Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
612/17.3T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: BALDIO
QUALIDADE DE COMPARTE
CONSTITUIÇÃO DOS ÓRGÃOS
DELIBERAÇÃO INEXISTENTE
FALTA DE PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.º, 11.º, 14.º, 15.º, N.º 1, AL. B), 21.º, N.º 1, AL. H), 24.º, N.º 1, E 33.º, TODOS DA LEI N.º 68/93, DE 4-9
Sumário: I – A constituição originária da assembleia de compartes de um baldio só pode ser levada a efeito por pessoas que possam ser tidas como compartes e somente tendo essa qualidade podem participar na assembleia de compartes e, nesse âmbito, eleger e serem eleitas para os órgãos de administração do baldio.

II – Tendo participado na eleição, e sido eleitos, para os diversos órgãos daquele, no âmbito de aplicação da Lei n.º 68/93, de 4-9, membros que não constavam do caderno de recenseamento eleitoral da respetiva freguesia, tais pessoas não podem ser consideradas como ali moradoras, pelo que não reuniam as qualidades que a lei exigia para serem consideradas como comparte (ser morador na freguesia em causa e, segundo os usos e costumes, ter direito ao uso e fruição do baldio).

III – Sendo o conselho diretivo eleito pela assembleia de compartes e não tendo a respetiva eleição sido validamente efetuada, por nela terem tomado parte pessoas que não o podiam fazer, com eleição de pessoas que eram inelegíveis, ocorre deliberação inexistente, tudo se passando como se não tivesse sido constituído o conselho diretivo, que se apresenta em juízo, pelo lado ativo, em representação do baldio, determinando a absolvição da contraparte da instância, por falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor.

Decisão Texto Integral:

            Processo n.º 612/17.3T8ACB.C1 – Apelação

            Comarca de Leiria, Alcobaça, Juízo Local Cível

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O Conselho Directivo dos Baldios de ..., em representação dos respectivos compartes, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra Freguesia de ..., já ambas identificadas nos autos, pedindo a condenação desta no seguinte:

Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:

1) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 3º da p.i. por a R. não ter adquirido por usucapião o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...83, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

2) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 9º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...61, ...67 e ...76, freguesia de ... concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

3) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 15º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...39, ...24, ...22 e ...23, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

4) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 21º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...20, ...30 e ...57, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

5) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 27º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...31 e ...32, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

6) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 34º da p.i. por a R. não ter adquirido por usucapião o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...33 e o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...03, ambos da freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto;

7) - deve ser reconhecido e declarado que a R. não detém o direito de propriedade sobre os prédios identificados nos artigos 5º, 11º, 17º, 23º, 29º e 36º deste articulado.;

8) - deve a R. ser condenada a reconhecer que estes prédios são baldios possuídos pela comunidade que constitui a população de ..., concelho ..., deles devendo abrir mão para serem administrados pelos Compartes através dos órgãos competentes;

9) - deve ser decretado o cancelamento dos registos e inscrições de propriedade a favor da Freguesia de ... feitos com base nas referidas escrituras e todos e quaisquer registos que eventualmente possam ter sido feitos ou venham a ser feitos com base nas mesmas.

Alegou, para tal e em resumo que, no dia 15 de Abril de 2012, em ..., se realizou a 1.ª assembleia de compartes dos ..., na qual foi aprovado o recenseamento definitivo dos compartes, a constituição da Assembleia de Compartes, a eleição da Mesa da Assembleia, do Conselho Directivo e da Comissão de Fiscalização.

Mais alega que nas datas especificadas na petição inicial, foram lavradas as seis escrituras de justificação notarial ali melhor descritas, nas quais, o Presidente da Junta de ..., em representação da ré, declarou que esta, com exclusão de outrem, é dona e legítima possuidora dos prédios em cada uma delas descritos, tendo os mesmos advindo à sua posse por “doação meramente verbal feita por volta dos anos de 1930/40, por AA e mulher BB, residentes que foram em ...”.

Acrescenta-se nas referidas escrituras que, desde tais doações, a ré passou a possuir tais prédios, como sua proprietária, neles exercendo os descritos actos de posse, de forma ininterrupta, com conhecimento de toda a gente e sem oposição.

Mais alega que com base em tais escrituras, a ré procedeu ao registo em seu nome dos referidos prédios.

Mais alega, no entanto, que, contrariamente ao vertido em tais escrituras, todos os prédios nelas referidos, são “baldios”, conhecidos como “...” ou ...” ou “...”, situados na zona com a mesma designação, o que acarreta a nulidade das referidas escrituras, cf. artigo 4.º da Lei 68/93, de 4/9 (Lei dos Baldios).

Fundamenta a qualificação de tais prédios como “baldios” no facto de os mesmos têm sido usados e fruídos pela comunidade local como se fossem coisa de todos e que todos aí podiam legitimamente aproveitar-se do que deles se podia retirar, o que vem sucedendo desde tempos imemoriais, ininterruptamente, ali apascentando gado, recolhendo lenhas, cortando e apanhando mato, piornos e fenos que neles se criam, colhendo ervas e outras substâncias vegetais que nos terrenos despontam, aproveitando águas, tirando pedra e areias, cultivando pequenas hortas, apanhando pinhas e, no que respeita ao prédio inscrito sob o artigo ...83, também utilizando terrenos desse prédio com barracas desmontáveis no período do Verão, tudo para o seu próprio consumo e satisfação das necessidades pessoais e neles permanecendo e circulando livremente (cf. artigos 50.º e 51.º da p.i.); de forma pacífica, à vista de toda a gente e sem oposição, com a convicção de que o faziam sobre terrenos comunitários integrados na freguesia de ..., destinados ao uso e fruição dos moradores que deles necessitavam, no exercício de um direito comunitário à utilização desses terrenos pelos habitantes da freguesia, sem exclusão uns dos outros (cf. artigos 52.º e 53.º da p.i.) e de que a Junta de Freguesia apenas teve a “administração dos mesmos” (cf. artigo 57.º da p.i) e nunca a sua posse.

Pelo que, conclui, serem falsas as declarações feitas nas seis escrituras de justificação melhor descritas na p.i. e falsos são, também, os fundamentos nelas exarados.

