Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ORALIDADE E IMEDIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA COMPROPRIEDADE DAS ÁGUAS USO PELOS COMPROPRIETÁRIOS SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA PRESCRIÇÃO EXTINÇÃO PELO NÃO USO | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – LAMEGO – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 298º Nº3, 829.º-A, 1390.º E 1397.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 640.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | I- A convicção do julgador em sede de apreciação da prova – máxime perante prova pessoal e considerando os benefícios da imediação e da oralidade para aquilatar da veracidade do expendido – apenas pode ser censurada se tal convicção se revelar manifestamente ilógica e desconforme a tal tipo de prova e/ou esta for claramente infirmada por outros meios probatórios, os quais não apenas sugiram ou indiciem, mas antes imponham, como exige a lei - artº 640ºdo CPC -, tal censura.
II - Provada a compropriedade de água de nascente para rega e o seu uso repartido pelos comproprietários, a apropriação ilícita, porque contra a vontade dos demais, da totalidade da mesma por um deles, implica a sua condenação na reconstituição do statu quo anterior, a indemnização pelos danos causados, e a fixação de sanção pecuniária compulsória para efetivo cumprimento do decidido. III - Este direito de (com)propriedade da água não prescreve - artº 298º nº3 do CCivil -, nem se extingue pelo não uso o que apenas se verifica no caso excecional previsto no artº 1397º do CCivil. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Alberto Ruço Luís Cravo * ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA, BB e CC deduziram contra DD e EE, todos com sinais nos autos, ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.
Pediram: (i) sejam declarados e reconhecidos como donos e legítimos comproprietários das águas que brotam da nascente e após conduzidas e apresadas na «Poça da ...», nos períodos melhor identificados no ponto 28.º da petição inicial; (ii) sejam os Réus condenados a absterem-se de impedir, por si e por intermédio de outra pessoa a seu mando, o acesso livre por parte dos Autores às águas que brotam da nascente e após conduzidas e apresadas na «Poça da ...» até aos seus prédios; (iii) sejam os Réus condenados a absterem-se de usar as águas de qualquer forma e por qualquer meio nos dias em que os Autores as usam e absterem-se de colocar a mangueira diretamente na nascente da poça; (iv) sejam condenados no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de € 3.000,00; e (v) seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 250,00 a pagar pelos Réus por cada ato de impedimento de acesso à poça, às águas, ao rego e consequente irrigação dos prédios dos Autores e ainda por cada ato de destruição do rego ou das mangueiras.
Para tanto alegaram, em síntese: Sempre procederam à irrigação dos prédios sub judice utilizando, para tal, as águas provindas da nascente, sita na «Poça da ...». Desde o verão de 2022, tendo vindo a ser impedidos ora pelos Réus, ora por interpostas pessoas a seu mando. Tal comportamento levado a cabo pelos Réus, por si ou por interposta pessoa, os deixa tristes, amedrontados, ansiosos.
Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional. Invocaram que, quer os Autores, quer os seus pais, nunca utilizaram tais águas para irrigar os seus prédios e, consequentemente, levar a cabo as suas culturas. Desde 1988, são os únicos a utilizar tais águas, de modo contínuo e permanente, sem oposição de ninguém, tendo, para o efeito, encaminhado as mesmas desde a referida poça até aos seus terrenos, mais concretamente, até a um tanque aí construído, através de uma mangueira subterrânea. Tudo feito, com a autorização dos demais proprietários dos terrenos sitos no Lugar .... Pediram a improcedência da ação. Em reconvenção, peticionaram que, em face do não uso de tais águas, de forma continuada e ininterrupta, por parte dos Autores e seus ante possuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, seja declarado extinto do direito real dos autores pelo seu efetivo não exercício.
2. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Considerando os elementos fáctico-jurídicos supra tecidos, julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decide-se: a) Declarar que os Autores AA, BB e CC são donos e legítimos comproprietários das águas, que brotam da nascente, sita na «Poça da ...», que aí são apresadas e conduzidas até aos seus prédios melhor identificados em 1. e 2., cabendo-lhe o uso, quanto aos Autores AA, BB, de todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sábado e o pôr-do-sol de domingo, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega; e, quanto à Autora CC, de todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega; b) Condenar os Réus DD e EE a absterem-se de impedirem, por si ou por intermédio de outra pessoa a seu mando, o acesso livre por parte dos Autores à «Poça da ...» e ao uso livre das águas que jorram na sua nascente, ao seu represamento e após à sua condução através do rego descrito nestes autos até aos seus prédios, com consequente acompanhamento através do caminho que ladeia esse rego; c) Condenar os Réus DD e EE a absterem-se de impedirem, por si ou por intermédio de outra pessoa a seu mando, os Autores de conduzir as águas mencionadas em a) através da colocação de mangueira ou tubo plástico adequado à condução das mesmas pelo sítio do rego e desde a parte exterior da poça junto ao bueiro até aos seus prédios; d) Condenar os Réus DD e EE a absterem-se, por si ou por intermédio de outra pessoa a seu mando, de usar as águas de qualquer forma e por qualquer meio nos dias em que os Autores as usam e que supra lhes são reconhecidos em a); e) Condenar os Réus DD e EE a absterem-se, por si ou por intermédio de outra pessoa a seu mando, desde o pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de domingo, de colocar o tubo/a mangueira diretamente na nascente, sita na «Poça da ...» ou no interior desta; f) Condenar os Réus DD e EE a pagar a cada um dos Autores AA, BB e CC, a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais por aqueles sofridos; g) Condenar os Réus DD e EE no pagamento, após o trânsito em julgado da presente decisão, por ato praticado por estes ou praticado por interposta pessoa a seu mando que impeça os Autores de aceder à poça, às águas, ao rego e consequente à irrigação dos prédios dos Autores, e ainda por cada ato de destruição do rego ou da mangueira/tubo. h) Absolver os Réus DD e EE do demais peticionado. * * Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes DD e EE, por totalmente não provado e, em consequência, absolver os Autores/Reconvindos AA, BB e CC do pedido. * * Condenar as Partes no pagamento das custas processuais, na proporção dos respetivos decaimentos.»
3. Inconformados recorreram os réus. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª O Tribunal a quo refere que formou a sua convicção com base na ponderação da prova apresentada, nomeadamente, na prova documental e a testemunhal, assim como na posição manifestada pelas Partes nos seus articulados e em sede de audiência de julgamento (declarações e depoimentos de parte). 2ª Contudo, quanto a nós e salvo o respeito (que é muito) pelo douto entendimento manifestado pela Mma. Juíza do Tribunal a quo, consideramos que existiu uma incorreta decisão da matéria de facto que, de acordo com as provas testemunhal e documental existentes nos autos, apelando-se às regras da experiência comum- pelo que se impunha uma decisão diferente. 3ª Analisando a sentença proferida, verificamos que a versão dos Recorrentes é sem margem para qualquer dúvida aquela que confere justiça ao caso, pois os Recorridos sabem que nunca foram donos nem legítimos proprietários das águas que brotam da nascente, sita na Poça da .... 4ª A água em questão foi explorada desde tempos imemoriais, sendo armazenada na poça, para dela poder ser derivada e conduzida através de um rego ou aqueduto a céu aberto para os alguns prédios rústicos, sempre e só quando cultivados e irrigados. 5ª Mas, ao contrário dos factos dados como provados, nomeadamente os pontos 14, 15, 16 e 17 dos factos dados como provados, os prédios dos Recorridos nunca foram cultivados e irrigados com a água da Poça da .... 6ª Isso decorre dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Recorrentes – cujos depoimentos constam acima e aqui se dão por reproduzidos – porquanto os Recorridos ou os seus pais, anteriormente, nunca utilizaram a água da poça da ... no seus prédios e porquanto não têm ali qualquer servidão de presa, aqueduto ou de passagem. 7ª Pois são os Recorrentes que utilizam tal água, exclusivamente, desde o ano de 1989 – ano em que ali colocaram um tubo/mangueira, para a trazerem por gravidade para um tanque que ali fizeram. 8ª – De resto aquela poça, constituiu um pequeno charco, sem represa e sem condições de armazenamento e os Recorridos, por si e seus antepossuidores e terceiros, nunca usaram as aludidas águas, nunca as armazenaram, derivaram da poça e encaminharam ou acompanharam por qualquer modo de aqueduto, há mais de 20, 30 ou 40 anos naqueles nos seus prédios rústicos. 