Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
239/15.4TXCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
MODIFICAÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 01/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 118.º E 120.º, N.ºS 1, AL. B), E 3, DO CEPMPL (LEI N.º 115/2009, DE 13-10)
Sumário: Não existe óbice legal à concessão de liberdade condicional a quem, nas circunstâncias descritas no artigo 118.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, esteja a cumprir pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

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            A - Relatório:                                                                                          

1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o n.º 239/15.4TXCBR-B que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, em que é condenado A... , a 21 de julho de 2016, foi proferida a seguinte Decisão:

            “I. Relatório

Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado A... , já identificado nos autos.

O condenado encontrava-se em reclusão no Estabelecimento Prisional de L (...) . Por decisão de 2015.08.14 e constante de fls. 74-76 do apenso A, foi concedida a requerida modificação da execução da pena, recolhendo o condenado ao domicílio com a obrigação de aí permanecer e sob vigilância eletrónica.

Foi junto aos autos o relatório da DGRS exigido pelo artigo 173º do CEP, com as necessárias adaptações, tendo em conta o facto do condenado não se encontrar em meio carcerário e por esta forma sem acompanhamento pelos Serviços de Tratamento Prisional.

Nos termos do disposto no artigo 177º do CEP foi concedida vista ao MP para se pronunciar sobre a eventual concessão de liberdade condicional, não tendo emitido parecer porquanto, na sua perspetiva, não pode ser libertado quem não está preso nem foi solicitado relatório aos STP nem foi convocado Conselho Técnico (fls. 133-134 v.).

Ouvido o recluso, em Auto de Declarações (fls. 132 e v.), o mesmo não requereu a produção de provas suplementares, autorizando a eventual colocação em liberdade condicional.

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II. Saneamento

O tribunal é competente.

O processo é o próprio.

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A fls. 133 e ss. vem o Ministério Público invocar a falta de relatório dos Serviços de Tratamento Prisional, assim como a falta de convocação de Conselho Técnico e emissão do respetivo parecer, omissões que qualifica de irregularidades.

Conferido contraditório, pronunciou-se a defesa a fls. 154 v.-161, nos termos que aqui se dão por reproduzidos, afirmando a possibilidade de concessão de liberdade condicional ao condenado que se encontra em regime de permanência na habitação com OPHVE na sequência de decisão positiva no que tange a pretérito pedido de modificação da execução da pena por questões de saúde.

Decidindo:

Reporta o Ministério Público, como irregularidade, a falta do relatório a que alude o art.º 173º n.º 1 al. a) do CEP, assim como a não convocação do Conselho Técnico, prevista no art.º 174º do mesmo diploma legal e que, por maioria de razão, não terá emitido o parecer previsto no art.º 175º nem terá prestado quaisquer esclarecimentos.

Nos termos do disposto no art.º 118º n.º 1 do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do art.º 154º do CEP, a violação ou a inobservância das disposições da lei só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. Se assim não for o ato ilegal é irregular. No caso em apreço e tendo em conta as omissões indicadas, não sendo expressamente cominada a nulidade, estaríamos perante meras irregularidades, a arguir pelos interessados no próprio ato, se ao mesmo tiverem assistido ou, se assim não for, nos três dias subsequentes contados da notificação para qualquer termo do processo ou nele tiverem intervindo (art.º 123º do Cód. Proc. Penal).

No caso em apreço foi determinada a realização de relatório da DGRS para efeitos de apreciação da liberdade condicional por despacho de 2015.11.30, notificado ao MP em 2015.12.02 (fls. 92), daquele despacho não constando igual solicitação aos STP, o que foi reiterado por despacho de fls. 96, datado de 2016.03.07 e notificado ao MP em 2016.03.09.