Na contestação apresentada, a ré FREGUESIA DE ..., excepcionou a falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE S..., por invalidade da constituição da pessoa colectiva – Assembleia de Compartes dos Baldios de ...

Alega, para tal, que grande parte dos sujeitos identificados como compartes pelo autor (designadamente nos documentos n.º s 1 e 2 juntos à petição inicial) não estão recenseados, nem são residentes na área geográfica da FREGUESIA ..., nem sequer aí desenvolvem qualquer actividade agro-florestal ou silvo-pastoril.

Identifica 11 a título meramente exemplificativo.

Adianta que, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 68/93 (Lei dos Baldios), as comunidades locais organizam-se para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma Assembleia de Compartes, um Conselho Directivo e uma Comissão de Fiscalização.

Tendo a eleição dos órgãos – Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização – sido realizada por sujeitos («pseudo-compartes») que não possuíam a qualidade de compartes, a mesma revela-se juridicamente inexistente, por falta de legitimidade dos eleitores.

Para que a Assembleia de Compartes se possa reunir pela primeira vez, em assembleia constituinte, é necessário que previamente se elabore um recenseamento provisório dos compartes.

O autor não refere qual o número de compartes dos baldios em apreço, pois não revela que caderno de recenseamento dos compartes foi tido em conta na reunião, se o mesmo abarca ou não todos os moradores da freguesia (com direito a participarem na assembleia constituinte dos órgãos dos baldios).

Sobre a convocação da Assembleia de Compartes, o autor não demonstra onde, como e com que antecedência é que foi convocada a dita assembleia.

A acta da reunião da Assembleia de Compartes também não está assinada – como devia – pelos compartes alegadamente presentes, pelo que se fica sem saber quem na verdade participou na referida assembleia.

Também não alega de que modo ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente como foi eleito o autor, Conselho Directivo. O autor alega apenas que a referida assembleia se realizou, mas não como nessa assembleia ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente que ele próprio foi eleito de harmonia com o estabelecido na Lei dos Baldios.

Com estes fundamentos, impugna a existência de uma Assembleia de Compartes, bem como a eleição dos órgãos de administração dos ditos baldios.

Impugnando ainda o teor das actas juntas com a petição inicial.

Tanto a personalidade judiciária, como a capacidade judiciária, requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que, em nome da pessoa, figura na lide como parte.

No caso do autor Conselho Directivo, é necessário que tal órgão exista juridicamente, isto é, tenha sido validamente criado, nos termos legais.

O Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe exercer funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes.

É eleito pela Assembleia de Compartes de entre os seus membros.

O que significa que os membros que compõem o Conselho Directivo têm primeiramente de possuir qualidade de comparte, qualidade que o próprio Presidente do Conselho Directivo – CC – não possui, porquanto não é recenseado na FREGUESIA ..., nem ali desenvolve qualquer tipo de actividade agro-florestal ou silvo-pastoril.

Conclui estarmos perante órgãos juridicamente inexistentes.

O que implica a inexistência jurídica das suas alegadas deliberações.

Em consequência dessa inexistência jurídica, o autor não tem susceptibilidade de ser parte processual, carecendo assim de personalidade judiciária – artigo 5.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

Citando em abono da sua tese o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 23/09/2010, no âmbito do processo n.º 37/03...., disponível em www.dgsi.pt.

Em resposta a esta excepção, o autor contrapôs que a Assembleia de Compartes foi validamente constituída e o Conselho Directivo foi regularmente eleito, tendo sido elaborado um recenseamento provisório dos compartes de ... e todas as pessoas que se inscreveram no recenseamento provisório são moradores de ..., com direito ao uso e fruição dos baldios.

A reunião de Compartes foi convocada através de avisos convocatórios colocados em diversos locais públicos da localidade de ....

Tal assembleia foi marcada para dia 01/04/2012.

Nesse dia, em virtude da falta de quórum, foi a realização da reunião marcada para o dia 15/04/2012, tendo sido convocada por novo aviso convocatório colocado em diversos locais públicos de ....

No dia 15/04/2012, reuniram-se os Compartes dos Baldios de ... na primeira Assembleia de Compartes, na qual foi eleita a mesa da Assembleia de Compartes, o Conselho Directivo e a Comissão de Fiscalização.

Nesta Assembleia de Compartes foi também aprovado o caderno de recenseamento dos Compartes dos Baldios de ..., constituído por 223 compartes.

A ré tomou conhecimento da realização desta Assembleia de Compartes e não impugnou quer a sua realização, quer as deliberações nela tomadas.

Conclui que a Assembleia de Compartes foi regularmente convocada, realizou-se de acordo com as disposições legais em vigor e os órgãos de administração dos baldios foram eleitos em Assembleia como legalmente exigido.

Todos os cidadãos identificados como compartes nos documentos ... e ... juntos com a petição inicial eram moradores da FREGUESIA ..., com direito ao uso e fruição dos baldios, tal como exigia o artigo 1.º, n.º 3 da Lei dos Baldios em vigor naquela data.

Pelo que a Assembleia de Compartes realizou-se e nela foram eleitos os órgãos de administração dos baldios, entre os quais o autor Conselho Directivo.

Assim, quer a Assembleia de Compartes tem personalidade judiciária, quer o Conselho Directivo autor tem capacidade judiciária, porque eleito pelos compartes regularmente reunidos em Assembleia.

Pugna pela improcedência da suscitada excepção.

Após, o que foi o autor notificado para juntar certidão da afixação dos editais convocatórios da assembleia constituinte; exemplar do caderno de recenseamento provisório mencionado nas actas das reuniões de 1 e 15 de Abril de 2012 e a lista de presenças anexas às aludidas actas.

O autor juntou um doc. designado de “caderno de recenseamento provisório dos compartes dos Baldios de ...”, datado de 17 de março de 2012, onde constam 221 nomes – cf. fl.s 300 e seg.s.

Bem como convocatórias para a 1.ª Assembleia de Compartes, a realizar nas assinaladas datas e outra em 3 de Março de 2013, bem como a respectiva acta.

O que a ré impugnou, alegando que cerca de metade dos cidadãos referidos no caderno de recenseamento provisório não serem residentes nem eleitores em ..., nem ali desenvolvem qualquer actividade agro-florestal ou silvo-pastoril e porque se desconhece se a convocatória foi efectivamente publicitada, nos termos legais.

