Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
140/13.6TBCLB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
NOTIFICAÇÕES
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 33º E 41º, Nº 3 DO RGPTC; 44º, Nº 1, E 247º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: 1. O processo de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais constitui uma instância incidental relativamente ao processo (principal) de regulação - trata-se de um incidente de incumprimento do acordado, ou decidido, relativamente a qualquer questão do regime de regulação.

2. No incidente de incumprimento - forma processual secundária que apresenta o carácter de episódio ou acidente -, instruído ao abrigo do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, o regime de notificação do requerido rege-se pelas normas próprias do Processo Civil (art.º 33º, n.º 1 do RGPTC).

3. Perante a dita natureza incidental, pese embora a notificação pessoal do requerido/recorrente, impunha-se notificar a sua Exma. Patrona para os termos do incidente, sob pena de violação do preceituado no art.º 247º do CPC, estabelecendo-se no n.º 1 deste art.º que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (mandato que atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes - art.º 44º, n.º 1 do CPC), regra que vale para qualquer notificação dependente à parte que haja constituído (ou foi nomeado) advogado.

4. A previsão do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC não respeita a notificação convocatória nem envolve um acto de conteúdo idêntico ao da citação, pelo que, a partir da nomeação do patrono (ou da constituição de advogado), a representação do requerido é assumida pelo advogado a quem devem ser dirigidas as notificações - interpretação conforme à Constituição e que privilegia uma efectiva garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais, assegurando um contraditório profissionalmente adequado, potenciador duma lide mais justa e equilibrada.

5. A violação do contraditório inclui-se na regra geral sobre as nulidades processuais do n.º 1 do art.º 195º do CPC, por ser indiscutível que a sua inobservância é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

6. A cognição de determinada questão sem prévio contraditório inquina a decisão de ilegalidade por inobservância de uma formalidade processual, implicando a anulação da decisão proferida.

Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A 02.12.2020, A... deduziu incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra H..., relativamente à menor L..., sua filha, nascida a 28.4.2006, pedindo, além do mais, a condenação do requerido/progenitor no pagamento da quantia de €1.569,50, a título de prestação de alimentos vencidos e não pagos devidos à menor, através do mecanismo previsto no art.º 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9.

Alegou, em síntese: o requerido deixou de pagar a prestação de alimentos e, em anterior providência de incumprimento, por acordo, obrigou-se a pagar a quantia de €1.530 (em dívida) em prestações mensais e sucessivas de €25, com início em Setembro de 2020, a acrescer à prestação de alimentos (actualizada para €89,50), tendo pago apenas €229.

Por despacho de 14.12.2020 foi determinada a notificação do requerido, com observância das formalidades da citação, nos termos do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, para, no prazo de 5 dias, se pronunciar quanto ao incumprimento do pagamento da prestação de alimentos da sua responsabilidade, advertindo-se que, nada dizendo, se dariam por assentes os factos alegados no requerimento, sendo o mesmo condenado no pagamento das quantias peticionadas e no pagamento das prestações vincendas.[1]

Citado na sua própria pessoa, através de notificação postal, em 18.12.2020 (cf. fls. 23)[2], o requerido não se pronunciou.

Entretanto, foram juntas as informações determinados pelos despachos de 14.12.2020 e 18.01.2021 (este, na sequência da promoção de 13.01.2021), prestadas pelo Instituto da Segurança Social e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e/ou obtidas nas correspondentes Bases de Dados (fls. 24, 27, 29, 30 e 31).[3]

A Exma. Procuradora da República promoveu a prolação de “decisão de incumprimento, dando-se como provados os factos constantes do requerimento inicial” e que “atenta a informação de fls. 24, se determine o cumprimento coercivo nos termos do art.º 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sem prejuízo do art.º 738º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e art.º 18º, n.º 1, da Portaria 28/2020, de 31 de Janeiro, nos termos dos quais é impenhorável o montante de €211,79 (…)”.

