Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/07.9GTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
Data do Acordão: 06/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – DIAP -1ª
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 109º CP
Sumário: 1. Um objecto que tenha servido ou estivesse destinado a servir a prática de um facto típico ilícito – instrumenta sceleris - é o material ou coisa cujo uso não importe destruição imediata da própria substância de que se serviu ou se preparava para servir o agente na prática do crime. Ou seja: os objectos que surgem de tal modo estreitados e conexos com a própria acção, de modo que se possa dizer que, sem eles não seria a acção possível, poderia ser até impossível ou, pelo menos, seria extremamente difícil (aqueles que importam destruição imediata na própria substância, pense-se em explosivos, observam um regime próprio).
2. No que aos producta concerne, pode-se defini-los como sendo as coisas ou direitos adquiridos quer directamente com o crime – a coisa furtada ou roubada – ou mediante especificação – a jóia feita com o ouro roubado – ou por alienação – o dinheiro da venda.
3. A perigosidade do objecto afere-se de um ponto de vista objectivo, em concreto, ou seja, sob o ponto de vista objectivo da coisa em si mesma considerada mas atendendo às concretas condições em que pode ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos
4. O artigo 109º do CP não pode nem deve ser usado como forma de punição para a eventual inércia dos proprietários dos objectos apreendidos em inquérito, por muito que dure essa apreensão.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. J... & Filhos, Ldª, proprietária do veículo semi-reboque C-XXXXXX, veio recorrer do despacho de fls. 32, exarado pela Exmª Juíza de Instrução Criminal de Coimbra, no âmbito do Inquérito n.º 6/07.9GTCBR, que declarou perdido a favor do Estado aquele veículo, nos termos do art° 109° do C.P., que se encontrava apreendido à ordem dos autos.

            Em conclusão, alega que:

«1. Não pode a ora recorrente concordar com o decretamento da perda a favor do Estado do seu semi-reboque, uma vez que entende não ter o mesmo qualquer suporte fáctico ou legal.

2. Dos elementos constantes dos autos, não só não resulta a prática de quaisquer “factos ilícitos”, como resulta que a alteração do número do quadro foi efectuada em França e ai documentalmente verificada e atestada.

3. O número constante do quadro do semi-reboque é e está exactamente igual ao que apresentava à data da compra pela ora recorrente, ou seja, com ‘sinais’ muito visíveis de ter sido alterado - como efectivamente, foi, como se disse já, em 11/08/1998, em França - e com o número dele constante e constante quer dos seus documentos, quer da sua factura de compra, que ora se junta, ou seja, VFKXXO33CJ1NLO129.

4. Salvo o devido respeito, dos autos apenas resulta que o número do quadro do semi-reboque da ora recorrente foi alterado — nada existindo nos autos que permita concluir que tal alteração foi ilícita: pelo contrário!

5- Bem se vê que falha, ab initio, o requisito principal para a aplicação do artigo 109° do Código Penal.

6. Mas mesmo que dos autos resultasse a prática de actos ilícitos — e, como vimos, não resulta — o certo é que ainda assim não se encontram preenchidos os requisitos que permitem a declaração de perda a favor do Estado do veículo em causa nos autos.

7. É que o objecto em causa nos autos não põe em perigo, nem a segurança das pessoas, nem a moral, nem a ordem pública e não oferece qualquer risco de ser utilizado para o cometimento de nenhum ilícito típico, para além de ser propriedade da ora recorrente que não é, nem o agente de nenhum ilícito típico de nenhuma natureza, nem o beneficiário de qualquer infracção.

8. Pelo que bem se vê que se não encontram cumpridos os requisitos previstos no artigo 109° do Código Penal, não devendo tal perda ter sido decretada.

9. Acresce que, ao contrário do que entendeu o Ministério Público na sua douta promoção, a ora recorrente não foi negligente, tendo solicitado a entrega do veículo a fim de poder dar cumprimento ao que lhe era exigido, o que nunca lhe foi deferido (ou, sequer. respondido).

10. Ainda que o tivesse sido, o artigo 109° do Código Penal não deve ser aplicado como “punição’ para a inércia dos proprietários dos objectos.

11. Ao decidir da forma expendida no douto despacho proferida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 109° e 110° do Código Penal e os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade e da nulla poena sine crimen.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser o douto despacho recorrido revogado».

            2. Respondeu o Ministério Público de 1ª instância, sustentando a improcedência do recurso, com base nas seguintes conclusões:

Ø «No presente inquérito diligenciou-se por averiguar a identidade do agente que alterou o número de chassis do semi-reboque apreendido, alteração essa que foi confirmada no âmbito de um exame pericial a que o veículo foi submetido, pelo que é de concluir que veículo apreendido à ordem deste processo serviu para a prática dos factos ilícitos denunciados nos autos;

Ø O despacho proferido pela Mma. J.I.C. que, nos termos do disposto no art. 109° do Cód. Penal, declarou perdido a favor do Estado o semi-reboque, respeitou os requisitos que permitem a declaração de perda do veículo a favor do Estado, já que esse objecto, nas condições em que se encontra, representa pelo menos um dos perigos a que alude tal disposição legal: oferece risco de ser utilizado para a prática de crimes e é propriedade da ora recorrente que, por via da sua eventual utilização nessas condições, é beneficiária do ilícito que neste inquérito se denuncia».

