Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/17.2T8PNI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
PROCESSO ESPECIAL
CONDIÇÃO
CLÁUSULA CUM POTUERIT
Data do Acordão: 01/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - PENICHE - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.270, 777, 778 CC, 986, 1026 CPC
Sumário: I - A ação especial de fixação judicial de prazo, visa unicamente a fixação de prazo, vg., para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, ou seja, nos casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a envolvem, ou os usos a que está sujeita; e, assim, excluindo questões de cariz contencioso atinentes à obrigação.

II- Se as partes, em divórcio, anuíram que: “a requerente mulher continue a residir na casa de morada de família, que é bem próprio do requerente marido, enquanto dela carecer”, elas estabeleceram uma condição: - incertus an incertus quando -, cuja superveniência/verificação, a provar pelo credor, seria conditio sine qua non da pretensão de fixação do prazo; pelo que, não estando comprovada nos autos e escapando ao seu âmbito dilucidatório, a pretensão soçobra.

Decisão Texto Integral:






ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

M (…)  intentou contra MB (…) ação de fixação judicial de prazo.

Alegou, em síntese:

Foi casado com a R. e em 21/02/2008 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.

No âmbito desse processo A. e R. acordaram que a R. continuava residir na casa de morada de família, que é bem próprio do A., e poderia utilizá-la para sua habitação, com exclusão de outrem, não lhe podendo dar outro destino, e enquanto dela carecesse.

Passaram-se nove anos e a R. continua a residir na casa sem pagar renda, ou qualquer custo com a mesma, e a utilização da casa ficou dependente de um evento futuro e incerto e de circunstâncias não domináveis por A. e R., pelo  que a necessidade de utilização da casa pela R. pode perpetuar-se, não tendo sido essa a intenção das partes e tendo o  acordo tido carácter temporário.

Não existe prazo para entrega da casa, impondo-se o estabelecimento de um prazo.

Ademais, a R. nada fez para que deixasse de precisar de utilizar a casa de habitação, sendo que é titular de 1/6 de uma herança ilíquida e indivisa composta, pelo menos, por 4 prédios, pelo que tem meios para adquirir ou arrendar uma casa de habitação.

Conclui pedindo:

Seja fixado o prazo de 180 dias ou outro adequado, para a ré cessar a utilização da casa devendo,  findo esse prazo, ser condenada  a entregar a mesma devoluta de pessoas e bens.

A R. apresentou oposição, alegando, sinóticamente:

O acordo em causa não tinha carácter temporário, e o que foi estabelecido para utilização da casa de morada de família foi uma condição, que se mantém, pois que continua a carecer da casa de habitação, já que não tem outra, nem tem rendimentos que lhe permitam pagar renda, nem acesso ao crédito bancário, e a herança de que é herdeira é constituída por dois prédios rústicos, a casa onde vive a sua mãe e um armazém agrícola sem condições de habitabilidade, sendo o A. proprietário de vários imóveis.

Não se encontram reunidos os pressupostos para a fixação judicial do prazo, pois não se trata de nenhuma das situações previstas legalmente.

Termina requerendo a improcedência da acção.

2.

Prosseguiu o processo os seus normais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Nos termos e fundamentos expostos, julgo improcedente a presente acção, por não provada e, em consequência, absolvo a R. do pedido.»

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. No âmbito do acordo de atribuição de casa de morada de família não parecem restar duvidas que o Autor está obrigado a facultar o uso daquela habitação à Ré, apenas e só até ao dia em que aquela dela necessite, e a Ré estará obrigada à entrega dessa habitação no dia em que não carecer daquele imóvel para sua habitação.

2. Aquela entrega ficou condicionada ao acontecimento de evento futuro incerto e eventual, tal como acontece com os contratos promessa de compra e venda que condicionam a celebração da escritura de compra e venda prometida à obtenção de uma licença de utilização, que pode nunca vir a existir.

3. Foi fixado um termo para a obrigação do Autor em facultar o uso da habitação à Ré, tal como foi fixado um termo para a entrega da casa pela Ré ao Autor: termo incerto e futuro que depende da diligencia da Ré na busca de condições de vida que permitam àquela não carecer do imóvel próprio do A. para residir.