            Foi depois proferida sentença, a 01.02.2021, que julgou “a presente acção de incumprimento parcialmente procedente” e, em consequência: a) declarou “verificado o incumprimento do requerido” relativamente à prestação de alimentos de Nov./2020 e condenou o requerido no pagamento à requerente no valor de €89,50; b) “pela procedência da excepção dilatória do caso julgado”, não julgou verificado o incumprimento do requerido quanto à quantia de €1.480, absolvendo-o da instância; c) julgou improcedentes os demais pedidos formulados, absolvendo o requerido do pedido de condenação em multa e indemnização a favor da menor; d) determinou que o pagamento da quantia referida em a), seja realizado através do desconto na prestação social recebida pelo requerido, a que acresce o valor da prestação de obrigação de alimentos e o valor do incumprimento declarado no apenso C, até integral pagamento, no valor mensal global de €120, devendo o Instituto da Segurança Social entregar tal quantia mensal directamente à requerente, sem qualquer encargo para esta.[4]

            Em 04.02.2021, o requerido, representado pela sua Exma. Patrona, arguiu a nulidade por omissão de um acto ou formalidade que influiu na boa decisão da causa (falta de notificação da Exma. Patrona subscritora para alegar o que tivesse por conveniente quanto ao incidente de incumprimento/art.º 247º do CPC), e consequente invalidade de todos os actos subsequentes à prolação do despacho de 14.12.2020.

Em 18.02.2021, inconformado com a referida sentença, o requerido/progenitor interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Em 02.12.2020, a recorrida apresentou um requerimento que deu origem aos presentes autos, alegando, em suma, que o recorrente não procedeu a diversos pagamentos no âmbito da obrigação de alimentos, peticionando o pagamento global de €1.569,50.

2ª - Na sequência da instauração do incidente de incumprimento pela recorrida,

em 14.12.2020, foi proferido despacho ordenando a notificação do requerido, “com observância das formalidades da citação”.

3ª - O requerido/recorrente não foi notificado com observância das formalidades da citação, conforme ordenado, mas sim, citado.

4ª - A mandatária judicial do recorrente apenas tomou conhecimento da instauração do presente apenso de incumprimento do exercício das responsabilidades

parentais aquando da notificação da sentença, no dia 02.02.2021, à revelia do estatuído no art.º 247º do Código de Processo Civil (CPC).

5ª - A Patrona foi nomeada ao recorrente pela Ordem dos Advogados para o representar nos autos principais, ou seja, no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais concernente à sua filha menor L..., sendo esta sua nomeação extensiva a todos os processos que sigam por apenso àquele, de conformidade com o art.º 18º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29.7, com a redacção conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31.3.

6ª - Não se pondo em causa o carácter pessoal da notificação em crise, devendo, em consequência, ser também cumpridas as formalidades da citação, o certo é que a mandatária judicial do recorrente deveria, de igual modo, ter sido notificada nos termos e para os efeitos do art.º 41º, n.º 3, do RGPTC, de conformidade com o art.º 247º do CPC.

7ª - A par da notificação dirigida ao interessado directo, o mandatário também

deveria ter sido receptor da comunicação do Tribunal.

8ª - Face ao tempo decorrido entre a homologação do acordo firmado na sequência do incumprimento do Apenso C (11.9.2020) e a data de instauração do incidente de incumprimento desse acordo (02.12.2020), existe uma linha de continuidade do procedimento que sempre sairia favorecido com a intervenção em juízo do mandatário judicial do recorrente, o que não veio a suceder.

9ª - Por se tratar de um incidente relacionado com a causa principal e seus apensos, as notificações às partes em processos pendentes também devem ser feitas na

pessoa dos seus mandatários judiciais.

10ª - Esta regra vale para qualquer notificação que seja dirigida à parte que haja constituído mandatário judicial ou se encontre nomeado patrono, quer seja obrigatório, ou não, o patrocínio judiciário.

11ª - Sendo manifesto a existência de uma nulidade, atenta a omissão de uma

formalidade que a lei prescreve, de acordo com o estatuído no art.º 195º, n.º 1, do CPC.

12ª - A Patrona do recorrente sempre foi notificada nos termos do art.º 41º, n.º 3, do RGPTC no âmbito dos demais incidentes, como resulta dos autos, o que criou a falsa convicção no H… de que seria contactado por aquela, como vem sendo habitual, em tempo útil, a qual exerceria, em sua representação, o respectivo contraditório.

13ª - A violação do contraditório também se inclui na cláusula geral sobre as

nulidades processuais constantes do n.º 1 do referenciado art.º 195º do CPC.

14ª - Atenta a consabida importância do princípio do contraditório, consagrado

sob o art.º 3º, n.º 3, do CPC, é indiscutível que a sua inobservância também é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, violando, ainda, o preceituado

no art.º 20º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa que assegura a todos o

acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente

protegidos, encontrando-se a todos assegurado o direito ao patrocínio judiciário.

15ª - Sendo que, no dia em que recepcionou a “citação”, o recorrente procedeu

ao pagamento da quantia de €114,50 respeitante à prestação vencida do mês de Nov./2020 (€ 89,50) e ao valor acordado no âmbito do incumprimento declarado no apenso C (€ 25), o que, naturalmente, foi desconsiderado na sentença proferida, porquanto não transmitido ao Tribunal, em virtude das vicissitudes acima referidas.