            3. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, opinando, em síntese:

«(…) Ora, no caso dos autos, concluiu-se durante o inquérito que se encontrava indiciada a falsificação do número de chassis do semi-reboque C- XXXXXX, por rebaixamento da área onde está impresso o número e um desalinhamento do grupo alfanumérico que o compõe, tendo-se concluído que houve viciação que é denominada como ‘ compressão a quente” , pelo que o veículo foi apreendido à ordem dos autos; mas não se apurou quem foi o autor dos factos nem em que data os mesmos foram praticados, razão pela qual foi determinado o arquivamento do inquérito. O número de chassis constitui um dos elementos identificadores do veículo.

Mas, quer se trate de instrumenta sceleris quer se trate de producta sceleris (quer seja instrumento do crime ou produto do crime), para a declaração de perdimento a favor do Estado, é necessário que o bem seja susceptível, por sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, de pôr em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos (ver neste sentido Ac. do STJ de 3-07-1996, in Col. Jurisp., tomo II, pág. 211).

Não se vislumbra que tal venha a acontecer, isto é, que a utilização do veículo sirva para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, tendo em conta até a idade do veículo, com vinte anos e que no dizer do recorrente, pretende efectuar o seu abate.

Sendo que o veículo semi-reboque não é instrumento nem produto do crime, mas apenas, foi o objecto sobre o qual incidiu a actuação. Não se falsifica com o veículo e este não é resultado da falsificação. Foi no veículo que se falsificou um dos seus elementos de identificação.

(…)

Assim, entendemos que não deve ser declarado perdido a favor do Estado, o semi-reboque C-XXXXXX.

Termos em que emitimos parecer no sentido de que deve o presente recurso ser julgado procedente».

            4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [tendo a recorrente, parte legítima neste recurso, nos termos do artigo 401º/1 alínea d) parte final do CPP, respondido a fls 72], foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a questão a resolver consiste em saber se estão perfectibilizados os requisitos legais para o perdimento do veículo reboque, propriedade do recorrente, a favor do Estado.

            2. O despacho recorrido tem o seguinte – e singelo - teor:

            «Do resultado das diligências efectuadas, entende-se que assiste razão ao MP na sua promoção de fls 80.

Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 109º, n.º 1 do CP, declara-se perdido a favor do Estado o referido semi-reboque com a matrícula C-XXXXXX, apreendido à ordem dos autos e uma vez que o mesmo serviu para a prática dos factos ilícitos denunciados nos autos».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem a sociedade comercial J... & Filhos, Ldª, enquanto proprietária do veículo visado, recorrer do despacho judicial que declarou perdido a favor do Estado o veículo semi-reboque C-XXXXXX.

Alega que dos elementos constantes dos autos não resulta a prática de quaisquer factos ilícitos, antes resultando que a alteração do número de quadro foi efectuada em França e aí documentalmente verificada e atestada, entendendo que se não encontram preenchidos os requisitos que permitem a declaração de perda a favor do Estado do veículo em causa nos autos, porque não põe em perigo, nem a segurança das pessoas, nem a moral, nem a ordem pública e não oferece risco de ser utilizado para o cometimento de nenhum ilícito típico.

Por essa razão, pede que seja revogada a decisão, por ter sido violado o disposto nos art°s 109° e 110º do C.P., e os princípios gerais da legalidade, proporcionalidade e da nulla pena sine crimen.

3.2. Para melhor compreensão, façamos um breve historial do processado.

Assim:

Ø Pende este inquérito no DIAP de Coimbra desde Janeiro de 2007, tendo tido o seu início com um auto de notícia elaborado pela GNR, no qual se atesta que, numa fiscalização de trânsito, ocorrida em 5/1/2007, foi detectado que o veículo 29-67-RR, categoria Tractor tipo mercadorias, propriedade de J... e Filhos, Ldª, conduzido por R... – entretanto constituído como arguido -, rebocava o semi-reboque C-XXXXXX, marca Benalu, modelo D33C1NL, tendo sido constatado que o n.º do quadro deste semi-reboque «apresentava indícios da prática de viciação, por desbaste da superfície onde está marcado o respectivo número e posteriormente a uma nova compressão do n.º com recurso ao punção».

Ø Em 13/2/2008, o MP profere despacho de arquivamento, à luz do artigo 277º, n.º 2 do CPP, entendendo que «nas diligências investigatórias levadas a cabo no âmbito dos presentes autos não foram colhidos elementos que permitam identificar o ou os autores dos factos em apreço», e que, na sua óptica, seriam subsumíveis ao crime de falsificação do n.º de chassis do semi-reboque em causa.