Junto o relatório (único) em 2016.05.03 (fls. 106), foi designado o dia 15 de Junho de 2016 para audição do condenado (fls. 119), alterada para 22 de Junho por indisponibilidade da Exma. mandatária (fls. 120), o que foi notificado ao MP em 2016.06.15, processando-se a audição no aprazado dia 22 de Junho, na presença do MP. No caso, constando dos autos apenas um relatório e sendo a reunião do Conselho Técnico prévia à audição do recluso (cfr. art.º 174º n.º 1, 175º e 176º do CEP), as eventuais irregularidades decorrentes da não solicitação de relatório aos STP ou a não convocação de Conselho Técnico, a existirem, não foram arguidas tempestivamente já que tal arguição apenas ocorreu em 24 de Junho (fls. 133).

Em qualquer dos casos, subsistindo a possibilidade de conhecimento oficioso, dir-se-á, salvo o devido e muito respeito para com opinião contrária, que não existe qualquer omissão e, por esta via, não terá sido cometida qualquer irregularidade. O dissídio, na verdade, emerge, antes, da diferente interpretação do instituto levada a cabo por este Tribunal, que diverge da doutamente sufragada pelo Ministério Público e que se prende com a possibilidade de apreciação da liberdade condicional em caso de modificação da execução da pena.

A resposta do Tribunal foi afirmativa, pelo que os art.ºs 173º n.º 1 al. a) e 174º e ss. do CEP foram interpretados com as necessárias alterações, sendo consciente e deliberada a não solicitação de relatório aos STP e a não convocação de Conselho Técnico e, por conseguinte, inexistindo omissão ou irregularidade. Tal sucede pelo facto do condenado se encontrar no domicílio e, por esta via, não sujeito ao acompanhamento dos STP, não inserido em meio carcerário nem sob vigilância do Corpo de Guarda Prisional do EP, não havendo por isso necessidade daquele relatório nem da convocação de Conselho Técnico que, como decorre do art.º 143º do CEP, reúne no EP e com a presença dos elementos ali indicados e para emitir parecer sobre um condenado que ali já não se encontra.

Defendemos, é certo, e continuamos a defender, que o instituto da liberdade condicional é inaplicável aos casos de “prisão domiciliária” previstos no art.º 44º do Cód. Penal. No caso específico do regime de permanência da habitação, previsto no normativo indicado, não estão reunidos os pressupostos elencados para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP. Por um lado a aferição da liberdade condicional tem por referência a prisão efetivamente sofrida e sempre superior a seis meses e em meio carcerário. Por outro, os mecanismos mencionados quanto à sua apreciação e atividade de coadjuvação do Juiz de Execução das Penas não se coadunam com a execução desta pena de substituição, sendo o seu acompanhamento, ao invés, da competência do Tribunal da condenação.

No mesmo sentido da posição defendida expressa-se o Ac. TRP de 2009.01.28 mencionando, por um lado, a distinta inserção sistemática, quer no Cód. Penal, quer essencialmente no Cód. Proc. Penal (art.ºs 484º e 487º) que indiciará a vontade do legislador em dissociar os dois regimes de execução da pena. Por outro e como vetor distintivo, encontra a diversidade de pressupostos e a divergência quanto às entidades de acompanhamento reservando a competência do TEP apenas para a execução das penas de prisão em Estabelecimento Prisional. Ainda sobre a mesma temática pronunciou-se o Ac. TRC de 2009.07.22. Na verdade a liberdade condicional surge como forma de iniciar o processo de ressocialização, afetado pela permanência na prisão, enquanto a execução da pena prevista no art.º 44º do Cód. Penal se destina a substituir penas não superiores a um ano sem ingresso em meio carcerário, evitando os efeitos dessocializadores da prisão. Inexistindo estes efeitos não se justificará a possibilidade de concessão de liberdade condicional.

