Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1822/19.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MOMENTO A PARTIR DO QUAL SÃO DEVIDOS OS JUROS DE MORA
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 342,º, 1; 483.º, 1; 494.ª, 496.º, 1 E 3; 805.º E 806.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. O montante da indemnização devida por danos não patrimoniais deve ser fixado, primordialmente, com recurso a critérios de equidade, conjugado com as circuntâncias do caso concreto, designadamente, o grau de culpa do agente e a situação económica do lesante e do lesado, de modo a que o valor atribuído se mostre como justo para compensar o dano sofrido.
II. No âmbito da responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, os juros de mora só são devidos desde a citação, quando a indemnização fixada não for objecto de actualização na sentença. Existindo esta actualização, só são devidos desde a data da sentença.
Decisão Texto Integral:

Relator: Falcão de Magalhães
1. ° Adjunto: Des. Pires Robalo
2. ° Adjunto: Des. Sílvia Pires


Apelação n.° 1822/19.4T8LRA.C1


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - A) - 1) - AA, casada, nascida a .../.../1976, instaurou, em .../.../2019, acção declarativa, de condenação, contra a “A..., Companhia de Seguros, S. A.” , com sede no ..., para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, ocorrido a 08 de Fevereiro de 2017, pelas 16:45 horas, na Rua ..., ..., em consequência do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, acidente esse que consistiu no atropelamento da Autora, pelo veículo automóvel ligeiro, com a matrícula ..-..-TM (doravante “TM”), da marca ..., modelo ..., seguro na Ré e, na ocasião, conduzido pela segurada desta e proprietária do TM, BB, a quem imputa, em exclusivo, a culpa do acidente e respectivas consequências.
Terminou assim o seu articulado inicial:
«[...] deve a acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser a ré condenada:
a) A pagar à autora o montante global de 10.908,54 (dez mil, novecentos e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), da forma a seguir discriminada:
a. 10.000,00 €, a título de danos não patrimoniais;
b. 318,19 €, a título de diferenças salariais;194,10 €, a título de dano biológico, na vertente do dano patrimonial.
c. 396,25 €, a título de despesas;
b) No pagamento de juros à taxa legal para os juros civis, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, das quantias peticionadas na alínea antecedente;
c) A pagar à autora todas as quantias, sejam elas a título indemnizatório por desvalorização corporal ou a título de despesas médicas e medicamentosas, que vieram a resultar do agravamento da síndrome vestibular, cuja liquidação se relega para execução de sentença;
d) No pagamento de custas. [...]»;
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2) — A Ré, contestando, pugnou pela improcedência da acção e pela sua, consequente, absolvição dos pedidos.
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3) — O valor da causa foi ficado em 10.908,54€.
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B) - Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (em 20/12/2022), na parte dispositiva da qual, assim se consignou: «[...] julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia de 7.804,45€ (sete mil oitocentos e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos desde a citação da Ré e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, de 4% ou à que eventualmente a substituir, absolvendo a Ré do mais peticionado.
Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento. [...]».
Englobada neste valor atribuído à Autora, está a quantia de 7.500,00€, atribuída a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
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C) - 1) - A Ré, interpôs recurso da sentença, oferendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual atribui à Recorrida a quantia global de € 7.804,45, sendo € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais, € 110,35 a título de perdas salariais, durante o período em que a Recorrida esteve totalmente incapacitada para o trabalho e € 194,10 a título de dano biológico na vertente do dano patrimonial, incidindo, sobre a referida quantia, juros, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
A. A indemnização arbitrada à Recorrida pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais mostra-se completamente desadequada, por excessiva, considerando os padrões indemnizatórios que têm vindo a ser fixados pela jurisprudência dos tribunais superiores para casos semelhantes ao vertente (e até mais graves);
B. O quantum indemnizatório por danos não patrimoniais deve ser equitativo, visando propiciar ao lesado uma compensação quanto ao dano sofrido, compensação essa fixada de forma equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade;
C. Por outro lado, é pacificamente aceite que, na determinação da indemnização a arbitrar em concreto, deverá o Tribunal, de igual forma, atender aos padrões de indemnização adotados pela própria jurisprudência, conforme resulta do disposto no n.° 3 do artigo 8.° do CC;
D. Sendo que, da análise da jurisprudência produzida pelos tribunais superiores em processos de indemnização por danos não patrimoniais, como é o caso, resulta que, em situações semelhantes à dos autos (ou até mais graves) têm os tribunais superiores considerado justos e equitativos valores inferiores aos atribuídos pelo Tribunal a quo à Autora;
E. Assim, tendo em conta as exigências de tratamento igualitário de casos análogos, à Autora jamais pode ser atribuído o mesmo quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais que se arbitra em situações de dano morte ou em que a mesma veio a ocorrer;
F. Tal quantum indemnizatório é também desadequado se considerarmos que a Autora conseguiu recuperar e retomar a sua vida autónoma;
G. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 8.°, n.° 3, 494.° e 496.°, todos do Código Civil;
H. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que reduza substancialmente a indemnização a arbitrar ao Recorrido para um montante justo e equitativo, salvaguardando-se as exigências da igualdade no tratamento de casos análogos, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 8.° do Código Civil;
I. Qualquer quantia arbitrada à Autora alguma quantia, os juros sobre a mesma apenas se computam desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, e não desde a data da citação. [...]».