Ø Na parte final desse despacho, deixa-se escrito o seguinte: «Com cópia de fls 4 e 13, oficie à DGV solicitando que informem o que tiverem por conveniente sobre uma eventual regularização/legalização do semi-reboque que ostenta a matrícula C-XXXXXX que se encontra apreendido nestes autos».

Ø Responde o IMTT a fls 22, lançando luz sobre os procedimentos a encetar com vista a esse desiderato (inspecção pela IMTT para efeitos da verificação das características do veículo, atribuição de número de quadro pela IMTT e  gravação do mesmo no veículo, requerimento a solicitar atribuição de matrícula nacional e pagamento de taxas), os quais foram notificados à recorrente.

Ø Acontece que logo nessa ordem de notificação, é cominado, por despacho do MP, datado de 27/06 ou 07/2008 (fls 23), que se a recorrente não responder que está na disponibilidade de efectuar as diligências sugeridas, «poderá o veículo vir a ser declarado perdido a favor do Estado».

Ø Em Julho de 2008, a firma recorrente responde afirmativamente a fls 25, requerendo autorização para requerer a inspecção, a qual se presume dada.

Ø Em Dezembro de 2008, a firma recorrente volta aos autos, após notificação (onde se repete a cominação), para pedir a entrega do veículo «a fim de efectuar as diligências indicadas pelo IMTT».

Ø Por cota, são estes autos informados telefonicamente pela recorrente que «vai efectuar as diligências indicadas pelo IMTT» (data tal cota de 11/12/2008), na medida em que referiu não ter compreendido a notificação que lhe havia sido feita anteriormente.

Ø Igualmente, por cota, agora datada de 13/3/2009, são estes autos informados telefonicamente pela recorrente que não conseguiu ainda efectuar as diligências sindicadas pelo IMTT.

Ø Surge, então, a promoção do MP datada de 19/10/2009, a qual tem o seguinte teor:

«Já passou mais de um ano e 3 meses desde que a sociedade J... e Filhos, Ldª foi notificada do nosso despacho de fls 70 e até à data nada fez.

Assim, nos termos do disposto no artigo 109º, n.º 1 do CP, conclua os autos à Mmª JIC, com a promoção de que se declare perdido a favor do Estado o semi-reboque que ostenta a matrícula C-XXXXXX e que se encontra apreendido à ordem dos autos por o mesmo ter servido para a prática dos factos ilícitos denunciados nos presentes autos».

Ø Já no TIC de Coimbra, a Mº Juíza, antes de proferir o despacho recorrido, despacha no seguinte sentido:

«Notifique a sociedade identificada a fls 80 para esclarecer se já efectuou as diligências indicadas pela IMTT e quais em concreto. Prazo: 10 dias».

Ø Responde a sociedade em causa com o requerimento de fls 30 (84 dos autos), no qual invoca razões de saúde, dificuldades financeiras e um anúncio de fim da sua actividade, tendo já entregue para abate todos os veículos tractores.

Ø Alega ainda que o veículo em causa tem 21 anos, requerendo a final que o mesmo lhe seja entregue para abate e posterior cancelamento de matrícula, «ficando a requerente a beneficiar da venda do metal e dos sistemas mecânicos, a fim de minimizar os prejuízos e fazer face às obrigações financeiras».

Ø Mais requereu que lhe fosse entregue o veículo e documentação – ou certidão da mesma – a fim de iniciar o processo de abate, comprometendo-se, no prazo de 30 dias, a apresentar o comprovativo do abate e cancelamento da matrícula.

Ø Perante este requerimento, a Exmª Magistrada do MP limita-se a manter o despacho de fls 80, «não obstante o teor de fls 84».

Ø E é nesta altura que surge, enfim, o despacho recorrido.

3.3. Aqui chegados, só podemos dar razão à recorrente por mais do que uma ordem de razões.

Vejamos porquê.

3.3.1. Resulta do art. 109º do Código Penal, que:

«1. São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio».

Esta regra ínsita no art. 109º cuida da perda de instrumentos e de produtos do crime. Produto, logicamente, diverso do dano...

Em rigoroso latim, são aqueles os instrumenta sceleris e estes os producta.

Este é o ponto de partida para considerar a figura de declaração de perda de bens.

Reputa-se como subjacente e este preceito uma ideia de prevenção, imposta para proteger a comunidade por a mesma ser posta em perigo pela existência dos objectos, associados aos factos típicos ilícitos.

Mas tem de se ir mais longe do que isso – há que atentar na factualidade julgada, cuja expressão deflui da conduta do próprio arguido.

