Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | DOMÍNIO PÚBLICO AUTARQUIA MATÉRIA DE FACTO RECLAMAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.511 Nº2 CPC, DL Nº 38/2003 DE 8/3, ARTS.335, 1344, 1421 CC | ||
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Sumário: | 1. Fazem parte do domínio público autárquico de circulação, as ruas e os passeios de uma cidade, tal como o espaço aéreo e o subsolo correspondente. 2. Não viola o direito de propriedade dos titulares de um prédio, em regime de propriedade horizontal, a colocação de um painel publicitário rotativo, com 24 m2, cuja estrutura de suporte, embora situada junto à parede do edifício e debaixo do telhado do referido prédio, está assente na via pedonal pública. 3. A reclamação contra a selecção da matéria de facto, nos termos do art.511 nº2 do CPC, deve ser feita no prazo de dez dias após a notificação e já não até ao início da audiência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
O Condomínio do prédio n.º (…) da Av. ..., instaurou a presente acção contra (…) – sociedade de comunicação e gestão de imagem, Lda, pedindo que se declare que um painel publicitário rotativo e a estrutura que lhe serve de suporte se encontram implantados em parte comum do prédio e por isso propriedade privada e consequentemente se condene a ré a daí remover tais infra-estruturas. Alegou para o efeito, em síntese, que a ré colocou o painel publicitário rotativo, assim como a estrutura que lhe serve de suporte, encostados ao alçado sul do prédio e debaixo do telhado do mesmo, logo, implantados em parte comum desse prédio; para além de afectar o arranjo estético do edifício, prejudicar a segurança das pessoas que aí residem e provocar a deterioração do alçado sul desse edifício; instada nesse sentido, a ré recusa-se a proceder à retirada dos mesmos. A ré arguiu a excepção dilatória da litispendência entre a presente acção e a acção administrativa comum que corre termos no tribunal administrativo e fiscal de Coimbra sob o 43/08.6 BECBR, proposta por (…), na qualidade de administrador do condomínio contra a ré e a Câmara Municipal de ...a, alegando serem idênticos os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, pois que também aquela acção visa a retirada do painel publicitário em causa na presente acção com fundamento na sua implantação em propriedade do condomínio, concluindo pela sua absolvição da instância; por outro lado, impugnou a factualidade invocada pelo autor contrapondo que não existe contacto físico entre a parede do prédio e o painel de publicidade em causa e a estrutura que o suporta, colocados a coberto do alvará de licença de instalação de suportes publicitários n.º 16/2006, de 07/02/2006, encontrando-se a referida estrutura implantada na via pedonal que integra o domínio público da CM de ...a, concluindo pela improcedência da acção. A autora respondeu à invocada excepção pugnando pela sua improcedência. Foi proferido despacho saneador - aí se julgando improcedente a invocada excepção dilatória da litispendência. Depois do julgamento, foi proferida sentença julgando improcedente a acção e, em consequência, absolvendo a ré do pedido. O autor interpôs recurso desta sentença, terminando as suas alegações com 44 conclusões a que se soma mais uma página de síntese das pretensões do recurso, que, em síntese, se traduzem no seguinte: A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, e ampliou o âmbito do recurso, à questão da litispendência, a título subsidiário, isto é, para a hipótese de ser julgado procedente o recurso apresentado pelo autor. Para esta hipótese, quer que seja revogada a decisão que julgou improcedente a excepção e substituída por outra que a julgue procedente. O autor respondeu às questões levantadas pela ampliação do objecto do recurso, defendendo a improcedência das mesmas. * Questões que importa decidir: Deram-se como provados os seguintes factos (os factos sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos): I Da impugnação do despacho que indeferiu a reclamação contra o despacho de condensação: O autor reclamou contra o despacho de condensação. O tribunal recorrido indeferiu, por intempestiva, a reclamação dizendo: O autor assim não o entende e por isso interpõe recurso deste indeferimento. Diz ele que: Não tem razão, pois como dizem Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, CPC anotado, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 395, Assim, desde 2003 que a estão não é discutida. As reclamações devem ser apresentadas no prazo de 10 dias e não até [ao início da] audiên-cia [note-se, no entanto, que a parte final do 2º§ da anotação 6 ao art. 511 do CPC, desta obra, não foi adaptada à alteração do Dec.