9ª Mesmo que se considerasse que os Recorridos ou anteriores possuidores dos prédios usaram tais águas, o certo é que não o fazem há mais de 20/30 anos, pelo menos desde o ano de 1989 – o que também por si só importa a extinção do direito de servidão alegado pelos Recorridos – factos que são extintivos do seu putativo direito, quer de presa, quer de aqueduto ou de passagem. 10ª As testemunhas indicados pelos RR. cujos testemunhos se podem verificar supra, depuseram com toda a isenção, idoneidade e clareza no sentido acima referido, pelo que o seu depoimento tem que ser conferido e validado e tomando-o aqui em consideração, designadamente para alteração dos factos acima indicados. 11ª Esta água não é propriedade dos Recorridos, mas sim dos seus prédios. Os titulares de tais prédios não poderiam frui-la ou dispor dela livremente, pelo que estamos perante um direito de servidão e não um direito de propriedade da água, sendo que daqui derivam efeitos diversos, designadamente para efeitos de extinção pelo não uso, o que faz também extinguir as servições que lhe são conexas. 12ª A origem do não uso inicia-se, pelo menos quando em 1989, os Recorrentes alteraram o modo de derivar e conduzir as referidas águas da Poça em causa até seus prédios, pois, colocaram uma mangueira subterrânea desde a boca da poça até ao seu prédio e fizeram um pequeno tanque, facto que durou pelo menos até á entrada da acção em 2022. 13ª De resto, não existem dúvidas, que os prédios dos Recorridos nunca foram irrigados pela água da poça da ... e/ou ainda, pelo menos, tal facto não ocorre há mais de 20, 30 e 40 anos, pois, os Recorridos por si e seus antepossuidores, que não utilizam aquela água e tão pouco a represaram e conduziram através de um rego a céu aberto para irrigarem os seus prédios nas horas, dias e semanas que alegam. 14ª O não uso, condução e utilização da água em causa nos prédios dos Recorridos sucede de forma continuada e nunca interrompida, sem a sua oposição ou dos seus familiares ao longo de 20, 30 e 40 anos e tal factualidade não poderia ser ignorada pelo Tribunal, pois foi afirmada pelos Recorridos e pelas suas testemunhas, que neste particular não foram postas em causa. 15ª Mas, por outro lado, esta factualidade também deveria ter sido percecionada pelo Tribunal aquando da inspeção que fez ao local: 1º Porque se vê que a poça da ... está completamente abandonada, arrasada, repleta de vegetação, sem quaisquer sinais de uso, que não seja o tubo que ali foi metido pelos Recorrentes; 2º Tal situação contraste claramente com a poça do ... – ali perto -, onde se vêem claros sinais de uso daquela água, que se encontra arranjada, onde até já foi feita uma parece de cimento com a colocação de uma torneira; 3º Mais, foi possível observar o tubo que se encontra na poça e que conduz a água para o tanque que se encontra no terreno dos Recorrentes; 4º Que o prédio rústico dos Recorrentes é o único que se serve daquela água e que tal factualidade ocorre desde que estes tomaram posse daquele prédio rústico, sobretudo, desde que o Recorrente marido construiu um tanque e encanou a água da poça, no ano de 1989. 16ª O Tribunal a quo refere que é inverosímil que a aludida tubagem remonte ao ano de 1989. Todavia, verificamos que não fundamenta esta conclusão (sendo certo o contrário), nem sequer coloca a hipótese desta ter sido alterada aquando da construção do novo tanque. Mas mais, veja-se que nada disto foi questionado aos Recorrentes ou às testemunhas, pelo que, tal afirmação, sem qualquer fundamentação enferma de nulidade. 17ª O prazo para a extinção pelo não uso começa a correr desde, pelo menos, 1989, quer para a servidão de presa, aqueduto e/ou de passagem para a condução da água, pelo que deverá ser julgada procedente a exceção perentória alegada e o pedido reconvencional deduzido pelos Recorrentes 18ª Importa ainda registar a credibilidade, a objetividade, a clareza e a razão de ciência estava dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, ao contrário das testemunhas dos Recorridos que não têm conhecimento direto sobre os factos aqui em apreço. 19ª A que acresce o depoimento de parte dos Recorrentes – tal qual acima nos referimos, que no confronto com o depoimento das testemunhas dos Recorridos, podemos concluir que a convicção formada pelo Tribunal a quo, quanto à decisão de facto, padece de erro manifesto ou grosseiro, pois, assenta unicamente na versão dos Recorridos – posição com a qual em face dos depoimentos não se pode concordar. 20ª Designadamente, deixamos aqui registadas as considerações feitas acima quanto ás testemunhas indicadas pelos Recorridos, das quais transparece uma enorme falta de objetividade e isenção, tendo uma narrativa notoriamente comprometida, parcial e afrontando as mais elementares regras de experiência comum e sem credibilidade. 21ª O Tribunal considerou como verdadeiras e merecedoras de credibilidade as declarações de parte da A., CC, mas, se analisarmos bem, conseguimos apurar as incongruências de tais declarações, vejamos: - à data do julgamento a A. tinha 74 anos de idade; - referiu ao Tribunal que o seu prédio rústico era dos seus avós e que destes passou para os seus pais, que até aos seus 17 anos ia abrir a poça, mas que depois se ausentou daquela localidade, indo residir para fora, residindo atualmente na rua do ..., no ...; e - referiu que vinha esporadicamente à terra, que o seu pai faleceu em 1999 e a sua mãe em 2007, que só fizeram partilhas em 2010, que houve algum tempo em que não iam buscar a água. 22ª Veja-se o período temporal que esteve ausente daquela freguesia, sendo certo que, tal como referiu, só vinha esporadicamente à terra. Não nos parece, de todo, crível que nessas vindas esporádicas se deslocasse aos terrenos e menos ainda se dedicasse ao granjeio de tais terrenos, pelo que, em momento algum, mas pelo menos durante mais de 20/30 anos, utilizou a água da poça da ... para irrigar tal prédio rústico, que não fosse agora no ano de 2022, quando ilicitamente pretendeu exercer um direito que nunca teve, porquanto vivendo no ..., só voltou à freguesia nos momentos em que os seus pais morreram. 23ª E o mesmo se censure quanto ao depoimento da testemunha FF (que fez toda a sua vida a viver em ...) – como pode saber o que se passa sem que ali esteja ou more. 24ª Dão-se aqui por reproduzidos os depoimentos acima indicados, com a identificação ali referida. Na realidade, estas testemunhas possuem um conhecimento concreto e circunstanciado sobre os factos em discussão, uma vez que lidam diariamente com os terrenos em questão, mais idóneas até pelo facto de serem utilizadores das águas, com exclusão dos Recorridos e não se vislumbra qualquer incoerência ou inverosimilhança capaz de abalar a credibilidade dos seus relatos, sendo que a sua proximidade com os fatos não deve ser interpretada como um fator de suspeição, mas sim como um elemento que confere maior solidez às suas declarações. 25ª Deste modo, verificamos que a decisão proferida não é consentânea, em termos de razoabilidade e adequação, com os elementos probatórios que resultam dos depoimentos gravados em audiência, pelo que tal sentença deve ser alterada. 26ª Posto isto, de acordo com aquilo que acima referimos e ainda em cumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1 alínea a) do CPC, o Recorrente considera que foram incorretamente julgados provados os seguintes factos: PONTOS nºs 13, 14, 15, 16, 17, 18, 25, 26, 27, 28 e 29 da matéria fáctica provada: Consideram os Recorrentes que estes pontos não deveriam ter sido dados como provados pela Mma Juiz a quo, 27ª Assim, consideramos que a Mma Juiz a quo fez uma interpretação incorreta da matéria de facto, pois, com base naquilo que acima referimos, nunca poderia dar-se como provados os factos dos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 25, 26, 27, 28 e 29, na medida em que estes não correspondem à verdade, e assim importa fazer a seguinte alteração à matéria de facto: a) Relativamente ao ponto 13, tal facto deve dar-se como provado com o seguinte teor: “As referidas águas sempre foram usadas, desde tempos imemoriais, pelos vários proprietários dos prédios do Lugar ..., que repartiam entre si e pelos vários dias da semana o uso dessas águas, passando de geração em geração esses usos e os direitos inerentes aos prédios rústicos. b) Os factos constantes dos pontos 14, 15, 16 e 17 devem ser considerados não provados. Pois, não existe qualquer prova concreta sobre a posse da água por parte dos Recorridos, nem por este nem pelos seus antecessores, uma vez que face à prova produzida e de acordo com aquilo que acima ficou escrito, os seus prédios rústicos nunca usaram as águas da nascente e nunca tiveram um direito exclusivo sobre determinados períodos de tempo de água. c) Relativamente ao ponto 18, tal facto deve dar-se como provado com o seguinte teor: “Os Réus desde o ano de 1989, alteraram o modo de derivar e conduzir as águas acima mencionadas, pois colocaram uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente ou boca da mina e a(o) fizeram percorrer pelos diversos prédios, subterrada(o) no solo, até chegar ao seu prédio, mais concretamente, a um tanque que aí construíram, para armazenar tais águas”. d) O ponto 25 