Isto significa que os objectos em si não são considerados apenas por poderem ser perigosos, havendo que fazer um juízo do uso, não apenas potencial, não apenas latente, mas efectivamente serviente do crime ou empreendido pelo arguido, devendo-se tratar-se de um perigo intrínseco e intolerável.

O fundamento desta norma é essencialmente a prevenção securitária – não se pode falar com propriedade em cumprir um desígnio do fim das penas na medida em que se retira do nº 2 do art. 109º a ideia que, mesmo sem condenação ou mesmo sem arguido, os objectos relacionados com a prática de crimes podem ser declarados perdidos.

O primeiro elemento a considerar[2] é a existência de um facto ilícito ou anti-jurídico, no qual caberá também a tentativa.

Seguidamente, exige-se um objecto que:

§ tenha servido para a prática de um facto típico ilícito;

§ estava destinado a servir para a prática de um facto ilícito típico;

§ foi produzido por um facto ilícito típico

§ e que pela sua NATUREZA ou pelas circunstâncias, possam pôr em perigo a comunidade (a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública) ou oferecer sérios riscos de serem utilizados para a prática de crimes.

Um objecto que tenha servido ou estivesse destinado a servir a prática de um facto típico ilícito – instrumenta sceleris - é o material ou coisa cujo uso não importe destruição imediata da própria substância de que se serviu ou se preparava para servir o agente na prática do crime. Ou seja: os objectos que surgem de tal modo estreitados e conexos com a própria acção, de modo que se possa dizer que, sem eles não seria a acção possível, poderia ser até impossível ou, pelo menos, seria extremamente difícil (aqueles que importam destruição imediata na própria substância, pense-se em explosivos, observam um regime próprio).

No que aos producta concerne, pode-se defini-los como sendo as coisas ou direitos adquiridos quer directamente com o crime – a coisa furtada ou roubada – ou mediante especificação – a jóia feita com o ouro roubado – ou por alienação – o dinheiro da venda.

A declaração de perda de bens, se pode prescindir do princípio “estrito” da culpa, não deixa, contudo, de se dever pautar por um critério de proporcionalidade que, atenta a produção de jurisprudência que vem sendo conhecida sobre o assunto, se pode bem assimilar à figura de “algum bom senso”.

Note-se que uma parte do preceito resulta de observação directa e subsunção fáctica. A parte difícil da decisão/declaração é o crivo do perigo. No fundo, é arvorar uma probabilidade, recorrendo a juízos que nos façam concluir sobre a previsão razoável de que os objectos podem ser perigosos, pelo seu inelutável perigo imanente à sua própria característica ou pela ilícita renovação do uso.

Tarefa que, como é óbvio, exige cautela e ponderação, e já agora alguma dose razoável de fundamentação decisória (não sendo o despacho recorrido um bom exemplo de fundamentação[3] de uma decisão judicial, por se mostrar tão conclusivo e enunciativo).

Desta forma, tem sido opinado e decidido pela nossa jurisprudência que em primeira linha, deve ser a perigosidade do objecto em si mesmo considerado, independentemente da pessoa que o detém, que justifica, na perspectiva político-criminal, a sua perda.

Contudo, a referida perigosidade do objecto não deve ser avaliada em abstracto, mas em concreto, isto é, nas concretas condições em que ele possa ser utilizado (às «circunstâncias do caso» se refere expressamente o art. 109. °-1).

Recorramos ao nosso Mestre de Coimbra, Figueiredo Dias:

«A finalidade atribuída pela lei vigente à perda dos instrumentos e do produto do crime é exclusivamente preventiva. Isso se revela pela circunstância de, nos termos do art. 107. °-1, nem todos os objectos que constituam instrumentos ou produto do facto deverem ser declarados perdidos, mas apenas aqueles que, «pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a mora ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes»: numa fórmula mais simples (mas de certo não menos rigorosa, uma vez que a «segurança das pessoas» e a «moral ou a ordem pública» não podem deixar de relevar apenas enquanto valores jurídico-penalmente protegidos, nessa veste e medida) aqueles instrumentos ou produto que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objectos perigosos.

            Com base no critério apontado parece de afastar - porque desprovida de fundamento legal -, por exemplo, a perda da caneta com que foi falsificado um documento, ou do automóvel (ou da residência!) onde foi praticada uma violação. Mas já deverá ser declarada perdida a arma com que foi praticado o homicídio, os cunhos com que foi contrafeita moeda ou a própria moeda contrafeita.

Questão é saber sob que ponto de vista deve ser avaliada a perigosidade referida: se sob o ponto de vista objectivo da coisa em si mesma considerada, ou antes sob o ponto de vista subjectivo, mais rigorosamente, sob o ponto de vista do relacionamento entre a coisa e um determinado sujeito.

