Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
380/07.7TBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Data do Acordão: 04/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 306, 307, 498, 567, 592, 593 CC
Sumário: 1. Com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC, a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC.
2. Fundando-se o direito do sub-rogado no acto de cumprimento (satisfação efectiva da prestação), só poderá o sub-rogado exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houver pago, não podendo exigir o que tenha de pagar no futuro – art. 593º, nº 1, CC, e Assento do STJ 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978);

3. Prestações periódicas são aquelas em que, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, por exemplo a renda fixada como indemnização (art. 567º do CC):

4. Agindo a autora/instituição de previdência social como sub-rogada nos direitos da sinistrada e tendo iniciado o pagamento das pensões, prestações periódicas, em Julho de 2002, pelo menos nesta data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pelo que se impunha accionar a ré, no máximo, no prazo de 3 anos - art. 498º, nº 1 e 2, do CC - a contar desse momento, sob pena de prescrição do direito (unitário) à pensão, atento os termos do art. 307º do CC.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A (... ), sediada em (...) , Suíça, intentou (em 27.4.2007) acção contra J (…) e M (…), residentes em Lamego,L (...), SA, com sede em Lisboa, e Gabinete de Carta Verde de França – Bureau Central Français, com sede em Paris, França, pedindo a condenação dos 1º a 3º RR a pagarem-lhe, solidariamente, o montante 16.962 CHF, ou 10.469,78 €, a título de prestações já entregues à sua P (…), bem como o montante de 68.533 €, ou 42.300,03 €, a título de prestações futuras a entregar à mesma sua segurada P (…), e subsidiariamente, para o caso de tais pedidos contra a 3ª R. não procederem, a condenação da 4ª R. a pagar-lhe a soma dos montantes atrás referidos (85.495 € ou 52.769,81 €).

Alegou, no que agora interessa, e em síntese, ser uma instituição de previdência social suíça. Ocorreu um acidente de viação, em França, em 7.10.1998, da qual foi vítima P (…), sua segurada beneficiária face à (LAVS) Lei Suíça sobre o Seguro de Velhice e Sobreviventes (que abrange automaticamente as pessoas residentes na Suíça, nos casos em que se verifiquem os sinistros previstos na mesma) e (LAV) Lei Suíça sobre o Seguro de Invalidez, face à sua carreira contributiva. Na altura a P (…) circulava num veículo automóvel, conduzido pelo R. J (…), acidente por este causado, tendo a sua segurada sofrido diversas lesões, ficando a mesma incapacitada absoluta e permanentemente para qualquer trabalho. O 1º R. conduzia o veículo por conta e ao serviço do 2º R., M (...) , proprietário do veículo automóvel. Este 2º R. transferiu para a 3ª R. o risco decorrente da utilização de tal veículo, mediante um contrato de seguro. Em consequência dos danos sofridos pela sua segurada começou a pagar, em 1.7.2002, uma pensão mensal à mesma, com valor actualizável, obrigação derivada das referidas LAVS e LAI e ainda da LAA (Lei Suíça sobre Seguros de Acidentes), que em 31.3.2007 ascendia ao 1º montante peticionado. De acordo com a LAA está obrigada à constituição de reservas matemáticas por forma a garantir as prestações futuras a liquidar à segurada, ascendendo tais reservas matemáticas e consequentes prestações futuras ao 2º montante peticionado. De acordo com a Convenção de Segurança Social entre Portugal e Suíça (aprovada pelo DL 30/76, de 16.1) e referidas LAVS, LAI e LAA com os pagamentos à segurada fica sub-rogada nos direitos desta sobre terceiros, designadamente os 1º a 3ºs RR. Caso o contrato de seguro, atrás mencionado, enferme de algum vício, será subsidiariamente responsável o 4º R.     

O R. M (…), contestou, e no que ora releva, alegou a excepção de prescrição, por decurso do prazo do art. 498º do Código Civil, bem como dos pagamentos mensais alegadamente suportados pela A. até 1.5.2004, alegando ainda existir contrato de seguro celebrado com a 3ª R. para a qual transferiu a sua responsabilidade.