16ª - O que sempre determinaria a inutilidade superveniente da lide e a consequente absolvição da instância, atento o pagamento efectuado, nos termos e para os efeitos do preceituado nos art.ºs 277º e 278º do CPC.

17ª - A omissão quer das formalidades decorrentes da notificação quer do contraditório influiu na boa decisão da causa, ferindo de nulidade os presentes autos, cominando a invalidade de todos os actos subsequentes à prolação do despacho de 14.12.2020, que determinou a notificação do requerido, com a observância das formalidades da citação, o que, desde já, se invoca e se requer.

18ª - A sentença proferida alicerçou-se essencialmente na confissão do recorrente, atenta a falta de impugnação dos factos alegados pela recorrida, invocando, para o efeito, o estatuído no art.º 342º, n.º 2, do Código Civil (CC).

19ª - Não obstante o estipulado no mencionado art.º 342º, n.º 2, do CC, para que a revelia pudesse operar, a mandatária judicial do recorrente sempre deveria ter sido notificada nos termos do art.º 41º, n.º 3, do RGPTC para, querendo, exercer o contraditório em representação deste último, mediante a apresentação de alegações por escrito, o que não sucedeu – cf. art.º 247º do CPC.

20ª - Pelo que não poderia o Tribunal a quo considerar confessados os factos alegados pela recorrida, invocando a sua falta de impugnação, dado que, à excepção da sentença, a mandatária judicial do recorrente não foi notificada do demais processado, não podendo, assim, o ponto 5 da matéria assente ser considerado como provado.

21ª - Julgando como não provado o ponto 5 da matéria assente, sempre se deverá concluir pela improcedência do presente incidente apresentado pela recorrida,

por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos fácticos e de Direito.

22ª - A sentença sob apreciação violou os art.ºs 3º, n.º 3, 195º, n.º 1, 247º, n.ºs 1 e 2, 277º e 278º do CPC; 18º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29.7, com a redacção conferida pela Lei n.º 2/200, de 31.3; 20º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e 342º, n.º 2, do CC.

Rematou pedindo que seja declarada verificada a nulidade supra invocada, determinando-se a invalidade dos actos subsequentes à prolação do despacho de 14.12.2020, nomeadamente, a sentença proferida, ou, se assim não se entender, revogada a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente o incidente de incumprimento.

Por despacho de 25.02.2021, a Mm.ª Juíza a quo indeferiu a arguida nulidade, por considerar que foram “cumpridas as formalidades legalmente exigidas, inexistindo a omissão de qualquer acto ou formalidade que a lei impõe e, como tal, inexiste qualquer nulidade no processado que implique a nulidade do acto e dos subsequentes dele dependentes e a repetição do mesmo”, pois a lei (art.º 41º, n.º 3 do RGPTC) “exige apenas a notificação pessoal do requerido” e “o presente processo não é um processo pendente, mas sim um processo novo, pelo que não havia que dar cumprimento ao disposto no art.º 247º do CPC”.

No mesmo despacho foi admitido o recurso interposto da sentença e indeferida “a nulidade da sentença invocada pelo recorrente, nos termos expendidos ´supra` - cf. art.º 617º, n.º 1 do CPC, aplicável ´ex vi` art.º 33º, n.º 1 do RGPTC”.

As Exmas. Advogada da requerente e Magistrada do M.º Público responderam à alegação de recurso, concluindo pela sua improcedência.

O requerido interpôs recurso daquele despacho de 25.02.2021[5] - seguindo-se as respostas  da requerente e do M.º Público, de conteúdo idêntico a parte substancial das anteriormente apresentadas[6], no sentido da sua improcedência (fls. 111 e 119) -, admitido por despacho de 06.4.2021.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso[7], importa apreciar e decidir, principalmente, se a sentença recorrida deu cobertura a omissão de notificação geradora de nulidade/irregularidade (falta de notificação da Exma. Patrona do requerido para os termos do incidente de incumprimento), com as consequências que a lei prevê.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

...