            O ponto de vista objectivo parece dever impor-se como ponto de partida. Não é fácil, com efeito, determinar com a indispensável clareza os critérios em função dos quais um objecto, em si insignificativo do ponto de vista da sua perigosidade, se torna em «objecto perigoso» em função da pessoa que o detém. O objecto mais anódino (um lençol, uma meia de seda, um lápis ou uma caneta; pode tornar-se em objecto hoc sensu «perigoso» quando detido por um indivíduo perigoso. Declarar a perda nestes casos, porém, significaria procurar atalhar a perigosidade do agente, não - como é finalidade do instituto - a perigosidade do objecto: para atalhar a perigosidade do agente dispõe a lei de outros recursos e de outros institutos que nada têm a ver com a perda dos instrumentos e dos producta sceleris. Em primeira linha, por conseguinte, deve ser a perigosidade do objecto em si mesmo considerado, independentemente da pessoa que o detém - o tratar-se de uma arma, de um explosivo, de moeda contrafeita ou de cunhos para a fabricar, etc. – que justificam a perspectiva político-criminal, a perda.

            Sem prejuízo do que fica dito, a referida perigosidade do objecto não deve ser avaliada em abstracto, mas em concreto, isto é, nas concretas condições em que ele possa ser utilizado (às «circunstâncias do caso» se refere expressamente o art. 107. °-1). Um revólver, p. ex., é um objecto «em si» perigoso; mas que terá deixado de o ser se, após o tiro que constituiu meio de cometimento do ilícito-típico, a engrenagem tiver ficado danificada por forma irreparável. Esta conexão entre a perigosidade do objecto e as concretas circunstâncias do caso pode acabar por «implicar uma referência ao próprio agente» (ponto de vista subjectivo). Por exemplo, uma liga de um metal corrente, que qualquer pessoa possa deter, pode tornar-se em coisa perigosa se for detida por alguém conhecedor de uma fórmula que a transforme em substância explosiva. Esta «referência ao agente» não deixa, de resto, de apoiar a interpretação restritiva, feita no § 987, do disposto no art. 107.°-2».

            Está, pois, hoje clarificado que a perda é uma espécie de medida de segurança, operando somente naqueles casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento, sendo, por conseguinte, fundamental a existência de um perigo típico, de repetição da prática de novos factos ilícitos, o qual não pode ser aferido em abstracto, sob pena de se colocar mesmo em causa o princípio constitucional da presunção de inocência.
Em suma: A perigosidade do objecto afere-se de um ponto de vista objectivo, em concreto, ou seja, sob o ponto de vista objectivo da coisa em si mesma considerada mas atendendo às concretas condições em que pode ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

            3.3.3. Relativamente ao caso dos autos, há que recorrer à sábia doutrina exarada no Acórdão da Relação de Guimarães de 27 de Setembro de 2004 (Pº 1116/04), em situação factual em tudo semelhante à nossa.

            Não obstante lermos no Acórdão da Relação do Porto (datado de 30/4/2008) tese que, contudo, não contraria a nossa, pois as situações são por demais diversas («um veículo automóvel, que não se encontra em condições de circular legalmente no país e no qual, por isso mesmo, foram apostas matrículas falsas, tem de afirmar-se, pelas circunstâncias do caso, a perigosidade do objecto. Tendo o veículo sido introduzido ilegalmente no país, se não fosse decretado o seu perdimento a favor do Estado seria de esperar que ele servisse novas perturbações da ordem jurídica»), limitamo-nos a concordar com esse aresto de Guimarães, segundo o qual «Tendo um veículo automóvel sido objecto de viciação dos seus elementos identificadores, tal veiculo não poderá ser considerado um instrumento do crime nem um produto do mesmo e, por isso, não poderá ser declarado um objecto perdido a favor do Estado».

Recorramos a esse aresto, o qual se limita a aderir à tese exarada nos Acórdãos do STJ de 14-03-2002 e de 23-01-1997, podendo também trazer-se à colação o decidido por esta Relação em 9/7/2008 (segundo a qual, a viciação do conta-quilómetros de um automóvel não se integra em nenhum dos grupos contemplados no artigo 109º do CP):

«O veículo em causa, em nosso entender, não entra em nenhuma das duas categorias de instrumentos referidos no n° 1 do art. 109º. Com efeito, nem é instrumento do crime nem produto dele. É antes o objecto sobre o qual incidiu a actuação ilícita.

Conforme decidido no Ac. do STJ, de 23/01/97 , «deixou de haver lugar à perda a favor do Estado dos objectos sobre os quais incidiu actuação ilícita e que não tenham a natureza de instrumentos do crime, como seja o automóvel que tenha sido objecto de viciação dos seus elementos identificadores».

Não é, por isso, de declará-lo perdido a favor do Estado».
            Parece-nos ser esta a tese mais correcta, de acordo com o princípio da legalidade e tipicidade.
            Não nos parece, assim, que o bem perdido a favor do Estado (o semi-reboque matrícula C-XXXXXX) esteja contemplado nas situações previstas no artigo 109º do CP, exactamente por não poder ser considerado um instrumento ou um produto do crime.