Terminou assim: "...deve ser dado provimento ao presente recurso devendo, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida, sendo esta substituída por Acórdão que reduza a indemnização arbitrada à Recorrida para um montante justo e equitativo, assim se fazendo o que é de JUSTIÇA! [...]».
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2) — A Autora, na resposta que apresentou à alegação do recurso, pugnou pela improcedência deste e pela manutenção da decisão recorrida.
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II - Em face do disposto nos art.°s 635°, n°s 3 e 4, 639°, n° 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.° 608°, n.° 2, “ex vi” do art.° 663°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões” , para efeito do disposto no n.° 2 do art° 608° do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”2 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, as questões a solucionar no recurso em causa, consistem em saber se é de diminuir o montante da indemnização atribuído à Autora pelos danos não patrimoniais que sofreu e a de saber desde quando são devidos os juros de mora respeitantes a tal indemnização, já que a Apelante não aceita que sejam devidos desde a sua citação.
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III - Fundamentação:
A) - A matéria de facto.
- Na sentença da 1.a Instância, a decisão proferida quanto à matéria de facto foi a que ora se transcreve:
«A) Estão provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. No dia 08 de fevereiro de 2017, pelas 16:45 horas, na Rua ..., ..., ocorreu um atropelamento, em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-TM, da marca ..., modelo ... (TM) e a autora.
2. O TM era propriedade de BB, que o conduzia.
3. Por contrato de seguro entre a proprietária do TM e a ré, titulado pela apólice n.° ...11, aquela transferiu para esta a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do TM.
4. A Rua ... situa-se no interior da localidade de ..., possuindo duas hemi-faixas de rodagem, não separadas por linha demarcada no solo, uma destinada ao sentido de trânsito Rua .../Largo ... (norte) e Rua ... (sul) e a outra destinada ao sentido de trânsito Rua ... (sul) e Rua .../Largo ... (norte).
5. A Rua ... (no seu início e no sentido norte/sul), junto ao Largo ..., é atravessada por uma passadeira, destinada à marcha dos peões.
6. A passadeira encontrava-se (e encontra-se) assinalada horizontalmente e, imediatamente antes, ali existia (e existe) sinalização vertical identificativa daquela mesma passadeira.
7. O TM circulava na Rua ..., no sentido norte/sul.
8. Atento o sentido de marcha do TM, a faixa de rodagem, imediatamente antes do local do atropelamento, configura uma reta com uma ligeira curva à direita, mas com boa visibilidade.
9. No dia, hora e local do sinistro era de dia, estava sol e não chovia.
10. A autora caminhou pela Rua ..., descendo-a, em direção ao Largo ... (nascente-poente).
11. Pretendendo atravessar a Rua ... (nascente/poente), a autora dirigiu-se à passadeira.
12. Ali chegada e de frente para a passadeira, a autora verificou a existência de viaturas em circulação, à sua esquerda (no sentido sul/norte),
13. A autora aguardou que as viaturas que circulavam à sua esquerda parassem.
14. Depois das viaturas que se aproximavam da passadeira terem procedido à manobra de paragem, a autora iniciou a travessia (da passadeira).
15. Depois de ter iniciado a marcha pela passadeira, a autora apercebeu-se que, do seu lado direito, se aproximava uma viatura.
16. A autora apercebeu-se de que esta viatura, que circulava à sua direita, não iria ceder-lhe a passagem e parou, ainda antes de chegar a meio da passadeira.
17. Depois desta viatura passar, a autora retomou a marcha.
18. Quando à autora faltava percorrer apenas % da passadeira (cerca de 1,5 metros), altura em que se encontrava já a mais de metade da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do TM, a autora ouviu o barulho de um carro a aproximar-se.
19. Ainda antes de perceber de onde vinha aquele barulho, a autora veio a ser atingida na sua zona lombar e membro inferior direitos, pela frente do TM.
20. Com o embate, a autora foi projetada entre dois a três metros e caiu desamparada ao chão.
21. A condutora do TM circulava desatenta às regras de condução.
22. No local a velocidade máxima permitida por lei era de 30 km/h.
23. Face à desatenção com que seguia e à velocidade que imprimia ao veículo, a condutora do TM não logrou deter a marcha do mesmo no espaço livre e disponível à sua frente, embatendo na autora.
24. Apesar de saber que se aproximava de uma passadeira de peões, devidamente assinalada no pavimento e por sinalização vertical, a condutora do TM não diminuiu a velocidade.
25. O atropelamento ocorreu quando a autora, despois de terminada a sua jornada laboral, se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência.
26. Com o embate do TM, a autora foi projetada cerca de dois a três metros e caiu desamparada ao chão.
27. Na sequência do embate e da queda, a autora sofreu um golpe na zona occipital, sangrando abundantemente.
28. A autora foi assistida no local pelos bombeiros.
29. Dali foi transportada, pelos bombeiros, para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ....
30. Ainda no local do sinistro, a autora vomitou.
31. Durante o transporte, entre o local do atropelamento e o Centro Hospitalar, a autora teve náuseas e voltou a vomitar.