não pode dar-se como provado na sua totalidade, deve constar o seguinte: “Ao que acresce a circunstância de todas as águas se encontrarem a ser, presentemente, encaminhadas e aprisionadas num tanque construído pelos Réus”. e) Os factos constantes dos pontos 26, 27, 28 e 29 devem ser considerados não provados. Porquanto e tal como já referimos, não existe qualquer prova concreta sobre a posse da água por parte dos Recorridos, nem por este nem pelos seus antecessores, uma vez que face à prova produzida e de acordo com aquilo que acima ficou escrito, os Recorrentes são os únicos a utilizar aquelas águas desde 1988, pelo que, a partir daquela data jamais algum consorte foi lá derivar e irrigar qualquer prédio a que se destinam as águas em causa, sendo certo que, àquela data já ninguém cultivava o que quer que fosse, por isso todos autorizaram que os Recorrentes colocassem o tubo diretamente na poça. 28ª E por consequência os factos constantes destas alíneas a) e j) devem dar-se como provadas, pois estão de acordo com a prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento. 2) Do erro notório apreciação e decisão da prova produzida em audiência de discussão e julgamento: 29ª Feitas todas estas considerações, importa verificar que existiu um erro notório na apreciação e decisão da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sendo manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos. A decisão proferida assenta em factos arbitrários, visivelmente violadores do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, até em função da indemnização peticionada pela Recorrida e que foi arbitrada pelo Tribunal. As respostas dadas não têm base sólida face aos elementos da prova trazidos ao processo, estando profundamente desapoiadas face às provas recolhidas, designadamente, de acordo com a prova testemunhal produzida. 30ª Analisada a prova na sua globalidade e ponderada no seu conjunto, consideram os Recorrentes que a decisão sobre a matéria de facto é merecedora de censura pelo Tribunal ad quem, designadamente nos pontos acima assinalados. 31ª Resulta evidente que o Tribunal recorrido não valorou corretamente a prova produzida, decidindo, de forma desacertada, a matéria de facto, ocorrendo flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão proferida, o que posteriormente se refletiu na decisão proferida. 32ª Na verdade, a valoração dos meios de prova indicados pelos Recorrentes impunham, uma decisão diversa relativamente aos pontos fácticos que constam da douta decisão. E assim, 33ª Efetivamente, o Tribunal a quo ao dar como provados os factos acima descritos, nas versões que constam da fundamentação da sentença, apoiando-se apenas na versão dos factos relatados pelos AA. e suas testemunhas, parte interessada neste processo, sem fazer uma análise pormenorizada da prova arrolada pelos Recorrentes, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova – a apreciação do tribunal é livre mas não arbitrária, porque deve ser motivada, controlável e está condicionada pelo princípio da persecução da verdade material. 34ª No confronto das duas posições nesta acção, a versão dos factos apresentada pelo Recorrente é bastante mais verosímil – até pela construção de obras visíveis, permanente e ainda existentes - do que a apresentada pela Recorrente, primeiro por se considerar coerente, dentro de um raciocínio lógico e bastante plausível e por outro vai ao encontro das regras da experiência comum. 35ª Tanto que a versão dos Recorrentes vai no mesmo sentido do depoimento das testemunhas que tem conhecimento e participação direta dos factos, apesar de contrária às dos Recorridos e suas testemunhas, todos parte interessada no desfecho deste processo, pois são todos familiares. 36ª O princípio da livre apreciação da prova está sujeito ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando ao longo do tempo, o que neste caso não ocorreu. 37ª Acresce referir ainda que há uma errada interpretação do Direito no que diz respeito à natureza da água, aqui em apreciação. 38º Estamos aqui em face de um direito de servidão, respeitante à presa, aqueduto e passagem para condução das águas aos prédios e não a um direito de propriedade sobre a dita água, pelo que não poderia ter sido reconhecida ou declarada aquisição de um direito de propriedade sobre a água em causa. 39ª Quem adquire esse direito é o prédio onde é utilizada a água, e não uma pessoa em si, de forma separada do imóvel, pelo que, de acordo com a prova produzida em sede de audiência de julgamento o Tribunal nunca poderia ter declarado que os Recorridos, são donos e legítimos proprietários das águas que brotam da nascente, sita na Poça da ..., pois, quando muito, poderiam ter reconhecido uma servidão de água a favor dos seus prédios rústicos. 40ª A sentença viola assim os artigos 1386º, 1390º, 1547º e 1569º do Código Civil, designadamente no que aos prazos da usucapião e não uso diz respeito. O não uso da servidão é aplicável de igual modo às servidões acessórias de presa, aqueduto ou rego e necessidade de seu acompanhamento que, igualmente, devem ter-se por extintas. 41ª Em face do exposto deverá ser alterada a qualificação dos factos tal como acima foram retratados/transcritos. 42ª E concluindo, analisada a prova na sua globalidade e ponderada no seu conjunto, consideram os Recorrentes que a decisão sobre a matéria de facto é merecedora de censura, pelo Tribunal ad quem haverá que repará-la nos termos acima pedidos, devendo absolver os Recorrentes de todos os pedidos contra si formulados ou subsidiariamente julgar procedente a exceção perentória alegada pelos ora Recorridos na sua contestação e a procedência do pedido reconvencional.
Contra alegaram os autores pugnando pela manutenção do decidido
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª - Improcedência da ação e procedência da reconvenção
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 p.09P0114, in dgsi.pt.. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1. in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1. 5.1.2. Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei - artº 640º do CPC - exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua (do recorrente), subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt. 5.1.3. In casu. 5.1.3.1. Pretendem os réus a prova com alteração ou a não prova dos pontos de facto provados 13, 14, 15, 16, 17, 18, 25, 26, 27, 28 e 29 e a consequente prova da matéria factual dada como não provada nas alíneas a) e j). Têm eles o seguinte teor: 13. As referidas águas sempre foram usadas, desde tempos imemoriais, pelos vários proprietários dos prédios do Lugar ..., que repartiam entre si e pelos vários dias da semana o uso de dessas águas, passando de geração em geração esses usos e os direitos a ela inerentes para os respetivos sucessores. Redação proposta: “As referidas águas sempre foram usadas, desde tempos imemoriais, pelos vários proprietários dos prédios do Lugar ..., que repartiam entre si e pelos vários dias da semana o uso dessas águas, passando de geração em geração esses usos e os direitos inerentes aos prédios rústicos. 14. Os Autores, os seus ante possuidores e os demais proprietários dos prédios sitos no lugar conhecido por ... repartem/repartiram as despesas das obras de escavação, abertura e corte da nascente, da mina, dos tubos de condução da nascente até à poça, efetuando obras pelo menos uma vez por ano, e ano após ano, repetidamente, há mais de 20, 30 e 40 anos. 15. De entre eles os Autores e seus antepossuidores, que procediam à irrigação dos seus prédios, melhor acima identificados, com as águas provindas da nascente da «Poça da ...», que eram encaminhadas, desde o «bueiro», através do aludido rego, que atravessa vários prédios, nas suas partes marginais, incluindo o dos Réus, até chegar aos seus prédios. 16. Cabendo a estes os seguintes dias, para proceder à irrigação dos seus prédios: a. Para os Autores AA e BB: todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sábado e o pôr-do-sol de domingo, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega; e b. Para a Autora CC: todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega. 17. Tendo vindo os Autores e os seus antepossuidores a fruir das águas da nascente e apresadas na «Poça da ...», de acordo com os usos e costumes acima aludidos, que passaram de geração em geração, como coisa sua, usando-as para irrigar os prédios de que são proprietários, mantendo ou levando a cabo, por si ou por interposta pessoa, obras de manutenção da nascente, da poça e dos regos respetivamente, há mais de 20, 30, e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, designadamente dos Réus, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesivo o de outros. 18. Em data não concretamente apurada, mas não anterior a 2011, os Réus, apesar de terem conhecimento da factualidade vertida em 11. a 16. e, bem assim, que não possuíam a totalidade da água, alteraram o modo de derivar e conduzir as águas acima mencionadas, pois colocaram uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente ou boca da mina e a(o) fizeram percorrer pelos diversos prédios, subterrada(o) no solo, até chegar ao seu prédio, mais concretamente, a um tanque que aí construíram, para armazenar tais águas. Redação proposta: “Os Réus desde o ano de 1989, alteraram o modo de derivar e conduzir as águas acima mencionadas, pois colocaram uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente ou boca da mina e a(o) fizeram percorrer pelos diversos prédios, subterrada(o) no solo, até chegar ao seu prédio, mais concretamente, a um tanque que aí construíram, para armazenar tais águas”. 