Foi solicitada e junta cópia do caderno dos eleitores recenseados, em 17 de março de 2012, na ..., constante de fl.s 349 a 477.

Foram as partes notificadas para, por referência a esse caderno, indicarem quais as pessoas que não residiam em ...; que já eram falecidos à data da elaboração do caderno provisório e que não “existiam”.

Foi o autor notificado para juntar comprovativo de residência, à data da elaboração do recenseamento provisório, de cada uma das 10 pessoas que integravam a comissão ad hoc, bem como das 16 presentes na reunião de 15 de Abril de 2012.

Na sequência do que a ré apresentou uma listagem de 6 cidadãos não residentes nem eleitores em ... e uma listagem das pessoas identificadas no caderno de recenseamento provisório, com a indicação da qualidade de residente/não residente, desconhecido ou falecido (cf. fl.s 484/8).

A pedido do autor, requereu-se a diversas entidades e empresas de fornecimento de energia eléctrica, água e comunicações, informações acerca da residência de algumas das pessoas identificadas no referido caderno provisório de recenseamento, cujas diligências e resultados se prolongaram no tempo, como documentado nos autos

Após o que foram os autos conclusos à M.ma Juiz a quo, a qual, considerou que os autos continham os elementos de facto necessários para ser proferida decisão acerca da invocada excepção de falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor, por invalidade da constituição da pessoa colectiva – Assembleia de Compartes dos ..., em consequência do que, cf. decisão de fl.s 543 a 566 (aqui recorrida), se julgou verificada a invocada excepção de falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor, com a consequente absolvição da ré da instância, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformado com a mesma, dela interpôs recurso o autor Conselho Directivo dos Baldios de ..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 720), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A. A douta sentença recorrida carece por completo de fundamento de facto e de direito e constitui um exemplo acabado da morosidade que redunda em injustiça.

B. É totalmente inaceitavel que uma questão de falta de legitimidade e de capacidade judiciárias tenha levado mais de quatro anos e meia a ser decidida pelo tribunal de 1.ª instância...

C. Os terrenos baldios encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objeto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião.

D. Os baldios são terrenos com afetação exclusiva, em modo comunitário, à satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos de determinada comunidade local, que pode reduzir-se aos moradores de uma aldeia, pertencendo, geração após geração,

aos respetivos compartes – mesmo que pouco numerosos – em regime de propriedade coletiva.

E. Não pertencem, por isso, ao domínio público ou ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, não sendo o interesse público ou o interesse geral da população de uma autarquia local que cabe acautelar, mas aquela específica propriedade imemorial em modo comunitário.

F. A noção sobre as finalidades do baldio, constante do artigo 3.º da Lei n.º 68/93, de 04-09, entretanto revogada pela Lei n.º 75/2017, de 17-08, deixou de fazer qualquer sentido com o abandono dos campos e a industrialização da sociedade, sendo os baldios presentemente utilizados para fins de paisagismo, recreio, turismo e preservação de habitats naturais.

G. Os filhos e netos dos antigos compartes, que usavam os baldios, em regra, para apascentar os seus pequenos rebanhos, utilizam hoje os mesmos para defender e preservar a paisagem e os habitats naturais,

H. A Junta de Freguesia já vendeu terrenos situados na frente de mar, esbulhados aos baldios, a promotores imobiliários, estando num deles, neste momento, em construção, uma enorme torre de apartamentos.

I. Já em 12.07.1994 a Junta de Freguesia ... havia sido intimada pela Câmara Municipal ... para dar cumprimento às “obrigações legais dos números 4 e 5 do artigo 33.º da Lei n.º 68/93, de 04-09 sobre o recenseamento dos baldios e dos prazos a cumprir para este efeito”.

J. A Junta de Freguesia não só nada fez no prazo legal de seis meses, como, ao invés, veio, anos mais tarde, a outorgar escritura pública de usucapião.

K. No âmbito da sentença proferida no processo n.º 3515/15...., a propósito do Presidente do Conselho Diretivo da autora, CC, considerou a Mma. Juíza a quo que o mesmo, “(...) (reformado desde 2007, antes professor do ensino básico e secundário em ..., natural da freguesia ..., onde foi nascido e criado, onde lecionou no período compreendido entre 1975 e 1980, e onde ainda hoje tem família, portanto, pessoa com ligação á terra), de modo que se nos afigurou de assinalável lisura e correção, expôs de modo muito detalhado e com idêntico esforço de precisão a todas as instâncias, as razões da sua motivação e entrega à por si apelidada «causa dos baldios» de ..., que inclusivamente o levou a assumir o cargo de Presidente do Conselho Diretivo.

L. A Provedoria de Justiça, declarou que o mesmo foi nomeado pela Assembleia de Freguesia, sem direito a qualquer contraprestação remuneratória, para exercer funções na Comissão de Património. E, já anteriormente, desde 1993/94, prestava a sua colaboração no arquivo histórico da mesma Junta de Freguesia.

M. A FREGUESIA ... criou a certa altura uma Comissão de Património, e para integrar a mesma convidou CC, atual presidente do Conselho Diretivo da autora. Este, no exercício da função que lhe fora confiada, teve acesso a documentos antigos conservados no arquivo da autarquia, que demonstravam que os terrenos não pertencentes a particulares, nomeadamente aqueles com frente de mar para a baia de ..., até à Ribeira ..., constituíam, desde tempos imemoriais, terrenos baldios. A autarquia, logo extinguiu ilegalmente tal Comissão.

N. Em face da profunda evolução sofrida pela realidade socioeconómica dos baldios, não se vislumbram, à luz do disposto no art. 9.º do CC, argumentos sólidos para considerar que a ratio prosseguida pelo legislador seria a de negar a qualidade de “comparte” do logradouro comum de uma “comunidade local”, a quem, ainda que não permanentemente, se dispôs a integrar essa comunidade e, assim, a contribuir, em maior ou menor medida, para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país, a não ser que se evidencie que tal qualidade afronta os usos e costumes.

O. O artigo 7º da Lei nº 75/2017, de 17 de agosto, não pode deixar de ser considerado lei interpretativa que se integra na lei interpretada.

