Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
710/12.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
FORMA
PRAZO
Data do Acordão: 05/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 387º DO CT/2009; 98º-C/1 DO CPT.
Sumário: I – Por força do disposto no artº 387º do CT/2009, o trabalhador pode opor-se ao despedimento mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

II – A alternativa conferida por este preceito ao trabalhador é, tão só, a de acatar o despedimento ou enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativas, pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo nele estipulado.

Decisão Texto Integral: I) Relatório

O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa com processo comum, alegando, em síntese, que tendo sido trabalhador da ré, esta despediu-o em decisão tomada no âmbito de um procedimento disciplinar; tal despedimento é ilícito, por inexistência de justa causa para o efeito, tendo decorrido dele para o autor os danos patrimoniais e não patrimoniais que melhor descreve na petição
Terminou pedindo que seja declarado ilícito o despedimento do autor promovido pela ré e que esta seja condenada: a) a reintegrar o autor no seu posto de trabalho; b) a pagar ao autor todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos, ou, caso o autor por ela venha a optar, a pagar  uma indemnização em quantia a fixar nos termos do disposto no nº1 do art. 391º do C. Trabalho, mas nunca inferior a 25.187,50 €, acrescida de juros à taxa legal desde a data de citação até integral e efectivo pagamento; c) a pagar ao autor o montante global que vier a apurar-se ter sido sofrido por este, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, e que à data da proposição da acção se contabiliza em 21.777,00 €, sem prejuízo da respectiva actualização em função do que vier a provar-se nos autos, considerados que sejam todos os valores devidos em virtude dos prejuízos sofridos sob a forma de danos emergentes e lucros cessantes; d) a pagar ao autor juros moratórios sobre as quantias peticionadas na alínea precedente, desde a data do respectivo vencimento, e que quanto aos danos não patrimoniais se entende serem devidos desde a data de prolação da respectiva sentença.
A ré contestou, alegando, em resumo, que  ocorre erro na forma do processo, considerando que o autor recebeu em 04/01/2012 a carta a comunicar o seu despedimento, com invocação de justa causa, tudo no âmbito de um processo disciplinar que a ré lhe moveu; assim, deveria ter-se socorrido, para os efeitos por ele pretendidos, de uma acção com a forma de processo especial regulada nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT, tendo incorrido em erro na forma de processo a utilizar-se de uma acção com a forma de processo comum, com a consequente anulação de todos os termos do processo e absolvição da instância.
Por outro lado, arguiu a excepção peremptória da caducidade do direito do autor impugnar o despedimento, tendo em conta que decorreram mais de 60 dias entre a data em que o autor recebeu a comunicação do despedimento (4/1/2012) e aquela em que a presente acção foi instaurada.
Respondeu o autor para, em resumo, sustentar que era meramente facultativo o recurso à acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não estando vedado ao autor intentar uma acção declarativa de condenação de processo comum do tipo da dos autos; mesmo a verificar-se o aludido erro, o tribunal deve determinar o aproveitamento dos actos praticados, convolando a forma de processo utilizada para a adequada.
No despacho saneador, tendo-se concluído pela verificação das excepções de erro na forma de processo e de caducidade dos direitos a que o autor se arroga, decidiu-se nos seguintes termos: “Pelo exposto julgo procedente a invocada excepção de caducidade e em consequência absolvo a ré de todos os pedidos formulados pelo autor.
Custas pelo autor.”.
É desta decisão que o autor recorreu, sustentando “… a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, mercê dos argumentos acima expendidos, ordenando-se o prosseguimento dos autos.”.
Apresentou, para tanto, as conclusões que a seguir se deixam transcritas:
[…]
A ré contra-alegou, sustentando a manutenção do julgado.
Apresentou as conclusões a seguir transcritas:
[…]
Neste Relação, o Exmº Procurador-Geral emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, pois a tanto nada obsta.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) qual a forma de processo de que o autor se deveria ter socorrido para impugnar o despedimento escrito de que foi alvo e exercitar os direitos emergentes da ilicitude ou irregularidade do despedimento;
2º) que consequências decorrem do facto do autor poder ter incorrido em erro na forma de processo, tendo em conta a particularidade registada nestes autos de que a ré suscitou neles a questão da caducidade dos direitos do autor.
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III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados são os que resultam do relatório deste acórdão.
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B) De direito

Primeira questão: qual a forma de processo de que o autor se deveria ter socorrido para impugnar o despedimento escrito de que foi alvo e exercitar os direitos emergentes da ilicitude ou irregularidade do despedimento.