25. Ao que acresce a circunstância de todas as águas se encontrarem a ser, presentemente, encaminhadas e aprisionadas num tanque construído pelos Réus, ao qual os Réus também não permitem o acesso aos Autores. Redação proposta: “Ao que acresce a circunstância de todas as águas se encontrarem a ser, presentemente, encaminhadas e aprisionadas num tanque construído pelos Réus”. 26. Com tal comportamento, os Réus estão a impedir os Autores de usar e utilizar as águas provindas da «Poça da ...», usando-a de modo exclusivo com intenção de dela se apropriarem, embora sabendo a tanto não terem direito. 27. Situação que se mantém desde o verão de 2022, impedindo os Autores de utilizar as águas, como faziam, desde há mais de 20, 30 e 40 anos, na irrigação e granjeio dos seus prédios. 28. Os Autores não têm outra forma de aceder às águas provindas da «Poça da ...» a não ser através do identificado e descrito rego ou através da condução de tais águas para os seus prédios com o uso de uma mangueira. 29. A privação do uso das águas provindas da nascente, sita na «Poça da ...», faz com que os Autores se sintam tristes. a. Os Réus pediram a autorização de todos os consortes que utilizavam as águas provindas da nascente, sita na «Poça da ...», para colocar uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente. j. Desde 1988, os Réus são os únicos consortes que utilizam as águas que brotam da nascente acima aludida. A julgadora fundamentou este teor nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos: Por sua vez, os factos vertidos sob os pontos 4. e 11. a 17. foram alicerçados com base na conjugação das declarações de parte prestadas pelos Autores, com especial acuidade para o declarado pela Autora CC, com o depoimento testemunhal prestado por GG, HH e FF. Tendo este Tribunal afastado, neste conspecto, as declarações prestadas pelos Réus, o relato apresentado por II, JJ e KK, atenta a absoluta ausência de credibilidade e ampla demonstração da sua parcialidade em relação ao desfecho da lide (ora porque são beneficiários diretos do uso exclusivo e tais águas – e é sua vontade permanecerem como os exclusivos utilizadores das mesmas –, ora porque apresentaram um discurso contraditório e inverosímil). Principiando pelo Autor AA, o mesmo perentoriamente afirmou que os prédios sub judice «eram dos meus sogros e foi sempre de familiares», que «tinham água da ..., eu ainda era miúdo e usava da água da ...», sendo que esta «corria pelo rego» até aos prédios, «era fácil». Algo que veio a ser interrompido após o Réu DD ter colocado uma mangueira na boca da nascente, sita na «Poça da ...». Elucidou que a água provinda da nascente sita na «Poça da ...» era distribuída pelos consortes, i.e., pelos seus prédios, através de um rego, os quais estipularam os respetivos dias a que tinham direito, sendo este um direito transmissível aos seus herdeiros e aos atuais donos de tais terrenos. No que a si, à sua esposa e à sua cunhada diz respeito, «a água que eu tenho de lá é tapar no sábado ao pôr-do-sol até ao domingo ao pôr-do-sol. A minha cunhada é sexta pôr-do-sol a sábado ao pôr-do-sol», não conseguindo, contudo, indicar os dias dos demais consortes. «cheguei a usar lá águas» para regar o seu prédio, contudo desde a situação da mangueira não mais teve acesso às águas, estando estas, desde então, a ser exclusivamente utilizadas pelos Réus e pelas testemunhas JJ e KK («eles querem tudo para eles e não para os outros»). Relativamente ao relato prestado pela Autora CC, impõe-se aludir que este Tribunal, não obstante a mesma ser parte na presente lide e, como claro que está, ter um interesse no seu desfecho, considerou o mesmo sério, escorreito e consentâneo com a verdade material dos factos. Até aos meus 17 anos é que ia abrir aquela poça e vinha cá em baixo … …asseverou com firmeza que os seus prédios (dos Autores) tinham «caminho e rego, já dos tempos dos meus avós e visavós» e a água vinha da nascente sita na «Poça da ...» até aos seus terrenos pelo aludido rego. Situação apenas interrompida aquando da colocação de uma mangueira por parte do Réu DD «no nascente» e soterrada pelo caminho até ao seu terreno, mais concretamente, até a um tanque que aí construiu há cerca de oito anos. …apesar de ter ido viver para ..., «vimos cá com frequência, agora ainda mais» e que apenas após o falecimento da sua mãe (em 2007) e «até resolver as partilhas», i.e., entre 2007 a 2010, é que «não fomos lá buscar» água. …os prédios rústicos sitos no Lugar ... tinham todos serventia das águas provindas da Poça da ..., sendo que, desde que se recorda, os seus proprietários a distribuíam pelos dias da semana e faziam-na correr pelo rego até aos seus terrenos, nos seguintes moldes: − à segunda-feira (do pôr-do-sol de domingo ao pôr-do-sol de segunda), a água pertencia ao senhor LL, «que é meu primo, ele era polícia», sendo que agora este prédio é «a Maria da Natividade que o cultiva»; − à terça-feira (do pôr-do-sol de segunda-feira ao pôr-do-sol de terça-feira), a água pertencia «ao senhor MM, que agora é da JJ», sendo este «terreno ao lado do terreno do DD [Réu marido], que tem o tanque»; − à quarta-feira (do pôr-do-sol de terça-feira ao pôr-do-sol de quarta-feira), «não tenho a certeza se era da tia NN [prédio dos Réus, onde se encontra construído um tanque] e do senhor OO, pai do senhor PP», «meio dia cada»; − à quinta feira (do pôr-do-sol de quarta-feira ao pôr-do-sol de quinta-feira), a água pertencia aos Claros «porque sei que os Claros tapavam na quinta-feira à noite e davam na sexta-feira para o meu avô» para o prédio que é hoje da «minha prima QQ»; − à sexta-feira (do pôr-do-sol de quinta-feira ao pôr-do-sol de sexta-feira), conforme anteriormente mencionado, a água pertencia a um prédio do seu avô, que é hoje da sua prima QQ; − ao sábado (do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado), a água pertencia e pertence ao seu prédio; e − ao domingo (do pôr-do-sol de sábado ao pôr-do-sol de domingo), a água pertencia e pertence ao prédio que é hoje dos seus cunhados. …«em 2006 …já pouca água chegava cá em baixo, depois…, eu ainda tentei, mas já não se conseguia que a água chegasse cá baixo, depois desde que [o Réu DD] meteu o tubo nunca mais». Quanto aos usos e costumes atinentes às águas, precisou que cada um dos consortes cuidava do trajeto do caminho e rego que se encontra no seu respetivo prédio, «pois todos gostavam de ter rego» e, por conseguinte, todos queriam ter acesso à água. … …recentemente, tem conhecimento que «a RR tem água que a JJ lhe dá do tanque», já o «HH tinha que ir a baldes, ele tem direito, mas como não consegue trazer água pelo rego do terreno dele, porque é acima do tanque e a poça está lá em cima» – cf. facto não provado descrito na alínea j. Relativamente à testemunha GG, cunhado dos Autores, relatou, com foros de seriedade que, apesar de ter trabalho em ... e lá viver há cerca de 20 anos, vem «com frequência à terra», «pelo menos todos os anos ia lá passar fárias, no Verão, e depois dos meus sogros regressarem para ... uma vez por mês, duas vezes por mês». … …«toda a gente para ir para a poça tinha serventia de um caminho para ir buscar a água e a água percorria o rego. O caminho que acompanhava o rego também dá acesso para os terrenos. Como eram os últimos [os Autores e os seus antepossuidores] passavam os terrenos todos de cima». … …no último ano de vida do seu sogro (em 1999), este fez uso da água provinda da poça da ... para os terrenos que são hoje das suas cunhadas… «sei que depois falecer ( a sogra)os meus cunhados foram buscar lá água», fazendo-a transporta pelo rego, não tendo quaisquer dúvidas disso. Mais aludiu que tem conhecimento que o uso da água era dividido pelos vários consortes... No atinente ao testemunho apresentado por HH, há que mencionar que este apresentou um relato sério, idóneo e escorreito. Concretizou que, esteve a viver em ..., mas «já estou em ... há muito tempo», sendo que, durante o período em que esteve em ..., «vinha cá todos os anos». …o seu pai, SS, era proprietário de um dos prédios aí existente e «tinha lá água dessa poça», «eu ia ajudar o meu pai a ir regar», quando «ainda lá havia» água, situação que não se mantém aos dias de hoje. …para além do seu pai, várias pessoas encharcavam lá água, a qual era conduzida por um rego que percorria todos os terrenos daqueles que a ela tinham direito. Soube precisar ainda que, o uso da água era repartido pelos dias da semana, sendo que «quinta-feira ao pôr do sol tapávamos a gente e abríamos à sexta feira às nove» (em pleno alinhamento com o declarado pela Autora CC), «eu tinha 4 horas e o meu tio tinha outras 4 horas, deixávamos 8 horas a encharcar e depois abríamos» e «toda a gente respeitava», «não havia papel» e «continuaram sempre as coisas assim» até ser construído um tanque pelo Réu DD e «surgir o tubo», há cerca