-Lei 38/2003]. No mesmo sentido, vai a resposta da ré, nas contra-alegações, ao chamar a atenção para o disposto no art. 512º/2 do CPC, do qual decorre que as reclamações devem ser apresentadas e decididas antes do início da audiência… É verdade entretanto que o despacho de condensação e as decisões sobre as reclamações não fazem caso julgado, quer positivo, quer negativo, como é hoje unanimemente reconhecido (veja-se a obra citada, págs. 412/413). Pelo que, em recurso da decisão final, podem sempre ser postos em causa todos os factos, quer para os considerar como não provados quando foram dados como provados, quer o contrário. Mas isso é uma questão diferente daquela. É por isso improcedente a impugnação do despacho que decidiu as reclamações. Por outro lado, o autor não tem razão quando pretende que a sentença seja emendada para que dela não conste, como consta, que o despacho de condensação não foi objecto de reclamação. Apesar de tal ser uma questão irrelevante, a verdade é que a sentença não deixa de ter razão, entendido o afirmado no sentido de que não foram apresentadas reclamações relevantes, que tivessem de ser apreciadas na sua substância. * Tendo agora presente a matéria da reclamação apresentada, vendo-a como impugnação dos factos, a nível do recurso, por ter sido reproduzida no mesmo, diga-se que também não tem razão o autor quanto à substância das coisas, que do seu ponto de vista tem a ver com o facto de nenhuma das partes ter alegado que o outoor se encontrava em terreno público. E precisamente pelas razões que constam das contra-alegações da ré: II Da impugnação dos factos (…) * Nesta medida procede a impugnação do autor contra a decisão da matéria de facto. Para sistematização da mesma passa-se a reproduzi-la, com as alterações determinadas supra: A) A ré dedica-se à actividade de publicidade. III Quanto ao direito. Depois de tecer várias considerações sobre o direito de propriedade horizontal, de lembrar que o autor entende que o painel publicitário rotativo e a estrutura que lhe serve de suporte se encontram implantados em parte comum daquele prédio por estarem encostados ao seu alçado sul e debaixo do seu telhado e de reconhecer que dos factos provados resulta que o painel e o suporte estão colocados sob o telhado desse prédio (mais concretamente do respectivo beirado), a sentença recorrida diz que: E depois conclui: O raciocínio da sentença é o seguinte: a estrutura do painel assenta na via pedonal pelo que não está colocada em parte comum do prédio. Este raciocínio só se entende se se acrescentar, o que a sentença na conclusão evita fazer, que a via pedonal é, para a sentença, pública. Sendo pública, não pode ser do prédio particular. E a sentença entende que a via pedonal é pública com recurso à parte final do quesito 8, que entretanto foi eliminada, pelo que perde a base para o poder concluir. A verdade, no entanto, é que a sentença podia ter recorrido – e também terá recorrido implicitamente – ao facto que resulta do que consta de B) e C), ou seja, o suporte foi colocado no passeio de uma das avenidas da cidade de .... Ora um passeio de uma avenida de uma cidade é parte do domínio público municipal de circulação (neste sentido, veja-se Marcelo Caetano, Ma-nual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1982, págs. 909 e 918; falando do domínio público municipal da circulação, veja-se a anotação J. C. Vieira de Andrade ao ac. do STA de 3.4.2008, P. 934/07, publicados nos Cadernos de Justi-ça Administrativa n.º 78 – Nov/Dez 2009, principalmente págs. 67 e 68; falando de um domínio público de comunicação - integrado por estradas, ruas, passeios..-, veja-se o artigo de João Caupers, O domínio público, Themis, 15, 2008, RFD da UNL, pág. 111; no mesmo sentido, veja-se o art. 3/4e) da pro posta de lei 256/X do governo, sobre o regime geral dos bens do domínio público, em que se consi-deram bens públicos das autarquias a rede viária de âmbito municipal, onde se in-cluem, designadamente, as ruas, os caminhos públicos, as praças, os espaços ver-des, bem como os seus acessórios e obras de arte [a não referência aos passeios justifica-se visto que estes são superfície das vias públicas, como decorre, por exemplo da definição do art. 1 do Código da Estrada] http://app.parlamento.pt/webutils/ docs/doc.doc?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c325276593342734c576c75615668305a586776634842734d6a55324c5667755a47396a&fich=ppl256-X.doc&Inline=true). Pelo que, a sentença, a nível do direito, estava correcta em considerar que o suporte está assente em passeio que se pode dizer público, * De seguida, a sentença recorrida serve-se implicitamente da norma que decorre do art. 1344 do CC (embora através da interpretação a contrario do art. 1421 do CC), para dizer que o painel ocupa o espaço aéreo municipal e não o espaço aéreo do prédio do autor. Ana Raquel Gonçalves Moniz, no seu estudo sobre O âmbito do domínio público autárquico, Estudos em Homenag ao Prof. Doutor Marcelo Caetano, Vol. I, Ed. FDUL, Coimbra Ed., 2006, págs. 156/157, sustenta este entendimento das coisas, ao dizer: É certo que esta autora depois acrescenta a necessidade de uma cautela especial na afirmação da pertinência ao domínio público rodoviário do espaço aéreo sobrejacente ao terreno em que está construída a via pública, mas isso por um lado por causa da destrinça entre este e o domínio público aéreo e depois devido àqueles casos em que um Município