32. No serviço de urgência, a autora vomitou novamente.
33. A situação clínica da autora foi catalogada como muito urgente, tendo sido considerado em situação laranja.
34. No imediato, a autora sofreu dores membro inferior direito e cefaleias.
35. A autora ficou ansiosa.
36. No serviço de urgência a autora fez análises, TAC CE, raio X ao tórax, grelha costal, coluna, bacia, anca e perna direita e foi suturada na ferida occipital.
37. Naquele momento não foram detetadas quaisquer fraturas e a autora teve alta no mesmo dia.
38. A autora continuou com fortes dores no joelho direito.
39. Depois de ter sido assistida de urgência, a autora regressou a casa, local onde viria inicialmente a ficar acamada, em virtude das muitas dores no joelho direito e na zona lombar e das tonturas, vertigens e zumbido nos ouvidos, que sentia.
40. Quando se levantava, às vezes tinha sensação de movimento giratório.
41. À data do sinistro, a autora trabalhava para a Santa Casa da Misericórdia ..., com sede na Rua ..., ..., exercendo as funções de auxiliar da ação educativa, auferindo as seguintes quantias mensais: a) 557,00€, a título de retribuição base, sobre a qual incida a taxa social única de 11%, e 4,26€, a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
42. O sinistro foi participado à companhia de seguros de acidentes de trabalho da autora, a Zurich (NIPC ...) (apólice n.° ...49), e à aqui ré, tendo a responsabilidades, respetivamente, laboral e civil sido assumidas por ambas.
43. Em resultado da participação do sinistro à seguradora de acidentes de trabalho (Zurich), o acompanhamento e cuidados médicos à autora passaram a ser prestados no Centro Hospitalar ..., em ....
44. Passados que estavam cerca de 15 dias após a data do atropelamento, no decorrer do acompanhamento médico no Centro Hospitalar ... e, face às queixas de dores agudas na zona do joelho direito por parte da autora, a mesma realizou raio X, tendo-lhe sido diagnosticada uma fratura no perónio.
45. A partir dessa altura e até meados de março de 2017, a autora continuou a fazer repouso.
46. Após o diagnóstico da referida fratura a autora quando necessário, passou a caminhar com o auxílio de uma canadiana.
47. Até ao momento em que lhe foi detetada a fratura do perónio, a autora teve dificuldade em dormir, pelas tonturas e pelas dores que sentia no joelho.
48. A autora tomou medicamentos para as dores que sentia na zona do joelho e para as cefaleias.
49. Na semana seguinte ao atropelamento autora só se conseguia deslocar em casa com a ajuda do seu marido e apenas no percurso entre o quarto e a casa-de-banho, dependendo da ajuda do seu marido também para a higiene diária e alimentação.
50. Pelo menos nas duas semanas seguintes ao atropelamento todas as lides domésticas foram asseguradas pelo marido da autora.
51. A partir da alta médica (24.03.2017), os sintomas de vertigens, tonturas e zumbidos nos ouvidos, diminuíram.
52. Porém, tais sintomas reapareceram no mês de setembro de 2017 em consequência do que a autora foi a consulta da especialidade de neurocirurgia, em 20/09/2017 e a consultas de otorrinolaringologia, em 06 e 20/10/2017 e 05/01/2018.
53. Neste acompanhamento médico, à autora foi diagnosticado um défice vestibular à direita.
54. Tendo a autora realizados várias sessões de reabilitação vestibular.
55. No Proc. n° 366/18.... do Juízo do Trabalho ... do acidente de trabalho, devido às sequelas resultantes do atropelamento, foi considerado (cfr. Auto de Conciliação de 17/09/2018) que a autora esteve em situação de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) no período compreendido entre o dia 09/02/2017 a 23/03/2017 (43 dias).
56. E de 24/03/2017 a 25/01/2018 (308 dias) em situação de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 5%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
57. Mais foi considerado que “auferia a remuneração de €557,00 x 14 meses + €93,72 x 11 de subsídio de alimentação, num total anual ilíquido de €8.828,92”.
58. Foi também considerado que de indemnizações por incapacidades temporárias desde a data do acidente até à data da alta recebera da seguradora do trabalho o montante de €871,16.
59. E foi efetuado acordo no sentido, além do mais, de que “à sinistrada será pago:
- o capital de remissão calculado com base na pensão anual de €309,01 calculada com base no salário anual de €8.828,92 reportada a 25-01-2018 e (...) na desvalorização de 5% (...);
- a quantia de €117,55 (€988,71 - €871,16) a título de diferenças de indemnizações por incapacidades temporárias da responsabilidade da entidade seguradora;
- a quantia de €15.00 a título de despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal;
- os juros de mora à taxa legal de 4% sobre o capital de remissão desde o dia seguinte ao da alta e sobre cada uma das restantes prestações devidas, desde a data do seu vencimento, até integral pagamento”.
60. Em tal processo, a 18/10/2018, cfr. “Termo de entrega do Capital de Remissão”, foi entregue à sinistrada cheque, ali melhor identificado da Seguradora do trabalho, “no montante de
€4.969,92, respeitante a:
- €4.700,35 de capital de remissão (...);
- €117,55 a título de diferenças de indemnização de incapacidades temporárias da responsabilidade da seguradora;
- €15,00 de transportes;
- €140,88 de juros de mora”
Mais foi determinada a notificação da entidade seguradora para, em
15 dias, “comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado dos juros de mora em falta, no valor de €3,86”.