de 6 anos. A partir de então, as águas provindas da poça da ... deixaram de fluir pelo rego … todos os consortes limpavam o rego, «íamos todos, havia um dia para limpar o rego», que ocorria antes da época da rega. Vital para dar-se como provada a matéria fática agora em análise foi o testemunho prestado por FF, prima dos Autores, que demonstrou ter um amplo conhecimento de (i) como eram os usos e costumes definidos no Lugar ...; (ii) como o uso da água provinda da «Poça da ...» era por estes distribuído, e (iv) quando e quais as alterações levadas a cabo pelos Réus. Frisou que se recorda não só de ver os seus avós, como também os seus tios (pais das Autores) a cultivarem em tais terrenos «batatas, milho, centeio» e «ia buscar as ameixas», sendo que as suas primas continuaram lá a cultivar. Precisou que, as suas primas após o falecimento dos seus pais, herdaram tais prédios, tendo sido plantadas lá árvores, que eram regadas das águas provindas da «Poça da ...». Mais recentemente, após o Réu DD ter construído um primeiro tanque (em 2011) e depois um segundo tanque (em 2019), estas utilizavam as águas provindas de tal poça, já não através do rego, mas sim «iam lá [ao tanque] buscar as águas no dia delas», o que era do conhecimento não só dos Réus, como também da testemunha JJ. Acontece que, «no ano da seca», «foi há 3 anos», «a JJ não deixou mais regar com a água» e, a partir de então, as suas primas deixaram de poder ter acesso a tais águas. …ao contrário do sucedido com as declarações prestadas pelos próprios Réus, esta testemunha de forma simples, concatenada, encadeada e escorreita listou, sem uso de qualquer suporte documental, os vários dias da semana e os vários proprietários dos terrenos, mostrando não só ter pleno conhecimento daquilo que relatava, por ter vivenciado o por si descrito, como também segurança no seu discurso. Mais se diga que esta testemunha, em jeito de conclusão, afirmou que os Réus e, bem assim, a testemunha JJ não têm de facto pleno conhecimento do acima aludido, pois que «nunca tiveram lá nada», «só compraram lá terrenos» mais recentemente. Por fim, frisou que, tais usos e costumes, até há cerca de 3 anos atrás, eram por todos respeitados, «toda a gente respeitava os direitos de cada um», onde se incluem os Réus, pois «eles sabem que elas têm direito à água». Ora, se afirmam que os Autores não a usam há 20/30 anos é porque «convém, mas não é assim». Quanto a esta factualidade, diga-se, por fim, que não foi valorado o testemunho prestado por TT, irmã do Réu DD, na medida em que não mostrou ter conhecimento direto da mesma, mormente, por nunca ter ido sequer aos prédios dos Autores e, portanto, saber precisar onde os mesmos se situam (qual a «Poça» que os irriga), e, bem assim, pois teceu, a este propósito, afirmações como apenas sei porque «a JJ dizia». Aqui chegados, impõe-se esclarecer que o Tribunal afastou as declarações prestadas pelos Réus, não só porque demonstraram domínio fático e pessoal do declarado (tendo inclusive o Réu DD se socorrido de auxiliares de memória, apesar de advertido para o não fazer) e a ausência de consentaneidade com a demais prova produzida, essa sim séria e credível. Para assentar a factualidade vertida sob os pontos 18. a 28., tomou-se em consideração as declarações de parte prestadas pelos Autores e os depoimentos testemunhais prestados por GG, UU, HH e FF. O Autor AA, …afirmou que …o Réu DD «pôs o tubo» diretamente na nascente até a um tanque que se encontra no seu terreno (outrora o terreno da tia NN), impossibilitando todos os demais de aceder a tais águas …aquando da colocação de tal tubo/mangueira, «ele [o Réu] dizia que tinha pedido a várias pessoas e veio-se a confirmar que afinal não era assim». ...após de dialogar com os Réus e, bem assim, perceber que não haveria concórdia entre as partes, «nós compramos um tubo para por lá», contudo tal nunca veio a suceder pois a testemunha JJ o impediu, logo arrancando o tubo que já se encontrava no rego. … …contratou uma «pessoa que andou lá a abrir e a por o tubo», a testemunha UU, sendo que, nesse dia, também estava lá o seu cunhado (a testemunha GG) e a Autora CC. …Pela poça e pelo rego as águas não correm, pois está tudo arrasado, tudo desfeito, e estão proibidos de aceder ao tanque que se encontra no terreno do Réu... Relativamente à Autora CC, na linha do descrito pelo Autor AA, concretizou, os usos e costumes no que concerne à água provinda da «Poça da ...» foram alterados pelo Réu DD, que soterrou uma mangueira pelo caminho e rego, desde «o nascente» até ao seu prédio. Concretamente até a um tanque que lá construiu há 8 anos, contudo precisou que, anteriormente, existia lá um outro tanque, feito em tijolos (cuja data de construção não soube mencionar). Em face de tal situação, falou com o Réu DD, em data que não almejou precisar, o qual, inicialmente, afirmou «vocês não têm problemas, nos vossos dias regam». E assim foi, inclusive, «dizia para nós ligarmos no tanque, eu ligava no tanque com a autorização do senhor». Acontece, porém, que, em 2022, «a JJ, que está a cultivar naquilo dele, ele está na Suíça e não cultiva, disse-me há pouca água, …e, nesse dia, a testemunha JJ não mais deixou ligar a sua mangueira à mangueira que se encontra no tanque do Réu DD, deixando, por completo, de ter acesso à agua. Por tal, «em agosto de 2022», «quando o Sr. o DD veio de férias em 2022, nós fomos falar com ele, fomos lá duas vezes, para ajudamos a pagar as despesas do tanque e do tubo para continuar a ter acesso», contudo «a partir daqui também não deixou», tendo ainda privado a testemunha HH, seu primo, de aceder ao tanque para ir buscar água a baldes, porque veio «servir de testemunha», no âmbito deste processo. Nessa reunião, mais alertou o Réu DD que não concordava com o sucedido, pelo que iriam «lá meter um tubo». E assim foi. Em setembro…todavia a «JJ arrasou tudo… …apesar de o Réu DD afirmar que «pediu autorização» a todos os consortes, tal não corresponde à verdade, «o Sr. DD que era padrinho dele, ele disse mesmo a mim, chegou a tirar várias vezes o tubo da nascente. Ninguém estava de acordo, porque as pessoas assim não podiam regar. Era preferível que fosse feita a poça e o rego», o mesmo sucedeu com «o Sr. VV», dos .... No que concerne à testemunha GG, mostrou a sua razão de ciência, na medida em que não só esteve no local, aquando da colocação do tubo/mangueira por parte dos Autores, como também tem conhecimento do tanque construído pelo Réu e suas repercussões. Primeiramente, mencionou que o Réu DD construiu «lá um tanque», «para aí há quatro/cinco anos, foi muito tempo depois do falecimento da minha sogra». Acontece que, nos primeiros tempos isso não foi um problema, já que o Réu DD o descansou ao afirmar «já disse aos teus cunhados que se quiserem ir lá buscar a água estão há vontade. Eu até lá levava umas mangueiras para a minha cunhada CC que as ligava no tanque do DD». …o Réu DD e transmitiu-lhe que «porque é que não faziam um tanque na boca da poça e depois toda a gente vai lá buscar», contudo o mesmo não acedeu. Tal levou a que os seus cunhados optassem por lá colocar um tubo seu. …falei com a JJ porque é ela que põe e dispõe. …Mas ela depois disse que não». …pusemos cerca de 100 metros, eles [fazendo alusão à testemunha JJ e ao seu marido] arrancaram uma parte, a outra parte não arrancaram que está nos terrenos dos outros consortes. … …a testemunha JJ «arrasou o rego e o próprio caminho de acesso», tendo inclusive sido necessário chamar a Guarda Nacional Republicana ao local. Mais precisou que esta construção do tanque e o encaminhamento das águas, do que sabe não foi do conhecimento de todos os consortes, …«o DD e a JJ praticamente têm regado sozinhos. Estes dois anos ninguém mais se serviu, só a JJ», pois é esta que há cerca de dois anos (2022) cuida dos seus prédios e dos prédios dos Réus. A testemunha UU, na linha do relatado pela testemunha GG e as declarações prestadas pela Autora CC, confirmou que foi contratado para «abrir um rego» nos prédios sub judice, aí colocar «um tubo», desde uma poça lá existente até aos prédios dos Autores, para o encaminhamento das águas. Acontece que, no segundo dia de trabalho, quando já andava a meter o tubo foi interrompido por uma senhora, num prédio onde se encontrava construído um tanque, e por tal deu por findo o seu trabalho. …descreveu que, naquela ocasião, era possível ver um rego e caminho antigos, «estava meio arrasada, mas era um rego onde haviam passado as águas». HH, não precisando as circunstâncias de tempo, também confirmou que ficou sem acesso às águas provindas da poça da ..., desde que o Réu DD construiu um tanque e colocou «tubagem» para encaminhar a água. No mais, precisou que nunca deu autorização ao Réu para fazer tal encaminhamento das águas … sendo que, …tinha acesso à água porque a ia buscar, à vista de todos, incluindo a testemunha JJ, ao aludido tanque («a baldes» … Contudo, após o presente processo, a testemunha JJ não mais permitiu o acesso a tais águas, «quando soube que era testemunha». Para a demonstração do facto vertido sob o ponto 29., tomou-se em consideração as declarações prestadas pelos Autores que conseguiram, de facto, demonstrar a tristeza por si sentida, a qual foi confirmada pelos