P. Embora atribua a titularidade dominial dos baldios às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, a Constituição não determina, contudo, o modo como tais comunidades devem considerar-se para aquele efeito constituídas, nem contém quaisquer critérios com base nos quais deva a respetiva delimitação ser legalmente concretizada.

Q. Os baldios são integrados, desde a Assembleia Constituinte de 1976, no setor cooperativo e social, qualificados, desde então, como «meios de produção comunitários possuídos e geridos por comunidades locais», sendo estas comunidades constituídas pelo universo dos compartes, que têm usado e fruído dos baldios, segundo os usos e costumes.

R. Os baldios desde sempre tiveram uma determinante dimensão social, constituindo-se

como um importante sustento para as economias familiares de milhares pequenos agricultores, fundamentalmente, no centro e norte do país e de que deles têm usado e fruído ao longo do tempo.

S. Não negligenciando a existência de dinâmicas sociais de migração ou até económicas de criação de riqueza e de postos de trabalho, a definição de compartes deve ser o suficientemente aberta para permitir que um qualquer cidadão detentor de áreas agrícolas ou florestais ou que nelas desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou um cidadão que passe a residir na área do baldio, possa requer à assembleia de compartes o devido reconhecimento, que terá um prazo para se pronunciar sobre o pedido.

T. O facto de vários compartes não terem recenseamento eleitoral na FREGUESIA ..., não significa que perderam o direito ao usufruto dos baldios, já que muitos casos resultam da emigração e imigração de que muitas localidades rurais sofreram décadas atrás.

U. Ser comparte no tempo presente não se prende directamente com uma actividade silvo pastoril, mas antes pelo usufruto dos bens dos baldios que hoje são bem mais que a simples usufruição tradicional. A ligação à comunidade local é forma original para ser comparte, advinda dos seus ascendentes, da sua habitação e propriedades que suas são por ordem familiar e também daqueles(as) com quem casaram e que na comunidade passaram a residir a ter actividade profissional que nos tempos de hoje não é a título principal ligada à silvo-pastorícia.

V. Todos os cidadãos identificados como compartes nos documentos ... e ... juntos com a petição inicial eram moradores da FREGUESIA ..., com direito ao uso e fruição dos baldios, tal como exigia o artigo 1.º, n.º 3 da Lei dos Baldios em vigor naquela data.

W. Na sua ânsia investigatória, ao que não devia, o tribunal a quo não cuidou de averiguar se aquelas pessoas pagavam ou não IMI na freguesia.

X. As informações obtidas pelo tribunal junto de fornecedores de água, luz ou telefone, são de todo impróprias para demonstrar ou infirmar a qualidade de comparte.

Y. Os compartes aqui em causa não caíram do céu em ..., pois trata-se, todos eles, de pessoas com ligação à terra, ali nascidos e que, em maior ou menor grau, sempre se interessaram pelo bem-estar da comunidade, maxime, pela sorte dos baldios da freguesia.

Z. A falta de escrúpulos da Junta de Freguesia, aproveitando-se da idade, inexperiência e falta de conhecimentos de alguns moradores levou-a a induzi-los em erro e assinarem documentos cujo teor era falso.

AA. O senhor DD e o senhor EE estiveram presentes na assembleia de 3 de março de 2013.

BB. O sr. CC, reformado, reside em ..., na Rua ..., ... e tem sido sempre um comparte particularmente interessado na defesa dos ..., o que se demonstra nas acções judiciais de que o mesmo é Autor e Ré a referida Freguesia.

CC. FF e GG, recentemente falecidos, eram reformados com residência em ..., que sempre exerceram com assiduidade, a actividade de defesa ambiental na associação local de defesa do Ambiente (...).

DD. GG enquanto viveu, partilhou a residência na rua do ..., baldio dos ..., lugar assim designado pela Junta de Freguesia e reconhecido pela Assembleia de Freguesia.

EE. HH, reformada com residência na rua do ..., baldio dos ..., lugar assim designado pela Junta de Freguesia e reconhecido pela Assembleia de Freguesia, também exerceu sempre a actividade de defesa ambiental na associação local ....

FF. II e JJ são compartes com residência na rua ..., baldio dos ..., lugar assim designado pela Junta de Freguesia e reconhecido pela Assembleia de Freguesia.

GG. Ainda que alguns dos intervenientes não tivesse a qualidade de comparte, ainda assim os atos em que intervieram seriam meramente anuláveis.

HH. A irregularidade da convocatória para a assembleia de compartes e da própria assembleia, por motivos procedimentais, tem como consequência a simples anulabilidade da assembleia, à semelhança do estabelecido no art.º 177.º do C.C. para as associações.

II. Só pode falar-se com um mínimo de propriedade em inexistência jurídica de um negócio jurídico (e a deliberação social é um negócio jurídico), quando nem sequer aparentemente se verifica o “corpus” de certo negócio jurídico (a materialidade correspondente à noção de tal negócio) ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção.

JJ. Não é, seguramente, esse o caso dos autos, uma vez que existem atos verdadeiros verificados e válidos.

KK. A anulabilidade tem de ser suscitada no prazo de seis meses (artigo 178.º, n.º 1 do CC).

LL. A ter ocorrido algum facto suscetível de determinar a anulabilidade, o prazo para a arguir há muito expirou. Expirou ainda em 2012, sendo certo que a presente ação deu entrada em 2017.

MM. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.09.2010, proferido no âmbito do Processo n.º 37/03...., não se aplica ao caso dos autos, pois ali faltou matéria de facto que aqui é extensa.

NN. No caso dos presentes autos ficou provado que, reuniram as assembleias, houve eleições e foram nomeadas pessoas para os cargos respectivos.

OO. Nas reuniões da Assembleias de Compartes de constituição, em face do recenseamento provisório elaborado pela comissão ad hoc, procedeu-se à leitura dos nomes nele inscritos e registou-se na acta o nome daqueles que confirmaram o seu nome e presença.

PP. Na douta sentença recorrida consta um nome de um comparte que constava no recenseamento de forma errada e continha um sobrenome rasurado.

QQ. O procedimento usado foi o de ler em voz alta todos os nomes do recenseamento, para verificar erros e faltas conferir quantos estavam presentes, de modo a poder fazer correcções, se fosse o caso.

RR. O tribunal a quo tomou a nuvem por Juno, confundiu os planos e, salvo devido respeito, acabou por tomar uma decisão totalmente despropositada, desacertada e

injusta.