De forma diversa e no caso vertente, embora modificada quanto à sua forma de execução e por razões de saúde, o condenado não deixa de estar em cumprimento de uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, parte dos quais cumpridos em meio carcerário. Sendo a liberdade condicional uma fase do seu cumprimento e contando como cumprimento de pena no caso de não ser revogada, não se alcança fundamento legal para restringir a sua aplicabilidade no caso concreto, quando de pena de prisão falamos, sendo que o art.º 120º n.º 3 do CEP aponta, claramente, para a aplicabilidade do instituto mesmo em caso de modificação e, por imperativos constitucionais, qualquer interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias do recluso apenas poderá ter por base lei expressa propondo o Ministério Público uma leitura restritiva da norma, sem acolhimento expresso na lei e contrária aos ditames constitucionais.

A aproximação ao regime da adaptação à liberdade condicional é mais consentânea com a visão alargada dos direitos, liberdades e garantias. Note-se que o condenado em adaptação à liberdade condicional, com obrigação de permanência na habitação e vigilância eletrónica, na prática as mesmas formas de contenção em que o condenado se encontra, entrará em regime de liberdade condicional nos termos prevenidos nos art.ºs 62º do Cód. Penal e 188º do CEP.

Contrapõe o Ministério Público que não se justifica a medida, entre outras razões já analisadas, porquanto o condenado poderá estar inclusivamente internado em estabelecimento hospitalar, ligado às máquinas, em fase terminal ou completamente dependente de terceiros, privado da sua capacidade de querer e entender. Na verdade pode acontecer, mas não será o caso, até porque o condenado foi ouvido e autorizou a eventual colocação em liberdade condicional. Ainda que assim não fosse seria sempre viável o seu consentimento presumido, como acontece para a solicitação do incidente de modificação (art.º 119º n.º 2 do CEP), sendo distinto o decesso em meio hospitalar ou no domicílio, em liberdade, ainda que condicional, ao invés do desfecho sujeito a contenção e vigilância eletrónica. Se a modificação da execução da pena não pode constituir vantagem para o condenado, pois decorre da verificação de situações limite ligadas ao estado de saúde e autonomia e tem subjacente ideais humanitários, também não poderá constituir fundamento de discriminação negativa, no caso de sobrevivência aos marcos temporais relevantes, tornando mais gravosa a execução da pena ao amputá-la das fases de apreciação da possibilidade de concessão de liberdade condicional.

Assim, concluiu-se pela não verificação das apontadas irregularidades, sendo as omissões decorrentes da adaptação dos preceitos mencionados à concreta situação do condenado.

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Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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III. Os factos e o direito

O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.

Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”.

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:

a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);

b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);

c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).

A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:

a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);

b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.

Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigências de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1, do CP).

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 2/3 da pena:

a) Somente o juízo de prognose favorável referido em a) supra.

A liberdade condicional quando referida a 5/6 da pena (liberdade condicional obrigatória) trata-se já de um dever do tribunal não vinculado aos pressupostos materiais estipulados no artigo 61º, nº 2, als. a) e b), do CP, sendo concebida como uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade de forma a obstar às dificuldades na reinserção social do condenado, o qual, designadamente quando estejam em causa penas maiores, e não obstante o trabalho de socialização levado a cabo no estabelecimento prisional, no regresso à sociedade sofre, regra geral, de uma grande desadaptação à vida em liberdade.

Tal liberdade condicional depende apenas e só do cumprimento de grande parte da pena de prisão, independentemente de o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (ou seja, a apreciação relativa à prevenção especial positiva) ser positivo ou negativo.

O recluso cumpre uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, na sequência de revogação de perdão e da suspensão de que beneficiava no Proc. n.º 246/99.2TBLMG, por crime de abuso de confiança fiscal e frustração de créditos fiscais, cujo ½ ocorreu em 2016.06.29, atingindo os 2/3 em 2016.11.14, terminando a pena em 2017.08.14.

