurso factos que não lhe respeitem.
Nos termos do art. 400 do CPP, nº 1 al. c), o assistente tem legitimidade para recorrer de decisão contra ele proferida.
De que modo foi afectada (em que consistiu a afectação) a credibilidade, o prestígio ou a confiança do recorrente?
Nenhum dos depoimentos refere, em concreto, se o Município de OL foi afectado face ao teor da missiva.
Assim como não se vislumbra como o teor de tal missiva podia ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do Município. A imputação de acto isolado a funcionário ou funcionários da Câmara Municipal de OL não tem força bastante para denegrir a imagem, o crédito e o prestígio do Município
Veja-se neste entendimento, o Ac. RP de 7/3/2007 , Proc. n° 0610676, in www.dgsi.pt, onde se entendeu que não se verificava o crime do art. 187° do CP: "Dizer que uma Câmara Municipal gastou dinheiro com fins meramente eleitorais não afecta a imagem da pessoa colectiva, mas das pessoas que a dirigem, pelo que a pessoa que produz tais afirmações e as publica num jornal, não comete o crime p. e p. pelo art. ° 187° do CP.
(...)
As pessoas que nelas trabalham, por mau desempenho das respectivas funções, é que utilizam ou podem utilizar o dinheiro com essa finalidade.
Daí que, as afirmações escritas pelo arguido poderiam ser ofensivas, não para aquelas entidades, mas para as pessoas, individualmente consideradas, que exercem o cargo de as dirigir”.
Objectivamente poderia o teor da missiva ser ofensivo para as pessoas singulares por si ou como representantes do órgão Câmara Municipal, mas não para o Município.
E são os órgãos que representam o ente e não o Município que representa os órgãos. Daí a sua ilegitimidade para “exigir” por via do recurso a eventual reparação de ofensas alheias.
Daí que se mantém essa matéria nos factos não provados, os quais não se analisam por ilegitimidade do recorrente para os invocar.
Quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de facto, já nos pronunciamos.
Mas, alega o recorrente o vício do erro notório na apreciação da prova.
Erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
O que o recorrente entende é que há erro na apreciação da matéria de facto em ordem a aplicar o direito.
A situação apontada não consubstancia o vício do art. 410 nº 2 do CPP, mas antes erro de julgamento da matéria de direito, o que já foi analisado.
Assim, não se verifica o vício do erro.
Ofensa a pessoa Colectiva:
No que tange ao crime de ofensa a pessoa colectiva pública (art. 187.º do Código Penal):
Dispõe o dito artigo 187.º do Código Penal, na redacção dada pelo D.L. n.º 59/2007 de 04-09 que “1 -Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 -É correspondentemente aplicável o disposto: a) No artigo 183.º; e b) Nos n.os 1 e 2 do artigo 186.º”
São, pois, elementos do tipo objectivo de ilícito: a) a afirmação ou propalação de factos inverídicos; b) susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço; c) não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar tais factos de verdadeiros.
O primeiro elemento objectivo do tipo de crime de ofensa a pessoa colectiva, organismos ou serviço é a afirmação ou propalação de factos inverídicos.
Ao invés do que sucede nos crimes de difamação e de injúria – em que o tipo legal abrange não só a imputação de factos, mas também a formulação de juízos ofensivos da honra ou consideração – o crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, apenas contempla a afirmação ou prolação de factos inverídicos.
Conforme elucida FARIA COSTA “Utilizando uma linguagem analítica poder-se-á dizer que a noção de facto se traduz naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. (…) Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjuntos de acções (com unidade) que se protelam no tempo. De forma simples: um facto é um juízo de existência ou de realidade. Cfr. Faria Costa, Comentário Conimbricense, Tomo I, pag. 609 e 610
”.
Nos crimes de difamação e injúria o legislador optou por equiparar a imputação desonrosa de um facto e a formulação de um juízo desonroso. Porém, tal equiparação já não foi feita no crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço. Por outro lado, tem que se tratar de factos inverídicos.
O segundo elemento que a lei exige é que se esteja perante factos idóneos – que tenham capacidade para – ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança. Esta idoneidade ou capacidade para ofender a credibilidade, prestígio ou confiança deve ser aferida tendo em conta “a compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática”.
Segundo FARIA COSTA uma instituição é credível quando “pela actuação dos seus órgãos ou membros, se mostra cumpridora das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra séria e imparcial”, tem prestígio quando, “pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, ela se impõe no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve” e é digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar”. FARIA COSTA, ob. cit., pag. 680 e 681.

No artigo 187º, nº 1 do Código Penal o bem jurídico protegido “não é a honra, enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade” (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 04.07.2005, www.dgsi.pt) dos entes aí previstos.
Em terceiro lugar, é necessário que o agente ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros.
Não é necessário, para que se verifique preenchido este elemento típico, que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos; basta que não tenha fundamento para em boa fé os reputar de verdadeiros.
Conforme referimos, o primeiro dos elementos é que sejam afirmados factos e que os mesmos sejam inverídicos.
Tais factos, nos termos da lei, têm de ser inverídicos.
Cabia à acusação alegar e provar a inveracidade dos factos alegados.
Ora se analisarmos minuciosamente a acusação particular, em nenhum momento se alega que as expressões em causa são inverídicas.
Poder-se-á dizer que tal ideia está implícita. Contudo, não se nos afigura poder condenar o arguido com base em elementos implícitos da acusação. Os elementos do tipo legal do crime deveriam estar alegados na acusação, coisa que não sucede quanto à inveracidade das expressões.
Caindo o primeiro elemento do tipo legal de crime em apreço, desnecessário subsumir os factos aos demais, impõe-se a absolvição dos arguidos por este tipo legal de crime.
É necessário ficar provado que o agente sabia que propalava ou proferia afirmações que sabia serem inverídicas.