SS. Foram violados os artigos 2.º do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19-01; 1.º, n.º 3 da Lei n.º 68/93, de 04-09 e 7.º; 21.º; 24.º, al. c); 28.º e 29.º, al. b) da Lei n.º 75/2017, de 17-08 que a revogou, bem como os artigos 9.º; 177.º e 178.º, n.º 1 do Código Civil.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgando as invocadas excepções improcedentes, ordene o prosseguimento dos autos, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!

Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos nesta invocados, reiterando que a maioria dos indicados compartes não residiam, nem estavam recenseados em ... nem ali exerciam qualquer actividade agro-florestal ou silvo-pastoril, pelo que não possuem qualidades para como tal serem reconhecidos e que a assembleia não foi regularmente convocada, o que, tudo, acarreta a existência da excepção em apreço.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a excepção dilatória de falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor, por invalidade da constituição da pessoa colectiva – Assembleia de Compartes dos ....

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:

1) Na data de 31/12/2011, constavam dos cadernos de recenseamento eleitoral da FREGUESIA ... os cidadãos identificados na cópia dos referidos cadernos junta pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna – área da Administração Eleitoral a fls. 349 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (2458 eleitores nacionais residentes em território nacional e 13 eleitores da União Europeia não nacionais do Estado Português com direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu e Autarquias Locais).

2) No dia 17/03/2012, um conjunto de 10 (dez) cidadãos, constituídos em comissão ad hoc, procedeu à elaboração do «Caderno de Recenseamento Provisório dos Compartes dos Baldios de ...», datado de 17/03/2012, onde constam 221 nomes de alegados compartes – documento junto a fls. 300 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3) Os 10 cidadãos que integraram a referida comissão ad hoc são os seguintes:

- HH (n.º 1 no caderno de recenseamento provisório);

- KK (n.º 2 no caderno de recenseamento provisório);

- LL (n.º 3 no caderno de recenseamento provisório);

- MM (n.º 4 no caderno de recenseamento provisório);

- NN (n.º 5 no caderno de recenseamento provisório);

- OO (n.º 8 no caderno de recenseamento provisório);

- PP (n.º 9 no caderno de recenseamento provisório);

- GG (n.º 10 no caderno de recenseamento provisório);

- QQ (n.º 13 no caderno de recenseamento provisório);

- FF (assinatura imperceptível, mas identificado na acta de 01/04/2012, a fls. 24 e ss, como integrando a comissão; n.º 26 no caderno de recenseamento provisório).

4) No mesmo dia 17/03/2012 foi elaborado um documento intitulado «CONVOCATÓRIA», subscrito pelos mesmos 10 cidadãos «(…) constituídos em comissão ad hoc nos termos dos n.º s 3 e 7 do artigo 33.º da Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro, (…)», convocando «(…) todos os compartes dos baldios de ... da FREGUESIA ... para a primeira Assembleia de Compartes dos Baldios de ... a realizar no dia 01 de Abril de 2012 pelas 15h00 na residência de HH na Rua ... lugar de ... em ... com a seguinte:

ORDEM DE TRABALHOS

1 – Informações;

2 – Aprovação do recenseamento definitivo dos Compartes;

3 – Constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... da FREGUESIA ...;

4 – Eleição dos órgãos de Administração dos Baldios: Mesa da Assembleia, Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização;

5 – Revogação da delegação de poderes na Junta de Freguesia ..., a partir desta data.

Na falta de quórum a reunião realiza-se uma hora depois com um quinto dos respectivos compartes presentes. (…)» - documento junto a fls. 313, cujo teor, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) O teor do documento n.º ... junto com a petição inicial, a fls. 24 e ss – acta da reunião ocorrida no dia 01/04/2012, pelas 15h00, na casa de HH, na Rua ..., lugar de ..., em ... (reunião da 1.ª Assembleia de ...; aceite e aprovada pelos presentes a proposta de constituição da RR para dirigir a reunião, presidida por CC, com HH como vice-presidente e com GG e II como 1.º e 2.º Secretários, respectivamente; verificada a inexistência de quórum de funcionamento e designação do dia 15 de Abril, à mesma hora, no mesmo local e com a mesma ordem de trabalhos, para realização de uma segunda reunião).

6) No mesmo dia 01/04/2012 foi elaborado um documento intitulado «CONVOCATÓRIA», subscrito por CC, na invocada qualidade de Presidente da Mesa da 1.ª Reunião, «De acordo com o n.º 3 do artigo 19.º da Lei dos Baldios, Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro, (…)», convocando «(…) a Assembleia de Compartes dos Baldios de ... da FREGUESIA ... a realizar no dia 15 de Abril de 2012 pelas 15h00 na residência de HH na Rua ... lugar de ... em ... com a seguinte:

ORDEM DE TRABALHOS

1 – Informações;

2 – Aprovação do recenseamento definitivo dos Compartes;

3 – Constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de S... da FREGUESIA ...;

4 – Eleição dos órgãos de Administração dos Baldios: Mesa da Assembleia, Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização;

5 – Revogação da delegação de poderes na Junta de Freguesia ..., a partir desta data. (…)» - documento junto a fls. 314, cujo teor, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido.

7) O teor do documento n.º ... junto com a petição inicial, a fls. 27 e ss – acta da reunião ocorrida no dia 15/04/2012, pelas 15h00, na casa de HH, na Rua ..., lugar de ..., em ... – em resumo, reunião da 1.ª Assembleia de Compartes dos Baldios de ... mesa presidida por CC, com HH como vice-presidente e com II e OO como 1.º e 2.º Secretários, respectivamente; declarada a presença de 19 pessoas - sendo 16 nomes constantes do recenseamento provisório e 3 nomes incluídos na própria reunião - das quais 4 integravam a mesa e 7 haviam integrado a comissão ad hoc:

- HH (comissão ad hoc; Vice-Presidente da Mesa);

- KK (comissão ad hoc);

- LL (comissão ad hoc);

- MM (comissão ad hoc);

- NN (comissão ad hoc);

- SS;

- TT;

- OO (comissão ad hoc);

- II;

- UU;

- VV;

- JJ;

- WW;

- CC (Presidente da Mesa);

- XX;

- FF (comissão ad hoc);

- YY;

- ZZ;

- AAA.