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No caso em apreço, tendo em conta o teor do relatório da DGRS de fls. 106-108, sendo que não houve outra produção de prova a requerimento do condenado e que os elementos apurados se fazem através do contacto com os técnicos da DGRS que elaboram o relatório referido e que detém o dever funcional de avaliação, considera-se que:

A) O recluso cumpre uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, na sequência de revogação de perdão e da suspensão de que beneficiava no Proc. n.º 246/99.2TBLMG, por crime de abuso de confiança fiscal e frustração de créditos fiscais, cujo ½ ocorreu em 2016.06.29, atingindo os 2/3 em 2016.11.14, terminando a pena em 2017.08.14;

B) Por decisão de 2015.08.14 e constante de fls. 74-76 do apenso A, foi determinada a modificação da execução da pena de prisão mencionada em A), deixando o condenado o EP de L (...) o onde se encontrava com obrigação de permanência na habitação e vigilância eletrónica;

C) O condenado encontra-se a residir com a esposa, com quem casou há cerca de 50 anos, juntamente com uma filha, autista e surda-muda, de 38 anos de idade e incapaz de se autonomizar, tendo o casal outro filho, mais autónomo mas também com problemas de audição e fala, laboralmente ativo e que frequenta o espaço habitacional da família de origem;

D) O condenado reside em moradia própria, com dois andares, dotada das infraestruturas básicas e com boas condições de habitabilidade, edificada em propriedade de grandes dimensões e isolada do exterior;

E) O condenado granjeou prestígio na zona de residência através da sua atividade empresarial e ainda como autarca, mantendo uma imagem globalmente positiva no meio comunitário, não se observando sinais de estigmatização ou de rejeição à sua presença;

F) Logo após a conclusão do 4º ano de escolaridade e à semelhança dos outros irmãos, o condenado iniciou atividade laboral na empresa de transformação e comércio de carnes de que a família era titular, atividade que exerceu ao longo da sua vida ativa;

G) Há vários anos que a empresa familiar entrou em dificuldades económicas, o que viria a motivar os confrontos com o sistema de justiça e a penhora de património;

H) O condenado encontra-se aposentado, subsistindo com base na pensão de reforma, de cerca de € 1.600,00 mensais, valor ao qual acresce a pensão da esposa de cerca de € 500,00 e uma pensão de invalidez da filha do casal, de € 200,00 mensais;

I) O condenado sofre de problemas de saúde do foro oncológico, tendo sido sujeito a intervenção para remoção de parte da língua, sendo sujeito a acompanhamento e vigilância regular no IPO do Porto e que determinaram a modificação da execução da pena com os fundamentos constantes de tal decisão;

J) O condenado apresenta um discurso globalmente tradutor da capacidade para se posicionar criticamente face aos crimes cometidos, enquadrando-os no âmbito da atividade empresarial que exercia.

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Verificados os factos assentes estamos perante um recluso com idade avançada, com problemas de saúde do foro oncológico cuja gravidade e estado motivaram a modificação da execução da pena e colocação no domicílio.

Goza de apoio familiar e aceitação na comunidade de inserção, não sendo notados sentimentos de estigmatização ou rejeição à sua presença.

Evidencia capacidade de análise crítica dos factos pelos quais foi condenado e cumpre pena sendo a sua postura atual serena, reflexiva.

Atingiu o ½ da pena. Embora ainda sejam valorizáveis, nesta fase, exigências de prevenção geral, as mesmas mostram-se consideravelmente atenuadas, face ao tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos e ao percurso posterior do condenado e seu estado de saúde (sendo que aquelas exigências não obstaram à modificação do regime de execução da pena).

Por tudo o que se referiu e face à postura do condenado, considera-se viável prognosticar o sucesso da medida em apreciação.

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IV. Decisão

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se conceder ao condenado A... a liberdade condicional, desde já e até ao termo da pena que cumpre – 2017.08.14 - sujeitando-a ao cumprimento dos seguintes deveres:

a) Fixar residência na Rua X... , Mondim da Beira de onde não poderá ausentar-se por mais de 8 dias sem prévia autorização do Tribunal de Execução das Penas;

b) Manter boa conduta mantendo um comportamento de acordo com as normas e convenções sociais;

c) Aceitar a tutela da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS), comparecendo às entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se, em 8 dias após libertação, aos respetivos técnicos da equipa do Douro, sita no Bloco da Feira, Loja 10, L (...) .