A R. L (...) , no que ora interessa, contestou, dizendo que o contrato de seguro celebrado com O R. M (…) era nulo, nulidade oponível à A.

O R. J (…) contestou, e para o que agora releva, alegou a sua ilegitimidade, dada a existência de contrato de seguro com a 3ª R., e invocou a prescrição da sua responsabilidade.

Bureau Central Francês – Gabinete de Carta Verde em França, igualmente contestou, e no que interessa, alegou a prescrição relativamente á ocorrência do acidente e conhecimento do direito que a A. invoca, e quanto aos pagamentos efectuados, além de que inexiste sub-rogação quanto a prestações futuras, bem como alegou a sua ilegitimidade face à existência de contrato de seguro com a 3ª R.

A A. replicou, sustentando que está a exercer o seu direito de regresso relativamente aos responsáveis pelo acidente, pelo que o mesmo só prescreve 3 anos após o pagamento, sendo o pagamento mensal, pelo que a haver prescrição tal só ocorre parcialmente, relativamente às prestações liquidadas à sua beneficiária mais de 3 anos antes da respectiva citação. E que a ilegitimidade arguida é inexistente até à apreciação do contrato de seguro.

*

Foi proferido d. saneador que indeferiu a excepção de ilegitimidade (arguida pelos RR. J (…) e Bureau Central Francês – Gabinete de Carta Verde em França), e declarou prescrito o direito de crédito accionado pela A., assim julgando improcedente a acção, e absolvendo todos os RR.

*

2. A A. recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)

3. O R. Bureau Central Francês – Gabinete de Carta Verde em França contra-alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, tendo concluído como segue:

A- Da ampliação do objecto do recurso:

(…)

4. O R. J. Sá contra-alegou e concluiu que:

(…)

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Prescrição do direito da A.

- Ilegitimidade do R. Bureau Central Francês – Gabinete de Carta Verde em França (por via da ampliação do âmbito do recurso).

2.1. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Regressando à invocada prescrição, esta consubstancia uma exceção perentória inominada, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576º, n.ºs 1 e 3, CPC) …

(…)

Na presente demanda, a autora, baseando-se na Convenção de Segurança Social celebrada entre a República Portuguesa e o Governo Federal Suíço (celebrada em 11-09-1975), pretende exercer o direito de sub-rogação legal concedido pelo artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16-01 (que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social), segundo o qual “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.

A sub-rogação constitui uma forma de transmissão de créditos, sendo definida por Antunes Varela como “a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento”. Esta definição encontra tradução no regime do artigo 593º, nº 1, CC: “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”.

Como se pode observar, a sub-rogação pressupõe o pagamento, e, por isso, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento, e, enquanto não o faz, não se pode considerar sub-rogado, não podendo, por conseguinte, exercer o direito do credor. Por outras palavras, para haver sub-rogação é necessário que se mostre efetuado ao pagamento por esse terceiro - Neste sentido, cfr. o Acórdão do S.T.J. de 10-12-1987.

Como o direito que a autora aqui exerce, enquanto (alegadamente) sub-rogada, é o próprio direito de crédito da lesada (P (…)) sobre o responsável civil do acidente de viação em apreço, é aqui convocável o regime do artigo 498º, nº 1, CC, que postula que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 27-05-2014.

(…)

E desde quando é que se conta esse prazo de 3 anos?

Como o terceiro que paga pelo devedor (in casu a autora) só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento, não podendo assim exercer os direitos deste (credor) enquanto não proceder a esse pagamento, tal prazo não poderá ser contado a partir do próprio facto lesivo (data do acidente). Com efeito, seria inaceitável que um prazo de prescrição começasse a decorrer ainda antes de o direito se subjetivar, isto é, antes de o respetivo titular (sub-rogante) o poder exercer.