relatos testemunhais prestados por GG (que frisou não só a tristeza e os transtornos emocionais por aqueles experienciados, como também os laivos de malvadez que o caso encerra, pois que «têm o tanque sempre cheio, mesmo agora, se formos agora está a deitar fora e os outros privados disto, é pura maldade») e FF, o que, de resto, se encontra em plena consonância com as mais elementares regras da experiência. Para firmar o espaço temporal vertido em 18., tomou este Tribunal em consideração do testemunho prestado por FF dada a seriedade e franqueza do mesmo. Afastou-se, por conseguinte, a este próprio a versão dos Réus e os relatos prestados por II, TT, JJ e KK que, apesar de apresentarem vários lapsos mnemónicos e várias contrariedades entre si (ora a data estava numa placa, ora estava inscrita num bloco), afirmam sem laivos de quaisquer dúvidas que o tanque e o encaminhamento das águas já remontam a 1989. Ora tal circunstância não só é completamente inverosímil, como também visto in locu a aludida tubagem, aquando da inspeção ao local, não é sequer plausível que tal tubagem remonte ao ano de 1989. Com efeito, FF precisou que, no ano de 2011, quando se deslocou aos prédios ora sub judice, para ir «buscar as ameixas e as castanhas», foi confrontada com um tanquinho, «feito de blocos muito pequenino». Na ocasião, estranhou a situação, tendo vindo a saber que pertencia ao Réu DD. Esta foi a primeira vez que viu um tanque no local e, bem assim, um tubo que encaminhava as águas provindas da poça da ..., o que fazia que fosse impossível aos demais consortes ter acesso à água. Esclareceu que, nessa altura, sabe que o Réu DD falou apenas com um irmão seu, de nome WW, que autorizou tal encaminhamento das águas, situação com a qual não concordou, mormente, porque os seus pais, donos do prédio, ainda estavam vivos (e nada foi por si ou pelos seus pais autorizado). Contudo precisou que, quer quando falou com o seu irmão e posteriormente quando falou com o seu genro, o Réu DD e a testemunha JJ pediram para utilizarem as águas, os quais aceitaram, mas, em momento algum, estes dispuseram delas a título gratuito e definitivo. Mais elucidou que, há cerca de 5 anos, o Réu construiu um novo tanque, em betão, no local do antigo, porque este estava velho, «perdia água», sendo que «foi o meu cunhado que o foi fazer». E sabe que ,até há cerca de 3 anos atrás, as suas primas (ora Autoras) «iam sempre lá buscar a água e , só nesse ano da seca é que deixaram de ir porque a JJ lhe negou, que tinha necessidade da água que era pouca e não ia dar a água para regar as árvores».»
Já os recorrentes pugnam pela alteração com fundamento no teor da prova pessoal que eles apresentaram, rectius na plasmada nas suas alegações recursivas, defendendo, essencialmente, que desde o ano de 1989, alteraram o modo de derivar e conduzir a água colocando uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente até chegar ao seu prédio, mais concretamente, a um tanque que aí construíram. 5.1.3.2. Foi apreciada a prova. Perscrutemos. Têm aqui pleno cabimento as considerações gerais referidas nos pontos 5.1.1.e 5.1.2. Na verdade, os pontos de facto postos em crise foram dados como provados como dados como não provados, com base, ao menos essencial e determinantemente, na prova pessoal – declarações de parte e testemunhas. Esta prova revelou-se algo dispare e até antinómica, por reporte às posições das partes e às suas testemunhas. Propendendo as declarações dos autores e as testemunhas por eles apresentadas a verbalizar no sentido de que a água era fruída por vários donos ou amanhantes de terrenos, incluindo os autores e seus antecessores, e que os réus, cerca de 2011, canalizaram a água da nascente através de um tubo diretamente para um tanque que construíram no seu prédio, sem conhecimento, ou, pelo menos, sem autorização, dos demais utilizadores de tal água, os quais, assim, deixaram de poder fruir da mesma. Já a prova apresentada pelos os réus aponta mais no sentido por eles propugnado, ou seja, que os autores não utilizavam a água porque não amanhavam o seu (dos autores) prédio, o que, pelo menos, se verifica desde 1989, data em que eles (réus) a canalizaram para o tanque do seu prédio. A julgadora, na sua apreciação e valoração da prova, máxime da pessoal, convenceu-se mais no sentido do verbalizado pelas testemunhas dos autores. Aliás, a fundamentação efetivada pela Srª Juíza a quo revela-se assaz circunstanciada e exaustiva. Plasmando a razão de ciência demonstrada pelos inquiridos, bem como discriminando ao pormenor e especificando as asserções e referências das testemunhas que alicerçaram a formação da sua convicção e as consequentes respostas factuais. E sobre aquelas e estas operando uma análise crítica que enforma de congruência e logicidade. Por conseguinte, esta apreciação e valoração não podem ser censuradas, atento, reitera-se, o supra expendido quanto aos princípios e ensinamentos existentes em sede de matéria probatória. Repete-se que a imediação e a oralidade conferem ao julgador da 1ª instância um plus de apreciação que permite, como maior certeza, concluir se a testemunha está, ou não, a dizer a verdade. Pois que o modo de se expressar facialmente, os olhares, os gestos, os jeitos e trejeitos aquando do depoimento, apresentam-se, muitas vezes, mais sintomáticos, significativos, reveladores e elucidativos, do que as próprias palavras proferidas. De notar que as declarações das partes, não podem ser, pelo simples motivo de serem interessadas no desfecho para si favorável da causa, liminar e apriorísticamente, desvalorizadas. Antes podendo e devendo ser relevadas e valoradas, posto que razoável e prudentemente, em tudo o que se mostrem convincentes, por si, ou concatenadas com outros meios de prova. Mas, naturalmente, poderão ser desvalorizadas, ou poderá dar-se maior valor probatório às declarações de uma parte em detrimento das declarações da outra. Na espécie assim aconteceu, tendo a Srª Juíza fundamentado essa sua (des)valorização, em benefício dos autores. Esta fundamentação existiu e ateve-se aos factos essenciais de os réus e as suas testemunhas aparentarem parcialidade em relação ao desfecho da lide e apresentarem um discurso contraditório e inverosímil. Óbices que já não vislumbrou nas declarações dos autores, rectius da CC, as quais considerou terem sido prestadas de um modo «sério, escorreito e consentâneo com a verdade material dos factos». E, mais uma vez se repete, perante os aludidos benefícios da oralidade e da imediação, esta perceção não pode ser censurada. Aliás, há que convir - e assim se corroborando a exegese probatória da julgadora -, que as declarações de parte dos autores e os depoimentos das suas testemunhas são muito mais extensivos, impressivos e, assim, mais convincentes, no sentido dado como provado, do que a prova pessoal apresentada pelos réus, máxime na parte extratada nas suas alegações recursivas, o é no sentido pretendido por estes. Ademais, urge atentar que foi efetivada inspeção ao local, meio de prova este que se revela, desde logo em tese e para este tipo de ações, de especial importância. Importância esta que, in casu, se demonstrou, pois que com base nela foi atingida a convicção que a tubagem de canalização e direcionamento da água não remonta a 1989, conforme se explanou na decisão, a saber: «(os réus e as suas testemunhas) afirmam sem laivos de quaisquer dúvidas que o tanque e o encaminhamento das águas já remontam a 1989. Ora tal circunstância não só é completamente inverosímil, como também visto in locu a aludida tubagem, aquando da inspeção ao local, não é sequer plausível que tal tubagem remonte ao ano de 1989.» Os recorrentes alegam que se trata de afirmação sem qualquer fundamentação, a qual assim enferma de nulidade. Mas este vício revela-se excessivo. Está implícito na asserção da julgadora que o tubo aparenta um aspeto mais recente do que o que teria se fosse colocado no ano de 1989. Os recorrentes invocam no recurso que tal poderá ter ocorrido por ter sido posteriormente substituído. Mas tal não foi suscitado no momento e local próprios, quais sejam aquando da realização da inspeção, pelo que agora se revela extemporâneo, e, aliás, não provado. Fica, pois, a fundamentação da julgadora com as inerentes consequências, quais sejam, as de convencer no sentido factual do por ela decidido. Nesta conformidade, para que este tribunal ad quem pudesse censurar a valoração dos depoimentos por banda da julgadora e, consequentemente, censurar a formação da sua convicção, teria de existir, por parte das testemunhas dos réus, uma razão de ciência inatacável, forte e convincente, e/ou dimanassem dos autos outros elementos probatórios – vg. documentais - que, cabal e irrefutavelmente, confirmassem as declarações dos réus e os depoimentos das suas testemunhas e infirmassem as declarações dos autores e os depoimentos das suas testemunhas, bem como os factos percecionados na inspeção ao local. Ora nenhum destes requisitos se encontra presente, ao menos com a aquidade e relevância suficientes para o efeito. Por conseguinte se atingindo a conclusão final que os argumentos probatórios esgrimidos pelos recorrentes e a exegese que deles operam não são os bastantes para imporem, como exige a lei – artº 640º do CPC – a censura da convicção da julgadora. 