61. Em consequência do atropelamento a autora viu-se confrontada com uma situação de grande angústia, de susto e de choro.
62. Até meados de março de 2017 o marido da autora também tratava de outras tarefas domésticas, como higiene da casa, confeção de alimentos e cuidados com os filhos então menores, um com 6 e outro com 14 anos de idade.
63. Nesse período a autora ficou impossibilitada de acompanhar os filhos menores, nas atividades destes, tarefas que antes do sinistro eram realizadas pela autora e marido, em função dos seus horários de trabalho, no dia-a-dia.
64. À data do atropelamento, a autora fazia desporto, que consistia na prática de corrida.
65. A autora apenas conseguiu voltar a correr cerca de um ano depois de voltar ao trabalho.
66. Durante o período da ITA, a autora deixou de receber familiares em sua casa, como até então fazia, em fins de semana, pois as suas limitações físicas não lhe permitiram preparar uma refeição apropriada a essas ocasiões de convívio.
67. Durante aquele período a autora deixou de caminhar com o seu marido e filhos, como fazia até ao atropelamento.
68. Ainda hoje as sequelas manifestam-se de forma mais intensa aquando das mudanças de tempo, provocando na autora dores no joelho que antes do sinistro dos autos não tinha.
69. A autora sofre de défice vestibular periférico ligeiro e alguns dos respetivos sintomas, que surgiu à autora na decorrência do atropelamento, ainda hoje se mantém, sequela quantificada no exame pericial efetuado nos autos em 5% de desvalorização.
70. Segundo o Relatório Pericial “de acordo com fontes biográficas”, os sintomas do défice vestibular “numa minoria de casos poderão agravar, podendo a Examinada vir a fazer parte desse leque de casos” e caso tal se verifique poderá vir a necessitar de medicação e tratamentos médicos.
71. Á data do atropelamento a autora tinha quarenta anos de idade.
72. A autora despendeu a quantia de 65,00€, com uma consulta de otorrinolaringologia, realizada no dia 05/09/2018.
73. Para a instrução da petição inicial, nomeadamente com a obtenção do auto de ocorrência, junto sob o documento n.° 1, a autora despendeu a quantia de 95,00€.
74. A seguradora do trabalho (Zurich), pagou à autora pelo menos as quantias devidas a título de indemnização por ITA e ITP, no valor global de 988,71€, de transportes 42,88€, de capital de remição 4.700,35€, de juros 140,88€ de juros, de cuidados de saúde 210,78€ e de medicação 22,45€.
75. De acordo com o disposto nos arts. 48°, n°3, al. d) e e), 71°, n°s1 e 3 da Lei n° 98/2009, de 04/09 (LAT) do referido montante de 988,71€ respeita a ITA o valor de 728,12€ de ITP.
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B) Factos não provados, com relevância para a decisão:
1. A autora em consequência do atropelamento sofreu dores no tórax;
2. As tonturas intensificavam-se quando, ao dormir, a autora se voltava para a sua direita.
3. A fratura do perónio foi diagnosticada 10 dias depois do atropelamento e desde então até meados de março de 2017 a autora esteve quase sempre acamada.
4. Até ao momento em que lhe foi detetada a fratura do perónio a autora só conseguia adormecer de barriga ara baixo.
5. Em consequência do atropelamento a autora chorava compulsivamente.
6. Todos os médicos que a autora consulta dizem que certamente poderá existir agravamento da síndrome vestibular.».
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B) - O Direito.
1) - O montante indemnizatório respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora.
Dispõe o art. 483°, n° 1 do Código Civil (CC) que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
O n.° 1 do art.° 496.° do Código Civil (CC) dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.".
Por sua vez, o n.° 3 do mesmo artigo preceitua que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°”. E as circunstâncias referidas no citado art° 494° são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que justifiquem a fixação, equitativa, da indemnização em montante inferior ao que, em princípio, corresponderia aos danos efectivamente causados.
Há que considerar, porém, que, quanto à ponderação da situação económica do lesante, excepcionam-se os casos, como o presente, em que, tal ponderação se revela desprovida de sentido, pois que “...não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro - v. g., uma seguradora para quem o lesante transferiu a responsabilidade civil - a suportar o pagamento da indemnização.” (Acórdão do STJ de 08 de Junho de 1999, Revista n° 99A391).
Os danos não patrimoniais excluídos da tutela do direito a que se reporta o n.° 1 do art.° 496.°, são, no dizer de Vaz Serra (in exposição justifique a concessão de uma satisfação de ordem patrimonial ao lesado (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.a edição, vol. I, Almedina, Coimbra, 1973, págs. 486 e 487).
É ao autor (art.° 342, n.° 1 do CC) que compete alegar e provar os factos integradores da gravidade do dano não patrimonial que pretende ver reparado (Cfr. Acórdão do STJ de 03/12/98, Revista n.° 1061/98)3.
É comummente entendido que a indemnização ou reparação pecuniária do dano não patrimonial se destina a conceder ao lesado uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o.