2. Decorre ainda dos autos (processo principal e apensos):

a) O requerido interveio pela primeira vez nos autos principais (instaurados a 03.10.2013) em 28.11.2013.[8]

b) Passou a ser representado pela sua Exma. Patrona na sequência do deferimento de requerimento de protecção jurídica e subsequente nomeação pela Ordem dos Advogados.

c) E que interveio pela primeira vez nos autos (principais) em 03.02.2014.

d) No incidente de incumprimento suscitado pelo requerido em 07.11.2014, nas conferências dos pais, compareceram os progenitores e as Exmas. Patronas.

e) No incidente de incumprimento suscitado pelo M.º Público contra o requerido, em 15.4.2015, o requerido alegou representado pela sua Exma. Patrona, que também subscreveu diversos requerimentos apresentados nos autos principais (v. g., em 13.01.2016 e 26.01.2016).

f) O requerido pediu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais mediante petição apresentada pela sua Exma. Patrona, em 10.5.2016 (apenso B), a qual interveio na conferência dos pais e na audiência de julgamento e apresentou alegações e outros requerimentos.

g) A requerente, representada pela sua Exma. Patrona, deduziu incidente de incumprimento contra o requerido, em 16.6.2020 (apenso C); o requerido foi notificado “para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, ao abrigo do disposto no art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, com a cominação de que se nada disser serão considerados confessados os factos alegados pela requerente” (sic) (despacho de 22.6.2020); a Exma. Patrona do requerido apresentou alegações em 26.6.2020.

h) No mesmo apenso, em 02.9.2020, depois de designada data para a conferência dos pais, os progenitores alcançaram acordo sobre o objecto do incidente e a actualização da prestação de alimentos para €89,50/mensais, a partir de Set./2020 - formalizado em requerimento redigido e (também) subscrito pelas suas Exmas. Patronas -, homologado por sentença de 10.9.2020.

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica (art.º 2º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29.7[9]); esta, reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (art.º 6º, n.º 1).

O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso (art.º 18º, n.º 4).

4. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9, regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes (art.º 1º).

Constituem providências tutelares cíveis, nomeadamente, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes (art.º 3º, alínea c)).

Nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso (art.º 18º, n.º 1).

As partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessárias (art.º 25º, n.º 1). É garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios previstos no n.º 1 (n.º 3).

Nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores (art.º 33º, n.º 1).

5. Relativamente ao processo especial da regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos (art.º 41º, n.º 1 do RGPTC, sob a epígrafe “incumprimento”). Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão (n.º 2, 1ª parte). Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (n.º 3).

6. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art.º 3º, n.º 3 do CPC).

O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante (art.º 44º, n.º 1 do CPC).

A prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art.º 195º, n.º 1 do CPC). Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2, 1ª parte).

A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa (art.º 219º, n.º 1 do CPC). A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (n.º 2).

As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art.º 247º, n.º 1 do CPC, sob a epígrafe “notificação às partes que constituíram mandatário”). Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista no n.º 5 do art.º 219º, quando aplicável, ou pela expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (n.º 2, na redacção conferida pelo DL n.º 97/2019 de 26.7).

7. Na situação em análise, declarado o incumprimento do requerido quanto à prestação de alimentos de Nov./2020, foi o mesmo condenado no seu pagamento “através do desconto na prestação social recebida (…), a que acresce o valor da prestação de obrigação de alimentos e o valor do incumprimento declarado no apenso C, até integral pagamento, no valor mensal global de € 120, devendo o Instituto da Segurança Social entregar tal quantia mensal diretamente à requerente.”

Como se vê, na alegação de recurso, o requerido afirmou ter pago o valor em causa no dia em que teve conhecimento deste novo “incidente” (18.12.2020), iniciado a 02.12.2020.

A Exma. Patrona do requerido não foi notificada do requerimento inicial e só teve conhecimento do incidente de incumprimento (razão-de-ser, diligências, tramitação e desfecho) ao ser notificada da decisão final.

            Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que existem normativos especiais que determinavam aquela notificação; e as demais normas do ordenamento jurídico vigente também apontam, claramente, para que tivesse lugar, sob pena de potencial ou efectiva violação dos direitos e deveres ligados ao princípio do contraditório e ao patrocínio judiciário.

            8. Não é pacífico o entendimento de que a notificação a que se reporta o art.º 41º, n.º 3 do RGPTC não é pessoal - e por isso não tem que ser realizada com as formalidades próprias da citação (art.º 250º do CPC)[10] -, com a consequência de poder ser feita (apenas) na pessoa do mandatário (ou patrono) do pretenso devedor alimentar constituído nos autos, nos termos do art.º 247º CPC e com as formalidades prescritas na lei.[11]

Porém, bem menos controversa é a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação - forma processual ´secundária` que apresenta, em relação ao processo da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o carácter de ´episódio` ou ´acidente` -[12], não sendo, pois, de  acolher o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que se está perante um processo autónomo (uma nova acção de incumprimento das responsabilidades parentais)[13]; também nada se poderá objectar ao entendimento de no incidente de incumprimento das responsabilidade parentais, instruído ao abrigo do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, o regime de notificação do requerido rege-se pelas normas próprias da notificação em Processo Civil (art.º 33º, n.º 1 do RGPTC).[14]

9. O processo de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação de uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido - trata-se de um incidente de incumprimento do acordado, ou decidido, relativamente a qualquer questão do regime de regulação das responsabilidades parentais.[15]

10. Na situação em análise, regulado o exercício das responsabilidades parentais, a requerente/recorrida veio invocar (novo) incumprimento imputável ao requerido/recorrente.