3.3.4. Mas mesmo que se considere que foi «produto de crime», há que dizer que fica por demonstrar a tese segundo a qual o bem se torna perigoso, nos termos atrás delineados.
E neste ponto só podemos estar de acordo com o eloquente parecer da Exmª PGA.
Não se vislumbra, de facto, que este semi-reboque venha a ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos, atenta até a sua provecta idade – 20 anos – e o facto de a recorrente já ter declarado nos autos que pretende abater o veículo em causa.
E deu já uma indicação possível e razoável do possível fim do processo – entrega do veículo à recorrente a fim de que se inicie o processo de abate e posterior comunicação ao processo do comprovativo do dito abate e do cancelamento da matrícula.
Faz algum sentido que o Estado enriqueça os seus Cofres à custa deste «particular» que até nos parece estar de absoluta boa fé em todo este nebuloso processo de legalização de veículo?
A resposta só pode ser negativa.
E aqui somos remetidos para a noção de proporcionalidade já por nós atrás explicada.
Os pressupostos materiais para esta restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consistem nos princípios da proporcionalidade (da proibição do excesso – os meios legais devem situar-se numa «justa medida», não devendo ser desproporcionadas em relação aos fins obtidos), da adequação (as medidas restritivas devem ser o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei) e da exigibilidade (as medidas restritivas devem revelar-se necessárias).
Fará algum sentido declarar perdido a favor do Estado este semi-reboque que sabemos não vai mais circular, podendo até o tribunal monitorizar a sua providencial saída do comércio jurídico e da circulação?
Voltamos a responder que não.

3.3.5. Mas temos ainda de avançar na argumentação.

Foi por exaustão que o Tribunal terá deferido a promoção do MP de se declarar perdido a favor do Estado este semi-reboque com suspeitas de viciação no n.º do seu chassis.

Não se compreende muito bem a atitude do MP ao proferir o despacho de arquivamento – arquiva por entender não ter indícios da identificação do autor da falsificação detectada (artigo 277º/2 do CPP).

Contudo, termina tal despacho por dar uma chance ao proprietário do veículo de ainda ver passar para as suas mãos aquele «objecto de falsificação».

E notifica-o para encetar as diligências sugeridas pelo IMTT, com a cominação de que, se nada fizer, poderia o veículo vir a ser declarado perdido a favor do Estado.

Como bem acentua a recorrente, o artigo 109º do CP não pode nem deve ser usado como forma de punição para a eventual inércia dos proprietários dos objectos apreendidos em inquérito, por muito que dure essa apreensão.

Não é pela exaustão que se proferem despachos tão gravosos como aquele que se prende com a possível perda de um objecto apreendido a favor do Estado.

Várias vezes, a recorrente pede a entrega do veículo para poder fazer aquilo que é sugerido pelo IMTT – a dita inspecção.

A nada disso é dada resposta à firma recorrente, assente ainda que ignoramos se para pedir tal inspecção se tornaria ou não indispensável que o veículo a inspeccionar esteja na posse do requerente

Persiste-se na fatal cominação.

E quando prudentemente a Mª JIC ordena a notificação de fls 29, eis que a firma vem explicar, ponto por ponto, as razões que justificaram a não efectivação das diligências em causa.

Mesmo assim, o MP insiste na sua promoção de perdimento do semi-reboque a favor do Estado, e isto apesar de a recorrente se comprometer, muito razoavelmente, a apresentar um comprovativo, em 30 dias, do anunciado abate do veículo e respectivo cancelamento da matrícula.

Isso seria facilmente efectivável e seria uma eficaz forma de controlo forense, a fim de evitar que um veículo com nº de chassis adulterado pudesse voltar a circular pelas estradas deste Mundo.

E convenhamos que existem, à saciedade, indícios nos autos de que a sociedade proprietária do semi-reboque já o recebeu, por contrato de compra e venda, com o n.º «adulterado» pela forma descrita no auto de exame de fls 19 (cfr. fls 49 a 54), vindo de França.

Foi sempre inspeccionado o veículo e nunca nada foi detectado de anormal, exactamente porque nada de anormal ou ilegal se terá passado (o que terá acontecido, e tal resulta dos documentos em língua francesa juntos aos autos, é que houve uma alteração de nº por motivo de caducidade ou limite de uso ultrapassado, havendo um atestado francês inequívoco a fls 49).

Portanto, a ter existido alguma viciação (o que não se indicia), nunca poderá ser por ela responsabilizada a proprietária do semi-reboque que comprou com toda a boa-fé o veículo e que sempre o usou de forma legal.

Acabar ela por ser punido desta forma é algo que não se pode sancionar.