As indemnizações, deve-o ter presente o julgador, sob pena de as mesmas não cumprirem o apontado desiderato, não podem, assim, revelar-se miserabilistas, mas, por outro lado, é mister que não olvidem a realidade económica do nosso País.
Em matéria de indemnização, relevante, há-de ser sempre um determinado arbítrio do juiz, pela frequente impossibilidade de estabelecer o montante exacto do prejuízo: e, se assim é para o dano patrimonial, assim pode ser igualmente para o dano não patrimonial.
O Cons. Rodrigues Bastos, citando De Cupis (Il Dano, pág 252, Del fatti illiciti, n.° 2 da anot. ao art.° 2059.°), refere4: «Tendo aqui especial aplicação o critério equitativo do juiz, já que pode não ser possível demonstrar a existência ou o montante deste dano, deve esse critério ser usado com singular prudência, em particular quando se trate de dor psíquica: «não pode negar-se que o juiz corre o perigo de argumentar por si mesmo, dado que a sensibilidade psíquica das diferentes pessoas, isto é, a sua capacidade de sofrer na alma, é o que de mais individual e variável se possa imaginar. Mas, por graves que sejam tais obstáculos, nem por isto a avaliação equitativa se desenvolverá menos legitimamente».
Dario Martins de Almeida, explicita que «Quando se faz apêlo a critérios de equidade, pretende-se encontrar sómente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo.» ("in" Manual de Acidentes de Viação, 2a edição, Coimbra - 1980 - págs. 103 e 104).
O exposto permite concluir, sinteticamente, que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, obedecendo ao comando da lei que lhe manda julgar de harmonia com a equidade, tem, para o efeito, de atender a determinados factores que são expressamente referidos na lei, e ainda a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, de modo a que, tudo ponderado, o levem a concluir pelo valor pecuniário que considere como o justo, para, no caso concreto, compensar o considerando as lesões, dores e incómodos que padeceu, mormente descritos em II.1 A) 26. a 32., 34., 38., 39., 40., 45., 46, 47., 49., 51., 53., 63., 65., 66., 67., 68., 69. - os tratamentos, exames, consultas a que foi sujeita — cfr. II. 1. A) 36., 44., 48., 54. — o sofrimento por que passou-cfr. II. 1. A) 35. 61., cremos como adequada a compensar os danos não patrimoniais em referência a quantia global de 7.500,00€.
Ora, não esquecendo que o acidente se deveu a culpa exclusiva da condutora do veículo TM, por não circular a velocidade adequada ao local, não reduzindo a velocidade, nem parando para deixar passar a autora que se encontrava na passadeira, para passagem de peões, entendemos, exemplificativamente, especificar os seguintes factos provados cuja ponderação importa à fixação da indemnização ora em causa:
«[•] 71. Á data do atropelamento a autora tinha quarenta anos de idade.
27. Na sequência do embate e da queda, a autora sofreu um golpe na zona occipital, sangrando abundantemente.
28. A autora foi assistida no local pelos bombeiros.
29. Dali foi transportada, pelos bombeiros, para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ....
30. Ainda no local do sinistro, a autora vomitou.
31. Durante o transporte, entre o local do atropelamento e o Centro Hospitalar, a autora teve náuseas e voltou a vomitar.
32. No serviço de urgência, a autora vomitou novamente.
33. A situação clínica da autora foi catalogada como muito urgente, tendo sido considerado em situação laranja.
34. No imediato, a autora sofreu dores membro inferior direito e cefaleias.
35. A autora ficou ansiosa.
36. No serviço de urgência a autora fez análises, TAC CE, raio X ao tórax, grelha costal, coluna, bacia, anca e perna direita e foi suturada na ferida occipital.
(...)
38. A autora continuou com fortes dores no joelho direito.
39. Depois de ter sido assistida de urgência, a autora regressou a casa, local onde viria inicialmente a ficar acamada, em virtude das muitas dores no joelho direito e na zona lombar e das tonturas, vertigens e zumbido nos ouvidos, que sentia.
40. Quando se levantava, às vezes tinha sensação de movimento giratório.
(...)
44. Passados que estavam cerca de 15 dias após a data do atropelamento, no decorrer do acompanhamento médico no Centro Hospitalar ... e, face às queixas de dores agudas na zona do joelho direito por parte da autora, a mesma realizou raio X, tendo-lhe sido diagnosticada uma fratura no perónio.
45. A partir dessa altura e até meados de março de 2017, a autora continuou a fazer repouso.
46. Após o diagnóstico da referida fratura a autora quando necessário, passou a caminhar com o auxílio de uma canadiana.
47. Até ao momento em que lhe foi detetada a fratura do perónio, a autora teve dificuldade em dormir, pelas tonturas e pelas dores que sentia no joelho.
48. A autora tomou medicamentos para as dores que sentia na zona do joelho e para as cefaleias.
49. Na semana seguinte ao atropelamento autora só se conseguia deslocar em casa com a ajuda do seu marido e apenas no percurso entre o quarto e a casa-de-banho, dependendo da ajuda do seu marido também para a higiene diária e alimentação.
(•••) . . .