5.1.4. Decorrentemente, e no indeferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes: 1. Encontra-se registado a favor de AA e BB o prédio rústico, sito na Freguesia ..., no Lugar ..., composto por cultura arvense de sequeiro, pereiras e castanheiros, que confronta a norte com XX, a nascente com YY, a sul com caminho de consortes e ZZ e a poente com Herdeiros de AAA, com a área de 2168 m2 , inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...06, secção 1B, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31 e aí inscrito a seu favor através da AP. ...16 de 2009/10/26 – cf. Doc. n.º 1 e 2, juntos com a petição inicial que se dão aqui por integralmente reproduzidos. 2. Encontra-se registado a favor de CC o prédio rústico, sito na União das Freguesias ..., ... e ..., no Lugar ..., composto por cultura arvense de sequeiro e pereiras, que confronta a norte, sul e poente com Herdeiros de AAA e nascente com caminho público, com a área de 1625 m2 , inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...15, secção 1B, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26, e aí inscrito a seu favor através da AP. ...44 de 2009/10/26 – cf. Doc. n.º 3 e 4, juntos com a petição inicial que se dão aqui por integralmente reproduzidos. 3. Os supra descritos prédios, melhor identificados sob os pontos 1. e 2., advieram à propriedade dos Autores, respetivamente, na sequência de partilha extrajudicial. 4. Os Autores, por si e por antecessores, vêm fruindo aqueles prédios, como coisa sua, granjeando os mesmos, semeando e colhendo produtos, podando as árvores, pagando os respetivos impostos ao Estado, há mais de 20, 30 e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesivo de outros. 5. Por sua vez, os Réus são donos e legítimos proprietários do prédio rústico, sito na União das Freguesias ..., ... e ..., no Lugar ..., composto por cultura arvense de regadio, e macieiras, com a área de 562 m2 , inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...09, secção 1B, omisso na Conservatória do Registo Predial – cf. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial que se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6. Apesar de o prédio não se encontrar registado em nome dos Réus, a verdade é que estes o adquiriram em ano não concretamente apurado, mas há mais de 20 anos, data desde a qual, o passaram a cultivar e granjear como seus legítimos proprietários. 7. Os Réus, por si e seus antecessores, vêm fruindo aqueles prédios, como coisa sua, granjeando os mesmos, semeando e colhendo produtos, podando as árvores, pagando os respetivos impostos ao Estado, há mais de 20, 30 e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesivo do de outros, como sendo seus verdadeiros donos. 8. Os prédios supra referidos, quer os dos Autores, quer o dos Réus, situam-se no mesmo lugar, conhecido por ..., na localidade de ..., sendo os dos Autores a sul do prédio dos Réus e num plano inferior em relação a este. 9. A norte dos prédios dos Autores e dos Réus existe uma nascente, sita num terreno de terceiros, composto atualmente por mato e árvores diversas de floresta, num plano superior e sensivelmente a norte dos prédios dos Autores e dos Réus. 10. E cujas águas brotam para uma poça, denominada de «Poça da ...», que consiste numa abertura no solo e com profundidade irregular, mas de cerca de um metro a metro e meio de altura, em formato oval, cujo diâmetro nas partes mais distantes tem uma largura de 4,30 metros e um comprimento de 7,40 metros. 11. A qual foi rasgada no solo pelos homens mais antigos da localidade, em conjunto e união de esforços, tendo em vista estancar/aprisionar as águas provindas da nascente, para posteriormente as encaminhar desde o seu «bueiro» (abertura existente na poça) através de um rego, rasgo no solo, a céu aberto, nas partes marginais dos prédios de cultivo existentes naquele lugar denominado ..., atravessando-os e assim sendo distribuídas. 12. Correndo tais águas, naturalmente, por mero efeito do declive, de sentido descendente, pelos prédios acima mencionados. 13. As referidas águas sempre foram usadas, desde tempos imemoriais, pelos vários proprietários dos prédios do Lugar ..., que repartiam entre si e pelos vários dias da semana o uso de dessas águas, passando de geração em geração esses usos e os direitos a ela inerentes para os respetivos sucessores. 14. Os Autores, os seus ante possuidores e os demais proprietários dos prédios sitos no lugar conhecido por ... repartem/repartiram as despesas das obras de escavação, abertura e corte da nascente, da mina, dos tubos de condução da nascente até à poça, efetuando obras pelo menos uma vez por ano, e ano após ano, repetidamente, há mais de 20, 30 e 40 anos. 15. De entre eles os Autores e seus antepossuidores, que procediam à irrigação dos seus prédios, melhor acima identificados, com as águas provindas da nascente da «Poça da ...», que eram encaminhadas, desde o «bueiro», através do aludido rego, que atravessa vários prédios, nas suas partes marginais, incluindo o dos Réus, até chegar aos seus prédios. 16. Cabendo a estes os seguintes dias, para proceder à irrigação dos seus prédios: a. Para os Autores AA e BB: todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sábado e o pôr-do-sol de domingo, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega; e b. Para a Autora CC: todas as águas jorradas na nascente e aprisionadas na poça desde o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado, de cada semana, durante todas as semanas e todo o ano, perfazendo um dia por semana para rega. 17. Tendo vindo os Autores e os seus antepossuidores a fruir das águas da nascente e apresadas na «Poça da ...», de acordo com os usos e costumes acima aludidos, que passaram de geração em geração, como coisa sua, usando-as para irrigar os prédios de que são proprietários, mantendo ou levando a cabo, por si ou por interposta pessoa, obras de manutenção da nascente, da poça e dos regos respetivamente, há mais de 20, 30, e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, designadamente dos Réus, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesivo o de outros. 18. Em data não concretamente apurada, mas não anterior a 2011, os Réus, apesar de terem conhecimento da factualidade vertida em 11. a 16. e, bem assim, que não possuíam a totalidade da água, alteraram o modo de derivar e conduzir as águas acima mencionadas, pois colocaram uma mangueira/tubo de plástico diretamente na nascente ou boca da mina e a(o) fizeram percorrer pelos diversos prédios, subterrada(o) no solo, até chegar ao seu prédio, mais concretamente, a um tanque que aí construíram, para armazenar tais águas. 19. Em face do acima aludido, as águas que brotavam e brotam da nascente são na totalidade encaminhadas e aprisionadas no tanque, sito no terreno dos Réus, deixando, a partir de então, de ser apresadas na «Poça da ...» e conduzidas através do aludido rego que, ainda hoje, percorre os prédios acima melhor aludidos. 20. Em finais de julho de 2022, os Autores informaram os Réus, que, à semelhança do que haviam feito, iriam colocar uma mangueira/tubo de plástico, de ¾ de polegada, no exato sítio onde se encontra o rego, numa distância total de 250 metros, tendo em vista o encaminhamento das águas para o seu prédio. 21. Em setembro de 2022, os Autores iniciaram tal tarefa, contudo só conseguiram colocar cerca de 100 metros de mangueira/tubo de plástico, pois foram impedidos por JJ e KK (respetivamente, cunhada do Réu marido e irmã da Ré mulher e cunhado dos Réus) aquando da chegada aos prédios dos Réus, faltando-lhes colocar cerca de 150 metros de mangueira/tubo de plástico. 22. O que levou a que a Autora BB chamasse a Guarda Nacional Republicana, que ali se deslocou e tomou conta da ocorrência. 23. Pelo menos desde o início do verão do ano de 2022, JJ e KK cultivam os terrenos dos Réus. 24. E desde então, pese embora os avisos dos Autores, os Réus, por si ou através de JJ e KK, não permitem que os Autores coloquem ou utilizem uma mangueira para condução das águas provindas da «Poça da ...» até aos seus prédios, não lhes permitem a passagem no seu prédio para poderem ir buscar as águas à nascente e/ou o seu encaminhamento das águas através do rego. 25. Ao que acresce a circunstância de todas as águas se encontrarem a ser, presentemente, encaminhadas e aprisionadas num tanque construído pelos Réus, ao qual os Réus também não permitem o acesso aos Autores. 26. Com tal comportamento, os Réus estão a impedir os Autores de usar e utilizar as águas provindas da «Poça da ...», usando-a de modo exclusivo com intenção de dela se apropriarem, embora sabendo a tanto não terem direito. 27. Situação que se mantém desde o verão de 2022, impedindo os Autores de utilizar as águas, como faziam, desde há mais de 20, 30 e 40 anos, na irrigação e granjeio dos seus prédios. 28. Os Autores não têm outra forma de aceder às águas provindas da «Poça da ...» a não ser através do identificado e descrito rego ou através da condução de tais águas para os seus prédios com o uso de uma mangueira. 29. A privação do uso das águas provindas da nascente, sita na «Poça da ...», faz com que os Autores se sintam tristes.