Ponto 2 da ordem de trabalhos (recenseamento definitivo): correcção de um nome para II; inclusão no recenseamento de 3 nomes, considerados compartes: YY, ZZ e AAA; retirada do nome de BBB, por não ser considerado comparte; aprovação, por unanimidade, do caderno provisório, com as modificações introduzidas na reunião, passando o universo de ... a ser constituído por 223 compartes.

Ponto 3 da ordem de trabalhos: aprovada, por unanimidade, a institucionalização da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., para a gestão, administração e disposição dos seus baldios.

Ponto 4 da ordem de trabalhos (eleição dos órgãos de administração dos baldios): apresentada por consenso uma única proposta, aprovada por unanimidade, elegendo os membros da Mesa da Assembleia, do Conselho Directivo e da Comissão de Fiscalização.

Mesa da Assembleia: Presidente – XX; Vice-Presidente - GG; 1.º Secretário - PP; 2.º Secretário - OO.

Conselho Directivo: Presidente - CC; Vice-Presidente - FF; Vogais - LL, CCC e DDD.

Comissão de Fiscalização: Presidente - HH; Secretário – XX; Vogais - II, JJ e KK.

Ponto 5 da ordem de trabalhos (revogação da delegação de poderes na Junta de Freguesia ...): aprovada, por unanimidade, a revogação da administração da Junta de Freguesia ..., com efeitos a partir dessa data.

8) No âmbito do processo n.º 3494/15...., que correu termos neste Juízo Local Cível ..., movido por «Junta de Freguesia ...» a SS, apurou-se que este faleceu a .../.../2014, conforme certidão do assento de óbito aí junta sob Referência Electrónica de 23/11/2015, tendo sido habilitados seus herdeiros EEE, DDD, FFF e GGG, que passaram a ocupar a posição processual que cabia ao falecido.

9) Dos 10 cidadãos que integraram a comissão ad hoc, 4 deles não constam dos cadernos de recenseamento eleitoral da FREGUESIA ..., com referência à data de 31/12/2011:

- HH (n.º 1 no caderno de recenseamento provisório);

- GG (n.º 10 no caderno de recenseamento provisório);

- QQ (n.º 13 no caderno de recenseamento provisório);

- FF (n.º 26 no caderno de recenseamento provisório).

10) Dos 19 cidadãos, com a arrogada qualidade de compartes, dados como presentes na reunião de 15/04/2012, na qual foram eleitos os órgãos de administração dos baldios, pelo menos 8 deles não constam dos cadernos de recenseamento eleitoral da FREGUESIA ..., com referência à data de 31/12/2011:

- HH (comissão ad hoc; Vice-Presidente da Mesa dessa reunião e eleita Presidente da Comissão de Fiscalização);

- GG (comissão ad hoc e eleito Vice-Presidente da Mesa da Assembleia);

- QQ (comissão ad hoc);

- FF (comissão ad hoc e eleito Vice-Presidente do Conselho Directivo);

- II (eleito Vogal da Comissão de Fiscalização);

- VV;

- JJ (eleito Vogal da Comissão de Fiscalização);

- CC (Presidente da Mesa dessa reunião e eleito Presidente do Conselho Directivo).

11) Dos elementos reunidos nos autos, em data anterior a 17/03/2012, não existiam contratos de fornecimento de serviços de água, electricidade ou telecomunicações em nome das seguintes pessoas, referente a local de consumo sito na FREGUESIA ..., conforme informações juntas a fls. 517 e ss («Serviços Municipalizados de ...» - fls. 520 e ss; «EDP» - fls. 522; operadoras de telecomunicações – «NOWO», fls. 518-519 e 532; «NOS», fls. 526-527, 533 e 542, «VODAFONE», fls. 530, «ALTICE – MEO», fls. 537):

- HH (comissão ad hoc; eleita Presidente da Comissão de Fiscalização) – a operadora «NOWO», a fls. 532, confirmou um registo de prestação de serviço, mas em morada não situada na FREGUESIA ...; o documento junto a fls. 505 pela ré não refere a data de início do contrato, especificamente se já se encontrava em vigor em data anterior a 17/03/2012;

- GG (comissão ad hoc e eleito Vice-Presidente da Mesa da Assembleia) - a operadora «NOWO», a fls. 518-519, confirmou um registo de prestação de serviço em morada situada na FREGUESIA ..., mas apenas em data posterior a 18/11/2016; a operadora «NOS», a fls. 526-527 e 542, confirmou um registo de prestação de serviço em morada situada na FREGUESIA ..., mas apenas em data posterior a 02/12/2015; o documento junto a fls. 512 pela ré não refere a data de início da residência na morada, especificamente se ocorreu em data anterior a 17/03/2012;

- QQ (comissão ad hoc; o documento junto a fls. 511 pela ré não refere a data de início do contrato, especificamente se já se encontrava em vigor em data anterior a 17/03/2012);

- FF (comissão ad hoc e eleito Vice-Presidente do Conselho Directivo); os documentos juntos a fls. 513 e 514 pela ré não referem a data de início da residência na morada, especificamente se ocorreu em data anterior a 17/03/2012;

- VV;

- JJ (eleito Vogal da Comissão de Fiscalização).

12) Dos elementos reunidos nos autos, em data anterior a 17/03/2012, não existiam contratos de fornecimento de serviços de electricidade ou telecomunicações em nome das seguintes pessoas, referente a local de consumo sito na FREGUESIA ..., apenas contratos de fornecimento de serviço de água, conforme informações juntas a fls. 517 e ss («Serviços Municipalizados de …» - fls. 520 e ss; «EDP» - fls. 522; operadoras de telecomunicações – «NOWO», fls. 518-519 e 532; «NOS», fls. 526-527, 533 e 542, «VODAFONE», fls. 530, «ALTICE – MEO», fls. 537):

- II (eleito Vogal da Comissão de Fiscalização) – os «Serviços Municipalizados de ...», a fls. 520-521, confirmaram um registo de prestação de serviço em morada situada na FREGUESIA ... desde 20/11/2003;

- CC (eleito Presidente do Conselho Directivo) - os «Serviços Municipalizados de ...», a fls. 520-521, confirmaram um registo de prestação de serviço em morada situada na FREGUESIA ... desde 09/02/2011.