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Comunique de imediato à DGRS para desativação do equipamento de vigilância eletrónica.

Notifique, sendo o condenado, com cópia desta decisão, devendo o mesmo ser advertido, antes da libertação, de que:

A) A falta de cumprimento das condições e regras de conduta impostas, pode acarretar as consequências previstas nas alíneas a) a c) do artigo 55º, do CP;

B) A liberdade condicional será revogada se, no seu decurso, o libertado condicionalmente:

ba) Infringir, grosseira ou repetidamente, as condições impostas; ou

bb) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que fundamentam a presente liberdade condicional não puderam ser alcançadas por essa via, o que determinará a execução da pena de prisão ainda não cumprida – artigo 64º, do CP.

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Comunique ao EP.

Remeta cópias da presente decisão à DGRS e à DGSP, bem como ao processo da condenação e referido em A) dos factos provados (artigo 485º, nº 5, do Cód. Proc. Penal).

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Boletins à DSICCOC.

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Os serviços da DGRS deverão apresentar relatórios de acompanhamento sempre que entendam necessário.

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            2. Inconformado com esta decisão, recorreu o Ministério Público, a 25 de agosto de 2016, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. A liberdade condicional postula o cumprimento de metade da pena, no mínimo de seis meses.

2. A sua concessão baseia-se numa análise da personalidade do condenado e a evolução deste durante a execução da pena de prisão que permita prever que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

3. Para fazer tal juízo, deve o julgador ouvir o diretor do estabelecimento prisional, os serviços de educação, o serviço social e o chefe dos guardas prisionais, presentes no Conselho Técnico.

            4. Não estando o condenado em cumprimento de pena de prisão por a mesma ter sido substituída por obrigação de permanência na habitação devida a doença e idade avançada, não há qualquer possibilidade de fazer um juízo de prognose baseado no percurso prisional.

            5. O Juiz do TEP não deve desqualificar a intervenção dos sujeitos que têm de atuar no processo de ressocialização do condenado em pena de prisão carcerária, considerando-a dispensável para a sua tomada de posição.

            6. A liberdade condicional é um instituto pensado para se seguir a uma pena de encarceramento, não um prolongamento de um internamento hospitalar, de uma permanência na habitação, de uma prisão por dias livres…

            7. Não permite a lei que o juiz adote os processos livremente, dispensando na prática atos relevantes e bastando-se com a sua decisão.

            8. Uma libertação condicional postula uma apreciação do percurso prisional do condenado, não podendo o julgador dispensar essa apreciação.

            9. Tal falta constitui uma nulidade de pleno direito.

            10. Não nos parece que tenha qualquer conteúdo uma ressocialização de um condenado que tenha doença grave com patologia evolutiva e irreversível e já não responda às terapêuticas disponíveis.

            11. Igualmente não se vê bem a ressocialização possível de portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa.

            12. Não se vê também a possibilidade de uma ressocialização de condenado de avançada idade cujo estado de saúde, física ou psíquica, ou de autonomia se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional, ou afete a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena.

            13. As patologias que impediram o normal cumprimento de uma pena de prisão impedem igualmente uma plena ressocialização desses condenados que continuam incapazes de ter um projeto de vida livre, consciente e autónomo.

            14. Libertar condicionalmente quem não tem o mínimo de autonomia, de liberdade física ou mesmo mental é criar uma ficção jurídica sem contacto com a realidade.

            15. Trata-se de uma liberdade que não tem correspondência no mundo dos factos, isto é, declarar livre quem está preso pela incapacidade, pela idade, pela doença, por limitações definitivas.

            16. A liberdade condicional não pode ser encarada como um mero período de esperar pelo fim da pena, sem nenhum conteúdo útil socialmente e relativamente ao condenado.