4. A existência de termo incerto pressupõe necessariamente a fixação de prazo subsequente de cumprimento da obrigação a obter, na falta de acordo das partes, através do processo especial de fixação de prazo

 5. Como resulta do disposto nos arts. 227º nº1 e 762 nº 2 do Código Civil, as partes estão obrigadas, nas negociações e celebração do contrato. Bem como no cumprimento das obrigações que deste emergem, a actuar de acordo com a regras de boa fé, o que as obriga à observância dos comportamentos necessários ao cumprimento integral do contrato

6. Tendo sido estipulado um termo incerto quanto à utilização da casa de morada de família, sujeitando a cessação da sua utilização a um acontecimento futuro, há necessidade de ser fixado judicialmente um prazo, pelo que ao não faze-lo violou a douta sentença o disposto no art. 777º nº e e 2 do C.C.

7. Impõe-se por isso estabelecer um prazo razoável para a entrega da casa pela Ré, julgando-se ser razoável 180 dias.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  608º nº2, ex vi do artº 663º n2, 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

 Fixação judicial de prazo ao abrigo do artº 777º nº2 do CC.

5.

Foram dados como provados  os seguintes os factos:

1. O A. e a R. casaram um com o outro em 15/10/1992.

2. Em 21/02/2008 foi decretado o seu divórcio por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil de x (...) .

3. No âmbito do processo de divórcio o A. e a R. acordaram o seguinte quanto à casa de morada de família:

“Os requerentes acordam que a requerente mulher continue a residir na casa que é actualmente casa de morada de família e é bem próprio do requerente marido, sita na T (...) , sendo que a requerente mulher poderá usar a dita casa para sua habitação, com exclusão de outrem, não lhe podendo dar outro destino, e enquanto dela carecer.”

4. O referido acordo foi homologado pela Conservadora do Registo Civil de x (...) .

5. O prédio descrito na Conservatória do registo Predial de x (...) sob o nº 0 (...) , freguesia da y (...) , encontra-se inscrito a favor do A. M (…), casado com a A. MB (…), no regime de comunhão de adquiridos, o qual foi adquirido por sucessão por morte em processo de partilha.

6. O prédio referido em 5. corresponde ao prédio objecto do acordo referido em 3..

7. A R. habita o prédio referido em 3. e 5..

6.

Decidindo.

6.1.

O Sr. Juiz  decidiu aduzindo o seguinte discurso argumentativo:

«Nos termos do disposto no artigo 1026º do CPC, quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo a que repute adequado.

A fixação judicial do prazo pode ter lugar, entre outros, no caso previsto no artigo 777º, nº 2, do Código Civil que dispõe “se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordaram na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal”, e bem ainda nos casos previstos nos artigos 411º, 897º, nº 2 e 907º, nº 2 do Código Civil.

A finalidade exclusiva deste processo é a fixação judicial do prazo quando nas obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual, o credor e o devedor não cheguem a acordo, o que se pretende é tornar efectivo o direito das partes a verem estabelecido um prazo para que se possa julgar vencida a obrigação que foi assumida sendo que o requerente apenas terá de justificar o pedido da fixação, pois a questão a decidir é apenas a fixação de prazo, o pedido é a fixação de prazo e a causa de pedir a falta de acordo entre o credor e o devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação, sendo que o requerente terá de justificar o pedido de fixação de prazo, mas não tem de fazer prova dos fundamentos desse pedido.

Deste modo, cai fora do seu âmbito questões atinentes à inexistência ou nulidade da obrigação, à extinção da obrigação cujo prazo de cumprimento se pretende ver fixado, sobre quem está em mora e porque razão, e se lhe é imputável a mora, ou de outros aspectos análogos, estas acções têm apenas um escopo: a fixação de um prazo adequado a uma obrigação sem prazo, desde que o credor desta manifeste o desejo de a ver cumprida.