Se se verifica a excepção dilatória de falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor, por invalidade da constituição da pessoa colectiva – Assembleia de Compartes dos ....

 Como resulta do relatório que antecede, importa decidir se se verifica ou não, a ora referida excepção, o que equivale a averiguar da regularidade da constituição da Assembleia de Compartes dos ... e das deliberações por ela tomadas e consequências daí decorrentes.

Efectivamente, analisando a decisão recorrida, a procedência da invocada excepção não radica em qualquer vício ou falha procedimental na convocação da assembleia constituinte do baldio, mas, ao invés, na invalidade da constituição da assembleia de compartes, com o fundamento em terem participado na respectiva votação pessoas que não possuíam a qualidade de compartes e, por isso, não podiam votar, do que decorre a inexistência da deliberações tomadas em tal assembleia, nos termos que se passam a transcrever:

“(…)

Ainda assim, aqui chegados, da conjugação dos sobreditos elementos, entendo que em causa não está uma mera irregularidade da convocação e do funcionamento da Assembleia de Compartes, mas sim um vício endógeno do procedimento prévio relacionado com o próprio recenseamento dos compartes que, nos termos legais, havia que anteceder os trabalhos dessa Assembleia, ou seja, com a definição do universo de compartes, dos membros da comunidade local que iriam constituir a Assembleia de Compartes e com legitimidade para nela participar.

Tendo as reuniões contado com participantes, dirigentes e votantes que não possuíam a qualidade de compartes, esta expressão de vontade colectiva tem-se por juridicamente inexistente para o universo dos compartes, porquanto não traduz a vontade da comunidade local e, por conseguinte, não veicula uma deliberação vinculante emanada do universo dos compartes.

Considerações que valem tanto para a deliberação de institucionalização da constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de S..., como para a eleição dos órgãos de administração dos baldios.

Como decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 23/09/2010 (processo n.º 37/03.8TBRSD.P, disponível em www.dgsi.pt), citado pela ré na contestação, «(…) tanto a personalidade judiciária, como a capacidade judiciária, requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que, em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil. (…)».

A invalidade da constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., entidade que o Conselho Directivo representa em juízo, torna-a juridicamente inexistente e implica a inexistência jurídica das suas alegadas deliberações.

Em consequência dessa inexistência jurídica, a entidade que o autor representa em juízo (a Assembleia de Compartes dos Baldios de ...), não é susceptível de ser parte processual, carecendo assim de personalidade judiciária – artigo 11.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

E o próprio autor «CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE ...» é órgão que, por não ter sido validamente criado, carece de existência jurídica, não tendo capacidade para estar em juízo, nem lhe assistindo quaisquer poderes de representação, designadamente dos compartes ou da mencionada Assembleia de Compartes dos Baldios de ....

Termos em que, com os fundamentos expostos, julgo procedente a invocada excepção dilatória insuprível de falta de personalidade judiciária da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., entidade que o Conselho Directivo, aqui autor, representa em juízo e, igualmente, a excepção dilatória insuprível de falta de capacidade judiciária do autor, por não ser órgão validamente constituído, não tendo capacidade para estar em juízo e, nessa conformidade, absolvo a ré da presente instância.”.

Desde já adiantando a solução, nada se nos afigura que aponte no sentido da procedência da pretensão do recorrente, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

Atento o lapso temporal da ocorrência dos factos em apreço, é aplicável à situação sub judice o disposto na Lei 68/93, de 4 de Setembro, designada por “Lei dos Baldios”, (diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem denominação de origem).

De acordo com o seu artigo 1.º, n.º 1, designam-se por baldios “os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais”, entendendo-se esta (cf. seu n.º 2) como “o universo dos compartes”, acrescentando-se no seu n.º 3, que “São compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio”.

Como refere Jaime Gralheiro in Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, a pág.s 10 e 11, com a expressão “comunidade local”, “pretendeu-se dar conteúdo ao conjunto de pessoas que, historicamente, andavam no uso e posse dos baldios e os consideravam como seus, por os terem recebido daqueles que antes deles foram naquele local e que lhes deram semelhante utilização, sendo sua obrigação transmitir tal direito de “todos” aqueles que depois deles viessem.

Esse conjunto (fluído) de pessoas constituíam os “povos” ou “lugares” que, de acordo com a tradição, tinham adstritos à sua economia rural os terrenos incultos, donde retiravam as pastagens, os estrumes, lenhas e outras utilidades”.

Por outro lado, como vimos, a definição de comparte acima referida, exige que se trate de moradores no local, que segundo os usos e costumes têm direito ao uso e fruição do baldio, ainda que “exerçam a actividade “não agrícola noutro local”, assim ficando abrangidos no universo dos compartes as pessoas residentes no local, ainda que exerçam actividade noutro local – cf. autor e ob. cit., a pág. 12.

Do que resulta, acrescenta, que “a qualidade de “comparte” não se herda, nem se transmite por qualquer forma de direito”, radicando a qualidade de comparte em condições ligadas à pessoa, por ser morador ou por exercer no local uma actividade ligada à terra.

Qualidade de compartes que exigia, cf. seu artigo 33.º o recenseamento prévio dos compartes, o qual, em caso de inexistência, devia ser suprido por iniciativa da assembleia de compartes ou por um grupo de 10 membros da comunidade local usualmente reconhecidos como compartes (cf. seu n.º 3) e no caso de total inércia dos interessados, nos termos do seu n.º 6, supre a falta de recenseamento dos compartes o recurso ao recenseamento eleitoral da freguesia em questão, mediante aprovação pela assembleia de compartes em reunião convocada com base nele, mediante convocação efectuada pela conselho diretivo ou inexistindo este, pela comissão ad hoc a que se refere o seu n.º 7.

Por outro lado, como decorre do artigo 11.º, n.º 1, os baldios são administrados pelos respetivos compartes, se esse for o uso e costume ou assim não sendo, através de órgãos democraticamente eleitos.

Constituindo órgãos de representação, disposição, gestão e fiscalização, a assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização, cf. n.º 2 deste preceito.

A assembleia de compartes é constituída por todos os compartes – cf. artigo 14.º.