Sabe-se que o autor foi despedido em 4/1/2012, por decisão escrita que foi tomada e lhe foi comunicada no âmbito de um processo disciplinar que lhe foi movido pela ré.
Sendo assim, sem quebra do respeito devido pela argumentação apresentada nas suas alegações pelo recorrente, consideramos que a primeira instância respondeu acertadamente à questão em apreciação.
Por força do disposto no artigo 387º do CT/09, o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.
De sublinhar que a alternativa conferida por este artigo ao trabalhador é, tão-só, a de acatar o despedimento ou enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativas, pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo nele estipulado.
Daí que, coerentemente com o determinado nessa norma, disponha o artigo 98º-C/1 do CPT que “Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.
Do exposto resulta, assim, que pretendendo o autor impugnar um despedimento escrito  de que foi alvo no termo de um processo disciplinar, o mesmo deveria ter dado início à acção especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, contrariamente ao que fez, instaurando acção com processo comum.
Permitimo-nos, a este título, transcrever o seguinte trecho do acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2012, proferido no âmbito da apelação nº 888/11.0TTLRA-A.C1:
(...) no caso do n.º 2 do art. 387.º do CT/2009 entendemos, também, que o prazo de 60 dias ali estipulado é, também, um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos arts. 98.º-B e segs do CPTrabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.
É certo que a norma emprega os termos “pode opor-se ao despedimento” e não já a fórmula mais clara “tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento” que era utilizada no art. 435.º, nº 2 do CT/2003.
Mas não se compreenderia que a redução para um prazo tão curto como o de sessenta dias tivesse apenas como consequência a do trabalhador poder ou não optar pela acção especial, a qual em regra não tem como consequência a diminuição dos tempos de duração da acção de impugnação, mas antes a sua simplificação pelo lado da abordagem a ela pelo trabalhador. Se assim fosse, qualquer prazo de caducidade desapareceria – situação que não encontra apoio nos trabalhos legislativos – e os direitos relativos ao despedimento ilícito ficariam apenas abrangidos pelo regime da prescrição previsto no art. 337.º n.º 1 do CT/2009.
Por outro lado, a epígrafe do artigo 387.º, “apreciação judicial do despedimento”, ilumina a disposição do seu n.º 1, quando este refere que a “ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador”, e é a que corresponde ao n.º 1 do art. 435.º, nº 2 do CT/2003.
Os termos “pode opor-se ao despedimento” devem, assim, ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de acção judicial regulada na lei adjectiva, no caso o Código de Processo do Trabalho.
O CPT veio regular a acção desenhada no art. 387.º n.º 2 do CT/2009, quando este já tinha desenhado uma forma adjectiva para a mesma (“apresentação de requerimento em formulário próprio”). E estabeleceu uma forma especial para a impugnação dos despedimentos fundados em motivos disciplinares, por inadaptação ou extinção do posto de trabalho. Assim, prevendo-se processo especial, não pode recorrer-se ao processo comum nos termos do disposto no art. 48.º n.º 3 do CPT.
No preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13/10, consignou-se o seguinte: “Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (…)
Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.” (sublinhado nosso).” – neste mesmo sentido, da obrigatoriedade da instauração acção especial, consulte-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2012, proferido no âmbito da apelação 22/12.9TTFUN.L1-4.
Acresce dizer que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta interpretação dos normativos acima enunciados, com fundamento em violação do princípio da igualdade.
Na verdade, é hoje pacífico que o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado (art. 13º da CRP) não proíbe tratamentos  diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.
Por outras palavras, o que esse princípio proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes, designadamente, em meras categorias subjectivas – cfr. acórdãos do TC nºs 186/90, de 6/06/90, e 319/00, de 21/06/00, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 128.
Ora, não se vislumbra que a sujeição dos despedimentos individuais inequívocos, ocorridos no âmbito de indiscutidas relações de trabalho subordinado, comunicados por escrito e fundados em facto imputável ao trabalhador, em extinção do posto de trabalho ou em inadaptação, a um regime específico de impugnação, processual e temporal, represente o tratamento desigual de outras situações iguais, nem o tratamento igual de outras situações desiguais, não tendo o autor demonstrado factualmente esse tratamento discriminatório.
Não se verifica, pois, qualquer situação de inconstitucionalidade do tipo daquela pela qual pugna o recorrente.
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Segunda questão: que consequências decorrem do facto do autor poder ter incorrido em erro na forma de processo, tendo em conta a particularidade registada nestes autos de que a ré suscitou neles a questão da caducidade dos direitos do autor.
Em condições normais, a decisão correcta a tomar face à situação de erro na forma de processo em que o autor incorreu, seria a da anulação de todos os termos do processo, salvo a petição inicial que poderia ser aproveita para efeitos de considerar impulsionada a acção especial de impugnação do despedimento – acórdão do STJ de 16/11/2011, proferido no âmbito da revista 799/10.6TTLRS.L1.S1; acórdão da Relação de Coimbra 16/6/2011, proferido no âmbito da apelação 420/10.2TTFIG.C1.
Sucede que, no caso em apreço, se verificam duas particularidades, a impor decisão divergente daquela que seria a normal, a saber: a) o despedimento ocorreu em 4/1/2012 e a presente acção deu entrada em 22/5/2012, depois de decorridos, assim, mais de sessenta dias sobre a data do despedimento; b) a ré arguiu a caducidade dos direitos a que o autor se arroga nesta acção.
É inquestionável que o autor impugnou o despedimento de que foi alvo para lá dos sessenta dias impostos pelo art. 387º do CT/09, como inquestionável é, a nosso ver e resulta do já acima exposto, que o referido prazo é de caducidade (art. 298º/2 do CC; Albino Mendes Baptista, A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, 2010, p. 57; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2012, proferido no âmbito da apelação nº 22/12.9TTFUN.L1-4).
De tudo resulta, pois, que o autor deixou caducar o direito de impugnar o despedimento de que foi alvo, que assim passou a vigorar plena e permanentemente, com a consequente improcedência dos direitos de crédito que o autor faz causalmente emergir da ilicitude do despedimento, que não pode já ser declarada.
Assim sendo, impor a adequação formal no âmbito destes autos, marcar uma nova audiência de partes, notificar a ré para apresentar articulado de motivação do despedimento e observar toda a tramitação subsequente redundaria na prática de um conjunto de actos inúteis e por isso proibidos por lei (art. 137º do CPC), pois que no termo desses actos chegaríamos à mesma conclusão a que supra já se chegou: a de que, por caducidade, deve a pretensão do autor improceder.
Por isso, tendo em vista evitar a prática proibida daqueles actos inúteis e por razões de economia processual, bem andou o tribunal recorrido ao conhecer imediatamente do mérito da acção, declarando a referida caducidade e a consequente improcedência da acção.
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IV – Decisão
Acordam os juízes que compõem esta sexta secção do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.


 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
(Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)