51. A partir da alta médica (24.03.2017), os sintomas de vertigens, tonturas e zumbidos nos ouvidos, diminuíram.
52. Porém, tais sintomas reapareceram no mês de setembro de 2017 em consequência do que a autora foi a consulta da especialidade de neurocirurgia, em 20/09/2017 e a consultas de otorrinolaringologia, em 06 e 20/10/2017 e 05/01/2018.
53. Neste acompanhamento médico, à autora foi diagnosticado um défice vestibular à direita.
54. Tendo a autora realizados várias sessões de reabilitação vestibular.
55. No Proc. n° 366/ ... do Juízo do Trabalho ... do acidente de trabalho, devido às sequelas resultantes do atropelamento, foi considerado (cfr. Auto de Conciliação de 17/09/2018) que a autora esteve em situação de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) no período compreendido entre o dia 09/02/2017 a 23/03/2017 (43 dias).
56. E de 24/03/2017 a 25/01/2018 (308 dias) em situação de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 5%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
(...)
61. Em consequência do atropelamento a autora viu-se confrontada com uma situação de grande angústia, de susto e de choro.
62. Até meados de março de 2017 o marido da autora também tratava de outras tarefas domésticas, como higiene da casa, confeção de alimentos e cuidados com os filhos então menores, um com 6 e outro com 14 anos de idade.
63. Nesse período a autora ficou impossibilitada de acompanhar os filhos menores, nas atividades destes, tarefas que antes do sinistro eram realizadas pela autora e marido, em função dos seus horários de trabalho, no dia-a-dia.
64. À data do atropelamento, a autora fazia desporto, que consistia na prática de corrida.
65. A autora apenas conseguiu voltar a correr cerca de um ano depois de voltar ao trabalho.
66. Durante o período da ITA, a autora deixou de receber familiares em sua casa, como até então fazia, em fins de semana, pois as suas limitações físicas não lhe permitiram preparar uma refeição apropriada a essas ocasiões de convívio.
67. Durante aquele período a autora deixou de caminhar com o seu marido e filhos, como fazia até ao atropelamento.
68. Ainda hoje as sequelas manifestam-se de forma mais intensa
dos respetivos sintomas, que surgiu à autora na decorrência do atropelamento, ainda hoje se mantém, sequela quantificada no exame pericial efetuado nos autos em 5% de desvalorização.
70. Segundo o Relatório Pericial “de acordo com fontes biográficas”, os sintomas do défice vestibular “numa minoria de casos poderão agravar, podendo a Examinada vir a fazer parte desse leque de casos” e caso tal se verifique poderá vir a necessitar de medicação e tratamentos médicos. [...]». (os sublinhados são nossos).
Sendo importante a referência dos montantes indemnizatórios que os Tribunal Superiores arbitram em situações semelhantes, estes não devem deixar de ser considerados, ainda que apenas como mais um factor a ponderar, e cujo relevo terá mais importância em situações em que haja, entre aqueles montantes e o arbitrado no processo, uma gritante disparidade, face a um circunstancialismo muito semelhante.5
Mas não se olvide, que, fazendo-se, a determinação da indemnização respeitante aos danos não patrimoniais, de acordo com as citadas normas e, em especial, de harmonia com o disposto nos arts.° 496 n.° 3 do CC, com recurso à equidade, isso desde logo implica, pelo necessário grau de subjectividade que acarreta, que não haja decisões iguais, por mais semelhantes que pareçam os casos.
Tenha-se presente, também, que haverá casos-referência, em que indemnização aí fixada em montante substancialmente diferente aquele que no caso em recurso foi fixado pela 1a Instância, é explicado pela considerável distância temporal entre esses casos e aquele que se está a avaliar comparativamente.
Por exemplo: Num dos casos apontados na resposta à alegação de recurso, o STJ, na Revista n.° 289/06.1TBPTB.G1.S1 - 6.a Secção -, entendeu:
«[...] Provado que, à data do acidente (28-05-2004), o autor tinha 41 anos de idade, trabalhava na agricultura, numa quinta, e ainda ao jornal, para terceiros, e que, em consequência do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar
(•)
Encontrando-se assente que, em consequência do acidente, o autor sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto, julga-se equitativa a fixada indemnização de € 8000, reportada à data da sentença. [•]».
Mas o Acórdão em causa foi proferido em 18-09-2012! Há mais de dez anos, pois,.
Já temporalmente mais próximo, ainda assim, proferido há mais de 8 anos, no Acórdão de                                            20-11-2014,            Revista n.°
5572/05.0TVLSB.L1.S1, o STJ, entendeu-se: «[•] III - Uma vez que resultou provado que a autora foi considerada curada do ponto de vista ortopédico, sem desvalorizações, resultando a incapacidade fixada do stress pós traumático resultante do atropelamento (que lhe origina ansiedade e medo), compatível com a sua actividade actual, sem implicar esforços complementares, o dano biológico apenas poderá relevar enquanto dano não patrimonial.
IV - Tendo em consideração que a «ansiedade e o medo» constituem uma limitação relevante para a vida habitual da lesada com as quais, ao longo da vida, ela se irá confrontar e se irão repetir, afigura-se adequado o montante indemnizatório de € 7000, tal como fixado pela Relação.
V - Resultando dos autos que a autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, julga-se adequado e equitativo o montante indemnizatório de € 10 000, a título de compensação, pelos danos não patrimoniais. [...]».