Por conseguinte, tal prazo de prescrição deve contar-se do próprio pagamento, pois é nesse momento que a autora se sub-rogou nos direitos da identificada lesada, passando assim a poder exercê-los.

Sucede que a autora paga à lesada uma pensão com prestações de periodicidade mensal, como alega na petição inicial. Trata-se, pois, de prestações periódicas ou reiteradas, na terminologia de Almeida Costa, ou de prestações permanentes sucessivas, segundo Meneses Cordeiro.

Estando em causa prestações periódicas, importa operar a distinção entre o direito unitário e o direito a cada uma das prestações, sendo desde logo convocável o regime do artigo 307º, CC, segundo o qual o prazo prescricional do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga (obviamente ao sub-rogante) – neste sentido, cfr. os Acórdão da Relação de Coimbra de 22-11-2011 e de 18-12-2013.

Desse modo, conclui-se que o prazo de prescrição do direito aqui accionado pela autora começou a correr a partir do dia 01-07-2002 (cfr. arts. 31º e 33º da petição inicial), pelo que quando a presente acção foi intentada (27-04-2007) já há muito havia decorrido integralmente (não se vislumbrando, nem tido sido invocadas/alegadas, quaisquer causas de suspensão ou interrupção). Sublinha-se que a prescrição ocorreu antes da propositura da acção e não por qualquer demora na tramitação desta.

Concluindo, mediante a procedência da exceção peremptória de prescrição do direito invocado pela autora, a acção improcede totalmente, impondo-se a absolvição dos réus do pedido – incluindo a ré “ L (...) ”, por força do preceituado no artigo 301º do Código Civil (“a prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício”)”.

Concorda-se na essencialidade com a argumentação jurídica exposta, mas importa introduzir precisões e clarificar certos pontos.

2.2. Comecemos por dizer que está em jogo uma sub-rogação da A., como se refere na decisão recorrida. Nesta parte, nem esta A. recorrente, nem os RR/recorridos dissentem, e de facto é inequívoco que assim é.

A A., como resulta do relatório supra e dos pedidos formulados, separou as águas. Alegou ter pago uma determinada quantia até Março de 2007, que reclama como seu 1º pedido, mais reclamando as prestações futuras, no montante que peticionou, como seu 2º pedido, a partir de Abril de 2007 (visto que entrou com a p.i. em juízo em Abril de 2007). Esta última formulação, não é porém correcta, pois não é possível pedir-se prestações futuras, em resultado de uma sub-rogação.

Na verdade, a esta questão respondeu o Assento 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978), que a “sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”.

Refere-se no Assento que “não há sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é condição e medida do sub-rogado. Daí que em princípio se tenha por indiscutível que a entidade patronal ou a seguradora só possam exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houverem pago e não o que tenham de pagar no futuro (…) Inviável, será, pois, por falta de efectiva satisfação da prestação, o exercício de um direito sub-rogatório relativamente a prestações futuras”.

Esta doutrina resulta, aliás, do disposto no art. 593º nº 1 do CC. Ou seja, o direito do sub-rogado funda-se no acto do cumprimento, aferindo-se esse direito, pelo direito do primitivo credor. O sub-rogado poderá exigir do devedor o cumprimento de uma obrigação idêntica ou equivalente àquela que tiver satisfeito o interesse do credor. Por outras palavras, os poderes do sub-rogado medem-se e têm por condição a satisfação dada aos direitos do credor.

Assim, à medida que o sub-rogado vai satisfazendo o direito do primitivo credor, com os respectivos pagamentos, vai, igualmente, iniciado temporalmente o seu direito a demandar o devedor responsável perante aquele primitivo credor. O início da contagem da prescrição do seu direito é por isso marcado pela data em que satisfaz o primitivo credor.

