Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4084/14.6T8CBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
PENHORA DE RENDAS IMOBILIÁRIAS – SUA REDUÇÃO.
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE COIMBRA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGAMENTO ANULADO
Legislação Nacional: ARTºS 625º, Nº1, AL. B), E 738º, NºS 1 E 6, DO NCPC
Sumário: I- O vício de nulidade de sentença ou despacho previsto na al. b) do nº1 do artº. 615º do nCPC, só ocorre quando houver falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito) em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada.
II- O requerimento do executado a solicitar a redução da penhora configura uma questão incidental da instância executiva, cujo processamento deve ocorrer nos próprios autos de execução, com a observância, devidamente adaptada, da disciplina prevista nos artºs. 292º a 295º ex vi 551º, nº 1, do nCPC.
III- Muito embora a lei não estabeleça expressamente qualquer limitação para penhora de rendas imobiliárias, todavia, se elas integrarem o núcleo essencial da fonte de rendimentos de que o executado dispõe para assegurar o seu (e do seu agregado familiar) sustento e subsistência condignos, são-lhes aplicáveis, por via analógica, os princípios que norteiam ou estão subjacentes à imposição de limites às penhoras de outros rendimentos legalmente previstos para o efeito (vg. nº1 do artº 738º do CPC).
IV- E daí que, nessas situações, a penhora de rendas imobiliárias caia também no âmbito de aplicação do nº6 do artº 738º do nCPC.
V- Na dialética dos interesses conflituantes do credor e do devedor, impõe a lei que o julgador, na apreciação dessa redução da penhora, pondere/sopese, por um lado, o montante e a natureza crédito exequendo e, por outro, as necessidades do executado e do seu agregado familiar (sempre na perspetiva de que essas necessidades devem abranger os rendimentos que se mostrem essenciais para proporcionar ao executado e ao seu agregado familiar uma subsistência condigna, à luz dos atuais padrões e valores civilizacionais).
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, correm termos (desde o ano de 2014) os autos de execução comum para pagamento de quantia certa, nos quais figuram como exequente G..., e como executado, além de outros, J..., e ao qual foi penhorada a renda, no valor líquido de €1.300,00, que aufere pela cedência do gozo de imóvel aí identificado.
2. Através de requerimento de 21/11/2016 aquele executado J... (doravante somente executado), veio solicitar a redução dessa penhora, num valor não inferior €550,00, com o fundamento de que, face a essa penhora, os rendimentos que tem disponíveis não lhe permitem fazer face às despesas fixas que tem de suportar, colocando em causa a sua própria subsistência.
Com vista a demonstrar tal, alegou, em síntese, o seguinte:
Além de referida renda, e como rendimentos, aufere mensalmente uma pensão de reforma no valor de €437,94 e uma pensão de sobrevivência, pelo óbito da sua mulher, no valor de €241,72;
Por sua vez, tem as seguintes despesas mensais:
- €550,00, correspondente à renda mensal que paga pela habitação em que vive;
- Em média, €40,00 de electricidade;
- Em média, €20,00 de telefone;
- Em média, €15,00 de água;
- €100,00 em medicamentos;
- Em média, €390,00 em outras despesas básica tais como vestuário e calçado;
- € Em média, €13,00 em refeições diárias fora de casa (almoço e jantar, em média €6,50, cada), pois que tendo 69 anos de idade e vivendo sozinho não tem condições de ser ele confeccioná-las.
Pelo que, assim, as suas despesas mensais fixas totalizam, em média, o montante de €1.115,00, enquanto os seus rendimentos mensais disponíveis (sem o valor da referida renda penhorado) totalizam o valor de €679,66.
Juntou prova documental.
3. No exercício do contraditório, o exequente apresentou requerimento (ora junto a fls. 27 e ss. destes autos, datado de 07/12/2016), em que se opôs à requerida redução do valor da renda penhorado, nos termos e com os fundamentos ali aduzidos (e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido), por entender não se verificarem os pressupostos para o efeito.
Na sua essência, impugnou os factos alegados pelo executado, nomeadamente no que concerne ao contrato de arrendamento e às demais despesas por si suportadas, e os documentos que juntou para demonstrar a mesmas, alegado ainda ser o mesmo detentor de outras fontes de rendimento, que lhe advêm do facto de ser o único sócio e gerente da sociedade denominada ..., Lda, e de ser co-proprietário, em regime de comunhão sucessória, de vários imóveis.
Juntou prova documental.
4. A pedido do tribunal, o executado veio juntar aos autos cópia da declaração do IRS referente ao ano de 2016.
5. Na sequência da junção desse documento, o exequente veio exercer o contraditório no termos que constam do seu requerimento datado de 25/09/2017, tendo ainda junto com ele documentos referentes ao registo e ao pacto social da sobredita ..., L.da, e ao extracto da IES submetida pela mesma sociedade em 18/07/2017, tudo com o teor que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
No final, e como base nos fundamentos aí aduzidos e com vista a esclarecer a real situação financeira o executado, solicitou ao tribunal que:
a) Ordenasse a notificação do executado, na qualidade de sócio-único e gerente da referida sociedade, para juntar aos autos a versão integral da IES relativa ao exercício de 2016, submetida em 18.07.2017, com a indicação discriminada dos “FSE” pagos pela sociedade;
b) Ordenasse a notificação do executado, naquela mesma qualidade, para juntar aos autos um balancete analítico da referida sociedade, relativo ao exercício de 2016, e um outro, relativo ao exercício corrente de 2017, de forma a apurar-se quais as despesas pagas pela sociedade, bem como a origem das receitas apresentadas pela mesma;
c) Que - por se admitir que a sociedade unipessoal do executado esteja a fruir de rendimentos proporcionados pelo imóvel penhorado nos autos – se oficiasse ao Serviço de Finanças de Coimbra-2 para que, por referência a esse prédio, informasse os autos de quantos contratos de arrendamento se encontram comunicados à Autoridade Tributária, de qual o valor da renda declarada e da identidade dos seus outorgantes.
6. Conclusos que lhe foram os autos, a sra. juíza a quo profere, em 10/10/2017, o seguinte despacho:
« Veio o executado J... requerer a redução da penhora da renda a que tem direito pela cedência do gozo de um imóvel, no valor de 1.300,00, alegando que, face às despesas que actualmente tem a seu cargo os rendimentos que tem disponíveis não são suficientes para satisfazer as suas necessidades. Notificado para se pronunciar, o exequente pugnou pelo indeferimento do requerido, vindo posteriormente requerer algumas diligências com vista a uma indagação mais profunda da condição económica do executado, mas que se nos afiguram desnecessárias, para além de acarretarem excessivas delongas na resolução da questão que importa decidir.
Dispõe o artigo 738.º, n.º 6 do Código de Processo Civil ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.
Decorre desta previsão legal a consagração dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade humana – igualmente presentes nas disposições relativas à impenhorabilidade de bens – permitindo ao juiz fixar um valor mais reduzido da parte penhorada, por forma a evitar que o executado fique despojado do que lhe é estritamente imprescindível para a satisfação das mais elementares necessidades da vida.
No caso dos autos, o executado aufere mensalmente um rendimento global de quase €2000,00, proveniente de duas pensões sociais e de uma renda imobiliária, o que, tendo em conta o facto de viver sozinho e não ter dependentes a seu cargo, lhe confere uma disponibilidade económica superior à média nacional e, portanto, suficiente para lhe permitir uma gestão relativamente folgada das suas necessidades.
Porém, com a penhora efectuada o executado viu reduzidos os referidos rendimentos numa proporção considerável, que representa mais de metade do valor das receitas no seu orçamento mensal.
Pelo que, pese embora não haja na lei uma expressa limitação para a penhora de rendas imobiliárias, o facto de estas integrarem a maior fatia de rendimentos de que o executado dispõe para fazer face ao seu sustento permite-nos fazer uma aplicação analógica dos princípios subjacentes à imposição de limites nas penhoras de rendimentos, importando, assim, avaliar se a sua condição pessoal e económica justifica nomeadamente a redução do valor da penhora ao abrigo do disposto no artigo 738.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Veja-se no sentido deste nosso entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.01.2011 (disponível in www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte: ainda que o nº 1 do artº 824 CPC não aluda às rendas, atenta a sua natureza jurídica, certo é que se elas forem o único meio que permita ao cidadão um modo de subsistência digno, não vislumbramos nenhuma razão contra a que elas sejam incluídas no nº 4 do artº 824 CPC. II – É que o bem jurídico protegido por esta norma é a capacidade financeira do executado se sustentar a si e à sua família. Sustento esse direccionado para as necessidades da existência, do dia a dia, ou seja, para a sustentabilidade das condições mínimas de vida com a dignidade que todo o ser humano deve ter.
Vejamos então.
A penhora integral da renda auferida pelo executada implica que o mesmo veja os seus rendimentos mensais reduzidos a menos de €700,00, o que é efectivamente parco para aquele fazer face a todos os seus encargos e prover ao seu sustento tendo em conta as despesas fixas que tem com habitação, água, luz, gás, etc.
Pelo que entendemos que se justifica conceder ao executado o tratamento excepcional previsto na referida disposição legal, pese embora fazendo, em contraponto, uma ponderação dos interesses do exequente e do direito que lhe assiste de ver satisfeito o seu crédito.
Face ao exposto, determino que a penhora da renda auferida pelo executado seja reduzida de 1/3, passando, assim, a penhora a incidir apenas sobre 2/3 do seu valor. » (sublinado nosso)
7. Inconformado com tal despacho decisório, o exequente dele apelou, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
...
8. O executado não contra-alegou.
9. Cumpre-nos, agora, apreciar.
II- Fundamentação
1 Do objeto do recurso.
1. Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, aqui ex vi 852º, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verifica-se que as questões nelas colocadas, e que cumpre aqui apreciar, são as seguintes:

a) Da nulidade do despacho decisório.

b) Da in(existência) dos pressupostos para a redução da penhora.

2. Quanto à 1ª. questão.

Invoca o exequente/apelante a nulidade da decisão consubstanciada no referido despacho, à luz do disposto no artº. 615º, nº.1, al. b), ex vi artº. 613º do CPC, por padecer do vício de falta de fundamentação de facto.

Preceitua-se na al. b) do nº1 do artº. 615º do CPC que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.
Normativo esse que, por força do estatuído no artº. 613º do CPC, é aplicável aos despachos.
Dipositivo esse que constitui o reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto pelos artºs. 205º da CRPort. e 154º do CPC, e pelo próprio artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.
Vem sendo dominantemente entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores (quer à luz do revogado CPC61, quer do atual) que esse vício só ocorre quando houver falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito) em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Essa fundamentação porventura deficiente, incompleta ou até errada poderá afetar o valor doutrinal da sentença/decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas nunca poderá, assim, determinar a sua nulidade. (Neste sentido, vide, entre outros, Ac. do STJ de 02/06/2016, proc. 781/11, acessível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 1129/09, in “Sumários, Abril/2016, pág. 17”; Ac. do STJ de 05/04/2016, proc. 128/134, in “Sumários, Abril/2016, pág. 8”; Ac. do STJ de 19/03/02, in “Rev. Nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02” e Ac. da RC de 16/5/2000 in “www.dgsi.pt”, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, 2017, págs. 735/736”).

Perscrutando a decisão recorrida verifica-se que nela não se faz uma especificação/descriminação dos factos dados como provados (e não provados), como em bom rigor deveria acontecer, pois que estando-se na presença de uma questão incidental da instância executiva, e sendo a lei omissa quando à sua regulamentação, haveria no seu processamento (a ocorrer nos próprios autos) que ter em conta a disciplina prevista nos artºs. 292º a 295º, ex vi 551º, nº1, do CPC, e da qual resulta, por força do estatuído no último normativo, a aplicação, com as devidas adaptações, do regime previsto no artº. 607º do mesmo diploma legal referente à elaboração das sentenças – limitando-se a sra. juíza a quo a apreciar a questão, da redução do valor da renda penhorada ao executado, à luz da fundamentação de direito ali aduzida, suportada em alguns factos que, pelo meio, avulsamente refere, e que se reconduzem, neles se se esgotando, aos seguintes: “o executado aufere mensalmente um rendimento global de quase € 2000,00, proveniente de duas pensões sociais e de uma renda imobiliária, o que, tendo em conta o facto de viver sozinho e não ter dependentes a seu cargo (…).”

Daí não podermos falar que se está perante uma absoluta falta de fundamentação de facto (pois é só esta que é colocada em causa), mas tão somente perante um fundamentação (manifestamente) deficiente ou insuficiente (como mais adiante iremos ver).

E sendo assim não poderá concluir-se padecer o despacho decisório recorrido do apontado vício de nulidade.

Aliás, diga-se ainda, e como bem refere o exequente/apelante, que da leitura do referido despacho nenhuma análise crítica valorativa da prova é ali feita sequer quanto a tais factos por forma a permitir perceber/entender qual percurso cognitivo seguido para dar tais factos como provados (objeto de impugnação por parte do exequente) e não também outros igualmente alegados (por ambas as partes). Porém, tal não configura qualquer vício de nulidade, mas somente sendo suscetível, nos termos do estatuído no artº. 662º nº. 2 al. d) do CPC - aqui aplicado extensivamente –, de gerar, quando muito, a remessa dos autos à 1ª. instância para suprir tal falta de motivação.

3. Quanto à 2ª. questão.

A essa questão tem a ver com o julgamento do mérito da questão, e mais concretamente com o indagar se estão ou não reunidos os pressupostos para conceder a requerida redução do valor da penhora da renda de imóvel auferida pelo executado.