Já decidiu o STJ (Proc. n.º 4306/05 - 3.ª Secção), em 15 de Fevereiro de 2006, que:

I. O crime de falsificação de documento, desde sempre considerado como de perigo abstracto, consuma-se com a mera falsificação, por isso estamos em presença de uma consumação formal, constituindo a falsificação uma situação que torna possível uma futura lesão de bens jurídico-criminais protegidos pelo tipo incriminatório. Assiste-se, pois, a uma antecipação da punição antes mesmo de ser utilizado o documento, da consumação material, pelo que existe em tal domínio “uma punição do chamado âmbito pré-delitual” (cf. Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos - Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento, pág. 33)

II. Em direito penal, o conceito de documento, definido no art. 255.º, al. a), do CP de forma mais ampla que o reinante no direito probatório, equipara ao documento o sinal aposto numa coisa para provar um facto juridicamente relevante e que permite reconhecer às pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulte.

III. As chapas de matrícula, os números de motor, de chassis e do quadro automóvel, foram considerados, de forma pacífica, sempre uniforme, pelo STJ, como sinais rapidamente identificadores do veículo, produtores, na prática, de efeitos juridicamente relevantes, logo documentos, merecendo enquanto tal a dispensa de tutela penal.

IV. A cada veículo corresponde necessariamente um livrete - aquilo que posteriormente passou a designar-se como documento de identificação de veículo -, contando-se entre as suas funções a de certificar a matrícula que corresponde a cada veículo, sendo que desta constam as características que permitem identificá-lo.

V. E são também documentos autênticos, os emitidos pelos correlativos organismos oficiais, vocacionados à identificação das características do veículo e seus proprietários, o vulgar livrete automóvel e o título de registo de propriedade, provenientes de autoridades públicas, rodoviárias e registrais, em obediência a um formalismo legal pré-definido, no uso da sua específica competência, dotadas de fé pública, no âmbito das funções certificantes, as quais fazem prova plena dos factos narrados, atestados com base nas percepções da entidade documentadora: esses documentos são, assim, documentos narrativos ou informativos, declarações de ciência, que esclarecem quem emitiu o documento e a amplitude da declaração.

VI. A traseira dos veículos não é um elemento identificativo dos veículos, um sinal equiparado a documento, neles aposto para produzir efeitos jurídicos como o são os demais, pelo que a operação da sua substituição e soldagem, sem que se proceda a alguma alteração dos aludidos elementos identificativos, não configura a prática de crime de falsificação de documento.

VII. A perda de bens a favor do Estado, com eficácia real, transferindo-se a propriedade a favor daquele, apresenta-se como uma medida sancionatória de natureza análoga à medida de segurança, não sendo um efeito da pena ou da condenação, visto poder ter lugar sem elas - art. 109.º, n.º 2, do CP.

VIII. Apesar de, em princípio, o objecto do crime, pertença de outrem, não poder ser declarado perdido a favor do Estado (art. 110.º, n.º 1, do CP), a perda pode ter lugar se o seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a ocorrência do ilícito, ou dela tirado vantagens, ou de qualquer modo tiver adquirido o objecto após o facto, conhecendo o adquirente a sua proveniência (art. 110.º, n.º 2, do CP).

IX. Apurando-se que o arguido vendeu o veículo, enquanto estava em reparação, resultante da transformação do “salvado”, ao seu patrão, mas não se provando que este haja concorrido censuravelmente para a sua produção com alterações, haja retirado vantagens indevidas, ou que conhecesse as alterações, sendo que o mesmo foi adquirido em condições legais, não é de decretar a perda do veículo a favor do Estado, embora seja de condicionar a restituição à sua legalização.

 Em nada contribuiu a recorrente para a ocorrência do possível ilícito penal pressuposto no despacho de arquivamento do MP, exarado à luz do n.º 2 e não do n.º 1 do artigo 277º do CPP (entendeu o MP que havia indícios de crime, só não tendo chegado a real identificação dos seus autores), tudo levando a crer que desconhecia a «viciação».

E assim somos mais remetidos para a letra do artigo 110º[4] (objectos pertencentes a terceiros) do que para a letra do artigo 109º do CP (que pressupõe que o agente do crime é o dono dos bens usados para o crime ou que são produto do crime).

Também por aqui, só pode vingar este recurso.

3.4. Procede, pois, o recurso interposto, importando revogar o despacho recorrido.

            III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido.