De tudo isto resulta, que, no caso “sub judice”, tendo em conta tudo o provado e ponderado com respeito aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, bem como as referidas normas pertinentes à fixação de um montante compensatório relativamente a tais danos, entende-se que, em juízo de equidade, a quantia de 7.500,00€, atribuída na sentença recorrida por tais danos, se pecar, é por defeito, motivo que nos leva a afastar a pretensão da Recorrente quanto a tal indemnização.
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.
Por sua vez, o art° 806°, n° 1, do mesmo código, estabelece: “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”.
Desde logo é de afastar o entendimento da Recorrente de que os juros de mora só são devidos deste o trânsito em julgado da sentença que os arbitrou.
A ser assim, o recurso, quando possível, poderia ser utilizado, quanto mais não fosse, para o condenado/recorrente se eximir a pagar o montante dos juros de mora que se fossem vencendo após a sentença condenatória e até ter esgotado, sem sucesso, todas as vias de recurso. Todavia, o AUJ do STJ n° 4/2002, de 9/5, (Diário da República n.° 146/2002, Série I-A de 2002-06-27) estabeleceu:
Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.° 2 do artigo 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação. (Processo 1508/2001. 1a Secção. Revista ampliada, 1508/01-1).”
A regra é, pois, a de que tratando-se de indemnização pecuniária por facto ilícito, ou pelo risco -, que é a que aqui está em causa - o devedor constitui-se em mora desde a citação, pelo que os juros de mora, em princípio, serão devidos desde essa ocasião (805.°, n.° 3), só assim não ocorrendo, por via da interpretação restritiva do 805.°, n.° 3, do CC, determinada pelo referido AUJ, quando a indemnização em causa tiver sido objecto de cálculo actualizado.
Ora, no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais, arbitrada como se viu, com recurso à equidade, não vemos que caso haja em que o julgador, quando arbitra uma tal indemnização, esteja a fazê-lo por reporte à data do acidente, ou, mesmo, da instauração da acção, pensando naquilo que se ajustaria à realidade existente nessas ocasiões — já distantes no tempo, por vezes, vários anos - mas antes tem já em conta, o montante que, em juízo de equidade, se ajusta, na ocasião em que julga, aos danos não patrimoniais em causa.
Por isso, ao menos neste tipo de indemnizações, se não houver dados na sentença que o contrariem, é de entender que o montante arbitrado foi objecto de actualização à data da prolação da sentença, pelo que o juiz, deve condenar nos juros de mora que se vencerem desde essa data, ainda que haja sido pedido que o Réu fosse condenado nos juros e mora vencidos desde a respectiva citação.
Por isso damos a nossa concordância ao entendimento seguido no Acórdão da Relação de Évora, de 14/01/2021 (Apelação n° 1615/18.6T8STR.E1) e à jurisprudência aí citada, a que pertence o extracto que ora se transcreve: «[...] O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.0 4/2002 fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.0 2 do artigo 566.° do Código Civil,vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
A existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão. Ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através da equidade, pois, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2008 (relator: Bettencourt de Faria), “uma quantia fixada segundo a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador. Deste modo, ainda quando nada se diga, há que entender que tal montante é fixado de forma actualizada.” No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Supremo z
Tribunal de Justiça de 24.05.2018, (relator: Álvaro Rodrigues), no qual se reiterou, nomeadamente, que “ainda que não tenha sido declarada expressamente tal actualização, a aplicação do critério da equidade para a determinação do quantum indemnizatório evidenciaria tacitamente a mesma”.
Pode acontecer que uma sentença não proceda ao cálculo do montante de uma indemnização por danos não patrimoniais com referência à data da sua prolação, ou seja, a um cálculo actualizado dos mesmos danos, não obstante basear-se necessariamente no critério de equidade estabelecido no artigo 496.°, n.° 4, 1.aparte, do CC. Nessa hipótese, não tem aplicação a jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 4/2002, contando-se os juros de mora a partir da citação, nos termos do artigo 805.°, n.° 3, 2.aparte, do CC.
Porém, para poder concluir-se que não se procedeu a tal actualização do montante da indemnização à data da prolação da sentença, esta última terá de o dizer de alguma forma. Na ausência de fundamento para interpretar a sentença nesse sentido, será legítimo concluir-se, pelas razões anteriormente referidas, que o cálculo do montante da indemnização se reporta à data da prolação da sentença e, consequentemente, que, por aplicação da jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.0 4/2002, a contagem de juros de mora se inicia naquela data.
Debruçou-se expressamente sobre esta questão o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2017 (relator: Lopes do Rego), cujo sumário citamos na parte que agora nos interessa: “IV. Na normalidade das situações poderá admitir-se, em princípio, que — assentando o valor indemnizatório arbitrado a título de compensação dos danos não patrimoniais essencialmenle em juízos equitativos — estes lerão sido formulados actualizadamente à data em que a sentença, fixando a indemnização, foi proferida: nada se dizendo sobre tal questão na sentença, o que estará fundamentalmente em causa será proceder a uma interpretação do nela estipulado, procurando determinar objectivamente, à luz da fundamentação emitida e que suporta o conteúdo decisório, se o juiz incorporou no juízo equitativo que está essencialmente na base dessa avaliação do dano, quer os valores monetários correntes, quer os próprios critérios jurisprudenciais vigentes nesse momento (e não na data da produção do acidente). V. Porém, se o juiz que a proferiu referir explicitamente que não se procedeu a qualquer actualização de tais valores indemnizatórios, serão os juros de mora devidos desde a data da citação.” Ou seja, decidiu-se em consonância com a jurisprudência do mesmo tribunal que anteriormente citámos e com a qual inteiramente concordamos.