            17. Tal representaria mesmo um juízo de censura à sentença condenatória, na medida em que a prisão decretada é substituída pela liberdade condicional sem se curar de apreciar o resultado de tal condenação, materializada em encarceramento, no espírito do condenado.

            18. Quem não pode sofrer prisão carcerária não pode ser libertado condicionalmente.

            19. Foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 61.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, 120.º, n.º 4, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, cometida a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, e cometidas as irregularidades de falta de reunião do CT – alínea f), do n.º 4, do artigo 138.º, artigos 174.º e 175.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) e junção do relatório previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 173.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

 

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            3. O recurso, a 29 de agosto de 2016, foi admitido.

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            4. O arguido respondeu ao recurso, a 28 de setembro de 2016, defendendo que não merece provimento, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

            1. O Ministério Público foi notificado de todos os atos processuais que precederam a decisão ora recorrida, pelo que, caso houvesse sido cometida qualquer irregularidade, o que não é concedido, teria de as ter arguido em tempo útil, o que não fez, pelo que sempre teriam de ser consideradas sanadas.

            2. O arguido tem os mesmos direitos que qualquer outro recluso, não podendo ver os seus direitos e garantias diminuídos, face à sua idade, saúde ou nem mesmo pelo facto de se encontrar preso (prisão domiciliária) ao invés de se encontrar recluso em estabelecimento prisional.

            3. Se a modificação da execução da pena não pode constituir vantagem para o condenado, pois decorre da verificação de situações limite ligadas ao estado de saúde e autonomia e tem subjacente ideais humanitários, também não poderá constituir fundamento de discriminação negativa, no caso de sobrevivência aos marcos temporais relevantes, tornando mais gravosa a execução da pena ao amputá-la das fases de apreciação da possibilidade de concessão de liberdade condicional.

            4. O artigo 61.º, do Código Penal, nunca refere qualquer conceito de “prisão efetivamente sofrida” e, muito menos, qualquer noção de “cadeia efetivamente sofrida”, sobretudo com o caráter restritivo da prisão ou, melhor, da reclusão institucional.

            5. Estabelecendo, como estabeleceu, o legislador a integral equiparação do regime de permanência na habitação à prisão, no n.º 4, do artigo 44.º, do Código Penal, não se poderá defender que “…não é admissível a «liberdade condicional» do regime de permanência na habitação”.

            6. Nesse sentido, vai a resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004 (Resolução que aprova o Programa de ação para o desenvolvimento da vigilância eletrónica no sistema penal, de 30/9/2004).

            7. Não há, no caso presente, qualquer impedimento legislativo, qualquer obstáculo jurisprudencial ou qualquer óbice doutrinal à aplicação do instituto da liberdade condicional.

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            5. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a 26 de outubro de 2016, emitiu douto parecer no qual defendeu que deve ser dado provimento ao recurso.

            Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido exercido pelo arguido, a 14 de novembro de 2016, o direito de resposta em que foi reiterado o anteriormente exposto.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

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            B - Cumpre apreciar e decidir:

            O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do C.P.P.

            As questões a conhecer são as seguintes:   

1) Saber se o condenado, encontrando-se em regime de permanência na habitação com OPHVE, na sequência de decisão proferida pelo TEP, nos termos dos artigos 118.º, alíneas b) e c), 119.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, al. b), n.º 2 e n.º 3, 121.º, 216.º, al. a), do C.E.P.M.P.L., pode beneficiar de liberdade condicional.

2) Saber se o tribunal a quo cometeu a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, e as irregularidades de falta de reunião do CT (alínea f), do n.º 4, do artigo 138.º, artigos 174.º e 175.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) e junção do relatório previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 173.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

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1) Da concessão da liberdade condicional ao condenado, encontrando-se este em regime de permanência na habitação com OPHVE, na sequência de decisão proferida pelo TEP, nos termos dos artigos 118.º, alíneas b) e c), 119.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, al. b), n.º 2 e n.º 3, 121.º, 216.º, al. a), do C.E.P.M.P.L.:

            Concede-se que, num primeiro momento, todos somos levados a pensar que quem não está sob prisão carcerária não pode ser libertado condicionalmente.