E tem, entre outras, funções eleitorais, cabendo-lhe eleger a mesa, eleger e destituir, os membros do conselho directivo e os membros da comissão de fiscalização, cf. artigos 15.º, n.º 1, al.s a) e b) e 24.º, n. 1.

Ora, de todos estes preceitos, se tem de extrair a conclusão de que a assembleia de compartes só pode ser constituída pelas pessoas que podem ter a qualidade de compartes, estes, tal como definidos no artigo 1.º, n.º 3.

Por outro lado, cf. artigo 15.º, n.º 1, só podem tomar parte nos actos eleitorais e ser eleitos para os órgãos ali referidos, as pessoas que possam ser consideradas como compartes.

Ou seja, só podem eleger e ser eleitos para os órgãos de representação, gestão, disposição e de fiscalização do baldio, quem puder fazer parte da assembleia de compartes, estando vedada tal participação a quem não for comparte.

No caso em apreço, como resulta dos itens 7.º, 9.º e 10.º, dos factos provados, tomaram parte na eleição e foram eleitos, para os órgãos ali mencionados, membros que não constavam do caderno de recenseamento eleitoral da freguesia de ..., pelo que, nos termos expostos não se podem considerar como ali moradores e assim, não reúnem as qualidades que a lei exigia para serem considerados como comparte: ser morador na freguesia em causa e, segundo os usos e costumes, tinham direito ao uso e fruição do baldio.

É certo que, como refere o apelante, actualmente, nos termos do artigo 7.º, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, a assembleia de compartes pode atribuir a qualidade de comparte a cidadão não residente.

Mas, aqui a questão é outra.

Trata-se de aferir da regularidade da constituição originária/constituinte da própria assembleia de compartes, a qual só podia ser constituída por pessoas que, originariamente, reuniam condições para ser tidas como compartes e só tendo essa qualidade podiam participar na assembleia de compartes e nesse âmbito, eleger e serem eleitos para os órgãos que administram o baldio.

Algumas dessas pessoas até podiam ter ligações à localidade, mas como acima referido, a qualidade de comparte não se herda. Ou se possui ou não se possui, em face do que a lei exigia, à época, para se ser comparte, para como tal poder ser considerado.

Em suma, participaram na assembleia de compartes constituinte, pessoas que nela não poderiam ter participado, elegendo e sendo eleitas para os órgãos de administração e representação do baldio, sem ter a qualidade de comparte, o que lhes estava legalmente vedado fazer.

Importa, assim, analisar as consequências daí resultantes.

Nos termos acima transcritos, na decisão recorrida, considerou-se que tal acto acarreta a invalidade da constituição da assembleia de compartes e consequente inexistência jurídica das respectivas deliberações, o que tem como efeito que o autor não pode estar em juízo, na qualidade a que se arroga.

Por sua vez, o recorrente alega que se trata de vícios procedimentais, que acarretam a mera anulabilidade da constituição da assembleia de compartes e deliberações tomadas, por reporte ao disposto no artigo 177.º do Código Civil, citando, em abono da sua tese, decisões proferidas pelo STJ e da Relação de Guimarães, já tendo decorrido o prazo legal para a respectiva arguição.

No Acórdão do STJ, de 09 de Março de 2004, Processo n.º 04B583, disponível no respectivo sítio do itij, efectivamente, considerou-se que a irregularidade da convocatória da assembleia de compartes e da própria assembleia, por motivos procedimentais (no caso em apreço tratava-se da falta de recenseamento dos compartes, que foi suprida pelo recenseamento eleitoral, tendo decorrido a assembleia de compartes e nela tendo sido tomadas deliberações) constitui uma simples anulabilidade, devendo, em tal caso, aplicar-se o disposto no artigo 177.º do Código Civil.

Tese que foi seguida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 de Fevereiro de 2018, Processo n.º 663/13.7TBAMR.G1, disponível no mesmo sítio do anterior, em que, igualmente, se tratava de irregularidade da convocatória para a assembleia de compartes e da própria assembleia (igualmente, por não ter sido organizado o recenseamento provisório dos compartes e assembleia que congregasse os compartes dos três lugares e não uma individualizada para cada um deles).

Mas, no caso em apreço, não se trata de questões procedimentais relativas à convocatória da assembleia de compartes nem da realização da própria assembleia.

Aqui trata-se de “vício/doença congénita” que tem que ver com o facto de terem participado na assembleia de compartes e terem sido eleitas para os órgãos representativos do baldio, pessoas que não o podiam ter feito, por não serem compartes e só estes poderiam participar na dita assembleia e serem eleitos para os órgãos de gestão e administração do baldio.

Na prática, estamos em presença de uma situação equiparada a deliberação de uma sociedade comercial tomada por não sócios, caso em que se trata de deliberação social juridicamente inexistente – cf. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 5.ª Edição, pág.s 443/4.

Nos termos do artigo 21.º, n.º 1, al. h), compete ao conselho directivo do baldio, recorrer a juízo e constituir mandatário para tal.

Como vimos o conselho directivo é eleito pela assembleia de compartes (artigo 15.º, n.º 1, al. b).

Ora, não tendo sido a eleição para tal órgão validamente efectuada, porque nela tomaram parte pessoas que não o podiam fazer e para dele fazer parte, foram eleitas pessoas que eram inelegíveis, estamos em presença de uma deliberação inexistente, tudo se passando como se não tivesse sido constituído o conselho directivo que ora se apresenta em juízo em representação do baldio (cf. item 10.º).

 Como se refere no Acórdão do STJ, de 23 de Setembro de 2010, Processo n.º 37/03.8TBRSD.P1, disponível no mesmo sítio dos anteriores (citado na decisão recorrida) “… tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos termos do artº 288.º, n.º 1, al. c), do CPC.

No caso do Conselho Directivo, é necessário que tal órgão exista juridicamente, isto é, tenha sido validamente criado, nos termos legais”.

No caso em apreço, como resulta do anteriormente exposto, tanto a constituição da assembleia de compartes como as deliberações nela tomadas, são juridicamente inexistentes, acarretando a absolvição da instância da ré, tal como considerado na decisão recorrida, que assim se mantém.

Assim, face ao exposto, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

As custas seriam a suportar pelo apelante, que delas está isento, cf. artigo 4.º, n.º 1, al. x), do Regulamento das Custas Processuais.

Coimbra, 28 de Junho de 2022.