Ou seja, nesta acção o tribunal terá tão-só que estabelecer o prazo que seja suficiente para o cumprimento da obrigação sem ter de aferir se existe ou não impossibilidade substancial do cumprimento, é que nesta sede não há lugar a qualquer condenação na prestação, não há qualquer definição do direito ou do dever, o tribunal não vai decidir sobre se o negócio se deve ou não celebrar, mas apenas indagar se há necessidade de fixar um prazo e nada mais.

Ora, no caso dos presentes autos, estamos perante um acordo relativo à atribuição da casa de morada de família, de onde resulta que no âmbito de um processo de divórcio por mútuo consentimento A. e R. acordaram que esta tinha direito de habitar a casa de morada de família, que é propriedade do A., enquanto dela carecesse, não estamos pois perante um contrato ou negócio do qual resulte uma obrigação por parte da R., que implique a fixação judicial do prazo para o seu cumprimento.

Do aludido acordo resulta que as partes, A. e R., acordaram que esta poderia utilizar a casa de morada de família enquanto dela carecesse, na verdade, o acordo relativo à utilização da casa de morada de família pode ser estabelecido sem limite temporal, e foi o que sucedeu no caso em apreço, do mesmo não resulta qualquer obrigação a cumprir por parte da R. que leve à fixação de qualquer prazo para o efeito, mas sim que a mesma tem o direito de habitar na casa enquanto dela carecer.

Situação diferente é o caso de a R. já não carecer de utilizar a casa de habitação, e já não se verificar a condição para a sua utilização e fixada no acordo, no entanto, tal questão não pode ser apreciada nestes autos, pois cai fora do seu âmbito, que como já referido trata-se apenas da fixação de um prazo para cumprimento de uma obrigação, que no caso inexiste, pelo que, a pretensão do A. tem de improceder.»

6.2.

Este discurso apresenta-se, em tese e perante os contornos do caso concreto, curial e adequado, pelo que apenas importa chancelá-lo.

Em seu abono e, quiçá, ad abundantiam, acrescenta-se o seguinte:

A ação de fixação judicial de prazo tem como única finalidade objeto ou escopo, a fixação de um prazo adequado e razoável, necessário ao cumprimento de uma obrigação.

O que, obviamente acontece desde logo quando as partes não fixaram tal prazo, maxime nas obrigações em que a natureza da prestação, as circunstancias que a determinaram ou os usos exijam o estabelecimento de um – nº2 do artº 777º, como sejam, vg., os  casos do artº411º do CC- contrato promessa unilateral; arº 777º nº3 do CC – quando a determinação do prazo da prestação haja sido deixado ao credor e este não usar de tal faculdade, pode o devedor requerer a sua fixação; artº 897º nº2 do CC – na venda de bens alheios, quando o comprador de boa fé queira obter do tribunal a fixação de um prazo para a convalidação, subordinando ao decurso do mesmo a propositura da ação de declaração de nulidade; artº 907º nº 2 do CC-  na venda de bens onerados quando o comprador pretenda que seja fixado prazo para que o vendedor proceda à expurgação dos ónus ou limitações.

A finalidade deste processo de jurisdição voluntária é, portanto, a de fixação judicial de prazo - nos casos em que ele não tenha sido fixado ou quando o credor e o devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto - tendo-se em vista tornar efetivo o direito das partes a verem estabelecido um prazo para que se possa julgar vencida a obrigação que foi assumida.

Efetivamente, as obrigações, quanto ao seu vencimento ou exigibilidade, podem classificar-se em dois grandes grupos:

 a) obrigações puras;

 b) obrigações a prazo ou a termo.

As obrigações puras -  vg. n.º1  do artº 777º do CC- são aquelas que, por falta de estipulação ou disposição em contrário, se vencem logo que constituídas, ou seja, logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento ou o devedor pretenda realizar a prestação devida.

As obrigações a prazo são aquelas cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.

O prazo marca a data antes da qual o credor não pode exigir a prestação, se o devedor ainda a não tiver efetuado, ou não pode ser forçado a recebê-la assumindo aqui o prazo um carater suspensivo.

Ora a ação  presente versa para aquele tipo de obrigações  sendo a sua causa de pedir a inexistência de prazo para o cumprimento ou o não acordo entre devedor o credor quanto ao momento do vencimento da obrigação.