Quer isto dizer, que o 2º pedido formulado pela A. nunca poderia operar na presente acção, porque à data em que o formulou pura e simplesmente não havia qualquer sub-rogação (a A. poderia ter ao longo do curso do processo ter introduzido os factos correspondentes à integração jurídica de tal pedido, por ex. por apresentação de articulado superveniente, mas não o fez). Assim, a razão primacial para a improcedência de tal 2º pedido é a inexistência de sub-rogação, o que importa precisar. Claro que a ter havido factualidade suficiente para preencher o conceito legal de sub-rogação se poria à mesma a questão da prescrição (com resultado final eventualmente no sentido do decidido), mas a causa directa e imediata da improcedência da pretensão da A. quanto a prestações futuras só pode ser a inexistência de sub-rogação (não podendo, aliás, falar-se em prescrição de um direito enquanto ele não tiver nascido, no caso enquanto não houver pagamento pela A. à sua segurada beneficiária e consequente surgimento da dita sub-rogação).   

2.3. Debrucemo-nos, então, sobre o 1º pedido.

O prazo de prescrição de 3 anos é o que é aceite por recorrente e recorridos como o aplicável no caso dos autos. Este prazo aplica-se à sub-rogação, apesar de nos termos do art. 498º, nº 2, do CC, aí se prever apenas o direito de regresso. Na verdade, após alguma hesitação inicial a jurisprudência estabilizou neste entendimento que hoje é pacífico (vide Acds. do Supremo Tribunal de Justiça de 21.1.2003, Proc.02A4110 e da Relação de Coimbra de 27.5.2014, Proc.1953/08.6TBPBL, citado na decisão recorrida, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.).

Apesar de constituírem realidades jurídicas distintas, tanto a sub-rogação como o direito de regresso pressupõem o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição dos direitos só começa com esse cumprimento, como mais atrás se disse, e de resto decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC. Isto é, considerando-se um instituto ou outro, ambos estão dependentes desse cumprimento prévio de uma obrigação (vide, além dos acórdãos citados, adicionalmente os Acds. do STJ, de 21.1.2003, CJ, T. I, pág.39, de 24.6.2004, C.J., T. II, pág. 112, de 4.10.04, C.J., T. III, pág. 39, de 17.11.2005, Proc.05B3061, e de 9.3.2010, Proc.2270/04.6TBVNG, e desta Relação de Coimbra de 31.10.2006, Proc.1208/05.8TBTMR, de 3.7.2007, Proc.33/04.8TBFVN, e de 17.3.2009, Proc.3625/07.0TJCBR, todos estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt).

Por outro lado, nos termos do art. 498º, nº 1, do CC, inicia-se a contagem do prazo de prescrição, independentemente do desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

Conjugando as citadas disposições legais temos que no nosso caso o prazo inicial da contagem de prescrição se iniciou em 1.2.2007, data em que a A. passou a ficar sub-rogada (não podia ser na data do acidente, porque nessa altura não havia sub-rogação).

Partindo do disposto no art. 307º do CC, a decisão recorrida considerou que no caso dos autos nos deparamos com uma situação de prestações periódicas, importando distinguir a prescrição do direito unitário, a qual se inicia com o primeiro pagamento e a prescrição do direito singular a cada prestação periódica. Assim, porque a recorrente começou a pagar as prestações periódicas à sua beneficiária lesada em Fevereiro de 2007, é desta data que se começa a contar o prazo de prescrição, citando em seu abono os Acds. desta Relação de 22.11.2011 e de 18.12.2013 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt). O primeiro deles (Proc.356/10.7T2AND-A) foi relatado pelo presente relator, pelo que vamos aproveitar, em parte, o que aí se escreveu.   

O nó da questão reside na distinção entre a prescrição do direito unitário e a prescrição do direito singular a cada prestação periódica.

As quantias pagas pela A./recorrente à sua beneficiária segurada reportam-se à pensão mensal que foi fixada a favor daquela, ao abrigo das mencionadas LAVS, LAI e LAA, em virtude da mesma ser residente na Suíça, ter carreira contributiva, e ter sido vítima de sinistro previsto legalmente, pretendendo a A. recebê-las na qualidade de sub-rogada ao abrigo da falada Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça.