            Perante a natureza incidental do incumprimento em apreço, pese embora a (já realizada) notificação pessoal do requerido/recorrente, impunha-se, também, notificar a sua Exma. Patrona para os termos do incidente, sob pena de violação do preceituado no art.º 247º do CPC, estabelecendo-se no n.º 1 deste art.º que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (mandato que, em geral, atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes - art.º 44º, n.º 1 do CPC), regra que vale para qualquer notificação dependente à parte que haja constituído mandatário judicial (ou foi nomeado advogado), quer seja obrigatório quer não o patrocínio judiciário.[16]

Ademais, consideradas as circunstâncias da instauração do incidente de incumprimento [em 02.12.2020 - na sequência do não pagamento da prestação de Nov./2020 e do acordo homologado por sentença de 10.9.2020] e a pretérita (constante) intervenção da Exma. Patrona, nos autos principais e apensos, em representação do requerido  - acompanhando-o nas diversas diligências processuais -, existe, claramente, uma linha de continuidade do procedimento que deveria favorecer a intervenção em juízo daquela Exma. Advogada, pelo que sempre deveria ser notificada para intervir em incidente relacionado com a causa principal (n.º 1 do art.º 247º do CPC).[17]

E se, nos termos legais, a parte apenas deve ser notificada pessoalmente se chamada ao Tribunal para a prática de acto pessoal (ou quando a lei exija expressamente esse tipo de comunicação), daí não decorre, necessariamente,  que, in casu, o requerido não devesse ter conhecimento directo do incidente, mas apenas que, numa lógica de complementaridade e de efectivo acesso à Justiça, não poderia ter sido preterida a notificação da advogada; de resto, mesmo nas hipóteses destinadas a chamar a parte para a prática de acto pessoal, estabelece o n.º 2 do art.º 247º do CPC, que, a par dessa notificação dirigida ao interessado directo, o mandatário/patrono também deve ser receptor da comunicação do Tribunal.[18]

11. No caso em apreço, por não estarmos perante uma notificação convocatória nem estar em causa um acto de conteúdo idêntico ao da citação (em que se dá conhecimento ao demandado de que foi proposta contra ele determinada acção), a partir da nomeação do patrono a representação do requerido é assumida pelo advogado a quem devem ser dirigidas as notificações.[19]

Esta, cremos, a interpretação mais conforme à Constituição e que privilegia uma efectiva garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais, assegurando um contraditório profissionalmente adequado, potenciador duma lide mais justa e equilibrada.

12. A violação do contraditório inclui-se na regra geral sobre as nulidades processuais constantes do n.º 1 do art.º 195º do CPC, por ser indiscutível que a sua inobservância é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.  

Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de forma expressa - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.

Relevam as irregularidades que possam influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa; as que possam ter reflexos de ordem substancial (hoc sensu).[20]

13. A descrita preterição de uma plena afirmação do princípio do contraditório [como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão[21]], naturalmente, pode influir no exame e decisão do incidente.

A omissão do contraditório (consubstanciada na omissão de formalidades da notificação), por si e porque levou à omissão de outras diligências que a ele poderiam/deveriam seguir-se, influiu, directa e necessariamente, na decisão que foi proferida e que é objecto deste recurso, constituindo nulidade processual na previsão do n.º 1 do art.º 195º do CPC.

14. A prolação de uma decisão sem observância do contraditório não integra uma omissão de pronúncia, porque aquela (in)observância do contraditório não constitui uma questão que devesse ser decidida na decisão recorrida, antes uma formalidade que a devia preceder; e também não será uma nulidade por excesso de pronúncia.

A cognição de determinada questão (por exemplo, de matéria de excepção) sem prévio contraditório inquina a decisão de ilegalidade por inobservância de uma formalidade processual, implicando a anulação da decisão proferida.[22]

15. Operando o regime dos n.ºs 1 e 2 do art.º 195º do CPC, importa  anular os actos subsequentes à prolação do despacho de 14.12.2020 (inclusive, a sentença recorrida)[23] - aproveitando-se, é certo, os elementos entretanto adquiridos para o processo -, devendo ter lugar a notificação (em falta) à Exma. Patrona, quer do teor do requerimento de 02.12.2020 quer da subsequente documentação junta aos autos, possibilitando, dessa forma, uma adequada alegação por parte do requerido (art.º 41º, n.º 3 do RGPTC).

16. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

III. Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto, pelo que se determina a anulação dos actos subsequentes ao despacho de 14.12.2020, inclusive, da sentença recorrida, e a notificação da Exma. Patrona do requerido nos termos e para os efeitos indicados em II. 15., supra.

Sem custas.


11.5.2021


***


[1] Foi ainda ordenada “a pesquisa das bases de dados do Instituto da Segurança Social e da Autoridade Tributária (…), relativamente à actual situação laboral do requerido” e a solicitação de “informação sobre se o mesmo é beneficiário de alguma prestação social, subsídio ou pensão”.

[2] Constando da respectiva missiva o seguinte: “Fica citado para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, nos termos do disposto no art.º 41º n.º 3, in fine, do RGPTC, com a advertência que, nada dizendo, se darão por assentes os factos alegados no requerimento inicial, sendo condenado no pagamento das quantias peticionadas e no pagamento das prestações vincendas”.

[3] Consignando-se no relatório da decisão recorrida: “Foram realizadas diligências a que alude o artigo 48º do RGPTC.” (sic)

[4] E, depois, ficou consignado: «Após trânsito, notifique o Instituto da Segurança Social para que proceda nos termos determinados (isto é, para que proceda ao desconto do montante mensal de 120€, sendo 89,50€ (obrigação mensal de alimentos) + 5,50€ (até atingir o montante de 89,50€) + 25€ (até atingir o montante de 1480€) e informe os autos do início dos descontos efectuados na prestação do requerido, com a advertência de que é impenhorável o valor de 211,79€ (duzentos e onze euros e setenta e nove cêntimos), nos termos dos artigos 738º, n.º 4 do CPC e 18º da Portaria n.º 28/2020, de 31/01

[5] Tendo concluído, nomeadamente: «1ª - O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 25/02/2021, o qual indeferiu a arguição de nulidade (…), na medida em que não foi efectuada a notificação da sua mandatária judicial, nos termos e para os efeitos do estatuído no art.º 41º, n.º 3, do RGPTC, conforme prescreve o art.º 247º do Código de Processo Civil. / (…) 5ª - A mandatária judicial do recorrente apenas tomou conhecimento da instauração do presente Apenso de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais aquando da notificação da respectiva sentença, (…), à revelia do estatuído no art.º 247º do Código de Processo Civil; / (…) 8ª - O processo de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal de regulação dessas responsabilidades parentais, destinada à verificação de uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido; / 9ª - Não se trata de um novo processo, como alegado pelo Tribunal a quo, na medida em que não é um processo autónomo, ou seja, com vida própria e independente; / 10ª - O artigo 41º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível exige apenas a notificação do requerido e não a sua citação; / (…) 13ª - A mandatária judicial do recorrente deveria, de igual modo, ter sido notificada nos termos e para os efeitos do art.º 41º, n.º 3, do RGPTC, de acordo com o art.º 247º do CPC, o que jamais sucedeu, a não ser para efeitos da notificação da sentença; / (…) 15ª - Pese embora recaia sobre o requerido um “dever de auto-responsabilidade” de contactar a sua patrona, como refere o Tribunal a quo, o certo é que o procedimento utilizado entre a sua mandatária judicial e o requerido, era aquela contactá-lo imediatamente após a sua notificação, dada a sua prévia notificação electrónica, solicitando-lhe informações necessárias ao caso concreto; / (…) 18ª - Sendo manifesta a existência de uma nulidade, atenta a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, de acordo com o estatuído no art.º 195º, n.º 1, do CPC. / (…)»

   Rematou pedindo que se declare a nulidade dos “actos subsequentes à prolação do despacho datado de 14/12/2020”.

[6] Salientando a Exma. Magistrada do M.º Público que «o fundamento invocado é idêntico em ambos os recursos, isto é, a nulidade do processo por falta de notificação da patrona do requerimento inicial. / Deste modo, também os argumentos invocados em resposta ao recurso interposto, não poderão deixar de seguir a mesma linha de raciocínio da resposta anteriormente apresentada no âmbito dos presentes autos
[7] Só aparentemente existem dois recursos (o 2º, admissível à luz do disposto no art.º 630º, n.º 2 do CPC), na medida em que, por um lado, o objecto do 2º está integralmente contido no objecto do 1º e, por outro lado, as consequências da invocada irregularidade processual repercutiram-se na sentença recorrida, ao sancionar/acolher a omissão em causa (na medida em que considerou o requerido devidamente notificado para os termos do incidente) – sobre a matéria, vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183; J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 424 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 22.
[8] Em 11.10.2013, o M.º Público, em representação da menor L…, pedira a regulação do exercício das responsabilidades parentais (apenso A).
[9] Diploma que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais.
[10] Sobre as formalidades da “notificação pessoal”, vide, nomeadamente, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 728.