            Sem tributação.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] Não obstante a cláusula geral, chamemos-lhe assim, da perda de objectos ínsita no art. 109º, em legislação avulsa ocorre a criação de regimes específicos quanto a alguns produtos ou instrumentos de infracções.
Assim:
v Armas proibidas, engenhos ou matérias explosivas – DL nº 37.313 de 21 de Fevereiro de 1949, art. 7º n.º 1 do DL 207-A/ 75 de 17 de Abril, DL 399/93 de 3 de Dezembro, Lei nº 22/97 de 27 de Junho e Art. 20º, nº 3 da Lei 15/2001 (armas apreendidas em processo por crime aduaneiro)
v Estupefacientes – art. 35º e 39º do DL 15/93 de 22 de Janeiro
v Infracções anti-económicas e contra a saúde pública – art. 9º, 46º, 47º, 74º a 76º do DL 28/84 de 20 de Janeiro
v Crimes de Imprensa – art. 35º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro
v Instalações, equipamentos, substâncias e produtos nucleares – art. 3º do DL nº 49398 de 2 de Novembro de 1969
v Jogo ilícito de fortuna e azar – art. 56º e 59º do DL 48912, de 18 de Março de 1969
v Organizações fascistas – art. 4º nº 2 do DL 64/78 de 6 de Outubro
v Material pornográfico – art. 7º nº3 do DL 254/76 de 7 de Abril
v Quantias monetárias – art. 14º do Decreto 12487 de 14 de Outubro de 1926
v Títulos de Crédito ao Portador – nº 26 das instruções aprovadas pela Portaria nº 10471 de 19 de Agosto de 1943 em execução do Decreto nº 32 428 de 24 de Novembro de 1942.
v Crimes Aduaneiros – art. 18º a 20º e 38º e 39º da Lei 15/2001 de 5 de Junho.
Consoante os casos, os objectos apreendidos poderão ter vários destinos:
- Quanto aos objectos passíveis de venda e objectos facilmente deterioráveis, deverá ser realizada a sua venda, antecipando-a quanto aos segundos. Claro que, os objectos que possam servir para a prática de novos crimes ou que pelo seu teor não devam ser vendidos em hasta pública – droga, publicações pornográficas.
- Noutros casos, há que determinar a sua destruição, como por exemplo, os objectos que possam facilmente servir à contrafacção de outros – selos, cunhos falsos, impressos em branco de bits, – também o material pornográfico conhecerá o mesmo destino, após consulta e decisão da procuradoria. Cfr. Circulares nº 2073 e 2078.
- No que concerne às quantias em dinheiro, são as mesmas depositadas na CGD, à ordem do Juiz, a fim de serem entregues a final a quem a elas tiver direito – cfr. parecer nº 24/66 da PGR – BMJ 164-163.
- Os objectos e quantias não reclamados pelas partes no prazo de 3 meses prescrevem a favor da Fazenda Nacional.
- Quanto a veículos, regulados pelo DL 31/85 de 25 de Janeiro, a Procuradoria- Geral Distrital do Porto fixou orientações específicas em relação aos veículos apreendidos. Sumariamente, resulta que deverá o MP 90 dias após a apreensão de veículo susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, fazer a comunicação da apreensão à Direcção Geral do Património do Estado, apurando também quem possa ser o proprietário ou legítimo possuidor do veículo, que deverá notificar.
- Interessa ainda assinalar que pode a viatura ficar afecta ao parque automóvel do Estado, ser vendida ou ser restituída.
- Retenha-se que, caso haja restituição, o lesado será compensado em dinheiro pela diferença entre a desvalorização ocasionada pelo uso por parte do Estado e os gastos de conservação feitos, se os houver.




[3]A necessidade de fundamentação e motivação dos actos decisórios destina-se a conferir força pública e inequívoca aos mesmos e a permitir a sua impugnação quando esta for legalmente admissível. Contudo, no caso de um despacho, a falta de fundamentação tem como consequência, não a nulidade do mesmo, mas a mera irregularidade, TENDENCIALMENTE DE CONHECIMENTO NÃO OFICIOSO (cfr. contudo, n.º 2 do artigo 123º), nos termos do disposto no artº 118°, nºs 1 e 2 CPP, e artºs 119° e 120°, do mesmo diploma legal, estes a contrario sensu (cfr. teor do Acórdão desta Relação de 6/1/2009, in Pº 946/05.OGCVIS-A.C1).
[4] Este preceito constituiu uma garantia do direito de propriedade de terceiros já que em regra os objectos não podem ser declarados perdidos quando tenham pertencido a terceiros (que não são agente ou beneficiários do crime) à data do crime ou lhes pertençam no momento em que a perda seria decretada, só merendo tutela, pelo n.º 2, o proprietário de boa fé – assim, tal preceito regula os objectos pertencentes a terceiro, sendo a regra geral a não declaração de perda destes objectos, só assim não acontecendo se os titulares tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção; se tiverem colhido vantagens do facto ilícito; se tiverem, por qualquer título, e após a prática do facto, adquirido os objectos conhecendo a sua ilícita proveniência.
Note-se que por fim, rege o art. 111º a perda de vantagens patrimoniais conseguidas ilicitamente, a qual assenta em dois pressupostos:
- Um facto anti-jurídico, doloso ou culposo
- Um proveito patrimonial: o agente do crime ou a pessoa em nome de quem o facto foi praticado, deve ter conseguido ou ter-lhe sido prometida uma vantagem patrimonial (tudo o que possa ser objecto de uma pretensão de enriquecimento).

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