Estamos, pois, perante uma prestação periódica ou reiterada [ensina A. Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 593/594, que “Diz-se instantânea (…) a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor (ex: a entrega de determinada ou coisa …). (…) Em todos os restantes casos, quando não se circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento, positivo ou negativo, que se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura. (…) Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex: o preço pago a prestações). (…) Considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente – como conduta única, segundo os critérios da prática – durante um período mais ou menos longo (…) Quando todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam (…) diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente (ex: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anula) ou sem regularidade exacta (…), teremos as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas (…). A título exemplificativo, recordemos ainda os juros …, a renda fixada como indemnização (art. 567º), a renda perpétua …, a renda vitalícia. (…)

Tratando-se de prestações periódicas, pode prescrever uma delas pelo decurso do prazo de 5 anos e manter-se a obrigação geral, pois a prescrição do direito unitário do credor está sujeita aos prazos normais e corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga (art. 307º)], pelo que há que distinguir entre o direito unitário e o direito a cada uma das prestações, valendo o disposto no citado art. 307º (no mesmo sentido Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, I, Parte Geral, T. IV, 2007, pág. 167/168). 

Considerando que, como supra se referiu, é característico da sub-rogação a colocação do sub-rogado ou solvens na posição do primitivo credor, agindo a A. como sub-rogada nos direitos da lesada e tendo iniciado o pagamento das pensões em Julho de 2002, pelo menos nessa data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pois era a data em que era exigível a primeira prestação aos ora RR, pelo que se impunha accionar os mesmos, no máximo, no prazo de 3 anos a contar desse momento, até Julho de 2005, o que não aconteceu.

Não restam, pois, dúvidas de que à data em que a acção entrou em juízo, ou seja em Fevereiro de 2007, já o direito unitário da A. ao eventual reembolso dos montantes devidos, como sub-rogada nos direitos da lesada P (…) se encontrava irremediavelmente prescrito, na totalidade, relativamente aos RR (vide em idêntico sentido os citados Ac. Rel. Coimbra, de 17.3.2009, e de 18.12.2013, Proc.360/12.0T2AND).

Esta solução não tem, aliás, nada de surpreendente para a A., se pensarmos que, se a mesma, sub-rogada nos direitos da lesada, tivesse obrigação de pagar a esta uma quantia por inteiro, numa única prestação, e o tivesse feito em Julho de 2002 (como fez em relação ao 1º pagamento da prestação periódica devida), o seu direito sob pena de prescrição também teria de ser exercido/peticionado até Julho de 2005.  

Obtempera, porém, a recorrente contra esta conclusão, basicamente com quatro argumentos principais.

Que a apelante apenas pôde exercer o direito ao reembolso do que pagou à sua beneficiária, a partir do momento em que foi apurada a existência de culpa pelo acidente de viação de 7.10.1998 (vide conclusões 6., 8. a 10. e 21.). Esbarra frontalmente, todavia, no que claramente dispõe o indicado art. 498º, nº 1, do CC, onde se deixou bem claro que se inicia a contagem do prazo de prescrição, independentemente do desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Ou seja, de modo nenhum a contagem do prazo de prescrição está dependente do apuramento judicial da culpa por acidente de viação.