[11] Neste sentido, cf., de entre vários, os acórdãos da RG de 07.01.2016-processo 26/14.7TMBRG-A.G1 e 02.5.2016-processo 674/06.9TMBRG-B.G1, da RC de 28.11.2017-processo 2679/12.1TBFIG-M.C1 (sendo 1º adjunto o aqui relator) [sumariando-se: «2. Em sede de incidente de incumprimento da prestação de alimentos, previsto no art.º 48º do RGPTC, previamente regulada na acção de responsabilidades parentais, a notificação do progenitor não cumpridor para alegar o que tiver por conveniente não é pessoal, podendo e devendo ser feita na pessoa do seu mandatário.»] e da RE de 05.12.2019-processo 10197/18.8SNT-A.E1 [concluindo-se: «1 - O processo de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação de uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido. 2 - O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os Tribunais Superiores, mesmo relativamente a incidente que surja posteriormente. 3 - Em sede de incidente de incumprimento da prestação de alimentos, previamente regulada em acção de responsabilidades parentais, a notificação do progenitor não cumpridor para alegar o que tiver por conveniente não é pessoal, devendo ser feita na pessoa do seu mandatário. 4 - Solução diversa só se colocaria no caso da procuração anteriormente apresentada ser especialíssima no sentido em que identifica ou individualiza a acção em que houvesse de ser exercido o mandato judicial, limitando por essa via os termos de actuação do mandatário constituído.»], publicados no “site” da dgsi.

   Em sentido contrário, exigindo a notificação pessoal da parte com as formalidades da citação (art.º 250º do CPC), cf., nomeadamente, o “voto de vencido” no referido acórdão desta Relação e os acórdãos da RG de 12.7.2016-processo 2061/14.6T8BRG-A.G1 [concluindo-se: «A notificação a que se refere o n.º 2 do artigo 181º OTM, e presentemente o n.º 3 do artigo 41º RGPTC, quando realizada depois de ter findado o processo de regulação das responsabilidades parentais e sem que esteja em curso qualquer outro incidente que também corra por apenso a esses autos, tem que concretizar-se de modo a assegurar que o seu conteúdo chega ao conhecimento do notificando, sob pena de violação dos seus direitos constitucionais de acesso aos tribunais e a um processo equitativo. Para tal, não obstante o legislador utilizar a expressão "notificar", terá que se observar, pelo menos e com as necessárias adaptações, as regras do processo civil relativas à citação.»] e da RC de 13.11.2018-processo 1780/16.7T8CBR-C.C1 [depois de se considerar que «o processo incidental de incumprimento comporta uma fase declarativa - referente ao apuramento do incumprimento - a que são aplicáveis subsidiariamente as regras processuais referentes aos incidentes da instância, por força do disposto no art.º 986º/1 CPC - e uma fase executiva - referente ao decretamento das medidas tendentes ao cumprimento», conclui-se: «1 - Destinando-se a notificação a que alude o n.º 3 do art.º 43º RGTC a que o alegado incumpridor da obrigação de alimentos fixada em processo tutelar cível possa em sua defesa alegar e provar o cumprimento, cujo ónus de prova lhe pertence nos termos gerais do art.ºs 762º e ss CC, tal notificação é uma notificação pessoal para o efeito do disposto no art.º 250º CPC. 2 - Por isso, e não obstante a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação das responsabilidades parentais, tem de ser efectuada em função das disposições relativas à realização da citação pessoal.»], publicados no mesmo “site”. 

[12] Vide, nomeadamente, Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Quid Iuris, 2ª edição, 2017, pág. 154.