5.2. Segunda questão. 5.2.1. A Julgadora decidiu, de jure, nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos: «Preceitua o artigo 1390.º, do Código Civil, que «1. Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. 2. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova. 3. Em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do artigo 1549.º não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário». Ora, o direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, «pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água, no segundo, é a da servidão» Os Autores fizeram uso de tais águas até o ano de 2022, de forma contínua, à vista de todos, pacificamente, para irrigar os seus prédios e assim os cultivar, mantendo ou levando a cabo, por si ou por interposta pessoa, obras de manutenção da nascente, da poça e dos regos respetivamente, há mais de 20, 30, e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, designadamente dos Réus, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesivo o de outros. Ora, tal como acima se referiu, entendendo este Tribunal que os atos materiais de posse praticados pelo Autores integram o exercício de um direito de (com)propriedade das águas, provindas da nascente, sita na «Poça da ...», impõe-se afirmar os mesmos como seus donos e legítimos comproprietários. Assim, e face ao que foi dito, há que presumir a posse (ou a existência de animus) correspondente ao direito de propriedade, já que, como acima se assinalou, os atos praticados têm correspondência exata com o conteúdo deste direito e a presunção de posse ali estabelecida tem de corresponder ao conteúdo do poder de facto (corpus) que é, efetivamente, exercido sobre a coisa – cf. artigos 1390.º, n.º 2, e 1395.º, ambos do Código Civil. …no que respeita aos danos não patrimoniais, resultou assente que privação do uso das águas provindas da nascente, sita na «Poça da ...», faz com que os Autores se sintam tristes. Por outra parte, no que toca ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, há que aludir que a conduta dos Réus foi, com efeito, adequada a causar, como causou, lesões na personalidade e integridade moral dos Réus, que se viram não só privados do uso de um seu direito absoluto, como tal lhes provocou tristeza. Ora, ponderando os factos provados, conjugando-os e articulando-os entre si, e apelando a critérios de equidade, levando em linha de conta a culpa dos Réus., a gravidade das consequências, julga-se justo e adequado fixar, a título de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais sofridos uma indemnização de € 500,00, a ser paga pelos Réus a cada um dos Autores. Dispõe o artigo 829.º-A, do Código Civil, que «[nas] obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso».
A sanção pecuniária compulsória funciona como um mecanismo legal que visa garantir a efetividade da decisão proferida. São requisitos da sua aplicação o pedido formulado pelos Autores (cujo quantitativo indicado não se encontra adstrito à efetiva ocorrência de danos não patrimoniais ou não patrimoniais), tendente a instar o(s) réu(s) a levar a cabo uma prestação de facto infungível, com uma vertente negativa ou positiva (i.e., um comportamento que só ele pode ter ou abster-se). Permite, por conseguinte, que o Autor, em face do incumprimento de uma obrigação de facto infungível, positivo ou negativo, peça a condenação do Réu numa quantia pecuniária até ao cumprimento da mesma (acarretando, no caso de prolação de sentença de condenação no pagamento de quantia pecuniária, o automático vencimento de juros à taxa de 5 % ao ano após o trânsito em julgado). In casu, o pedido formulado pelos autores tem como fito que os Réus se abstenham de praticar qualquer ato de impedimento de acesso à poça, às águas, ao rego e consequente irrigação dos prédios dos Autores e ainda por cada ato de destruição do rego ou das mangueiras, donde que a fixação de um quantum diário mostra-se, as mais das vezes e em situação como estas, uma ferramenta particularmente efetiva para obter o acatamento da providência. A ser assim e sem necessidade de considerações adicionais, será de concluir pela verificação, no caso, dos pressupostos para que se condene os Réus na sanção pecuniária compulsória peticionada, pelo que se fixa a mesma no valor diário de € 250,00, tal como peticionado, a reverter, em partes iguais, para os Autores e Estado.» Esta subsunção e exegese apresentam-se adequadas, quer em tese, quer para o caso concreto, atentos os seus elementos fáctico circunstanciais apurados. Como é fácil de intuir, a possível procedência do recurso estava inelutavelmente dependente do atendimento quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pelos réus. Soçobrada esta pretensão fenece sem margem para dúvidas a pretendida alteração jurídica e subsequente reversão condenatória. De referir - em termos de completude e conclusão quanto à atribuição do direito de compropriedade à água, vg. pelos autores e réus, o que não é adrede expresso na sentença - que a condenação dos réus, tem como fundamento a violação, ilícita e culposa, por parte dos mesmos do direito dos autores ao uso da água, tal como dimana do teor dos pontos de facto provados 18, 19, 24 e 29. Já quanto ao pedido de extinção do direito real dos autores pelo seu efetivo não exercício em face do não uso de tais águas, de forma continuada e ininterrupta, por parte dos autores e seus ante possuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, ele deve naufragar porque este não uso não se apurou. Em todo o caso urge atentar que, nos termos do artº 298º nº3 do CCivil, . «3. Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade.» Ora: «A extinção dos direitos reais, pelo não uso, só se verifica nos casos especialmente previstos na lei, segundo estatuição expressa no nº 3 do art. 298º do CC. Quanto ao direito de propriedade, o não uso só vem especialmente previsto no Código Civil, como causa de extinção, no caso do art. 1397º do CC, relativo a águas particulares que eram originariamente públicas (cfr. art. 1386º, nº1, al. d) do CC).» - Ac. TRG de 15.03.2018, p. 2392/15.8T8BCL.G1 in dgsi.pt. Mas o caso dos autos não se subsume nesta exceção, pelo que o direito de propriedade da água em causa não prescreve nem se extingue pelo não uso.
Relativamente à sanção pecuniária compulsória há outrossim que reiterar o decidido. Na verdade, a sanção pecuniária compulsória é uma medida coercitiva, não uma indemnização, destinada a forçar o cumprimento de uma obrigação judicial. Trata-se de uma condenação económica que pode ser aplicada pelo tribunal (em prestações de facto) ou ser automática (em obrigações pecuniárias, através de juros legais especiais). O seu objetivo não é ressarcir o credor, mas sim coagir o devedor a cumprir o que foi decidido em tribunal. Efetivamente: «I – A sanção pecuniária compulsória prevista no artº 829º-A do C. Civ. tem-se como uma medida coercitiva, de natureza pecuniária, consubstanciando uma condenação acessória da condenação principal. II – O seu escopo não é, propriamente, o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção.» Ac. TRC de 09.02.2010, p. 1506/03.5TBPBL.C1 in dgsi.pt. De notar apenas que, certamente por lapso material, o valor desta sanção, que se alcandorou a 250 euros, não consta no conspeto decisório/condenatório final – al g) - o que deve constar, nos seguintes termos: «g) Condenar os Réus DD e EE no pagamento, após o trânsito em julgado da presente decisão, da quantia de 250 euros, por ato praticado por estes ou praticado por interposta pessoa a seu mando que impeça os Autores de aceder à poça, às águas, ao rego e consequente à irrigação dos prédios dos Autores, e ainda por cada ato de destruição do rego ou da mangueira/tubo.
Improcede o recurso.
6. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, com retificação do aludido lapsus calami, confirmar a sentença.
Custas pelos recorrentes.
Coimbra, 2025.11.20.
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