Que a recorrente, face à sua posição de terceira não participante no sinistro, com sede em país diferente do local do acidente e do da nacionalidade dos intervenientes, não tem meios para conhecer, com a certeza necessária, o direito que lhe cabe, senão nessa mesma eventualidade de apuramento da responsabilidade pelo sinistro (vide conclusões 6. e 7.). Não podemos acolher tal razão, pois tal pretenso requisito não vem previsto na lei. E como acertadamente refere o recorrido J (…) (nas suas contra-alegações) quando a apelante se vê na obrigação de pagar uma pensão à sua beneficiária foi obviamente com base num pedido administrativo por esta formulado onde a mesma teve de invocar e fundamentar as razões que a levavam a ter direito a tais subsídios/pensões, nomeadamente um processo clínico resultante do acidente. Tinha, pois, a apelante a possibilidade e o direito de junto da sua beneficiária obter toda a informação necessária para o eventual exercício do seu direito de reclamar as quantias que viesse a pagar. Ou então junto da seguradora da beneficiária que é uma seguradora Suíça que cobriu o acidente em termos de seguro de acidentes de trabalho (a seguradora Bernoise, conforme resulta da sentença proferida no Proc.391/2001, referido pela apelante nas suas alegações) podendo, e devendo, a apelante obter e pedir a essa seguradora toda a colaboração necessária, pelo que não pode a mesma apelante invocar desconhecimento ou dificuldade na obtenção de dados objectivos sobre quem demandar. Aliás, a recorrente como entidade estatal Suíça tem todos os meios à sua disposição para obter todas as informações necessárias junto das respectivas autoridades, nomeadamente, das autoridades francesas e portuguesas, não podendo ficar dependente “da boa vontade de terceiras pessoas” pois tem todos os meios e a autoridade necessária para obter todos os elementos que necessita.

Que não se aplica ao caso dos autos o citado art. 307º do CC, antes o art. 310º, g), do CC, por se tratar de prestações autónomas do direito unitário de que emergem, com prescrição autónoma sobre cada prestação, estando apenas prescritos os valores peticionados anteriores a 27.4.2004, ou seja, mais de 3 anos antes da entrada da acção em juízo (vide conclusões 11. a 17., 21. e 22.). Sobre este argumento já dissemos o que se afigurou pertinente sobre a prescrição do direito unitário da A. e o seu prazo (aliás, nem se percebe bem a consideração do prazo de 3 anos, como expressamente aceite pela recorrente, quanto ao prazo de prescrição de cada prestação singular, pois a ser como a mesma diz o prazo de prescrição seria o de 5 anos, nos termos do por si invocado art. 310º, g), do CC).  
Que os factos relatados nos autos - o sinistro de 7.10.1998 - deram origem a três relações jurídicas distintas, mas aquela que respeita à recorrente versus responsáveis pelo sinistro é, tal como a pretensão da beneficiária em relação aos mesmos, decorrente de uma obrigação de indemnização que vincula esses responsáveis ao pagamento de um montante global, não podendo considerar-se o referido art. 307º do CC. Pensamos que a recorrente nem se deu conta da incongruência em que incorre, com tal construção jurídica, pois se fosse assim, como dissemos mais acima, a prescrição de 3 anos ocorreria necessariamente a partir de Julho de 2005, visto que, sub-rogada nos direitos da lesada, se teria iniciado tal prazo de 3 anos em Julho de 2002 (aquando do 1º pagamento da prestação periódica, ou se fosse o caso do pagamento de uma quantia por inteiro, numa única prestação, nessa data).

Improcede, pois, a argumentação jurídica da apelante.

3. Face ao agora exposto e ao que vai ser decidido torna-se inútil conhecer a ampliação do âmbito do recurso.

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC, a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC;

ii) Fundando-se o direito do sub-rogado no acto de cumprimento (satisfação efectiva da prestação), só poderá o sub-rogado exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houver pago, não podendo exigir o que tenha de pagar no futuro – art. 593º, nº 1, CC, e Assento do STJ 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978);

iii) Prestações periódicas são aquelas em que, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, por exemplo a renda fixada como indemnização (art. 567º do CC):

iv) Agindo a autora/instituição de previdência social como sub-rogada nos direitos da sinistrada e tendo iniciado o pagamento das pensões, prestações periódicas, em Julho de 2002, pelo menos nesta data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pelo que se impunha accionar a ré, no máximo, no prazo de 3 anos - art. 498º, nº 1 e 2, do CC - a contar desse momento, sob pena de prescrição do direito (unitário) à pensão, atento os termos do art. 307º do CC.

 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso da A. improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas pela A./recorrente.

*

                                                                              Coimbra, 28.4.2015

                                                                              Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                              Fonte Ramos

                                                                              Maria João Areias