Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
212/13.7PCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: ASSISTENTE
DEMANDANTE CIVIL
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 48.º, 53.º, 71.º, 74.º, 400.º E 417.º DO CPP
Sumário: I - O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal sempre se haverá de fundar na prática de acto criminal.

II - Ao respectivo demandante encontra-se vedado o direito de recorrer de acto decisório (sentença/acórdão) por cujo conteúdo se julgue indemonstrado o acervo factual virtualmente consubstanciador do tipo-de-ilícito criminal e/ou correspondente nexo de imputação subjectiva de cuja causal reunião eventualmente houvessem resultado os danos cujo ressarcimento se peticiona.

III - É apodíctico carecer a id.ª cidadã de legitimidade para, assimetricamente à conformação (inércia) do Ministério Público, vir discutir em sede recursiva o acervo factual virtualmente consubstanciador do tipo-de-ilícito criminal e/ou correspondente nexo de imputação subjectiva.

IV - O poder interventivo do Tribunal da Relação sempre pressuporá, como fundamental condição, peticional valor indemnizatório superior à alçada do tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral:

a)


Havendo sido superiormente confirmado – pelo despacho de Exm.º Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça documentado a fls. 403/407 – o despacho do relator de fls. 323/324, de inadmissão de recurso da demandante cível A... do acórdão desta Relação exarado na peça de fls. 297/301, que lhe indeferiu a reclamação (de fls. 272/276) do despacho do relator documentado a fls. 268/270, por cujo conteúdo se lhe endereçou convite à integral observância do ónus postulado pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos arts. 107.º, n.º 5, e 107.º-A, al. c), do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil [pelo pagamento do correspondente valor da multa-sanção, com o legal acréscimo de 25% (estabelecido no referido n.º 6 do art.º 139.º do CPC)], e entretanto por si pertinentemente realizada/materializada tal onerosidade procedimental (cfr. fls. 341, 343 e 345), nada já obsta à legal prossecução processual.

Assim:


b)

Decisão-sumária


1 – Recorreu a cidadã A... , na qualidade de demandante cível[1], pela peça ínsita a fls. 204/233 – cujos dizeres nesta sede se têm por integralmente reproduzidos – da sentença documentada a fls. 155/164, absolutória do sujeito-arguido B... dum imputado ilícito criminal de ofensa à sua própria integridade física, (p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal), bem como, por lógica decorrência, do por si própria formulado pedido indemnizatório de supostos/consequentes danos patrimoniais e morais, nuclearmente propugnando pelo reconhecimento por esta Relação [a)] do assacado comportamento ofensivo do id.º sujeito à sua pessoa, particularmente caracterizado por suposto aperto – com as mãos – do seu maxilar inferior, e pela decorrente fractura dum dente, e, por conseguinte, [b)] da correspondente consubstanciação da alegada causa-de-pedir, e, a final, peticionando a atribuição de respeitante direito indemnizatório pelo valor pecuniário de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), virtualmente ressarcitivo de emergentes danos não patrimoniais, e pela condenação do id.º cidadão ( B... ) ao cumprimento da concernente obrigação.

2 – Impor-se-á, porém, a correspectiva rejeição, quer por pessoal ilegitimidade processual seja, subsidiariamente, por inadmissibilidade legal, pela seguinte ordens-de-razão:

2.1 – Por ilegitimidade:

– Posto que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal sempre se haverá de fundar na prática de acto criminal [cfr. arts. 71.º e 74.º/1 do Código de Processo Penal (compêndio legal doravante também referenciado pela sigla CPP)], e que ao respectivo demandante – não constituído assistente, como no caso sub judice, e diversamente do que a este sujeito processual (assistente) concerne – se encontra vedado o direito de recorrer de acto decisório (sentença/acórdão) por cujo conteúdo se julgue indemonstrado – como na situação em referência aconteceu – o acervo factual virtualmente consubstanciador do tipo-de-ilícito criminal e/ou correspondente nexo de imputação subjectiva – dolosa/negligente autoria, co-autoria, cumplicidade – de cuja causal reunião eventualmente houvessem resultado os danos cujo ressarcimento se peticiona, é apodíctico carecer a id.ª cidadã de legitimidade para, assimetricamente à conformação (inércia) do Ministério Público – titular da acção penal, (cfr., máxime, arts. 219.º/1 da Constituição Nacional e 48.º e 53.º do CPP) –, todos os judicialmente irreconhecidos pressupostos do acusatoriamente assacado crime de ofensa à sua própria integridade física (p. e p. pelo art.º 143.º/1 do Código Penal), necessariamente integrativos da causa-de-pedir da convocada obrigação indemnizatória (cfr. arts. 129.º do C. Penal e 483.º/1 do Código Civil), vir discutir em sede recursiva, como cristalinamente decorre da curial interpretação da dimensão normativa integrada pelos preceitos legais ínsitos sob os arts. 74.º/2 e 401.º/1/a)/b)/c) do CPP[2], em cujo sentido se tem de há muito sucessiva, convergente e jurisprudencialmente ajuizado/concluído, [vide, a propósito, exemplificativamente, Acórdãos: deste Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 17/03/1993, in CJ, XVIII, 2, 56; do Tribunal da Relação do Porto (TRP) de 03/05/1995, in CJ, XX, 3, 248; deste TRC de 20/01/2010 (produzido no âmbito do Proc. n.º 142/06.9GAOFR.C1), e do de Évora (TRE) de 07/12/2012 (Proc. n.º 141/09.9GBSTC.E1), respectivamente consultáveis em http://www.dgsi.pt/jtrc e http://www.dgsi.pt/jtre, e todos os demais neles referenciados].

2.2 – Por inadmissibilidade:

– Não obstante a id.ª demandante inicialmente houvesse quantificado o valor do pedido indemnizatório em € 14.779,00 (catorze mil, setecentos e setenta e nove euros), certo é que, sem que algum objectivo factor a tanto logicamente a condicionasse, o entretanto voluntária e unilateralmente reduziu para € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), aquém, pois, do limiar do valor da alçada do tribunal recorrido (de 1.ª instância), de € 5.000,00 (cinco mil euros), estabelecido sob o art.º 44.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26/08, dessarte inelutavelmente balizando o âmbito da respeitante competência jurisdicional, (cfr. art.º 609.º/1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do comando ínsito sob o art.º 4.º do CPP), e, logo, inexoravelmente comprometendo o concernente poder interventivo do Tribunal da Relação, cuja admissibilidade sempre pressuporá, como fundamental condição, peticional valor indemnizatório superior à alçada do tribunal recorrido, por incontornável efeito da regra ínsita sob o art.º 400.º/2 do CPP[3].

3 – Por conseguinte – sem outras considerações, por inócuas [e, como tal, ilícitas/proibidas, (cfr. art.º 130.º do actual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06)] –, em conformidade com a dimensão normativa emergente da integrada interpretação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, ns. 1, al. b), e 2, do Código de Processo Penal, decido:

3.1 – Rejeitar o avaliando recurso da id.ª cidadã, demandante, A... .

3.2 – Impor-lhe a condenação ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 3 (três) UC, nos termos do art.º 420.º, n.º 3, do citado compêndio legal (CPP), a que acrescerá igual montante de 3 (três) UC, a título de taxa de justiça devida pelo decaimento na acção recursiva, (cfr. ainda normativos 527.º, n.º 1, do C. P. Civil; 524.º do CPP; e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, com referência à anexa TABELA III).


***

Coimbra, 04/05/2016.

           

(Abílio Ramalho – relator)


[1] Fora acusada, julgada (como arguida) e absolvida do cometimento dum crime de ofensa à integridade física – p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal – da pessoa de seu ex-marido B... .
[2] Artigo 74.º (Legitimidade e poderes processuais)
[…]
2 – A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes.
[…]
*
Artigo 401.º (Legitimidade e interesse em agir)
1 – Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
[…]
[3] Artigo 400.º (Decisões que não admitem recurso)
[…]
2 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
[…]