Como bem se salienta no despacho recorrido – o que o exequente/apelante não questiona -, muito embora a lei não estabeleça expressamente qualquer limitação para penhora de rendas imobiliárias, todavia, constitui entendimento prevalecente de que se elas integrarem o núcleo essencial da fonte de rendimentos de que o executado dispõe para assegurar o seu (e do seu agregado familiar) sustento e subsistência condignos são-lhes aplicáveis, por via analógica, os princípios que norteiam ou estão subjacentes à imposição de limites às penhoras de outros rendimentos legalmente previstos para o efeito (vg. nº 1 do artº 738º do CPC).

E daí que, nessas situações, a penhora desse tipo de rendas imobiliárias caia também no âmbito de aplicação do nº 6 do artº 738º do CPC (neste se sentido, vide, por todos, Ac. da RL de 20/01/2011, proc. 22889/08.0YYLSB-A.L1-8, disponível em dgsi.pt, proferido à luz do artº. 824º, nº. 4, do anterior CPC61, com redacção idêntica ao artº. 738, nº. 6, do nCPC).

Ora, dispõe o citado artº 738º, nº6, que “ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.” (sublinhado nosso)

Resulta, desde logo, de tal normativo, e dos princípios atrás enunciados que lhe estão subjacentes, que a redução da penhora, que é excecional, pressupõe que com ela o executado fica privado de rendimentos sem os quais não lhe é possível assegurar para si e para o seu agregado familiar uma vivência condigna, ou seja, e por outras palavras, com a penhora o executado fica privado de rendimentos que se mostram absolutamente necessários à satisfação das suas (e do seu agregado familiar) necessidades mínimas essenciais para que possa ter uma subsistência condigna, à luz dos atuais padrões e valores civilizacionais, situação que conduz a que os interesses do credor devam ceder perante os interesses do devedor.

Daí que nessa dialética dos interesses conflituantes do credor e do devedor, a lei mande que o julgador, na apreciação dessa redução da penhora, pondere/sopese, por um lado, o montante e a natureza crédito exequendo e, por outro, as necessidades do executado e do seu agregado familiar (no caso em apreço não existe, pois que o executado alega que vive sozinho).

Pois bem, do despacho recorrido não consta qualquer elemento ou referência factual sobre montante e a natureza do crédito exequendo, sendo certo que dos presentes autos de recurso que nos foram remetidos nem sequer é possível descortinar através qualquer elemento que nos permita extrair qualquer conclusão a esse respeito.

Por outro lado ainda, nada consta, em termos factualidade, do despacho decisório recorrido (que, como vimos, não descriminou os factos alegados, dados como provados e não provados), quer sobre as despesas fixas que o executado alegou ter (conforme acima se deixou exarado, e das quais sobressai, entre outras ali descriminadas, o pagamento de uma renda mensal no valor €550,00, pela habitação em que vive), quer sobre as outras fontes de rendimento que o exequente alegou ser o executado detentor (vg. advenientes do facto de ser o único sócio e gerente da sociedade denominada ..., L.da, e de ser proprietário, em regime de comunhão sucessória, de vários imóveis), havendo uma total omissão da decisão quanto a tal materialidade.

Do exposto é patente, salvo o devido respeito, que a decisão recorrida padece de uma manifesta deficiência/insuficiência na sua fundamentação de facto, que urge colmatar/ampliar com a materialidade factual a que atrás se fez referência, recorrendo o tribunal a quo, se necessário, a outros meios de produção de prova (vg., por exemplo, diligências instrutórias solicitadas pelo exequente), pois que tais elementos factuais se mostram essenciais para que se possa decidir sobre a questão incidental em apreço, e que este tribunal não pode fazer, neste momento, por dispor dos elementos factuais necessários para o efeito.

Termos, pois, em que, à luz do disposto no artº. 662º, nº2, al. c) do CPC, aqui devidamente aplicável, se decide anular o despacho decisório recorrido, o qual deve ser substituído por um outro no qual se mostrem supridas, ao nível da fundamentação de facto, as deficiências/insuficiências supra apontadas, e que impedem o conhecimento do mérito da questão incidental em apreço.


III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em decidir anular o despacho decisório recorrido, o qual deve ser substituído por um outro no qual se mostrem supridas, ao nível da fundamentação de facto, as deficiências/insuficiências que supra se deixaram apontadas.
Sem custas.
Coimbra, 2018/06/05
Isaías Pádua
Manuel Capelo
Falcão de Magalhães