   Este também o entendimento da doutrina e da jurisprudência no domínio de aplicação de idênticos normativos da Organização Tutelar de Menores (aprovada pelo DL n.º 314/78, de 27.10) – vide, nomeadamente, Ary Elias da Costa e Carlos Alberto de Frias Oliveira Matias, Notas e Comentários à Lei Tutelar de Menores, 2ª edição, Livraria Petrony, 1982, págs. 245 e 248 e Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores - Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família, Almedina, 1987, págs. 342 e 371 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 24.01.1989, in BMJ 361º, 600 [onde se refere que «o requerimento feito a tribunal, ao abrigo do art.º 181º da OTM, para que determine as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa (…) constitui uma providência de cariz incidental, dado pressupor ou envolver uma ocorrência estranha aos termos e actos normais do processo de regulação do poder paternal, embora com uma tramitação própria, distinta da providência da regulação do poder paternal que lhe serve de matriz ou origem. Tendo a providência requerida o carácter de episódio ou acidente, pois que visa a resolução de uma questão secundária e acessória que se enxertou na questão fundamental (…)»], o acórdão da RP de 08.10.2018-processo 9426/17.0T8VNG-A.P1 (publicado no “site” da dgsi) e os citados acórdãos da RC de 28.11.2017-processo 2679/12.1TBFIG-M.C1 [constando da fundamentação que “Em termos gerais conceptuais da noção de incidente, pode-se dizer que o mesmo é um procedimento anómalo, isto é, sequência de actos que exorbitam da tramitação normal do processo e têm, por isso, carácter eventual, visando a resolução de determinadas questões que, embora sempre de algum modo relacionadas com o objecto do processo, não fazem parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes”. Relativamente aos incidentes que em processos tutelares cíveis, refere-se que vêm previstos no RGPTC, em geral (face ao disposto no seu art.º 16º, 2ª parte), e, depois, em função dos respectivos processos especiais, outros incidentes vêm regulados, designadamente o de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais (como o previsto no art.º 41º) e especificamente o de incumprimento da obrigação de prestação os alimentos (art.º 48º)] e 13.11.2018-processo 1780/16.7T8CBR-C.C1.

[13] Vide, ainda, designadamente, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 560 e seguintes [aludindo ao incidente como “forma processual ´secundária` que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de ´episódio` ou ´acidente`” ou caracterizando-o como “intercorrência no processo destinado à composição da lide”. - pág. 563] e J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 169.
[14] Cf. o citado acórdão da RP de 08.10.2018-processo 9426/17.0T8VNG-A.P1.

[15] Cf. o cit. acórdão da RE de 05.12.2019-processo 10197/18.8SNT-A.E1.

[16] Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, cit., pág. 444 e J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 482.

[17]É assim inteiramente correcto, diga-se, o seguinte excerto da fundamentação da alegação de recurso: «(…) desde a sobredita regulação, em todas as instâncias incidentais de incumprimento, o requerido e a sua mandatária judicial sempre foram notificados ´ab initio´ do processo, nos termos e para os efeitos do artigo 41º, n.º 3, do RGPTC. / (…) existe uma linha de continuidade do procedimento que sempre sairia favorecido com a intervenção em juízo da mandatária judicial do recorrente, o que não veio a suceder

[18] Cf. o cit. acórdão da RE de 05.12.2019-processo 10197/18.8SNT-A.E1.
[19] Ibidem; perfilha-se, assim, o entendimento expresso no cit. acórdão da RC de 28.11.2017-processo 2679/12.1TBFIG-M.C1.
[20] Vide, designadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 176.

   A este propósito, ensinava J. Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, Vol. 2º, pág. 486: «Os actos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa ´decisão` da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente ´instruída` e ´discutida`, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a ´instrução`, a ´discussão` e o ´julgamento` regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.»
[21] Vide anotação ao art.º 3º do CPC nas obras indicadas na “nota 16”, supra.
[22] Vide, neste sentido, A. Abrantes Geraldes ob. cit., págs. 22 e seguinte.

   Em sentido contrário - sobre a consequência jurídica decorrente da violação do princípio do contraditório -, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, por exemplo, em 08.9.2020, no blogue do IPPC,  em comentário ao acórdão da RG 19.3.2020-processo 6760/19.8T8GMR-A.G1 (publicado no “site” da dgsi). 

[23] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 02.7.2015-processo 2641/13.7TTLSB.L1.S1 [concluindo: «1. O incumprimento do princípio do contraditório (artigo 3º NCPC) não surge, na economia da lei adjetiva civil, erigido como nulidade principal, com regulação, forma de arguição e momento de conhecimento autónomos ou definidos, sendo, antes, subsumível à disciplina do artigo 195º do NCPC, constituindo o desvio na prática (ou omissão) daquele princípio nulidade secundária quando relevante porque a lei especialmente o declare ou porque possa influir no exame ou na decisão da causa.»] e da RP de 27.01.2015-processo n.º 1378/14.4TBMAI.P1 [com o sumário: «I - A violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art.º 195º n.º 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida. II - Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação.»], publicados no “site” da dgsi.