E se a ação de fixação judicial de prazo se identifica através dos referenciados pedidos e causa de pedir, o direito que lhe serve de fundamento, isto é, o direito que com essa ação o autor pretende acautelar, é o de como credor poder exigir à outra parte o cumprimento da obrigação por esta assumida.

Ou seja, com este processo visa o requerente o preenchimento de uma cláusula acessória do contrato: - prazo de cumprimento da obrigação - indispensável para a determinação da mora.

Tal significa que nesta ação a função jurisdicional apenas incide sobre a fixação – ou não – do prazo para cumprimento de uma obrigação e logo se esgota no preciso momento em que se profere a decisão.

Tal finalidade da acção, repete-se, apresenta-se como única.

Nela são inadmissíveis indagações sobre questões de cariz contencioso como sejam a (in)existência ou nulidade da obrigação.

O que, liminarmente, decorre da inserção sistemática do artº 1026º e segs.

Sendo-lhe, assim, aplicáveis os princípios próprios dos processos de jurisdição voluntária, os quais visam uma tramitação é simples e rápida, como decorre do disposto nos artºs 292º e segs e  986º e sgs do CPC.

Tramitação esta que, evidentemente, não se compadece e compagina com aquelas indagações, a maior parte das vezes, complexas e morosas.

E que, aliás, justifica que o requerente apenas tenha que provar em termos de suficiência - que não exaustivamente - o pedido de fixação do prazo para o cumprimento, o que passa pelo convencimento de que se tem direito ao cumprimento e que o demandado tem a obrigação de cumprir, constituindo a sua recusa ou inação uma ilegalidade ou até um abuso de direito.

Em suma:

Da natureza do processo, sua tramitação e finalidades instrumentais, decorrem um conjunto de corolários que a doutrina e a  jurisprudência dominantes têm posto em destaque, a saber:

i) o requerente deve apenas justificar suficientemente o seu pedido de fixação do prazo, mas não já fazer a prova dos seus fundamentos;

ii) face à natureza de jurisdição voluntária e às características do processo, que se pretende célere, não cabem nele indagações sobre a extinção da obrigação cujo prazo de cumprimento se pretende ver fixado;

iii) estão fora do âmbito deste processo questões de carácter contencioso, como sejam, vg., as da inexistência ou nulidade da obrigação.

Neste sentido, cfr. entre outros, os Acordãos:

- da Relação do Porto:

- de 22.01.1980, BMJ, 294º, 399, de 08.05.1980, BMJ, 297º, 406, de 16.02.1989, CJ, 1º, 194, de 30.05.1994, BMJ, 437º, 578, de 13.03.1997, e de 18.04.2006, dgsi.pt, ps.9631337 e 0620757;

- da Relação de Coimbra:

- de 13.03.1984, CJ, 2º, 36, de 11.06.1985, BMJ, 348º, 480, de 14.04.1993, BMJ, 426º, 538 e de 11.01.1994, BMJ, 443º, 629 e de 02.10.2007, dgsi.pt, p.2134/04.3;

- da Relação de Lisboa:

 de 18.10.1986, BMJ, 364º,928, de 22.01.2002 e de 20.06.2002, dgsi.pt, p. 00106497 e 0032068 ;

- do STJ:

- de 21.03.2000, Sumários, 39º, 18, de 14.12.2006  p. 06B3880 e de  20.10.2009, p.1307/06.9TBPRD.S1, in  dgsi.pt.

Sendo ainda de notar ser pacífico na jurisprudência que:

«Não cabe fixação judicial de prazo para a celebração de um contrato se antecipadamente se sabe que uma das partes não o celebrará».

Ou, outra perspetiva ou nuance:

« Não se justifica, por inútil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la.» - Cfr. Acs. da RL de 29/3/84 e de 27/6/91, CJ, 2º, 119 e  3º, 170; Ac. da RP de 16/2/89, CJ. 1º, 194  e  Ac. do STJ de 14.12.2006 p. 06B3880.

6.3.

No caso vertente.