No caso dos autos, o tribunal a quo fixou o montante dos danos não patrimoniais com recurso à equidade, nos termos do artigo 496.°, n.° 4, 1.a parte, do CC. Logo, pelas razões anteriormente referidas, deverá, na interpretação da sentença recorrida, partir-se do princípio de que aquela fixação teve como ponto de referência a data da prolação da mesma sentença.
Só assim não será se esta última contiver algum elemento que permita concluir que a fixação do montante da indemnização teve como ponto de referência outra data, como a da citação da recorrente. Ora, nada na sentença recorrida legitima tal interpretação. Ao invés, a fundamentação da sentença inculca que o tribunal a quo procedeu a um cálculo actualista, ou seja, reportado à data em que decidiu a causa, do montante da indemnização.
Sendo assim, concluímos que, neste ponto, a razão está do lado do recorrente. Por aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.0 4/2002, são devidos juros de mora a partir da data da prolação da sentença recorrida (10.03.2020) e não da citação. [...]».
Ora, no caso “sub judice” não obstante não referir que a indemnização que arbitrava havia sido objecto de actualização, o certo é que o Tribunal “a quo”, entendeu, em juízo de equidade, ser adequada a compensar os danos não patrimoniais em referência a quantia global de 7.500,00€, pelo que não havendo indícios em sentido contrário, entende-se ser de concluir que o cálculo dessa indemnização foi objecto de actualização à data da sentença, e, assim, de acordo com o que ficou exposto, só a partir dessa ocasião são devidos juros de mora. A Apelação procede, pois, mas apenas quanto à questão dos juros.
*
IV - Decisão:
Em conformidade com tudo o exposto, os Juízes deste Tribunal da Relação acordam em, revogando, parcialmente, a sentença recorrida, julgar o recurso parcialmente procedente, mantendo-se imutável a condenação da Ré proferida pelo Tribunal “a quo” - inclusive, quanto à indemnização de 7.500,00€, arbitrada a título de danos não patrimoniais -, salvo no que respeita aos juros de mora sobre esses 7.500,00€, pois que se revoga a condenação da Ré no pagamento dos juros de mora vencidos, sobre essa quantia, desde a citação, condenando-a, em vez disso, no pagamento à Autora dos juros de mora vencidos desde a data da sentença, e dos vincendos até integral pagamento, à taxa legal, de 4% ou à que eventualmente a substituir.
*
As custas das Apelação, ficam a cargo da Apelante e da Apelada, na proporção do respectivo decaimento. (art°s 527°, n°s 1 e 2, 607°, n° 6, 663°, n° 2, “in fine”, todos do NCPC).
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28/3/20236
(Luiz José Falcão de Magalhães)
 (António Domingos Pires Robalo)
 (Sílvia Maria Pereira Pires)



1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista n° 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.° 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.° 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
3 Os sumários dos Acórdãos do STJ, podem ser consultados na página da Internet do STJ, em https://www.stj.pt/?page id=4471.
4 Das Obrigações em Geral, vol. II, 1972, pág. 117, nota 1.
5 Repare-se que, mesmo na valoração da perda do direito à vítima, havendo, entre os casos, menos variáveis, estas não deixam de implicar que o STJ atribua valores indemnizatórios diferentes, consoante os circunstancialismo que se lhe deparam em cada um deles, apenas se podendo falar com mais certeza, quanto a esta indemnização, num valor máximo tendencial, que seja o mais comum ser arbitrado pelo STJ, numa dada época, por este dano.
O que se acaba de dizer está, a nosso ver, bem espelhado, no seguinte entendimento, transmitido no seguinte extracto do sumário do Acórdão do STJ, de 22/02/2018, processo n° 33/12.4GTSTB.E1.S1: “I - A indemnização por danos não patrimoniais é, de acordo com o disposto nos arts. 496.°, n.° 3 e 494.°, do CC, fixada equitativamente, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.
II - A vida é o bem mais precioso, sendo que, na procura do valor da compensação devida pela mesma não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc. No caso, a vítima era um jovem de 25 ano de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira.
III -Tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. O STJ vem atribuindo indemnizações pela perda do direito à vida que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000,00€ e 100.000,00€. Pelo que, tudo ponderado, considera-se adequado o valor de 120.000,00€ fixado pelo acórdão recorrido da relação. (...)”.
E no Acórdão de 11-02-2021, Revista n.° 625/18.8T8AGH.L1.S1, o STJ, entendeu , a propósito de um acidente de viação que vitimou uma criança de 7 anos, não existem motivos para considerar excessiva a indemnização pela perda do direito à vida que a Relação fixou equitativamente em € 100 000,00.
6 Acórdão processado e revisto pelo Relator.