Contudo, não devemos deixar de ter bem presente que o instituto da liberdade condicional não tem permanecido estático ao longo do tempo.

            Tudo aponta para que o direito penal europeu permaneça em mutação sempre na perspetiva da prevenção especial positiva do condenado.

            Sem dúvida que, no segundo quartel do século XIX, quando surgiram os primeiros contornos da liberdade condicional, em França e na Inglaterra, era seu objetivo a reinserção social dos reclusos que estivessem a cumprir penas de prisão de média ou longa duração através da sua libertação antecipada.

            Eram tempos em que a privação da liberdade de um cidadão era realizada, exclusivamente, através da sua permanência em estabelecimentos prisionais.

            Acontece que, decorridos mais de cem anos, muitas alterações aconteceram em termos de execução de uma pena de prisão.

            De tal maneira que nos deparamos com a Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, cujo Título XV tem por epígrafe “Modificação da execução da pena de prisão de reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada”, em que o artigo 120.º dispõe o seguinte:

            “1 – A modificação da execução da pena reveste as seguintes modalidades:

a) Internamento do condenado em estabelecimentos de saúde ou de acolhimento adequados; ou

            b) Regime de permanência na habitação.

            2 – O tribunal pode, se entender necessário, decidir-se pela fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com base em parecer médico e dos serviços de reinserção social.

            3 – O tempo de duração do internamento ou do regime de permanência em habitação é considerado tempo de execução da pena, nomeadamente para efeitos de liberdade condicional.

            (…).

            Este n.º 3 só pode significar que o legislador não teve a intenção de impedir a concessão de liberdade condicional a quem esteja a cumprir a execução de uma pena em regime de permanência em habitação, no contexto exposto que não é o mesmo a que alude o artigo 44.º, do Código Penal, o que implicaria uma outra aproximação ao problema.

            Salvo o devido respeito, não vemos que outro significado possa ter.

            Aliás, se assim não fosse, estariam a ser criadas condições para uma situação que não seria a mais adequada.

            Tendo por referência o caso dos autos, o arguido, por, a partir de determinado momento, com base em razões de saúde e de idade, ter visto ser modificada a execução da pena, teria que a cumprir até ao fim, na sua habitação sujeito a vigilância eletrónica - para todos os efeitos, uma privação da sua liberdade -, e não poderia nunca beneficiar da liberdade condicional, contrariamente, outro condenado, por estar a cumprir pena em estabelecimento prisional, já poderia beneficiar do instituto.

            Estaríamos, a nosso ver, perante uma interpretação restritiva dos direitos de um condenado que não encontraria justificação que não fosse uma visão ultrapassada no tempo. 

            Bem andou, portanto, o tribunal a quo em aplicar o instituto da liberdade condicional ao condenado, sendo certo que estão reunidos os pressupostos formais e materiais para tanto, como decorre da respetiva fundamentação.

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1) Da nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, e as irregularidades de falta de reunião do CT (alínea f), do n.º 4, do artigo 138.º, artigos 174.º e 175.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) e junção do relatório previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 173.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade:

            Quanto a esta questão, não estando o condenado, à data em que foi proferida a decisão recorrida, em meio prisional, inócuo seria estar a fazer ou a solicitar as diligências em causa.

            Compreensível é, por isso mesmo, que o tribunal a quo não tenha caminhado nessa direção, pois deve abster-se da prática de atos inúteis.

            Desta forma, não se vislumbram os apontados vícios.

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D - Decisão:

            Nesta conformidade, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

            Sem custas.

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(Texto processado e integralmente revisto pelo relator).

Coimbra, 25 de Janeiro de 2017

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)