O recorrente podia ter sido ofendido na sua credibilidade, prestígio e confiança, com factos verídicos.
Os factos propalados têm de ser capazes de ofender e serem inverídicos.
Como salienta o Cons. O. Mendes, in ob. Cit. Pág. 115, referindo-se ao art. 187, diz, “de fora fica pois a afirmação ou propalação de factos verídicos, susceptíveis de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança”.
Daí a necessidade de ficar provada a inveracidade dos factos.
Acrescendo, como é referido nesta obra, pág. 116 que, “não basta afirmar ou propalar factos inverídicos. Conquanto se não exija o conhecimento da inveracidade da imputação, o qual a existir agravará o crime –arts. 187, nº 2 e 183, nº 1 al. a) -, impõe-se no entanto que o agente actue sem fundamento para, em boa fé, a reputar verdadeira, isto é, que não tenha razões sérias para aceitar o facto ou factos imputados como verdadeiros”.
Também a acusação deveria fazer prova, haver factos provados da inexistência de boa fé por parte do agente.
Assim que se entenda não estarem preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime do art. 187 do CP.
Refere o recorrente que atribuir-lhe o ónus da prova de um facto negativo vai contra as regras da repartição do ónus da prova e, que é ao agente que incumbe a prova da verdade da imputação.
Mas sem razão. A inveracidade dos factos propalados, assim como a ausência da boa fé, são elementos constitutivos do crime e cuja prova compete a quem acusa.
Refere o Cons. O. Mendes na ob. Cit. Pág. 116, que “é evidente que não cabe aqui ao agente fazer prova da existência da «boa fé», uma vez que a inexistência desta é elemento constitutivo do crime”.
Nem há lugar, nesta fase, a alteração de factos, substancial ou não.
Quando muito estaríamos perante o vício da insuficiência.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
In casu, o recorrente não diz como se poderia apurar a inveracidade, referindo até tratar-se de prova diabólica e pretender a inversão do ónus.
No entanto, a inveracidade dos factos faz parte do tipo de crime, e não se provando, não há crime.
Assim, e não se tendo apurado a inveracidade, não é evidente que tal se pudesse ter apurado, ou que possa vir a apurar-se.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
Ou tendo investigado, não levou à matéria de facto provada.
Assim que não se verifica este vício.
Outra questão suscitada respeita a saber se as pessoas colectivas podem ser, em simultâneo, sujeitos passivos de crime de difamação ou injuria a par do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva.
Há divergência de opiniões, mas vingando a nível jurisprudencial a tese de que após a revisão do CP de 1995 e com os esclarecimentos da revisão de 2007, a “honra”, prestígio e confiança das pessoas colectivas são protegidas pelo disposto no art. 187 do CP, respeitando os arts. 180 e 181 às pessoas singulares, pessoas físicas. Isto apesar de anteriormente a 1995 se entender que as pessoas colectivas podiam ser (alvos) sujeitos passivos de difamação ou injuria. Nomeadamente a partir do Assento do STJ de 24-02-1960.
A honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal e interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior – Faria CostaComentário Conimbricence, Tomo I-607.
Consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constitui a dignidade objectiva, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública –Cfr. Ac. da R. Lx de 06-02-1996, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 156.
Porque se vinha entendendo que a “honra e consideração” são atributos das pessoas singulares, por serem valores eminentemente pessoais e ligados à condição humana, mas porque também havia necessidade de proteger as pessoas colectivas no seu prestígio, a revisão penal de 1995 veio introduzir o art. 187. O legislador autonomizou a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva -credibilidade, prestígio e confiança- e reservou para as pessoas singulares, pessoa humana a previsão dos arts. 180 e 181, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhes são devidos. Neste sentido, Ac. da R. Porto de 15-10-2007 in Col. Jurisp. tomo IV, pág. 227.
Neste aresto se refere, “de facto a pessoa humana tem uma essência e uma grandeza únicas, é figura central da modernidade civilizacional, e como tal, agrega em torno de si valores que merecem um tratamento exclusivo e singular que a destacam em relação à protecção também merecida por entidades de natureza distinta”.
Defensores desta tese são os Cons. Leal Henriques e Simas Santos que no seu Código Penal defendem que a honra e a consideração são requisitos exclusivos das pessoas singulares, sendo que às pessoas jurídicas apenas se adequam outras realidades, tais como, o crédito e a confiança, razão porque é inaceitável a tese de que a pessoa jurídica pode, sob o ponto de vista jurídico-penal, ser ofendida na sua “honra”. Que a distinção entre pessoa física e pessoa colectiva apenas se faz para fins patrimoniais e económicos, e que as ofensas dirigidas a um ente colectivo são, na realidade, dirigidas às pessoas físicas que o compõem, dirigem ou administram, assim sufragando o entendimento de Nelson Hungria (Comentário ao Código Penal Brasileiro VI, 44ª 46).
Esta é a tese que seguimos, sabendo que é discutível e controversa, tendo entendimento contrário o Prof. Figueiredo Dias expresso nas actas de revisão do CP, Maia Gonçalves no seu Código Penal anotado e comentado, Cons. O. Mendes in “O Direito À Honra E A Sua Tutela Penal” onde refere, a pág. 115 que se conclui que “as pessoas jurídicas podem ser sujeito passivo não só do tipo legal do crime do art. 187, mas também do crime de difamação do art. 180”.
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Pelo que improcedem as conclusões e o recurso.
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Decisão:
Pelo que exposto ficou, acordam nesta Relação e Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo assistente Município de OL e em consequência, mantém-se integralmente a sentença recorrida.
Custas da parte crime, pelo assistente, com 5 Ucs de taxa de justiça.

JORGE DIAS (RELATOR)
BRÍZIDA MARTINS