pretende permitir a utilização de construção nesses espaços, como é o caso discutido no parecer de Afonso Rodrigues Queiró e José Gabriel Queiró, Propriedade pública e direitos reais de uso público no domínio da circulação urbana, Revista Direito e Justiça, 1995/II, págs. 231 e segs. Ora, vê-se neste parecer que a opinião destes autores vai no sentido de não aceitar a tese da não aplicação do disposto no art. 1344 do CC à fixação dos limites do domínio público (págs. 265 a 271). Assim, aceita-se que também o espaço aéreo acima do passeio público é domínio público autárquico de circulação. Mas isto sem recorrer ao disposto no art. 1421 do CC, pois que este artigo existe para distinguir as partes comuns do edifício – do “edifício”, note-se, não do “prédio” - das partes privadas, não para delimitar o direito de propriedade correspondente ao prédio onde está implantado tal edifício do direito de propriedade de prédios de terceiros. Na lógica da pura, simples e única aplicação de tal artigo, nem o espaço aéreo do edifício seria do condomínio (e no entanto sempre se entendeu o contrário, como resulta, por exemplo de Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, págs. 68 e 69; Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal, Coimbra Editora, 1993, pág. 239), pois que esse artigo não faça do espaço aéreo… nem podia falar, dado o fim a que ele se destina * É certo que se poderia invocar o direito do autor de arrendar as paredes do seu prédio para a colocação de anúncios [de que falava o art. 5/1a) do RAU]. E poderia dizer-se que o direito que se está a reconhecer ao Município retira, na prática, ao autor, aquele direito. Mas, primeiro, faltaria saber o que é que tinha existido primeiro, se o prédio se a avenida. Se esta tivesse surgido primeiro, a conclusão seria a contrária. Ou seja, a reconhecer-se, nesta hipótese, ao autor o direito de arrendar a parede do prédio, estaria a retirar-se ao Município o direito de colocar um anúncio num espaço público. Para além disso, o direito a arrendar a parede lateral de um prédio, encostada a um prédio contíguo, está sempre dependente de o proprietário do prédio vizinho não construir o seu prédio encostado àquele. A partir do momento em que este for construído, aquele direito deixa de existir… * Assim, tem que se reconhecer a correcção da sentença quanto aos problemas que resolveu, inclusive quanto à irrelevância do facto de o suporte e o painel taparem os azulejos decorativos do alçado sul do prédio, argumento da sentença que nem sequer foi rebatido pelo autor. * Põem-se agora as questões levantadas pelos factos acrescentados neste acórdão. Primeiro quanto ao facto de o sistema de rotação do dito painel emitir um ruído: Face à falta de qualificação deste ruído, o mesmo não pode ser relevante. Para ser relevante tinha que ser, pelo menos, incomodativo para alguém, o que não se provou. * Quanto ao facto de a instalação do painel e respectivo suporte impedirem a limpeza dessa parede na zona ocupada pelo painel e respectivo suporte, por quem não tenha legitimidade para mexer neles: Como se reconhece o direito da ré na colocação do suporte e painel está-se perante um caso de colisão de direitos (art. 335 do CC) pelo que a situação apenas daria para se pedir algo diferente (como a entrega dos meios materiais que possibilitassem o acesso ao mesmo) que não a retirada do painel e suporte, pois nem ao menos se alegou que alguma vez tenha havido necessidade de proceder à limpeza da parede e que a ré a tenha impedido ou mesmo que esta tenha tido conhecimento de que o autor queria proceder à mesma. * O proprietário do prédio vizinho pode construir até ao limite da sua extrema desde que não deixe janelas ou aberturas que deitem para o prédio vizinho [tal como decorre do art. 1360 do CC – José Alberto González, Restrições de Vizinhança (de interesse particular), Quid Juris, 2003, pág. 107]. Desta possibilidade legal resulta que dois prédios podem ficar encostados um ao outro (Gambaro fala de construção encostada à do vizinho – citado por José Alberto González, obra citada, nota 375 da pág. 107). Pelo que o facto de a estrutura do painel estar encostada ao alçado sul do prédio do autor, não dá a este o direito de pedir a retirada do mesmo. * O mesmo se diga do facto de o painel e suporte facilitarem o acesso de qualquer pessoa às janelas do 1º andar esquerdo desse prédio. Se o proprietário do prédio vizinho construir um seu prédio encostado ao prédio de outrem, mais alto, de modo a que fique facilitado o acesso a uma janela do prédio vizinho, daqui não decorre qualquer direito para este. * Improcedem pois as conclusões do recurso de direito do autor contra a sentença, ficando por isso prejudicada a apreciação da questão da litispendência, subsidiariamente levantada pela ré. * Sumário: Fazem parte do domínio público autárquico de circulação, as ruas e os passeios de uma cidade, tal como o espaço aéreo e o subsolo correspondente. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com custas pelo autor.
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