Provou-se:

“Os requerentes acordam que a requerente mulher continue a residir na casa que é actualmente casa de morada de família e é bem próprio do requerente marido,...sendo que a requerente mulher poderá usar a dita casa para sua habitação, com exclusão de outrem, não lhe podendo dar outro destino, e enquanto dela carecer.”

Como é bom de ver, devidamente interpretado este trecho,  é de concluir que as partes subordinaram  a fruição da casa por banda da requerida à existência da necessidade do seu uso.

Ou, por outras palavras e numa diversa perspectiva, só quando a requerida deixasse de ter tal necessidade, sobre ela impenderia a obrigação de a abandonar.

Temos assim que, juridicamente, as partes subordinaram  a entrega da casa a uma condição resolutiva: se e quando a requerida dela deixasse de necessitar.

Destarte, e versus o defendido pelo recorrente – e algo contraditoriamente com o antes expendido ao admitir a presença da aposição de uma condição no negócio -, este  uso não foi sujeito a termo, mesmo que incerto, mas antes, reitera-se, a uma condição.

Pois que a desnecessidade não é algo que, inelutavelmente, venha a surgir, ainda que sem se saber quando (termo incerto), antes podendo nunca sobrevir.

É o caso típico da figura jurídica da condição, pois que, aqui, e perante esta, estamos face um acontecimento futuro e não apenas incerto quanto à sua ocorrência/verificação, como, outrossim,  incerto quanto ao momento ou ao momento/data da mesma, tudo sintetizado no brocardo: incertus an, incertus quando.

Tal como dimana do estatuído no artº 270º do CC:

«As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva»

Por outro lado, e mais uma vez devida e razoavelmente interpretado o anuído pelas partes, é admissível concluir que elas acordaram que a ré sairia da casa quando pudesse, já que ela apenas está vinculada a entregá-la quando, por qualquer motivo, dela já não necessitar.

 Assim emergindo a designada cláusula cum potuerit.

Pelo que a devolução da casa da requerida ao requerente só era exigível por este  quando aquela tivesse a possibilidade de cumprir .

Assim o permite o disposto no artº 778º nº1 do CC, o qual estatui:

« Se tiver sido estipulado que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a possibilidade de cumprir;…»

Na verdade: «…quando se convenciona uma cláusula cum potuerit, o credor pode exigir o pagamento ao devedor desde que se verifique que este tem a possibilidade de a cumprir, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 778º do Código Civil»  -  Ac. do STJ de 04.12.2007, p. 07B4158 in dgsi.pt.

Mas impendendo sobre o credor o ónus de provar que o devedor pode cumprir - – Acs. do STJ de 08.06.1995, p. 087053 e  de  22.01.2013, p. 376/08.1TBOFR-A.C1.

In casu, e como se disse, a possibilidade do cumprimento – rectius a saída da casa  por parte da requerida por dela já não necessitar -  está fora do âmbito dilucidatório do processo.

Antes devendo a bondade do pedido de fixação do prazo emergir, pelo menos determinantemente, dos elementos do processo e da posição das partes.

Ora perante estes elementos e posições é evidente que não dimana suficientemente líquido ter a condição, subjacente à entrega da casa, emergido.

Não se antolha, pois, como  pode o requerente pedir a fixação de prazo alicerçado  numa condição  cuja superveniência/verificação não está por ele minimamente comprovada no autos, nem neles  cabendo a averiguação de tal.

Destarte, a fixação de prazo, nos termos em que foi impetrada e perante os factos provados, não pode ser concedida.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando.

I - A ação especial de fixação judicial de prazo, visa unicamente a fixação de prazo, vg., para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, ou seja, nos casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a envolvem, ou os usos a que está sujeita;  e, assim, excluindo  questões de cariz contencioso atinentes à obrigação.

II- Se as partes, em divórcio,  anuíram que: “a requerente mulher continue a residir na casa de morada de família, que é bem próprio do requerente marido, enquanto dela carecer”, elas estabeleceram uma condição: -  incertus an incertus quando -, cuja superveniência/verificação, a provar pelo credor, seria conditio sine qua non da pretensão de fixação do prazo;  pelo que,  não estando comprovada nos autos e escapando ao seu  âmbito  dilucidatório, a pretensão soçobra.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2018.01.23.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos