Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1730/20.6T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: AUTORIA DA ASSINATURA
MAIOR ACOMPANHADO
DATA DA INCAPACIDADE
ENCARGOS DA HERANÇA
RESPONSABILIDADE DO HERDEIRO
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 150.º, 257.º, 406.º, 2024.º, 2071.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 744.º, N.º 1, DO CPC
Sumário: I – Tendo sido impugnada a assinatura atribuída a um utente, já falecido, constante do contrato da sua admissão em lar residencial, é de concluir pela sua genuinidade quando: i) nenhuma testemunha declarou ter estado presente no ato da assinatura do contrato; ii) a assistente social que acompanhou a transição do utente do hospital, onde cumpriu uma medida de segurança, para o lar, depôs no sentido do utente ter negociado e acordado com a direção do lar o respetivo ingresso; iii) não se vislumbrar razão plausível, nas circunstâncias factuais conhecidas e contemporâneas dos factos, para alguém ter forjado a assinatura do utente no contrato; iv) as regras de experiência dizerem que quem ingressa num lar de idosos e aí vive vários anos até falecer, fê-lo porque existiu um acordo nesse sentido entre lar e utente.

II - Tendo sido proferida decisão em processo de acompanhamento de maior a fixar a data do início da incapacidade do utente em data anterior à da celebração do contrato da sua admissão no lar, este contrato é anulável nos termos previstos para o regime da incapacidade acidental.

III - Tendo a herança do utente sido aceita pura e simplesmente, os seus herdeiros respondem pela dívida do utente ao lar, no âmbito do valor dos bens herdados, incumbindo-lhes provar que não receberam outros bens.

Decisão Texto Integral:

Recorrente …………………..G..., Lda., com sede na Rua ... ... – ....

Recorridas……………………AA casada com BB, residentes na Rua ... ...; e CC, residente na Rua ..., ... DD; ambas na qualidade de herdeiras legais de EE.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da sentença que absolveu as Rés do pedido deduzido pela Autora, através do qual pretendia e pretende obter o pagamento de despesas feitas pelo falecido EE enquanto utente do lar de idosos explorado pela Autora, tudo no montante de €11.375,00, mais juros de mora desde a data da propositura da ação até pagamento.

A improcedência da ação baseou-se, em síntese, no facto de se ter considerado que o falecido EE não assinou o contrato junto pela Autora com a petição, mediante o qual teria ingressado no referido lar explorado pela Autora.

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes:

«I. O Sr. EE foi libertado da medida de segurança que se encontrava a cumprir, em Junho de 2014.

II. Em momento anterior à sua libertação a família, em concreto as irmãs Dnª. AA e Dnª. CC, foram contactadas pela Dra. FF, assistente social que acompanhou sempre o Sr. EE, a informar que o mesmo ia sair e se as mesmas o podiam receber ou direcioná-lo para uma instituição à sua escolha.

III. A família, irmãs do Sr. EE e Rés no presente processo, transmitiram à Drª. FF que não queriam nem podiam acolher o Sr. EE, deixando à sua consideração a institucionalização do mesmo.

IV. O Sr. EE aceitou e foi de sua livre e expressa vontade, encaminhado para um Lar de Idosos no ....

V. Após várias pesquisas de entre as instituições capazes de acolher e assegurar todo os cuidados ao Sr. EE e onde o mesmo iria ser bem tratado a Drª. FF encaminhou-o para o lar no P..., Lda.

VI. O Sr. EE encontrava-se em perfeita forma psíquica, para decidir e exprimir a sua livre vontade bem como e forma física para escrever e assinar.

VII. A assinatura que resulta do contrato é, inequivocamente, do Sr. EE, não só pelo confronto com o documento junto aos autos que corresponde ao seu Cartão de Cidadão como pelas declarações da Dra. FF, como pela sentença de acompanhamento de maior que atesta que o Sr. EE nunca teve problemas em assinar uma vez que a doença de movimento só foi detetada em data posterior à assinatura do contrato.

VIII. O Sr. EE não era inimputável, tal como declarou a Dra. FF, tinha consciência da sua realidade, das suas necessidades e da sua vontade, expressando e aceitando a sua ida para o Lar de Idosos no ....

IX. Face à prova que se fez em Audiência de Julgamento e aos documentos junto aos autos não se pode aceitar a decisão da Mª. Juiz quando não considera válida a assinatura do Sr. EE por não se ter feito prova da mesma, o que é contrariado pelas declarações da DRa. FF (Faixa 20211116110444_2927908_2870737, 00:03:31 a 00:04:44; 00:04:52 a 00:04:57; 00:05:24 a 00:06:23; 00:06:33 a 00:06:37; 00:06:50 a 00:06:53; 00:07:06 a 00:07:12; 00:07:31 a 00:07:35; 00:09:04 a 00:09:11; 00:09:32 a 00:09:35; 00:10:14 a 00:10:22; 00:10:32 a 00:10:37; 00:10:53 a 00:11:49; 00:12:03 a 00:12:43; 00:13:23 a 00:13:49) e a prova documental, em concreto pelo Cartão de Cidadão.

X. No dia 1 de Abril de 2018 S... Lda. passou a sua gerência para a Autora, na pessoa das suas sócias-gerentes, GG e HH, que passou a designar-se G... Lda.

XI. À data o Sr. EE tinha na sua conta 422,85€, por confronto aos extratos bancários junto aos autos.

XII. A Autora andou a pesquisar tudo quanto se relacionava com o Sr. EE uma vez que não tinham qualquer informação no processo, até que conseguiram chegar à família.

XIII. Contactaram a família, irmãs do Sr. EE, Rés no presente processo e marcaram reunião para fazer o ponto de situação do Sr. EE.

XIV. Em sede de reunião, em Maio de 2019, conversaram sobre as circunstâncias do Sr. EE, a mensalidade que estava fixada no contrato, que foi entregue às irmãs tal como o seu Cartão de Cidadão, o facto de não ter condições financeiras para fazer face à mensalidade e despesas e discutiram a melhor forma de ultrapassar a situação.

XV. A família não se mostrou interessada, apesar de a Autora e na tentativa de ajudar e não deixar o Sr. EE desamparado ter baixado o valor da mensalidade para o mínimo praticado na instituição.

XVI. A instituição é totalmente privada, regendo-se pelas regras fixadas pela sua gerência, motivo pelo qual quando as Autoras passaram a gerir o lar reuniram com todos os utentes e familiares e explicaram o seu regulamento interno.

XVII. Nesta óptica e no sentido de não aumentar (ainda mais) a dívida do seu utente, EE, fixaram a mensalidade em €750,00 que mesmo acrescida de despesas nunca ultrapassa um valor máximo de oitocentos e tal euros, menos que os €1.200,00 fixados no contrato inicial.

XVIII. A lei permite que a gerência faça estas alterações sempre que a situação do utente o justifique e na esteira do regime mais favorável para si e com o conhecimento do utente e familiares, que é o que se verifica no caso concreto.

XIX. É por demais evidente que o objectivo das reuniões tidas com o Sr. EE e as suas irmãs era resolver a sua situação e ultrapassar a questão financeira, motivo pelo qual a família do Sr. EE tinha total conhecimento do valor que este tinha de pagar por mês, tinha conhecimento das suas condições no Lar e dos cuidados por este prestado ao Sr. EE no âmbito do seu acolhimento nas suas instalações.

XX. A irmã do Sr. EE, Dnª. CC, autorizou que o valor da pensão auferido por este fosse para fazer face à mensalidade devida ora fixada nos €750,00.

XXI. As irmãs do Sr. EE, Rés no presente processo, nunca se opuseram à sua ida para o lar tal como nunca se opuseram à sua permanência no mesmo e apesar dos apelos, tanto da assistente social, Drª. FF no início do processo, como a posteriori pelas Autoras, para colaborarem na procura da melhor solução para o Sr. EE, não quiseram saber nem nada fizeram nesse sentido.

XXII. As Rés aceitaram que o Sr. EE continuasse a ser acolhido pelo lar G..., Lda.

XXIII. Nem no âmbito do processo Acompanhamento de Maior nem fora dele, foi impugnada a assinatura do Sr. EE nem requerida a anulabilidade do contrato por ele assinado.

XXIV. O contrato é válido e o valor praticado pela Autora era, efetivamente de €750,00.

XXV. Se assim não se entender, o que não se aceita e se equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre tem de se considerar o valor de €1.200,00 o que aumenta o valor da dívida para €19.925,00.

XXVI. As Autoras não têm qualquer interesse em baixar o valor da mensalidade, podendo manter o valor do contrato e reclamar a dívida por referência a esse valor, que leva a que lhes fosse pago um valor bastante mais avultado, o que demonstra a boa-fé das mesmas, reforçando a veracidade dos seus depoimentos convergentes.

XXVII. A Mª. Juiz não só não considerou os depoimentos das Autoras na sua decisão, como descredibilizou o testemunho claro e firme da Dra. FF, apoiando-se nas declarações confusas, subjectivas, contraditórias e sem conhecimento directo dos factos das testemunhas da Rés, como interpreta erradamente os documentos junto aos autos, nomeadamente os extratos bancários, na tentativa, estranha face à imparcialidade que deve ter, de descredibilizar a Autora.

XXVIII. A Mª. Juiz também não traz para a sua decisão questões fundamentais, como o facto de a família, Rés no presente processo, ter total conhecimento da situação da transferência do Sr. EE para o lar, da sua estadia no mesmo bem como das circunstâncias e condições em que se encontrava.

XXIX. Tudo provado pelos depoimentos das Autoras e da sua testemunha bem como pelas contrariedades alegadas pelas testemunhas das Rés que demonstram, assim, que o que pretendem ao contar uma história que não corresponde à veracidade dos factos, que o seu objectivo é unicamente evadir-se das suas responsabilidades que têm em relação ao Sr. EE.

XXX. Não podem as Autoras conformar-se com a (frágil) douta sentença por considerar-se tudo o supra exposto, provado em sede de audiência de julgamento, em concreto com as declarações das Autoras GG (Faixa 20211116103207_2927908_2870737, 00:02:45 a 00:03:33; 00:03:44 a 00:04:29; 00:04:44 a 00:04:56; 00:05:10 a 00:05:40; 00:05:48 a 00:05:58; 00:06:10 a 00:06:29; 00:07:49 a 00:09:00; 00:09:06 a 00:09:24; 00:10:38 a 00:10:45; 00:10:49 a 00:11:04; 00:12:48 a 00:13:17; 00:13:29 a 00:13:42; 00:06:32 a 00:06:34; 00:08:02 a 00:09:24; 00:10:49 a 00:11:04; 00:12:48 a 00:13:17; 00:13:19 a 00:13:26; 00:13:29 a 00:13:42;), HH (Faixa 20211116104753_2927908_2870737, 00:05:36 a 00:05:51; 00:05:57 a 00:06:00; 00:08:24 a 00:09:08; 00:08:08 a 00:09:08; 00:09:25 a 00:09:56;), FF (20211116110444_2927908_2870737, 00:01:48 a 00:02:15; 00:03:31 a 00:04:44; 00:04:52 a 00:04:57; 00:05:24 a 00:06:23; 00:06:33 a 00:06:37; 00:06:50 a 00:06:53; 00:07:06 a 00:07:12; 00:07:31 a 00:07:35; 00:09:04 a 00:09:11; 00:10:14 a 00:10:22; 00:10:32 a 00:10:37; 00:10:53 a 00:11:49; 00:12:03 a 00:12:43; 00:13:23 a 00:13:49; 00:09:32 a 00:09:35; 00:10:14 a 00:10:22; 00:10:32 a 00:10:37; 00:10:53 a 00:11:49; 00:12:03 a 00:12:43; 00:13:23 a 00:13:49; 00:03:31 a 00:03:34; 00:03:38 a 00:04:44; 00:04:52 a 00:04:57; 00:05:24 a 00:05:25; 00:06:06 a 00:06:16; 00:10:53 a 00:11:49; 00:13:50 a 00:13:53; 00:14:04 a 00:14:05; 00:13:52; 00:14:05 a 00:14:12;) e a contrario da II(Faixa 20211116112155_2927908_2870737, 00:08:00 a 00:08:40; 00:09:40 a 00:09:46; 00:11:03 a 00:11:07; 00:11:25 a 00:11:25 a 00:11:33;00:03:53 a 00:04:00; 00:04:08 a 00:04:11; 00:05:17 a 00:05:18; 00:05:26 a 00:05:34; 00:05:41 a 00:05:43; 00:12:40 a 00:12:5200:03:53 a 00:04:00; 00:04:08 a 00:04:11; 00:05:17 a 00:05:18; 00:05:26 a 00:05:34; 00:05:41 a 00:05:43; 00:12:40 a 00:12:52;) e JJ (Faixa 20211116113656_2927908_2870737, 00:07:06 a 00:07:08; 00:09:08 a 00:09:53; 00:09:58 a 00:10:00).

XXXI. Impõe-se assim julgar como provado o facto não provado no ponto 1).

Deve dar-se como provado o facto nº. 2 com a seguinte redacção:

-Em reunião com as irmãs do Sr. EE, Dnª. AA e Dnª. CC, e na sua presença, em Maio de 2018, as Autoras propuseram baixar a mensalidade do Sr. EE para 750,00€ à qual acrescia despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros).

Deve dar-se como provado os seguintes factos:

-De referir que na reunião de maio de 2018, referida no ponto 6º. a D. CC acompanhada do marido e a D. AA deslocaram-se à instituição onde lhes foi mostrado o contrato, e a tabela de valores em dívida e onde lhes foi igualmente fornecido uma fotocopia do cartão de cidadão e de um documento da CGD que continha o valor de pensão e os dados da conta (Artigo 11º. Da Petição Inicial)

 E foi igualmente explicado aos três que a instituição tinha estipulado praticar o valor mínimo de mensalidade, ou seja, os 750€, atento que na altura o Sr. EE tinha apenas 250€ de pensão, pelo que seria descabido aplicar o valor estipulado no contrato, contudo caberia à família assegurar o remanescente e que o valor que constava no contrato tinha sido estipulado pelo Sr. KK. (Parte do Artigo 12º. Da Petição Inicial)

 Junto das suas irmãs, mais uma vez, a supra referida instituição solicitou auxílio, contudo o mesmo não produziu qualquer efeito, atento o desinteresse demonstrado pelas mesmas. (Artigo 14º da Petição Inicial).

 O contrato de Prestação de Serviços celebrado entre S... Lda. e o Sr. EE, é válido (conclusão nossa da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos).

- A Autora prestou serviço de acolhimento do Sr. EE nas suas instalações, prestando serviço social, acompanhamento médico, alimentação entre outros (conclusão nossa da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos).

- E foi igualmente explicado aos três que a instituição tinha estipulado praticar o valor mínimo de mensalidade, ou seja, os €750,00 atento que na altura o Sr. EE tinha apenas €250,00 de pensão, pelo que seria descabido aplicar o valor estipulado no contrato, contudo caberia à família assegurar o remanescente, e que o valor que constava no contrato tinha sido estipulado pelo Sr. KK em função deste ter dado entrada de um processo na GNR ... para conceder um apoio ao Sr. EE, o que não se verificou. (Artigo 12º. da Petição Inicial).

- As Autoras começam a gerir o Lar no dia 1 de Abril de 2018, passando a designar-se G..., Lda. (conclusão nossa da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos).

- A família do Sr. EE tinha conhecimento, desde Junho de 2014, da sua ida para o lar, bem como, já em sede de reuniões com a Autora, das condições em que o mesmo se encontrava e dos serviços que o lar lhe prestava, dando-lhe sempre todo o apoio necessário (conclusão nossa da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos).

XXXII. As irmãs do Sr. EE são suas herdeiras e não repudiaram a herança, aceitando-a, na íntegra, já com o prévio conhecimento da dívida que este tinha com o Lar de Idosos G... Lda., tornando-se, a este título, responsáveis pela liquidação da dívida pela assunção desta obrigação.

XXXIII. Ora resulta da matéria de facto provada que o Sr. EE, aquando do seu mandado de libertação, foi institucionalizado no Lar S... Lda. que transitou para as Autoras, ora Recorrentes, no dia 1 de Abril de 2018, uma vez que a família não o quis receber e que o Sr. EE não tinha uma casa em condições e habitabilidade, acompanhado pela Drª. FF, testemunha nos presentes autos.

XXXIV. Posto isto não restam dúvidas que o Sr. EE desde 18 de Junho de 2014 até ao dia do seu falecimento, .../.../2019, esteve aos cuidados do Lar, que a partir de 1 de Abril de 2018 com a gerência das Autoras, ora Recorrentes, que sempre cuidaram do Sr. EE, o acompanharam em todas as saída médicas, urgentes e rotineiras, cuidaram da sua higiene, da toma correcta da medicação e outros serviços assegurados pela instituição.

XXXV. Existe um contrato de prestação de serviços assinado pelo Sr. EE, aquando da sua transferência, que, em momento algum foi impugnado ou requerida a sua anulabilidade.

XXXVI. Os familiares do Sr. EE, as suas irmãs, Rés no presente contrato, sabiam, desde o início, que o mesmo se encontrava a residir no Lar ..., à data designado como S... Lda.

XXXVII. Independentemente de serem questionadas ou informadas, apesar de estar provado que foram questionadas pela Drª. FF que deixou bem claro no seu testemunho e na carta que enviou e que face à recusa de o receberem é que seguiu na procura de uma instituição que recebesse o Sr. EE, a verdade é que as Rés não se opuseram à sua institucionalização no Lar, agora G... Lda.

XXXVIII. Não se opuseram à sua ida, não procuram outras soluções mais aceitáveis face ao valor da pensão que auferia, não impugnaram o contrato em nenhuma das reuniões que tiveram com as gerentes do Lar, Autoras nos autos, não requereram, sequer, a sua anulabilidade.

XXXIX. Foram ausentes da vida do Sr. EE e das preocupações inerentes à situação em que ele e a instituição que o acolheu, se encontrava.

XL. Requerido o processo de Acompanhamento de Maior, as Rés, tinham a possibilidade de, no seu âmbito, requerer a anulabilidade do contrato celebrado entre a instituição e o Sr. EE, e isso não se verificou.

Senão repare-se!

XLI. Se os familiares consideravam que o Sr. EE não estava bem, já em 2014, o que não corresponde à verdade e não se aceita, equaciona-se por mera lógica de raciocínio, não se entende como é que só em 2019, entram com uma acção de acompanhamento de maior.

XLII. Como também não se percebe como é que no âmbito desta acção, nada fizeram.

XLIII. Ora se a sentença que decreta o acompanhamento de maior tem efeitos retroactivos, então retroage, igualmente, a responsabilidade do acompanhante, neste caso a Dª. CC, sobre o acompanhado.

XLIV. Ora, a Dnª. CC em momento algum requereu a anulabilidade do contrato, se considerou que o mesmo foi assinado sem o seu irmão estar na plenitude das suas faculdades.

XLV. Não requereu a anulabilidade porque sabia que à data dos factos ele se encontrava lúcido, consciente e perfeitamente capaz de decidir, como afirma a testemunha Dra. FF.

XLVI. Ora não tendo sido requerida a anulabilidade do contrato, como se impunha nos termos do n.º 3 do artigo 154.º e n.º 1 e 2 do artigo 257.º ambos do Código Civil, o contrato permanece válido para todos os devidos e legais efeitos.

Senão vejamos!

XLVII. O contrato foi assinado em data anterior ao anúncio do início do processo de acompanhamento de maior e por esse motivo poderia ser anulável pelo acompanhante desde que o facto fosse notório e que segundo as Rés, seria.

XLVIII. Ora pode requerer a anulabilidade, neste caso concreto, o acompanhante que é quem tem interesse na causa e tem o prazo de um ano para a requerer (nº. 287 do Código Civil).

Neste caso a contagem do prazo faz-se a partir do registo da sentença, nos termos do nº.2 do artigo 154.º do Código Civil.

XLIX. Portanto, desde que tiveram conhecimento do estado de saúde do Sr. EE que deveriam ter providenciado por este mecanismo, se assim entendessem, e não o fizeram, pelo que agora se encontra prescrito, dado já ter decorrido o prazo, mantendo-se o contrato válido.

L. Ainda que assim não se entenda e apenas se ressalva por mera cautela de patrocínio, a sentença de acompanhamento de maior transitou em julgado no dia 6 de Dezembro de 2019, logo, a D. CC teria um ano para requerer a anulabilidade.

LI. O que nunca se verificou e o prazo já se encontra ultrapassado!

LII. Não tendo nunca sido impugnada a assinatura e requerida a anulabilidade do contrato assinado pelo Sr. EE, conclui-se que o contrato que este celebrou é válido!

LIII. Sendo o contrato válido daí emergem todas as obrigações a que se vinculou, nomeadamente o pagamento das respectivas mensalidades e despesas extras.

LIV. Ora e uma vez que o Sr. EE já faleceu, sucedem na sua herança as irmãs, Rés nos presentes autos e que assim se tornam, igualmente, herdeiras das dívidas emergentes do contrato de prestação de serviços, tornando-se responsáveis por elas e com a obrigação de as liquidar nos termos do artigo 2068º. do Código Civil.

LV. O que até ao momento, também, não se verificou!

LVI. Ainda que assim não se entenda, o que não se aceita e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, a retroactividade da sentença faz com a D. CC seja, igualmente responsável por todos os actos praticados pelo Sr. EE desde a data fixada para o início do processo de acompanhamento de maior.

LVII. Assim, é responsável pelo contrato que este tinha com o Lar e pelos anos que usufruiu dos seus cuidados e serviços.

LVIII. Nestes termos e mesmo nesta hipótese que se equaciona, terá sempre, a D. CC, que assumir a responsabilidade do pagamento das prestações das mensalidades, por ter sido designada acompanhante do Sr. EE.

LIX. Tal como foi referido em sede de alegações por parte da Mandatária da Autora, não houve qualquer repúdio à herança por parte das Rés, já sabendo, à data do falecimento do Sr. EE da sua dívida para com o Lar, aceitando assim o activo e o passivo da mesma nos termos do que se dispõe no artigo 2056.º Código Civil, motivo pelo qual, assumem também as dívidas deixadas pelo Sr. EE, em concreto as emergentes do contrato de prestação de serviços celebrado.

LX. Mais uma vez não se compreende os termos em que a Mª. Juiz decide de direito, uma vez que, recorrendo ao suporte legal, dúvidas não restam que tem de ser considerar o contrato de prestação de serviços válido, seja pela qualidade de herdeiras que as Rés têm em relação ao Sr. EE, seja pela qualidade de acompanhante da D. CC, que assim, tem a obrigação legal de assumir todas as responsabilidades dos actos da vida do Sr. EE.

LXI. É facto assente, pela habilitação de herdeiros junta aos presentes autos, que as Rés são as únicas e legítimas herdeiras do Sr. EE, motivo pelo qual e nessa qualidade assumem as responsabilidades de todos os atos da vida do mesmo.

LXII. Quanto à valoração das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas, desde logo se admiraram os Autores por começar logo o douto Tribunal a quo a descredibilizar frontalmente as testemunhas da Autora, fundamentando de forma inócua, vaga e abstracta, a sua convicção.

LXIII. Se por um lado nem sequer se pronúncia quanto aos depoimentos das Autoras, desvaloriza o testemunho da Dra. FF, única pessoa imparcial no processo, descredibilizando por completo os seus conhecimentos técnicos, por outro lado valoriza o depoimento de II que, quanto aos mesmos factos, dá a sua opinião (elemento subjectivo), não tem certezas nem nunca participou dos factos. E é neste depoimento que a Mª. Juiz, estranhamente!, gera a sua (tão pouco fundamentada e sustentada) convicção. O que não se percebe.

LXIV. Como não se percebe o motivo pelo qual a Mª. Juiz não aceitou prova documental fundamental à prova dos factos, bem como não permitiu que a Exmª. Mandatária da Autora desenvolvessem em suas instâncias questões primordiais à descoberta da verdade.

LXV. Ora o que é que se espera da produção de prova testemunhal? Precisamente que a mesma corrobore e sustente a versão dos factos da Autora. Existe, ainda, Jurisprudência que considere a valoração autónoma das declarações.

LXVI. Só se deve decidir contra as declarações de parte da Autora se existir dúvida insanável nos termos do que se dispõe no artigo 516.º do CPC.

LXVII. A recusa, como parece acontecer na douta sentença, em admitir e valorar livremente ou apenas como base em presunções judiciais, as declarações favoráveis das Autoras, volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa ao direito à prova, o quadro de acesso aos Tribunais e ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (art.20.º/1 CRP).

LXVIII. Contribuem para o resultado probatório final, concretamente relevante para a boa decisão da causa e que devem ser valoradas face à existência de outros meios de prova (documental e testemunhal) que corroboram a versão da Autora e da testemunha fulcral, Dra. FF.

É, ainda, um factos corroborante da prova de um facto.

LXIX. Ora consideram as Autoras que as declarações da Autora GG que foram praticamente anuladas do meio probatório carreado para a formulação da convicção do Juiz e posterior decisão. Não existe qualquer referência às mesmas.

LXX. O que não se entende,

LXXI. Sucedendo o mesmo quanto à prova testemunhal, visto não existir um único, repare-se, um único depoimento que a Juiz considerasse válido, coerente e congruente. São completamente destruídos e desprovidos de valor a prova produzida pelas Autoras.

LXXII. Ora a limitação do valor probatório das Declarações de Parte, pode consubstanciar, em determinadas situações, numa violação do Princípio da Igualdade de aramas (artigo 6º. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). (in Luís Filipe Pires de Sousa - As Declarações de Parte, Abril 2017)

LXXIII. Não pode, ainda, ser objecto de estigma precoce, sob pena de perversão da Lei e do Princípio da Livre Apreciação da Prova, (in Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pp.80).

LXXIV. Quanto às Testemunhas sempre impunha ao Mmº Juiz avaliar o seu interesse na causa, ainda que de forma indirecta. Fê-lo assertivamente quanto às testemunhas da Autora, interrompendo para referir que a mesma não tinha conhecimento directo dos factos mas já não fez o mesmo em relação às testemunhas das Rés. Porquanto ambos são familiares das Rés. Numa constante desvalorização das testemunhas da Autora por outro lado não valorou, como sempre deveria ter valorado, o facto do depoimento de II não ser livre nem tão pouco isento, uma vez que é familiar das Rés, tendo como tal também interesse no desfecho da acção.

LXXV. Ora a credibilidade tem de ser aferida em concreto e não com base em máximas abstractas e pré-constituídas sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade da Declaração de Parte.

LXXVI. Tem de se dar credibilidade a uma contextualização espontânea do relato em termos temporais, espaciais e emocionais, num relato autêntico espontâneo, plausível com contextualização pormenorizada. Ora aqui está um factor que o douto Tribunal utilizou, ao invés do que se lhe impunha decidir, utilizou para descredibilizar.

LXXVII. Nestes termos existem outros dados que confirmam a veracidade da declaração:

a) Outros depoimentos realizados sobre a mesma factualidade e confluentes com a declaração.

LXXVIII. Ainda e relativamente à prova testemunhal existem outros parâmetros igualmente importantes que concorrem na valoração da Declaração tais como:

a) Produção inestruturada;

b) Quantidade de detalhes;

c)Descrição de cadeias de interações;

d) Reprodução de conversas;

e) Correcções espontâneas;

f) Segurança e Assertividade;

g) Fundamentação;

h) Vividez e espontaneidade nas declarações;

i) Reacção da parte a perguntas inesperadas;

j) Autenticidade.

LXXIX. Devem todos os meios de prova ser valorados no âmbito dos mesmos critérios e, incompreensivelmente não foram, sempre em descrédito para a Autora (in Crolina Braga da Costa Henriques Martins, Declarações de Parte, FDUC, 2015; in Luís Filipe Pires de Sousa – As Declarações de Parte, Abril 2017 e Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pp.80).

LXXX. A não ter decidido assim o Mmº. Juiz a quo fez uma menos correcta interpretação e aplicação, entre mais, do disposto nos artigos 2056º, 2068º., nº.1, 2 e 3 do artigo 154º., artigo287º., nº.1 e 2 do artigo 257º.todos do Código Civil.

TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedente por provada a presente acção e, por conseguinte, condene a Ré no pedido.

Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada J U S T I Ç A!»

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

(I) A primeira questão respeita à impugnação da matéria de facto.

A recorrente pretende que o facto não provado n.º 1 passe a provado, ou seja, quer que se declare provado que «Em 18 de Junho de 2014, foi celebrado entre «S..., Lda.” e EE, o contrato que constitui o documento nº 1 junto à petição e que aqui se dá por reproduzido.»

E pretende que seja declarado provado o facto não provado n.º 2, com a seguinte redação:

«Em reunião com as irmãs do Sr. EE, Dnª. AA e Dnª. CC, e na sua presença, em Maio de 2018, as Autoras propuseram baixar a mensalidade do Sr. EE para 750,00€ à qual acrescia despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros).»

Além destes factos, a Recorrente pretende que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«De referir que na reunião de maio de 2018, referida no ponto 6º., a D. CC acompanhada do marido e a D. AA deslocaram-se à instituição onde lhes foi mostrado o contrato, e a tabela de valores em dívida e onde lhes foi igualmente fornecido uma fotocopia do cartão de cidadão e de um documento da CGD que continha o valor de pensão e os dados da conta» - Artigo 11º. da Petição Inicial.

«E foi igualmente explicado aos três que a instituição tinha estipulado praticar o valor mínimo de mensalidade, ou seja, os 750€, atento que na altura o Sr. EE tinha apenas 250€ de pensão, pelo que seria descabido aplicar o valor estipulado no contrato, contudo caberia à família assegurar o remanescente e que o valor que constava no contrato tinha sido estipulado pelo Sr. KK» - parte do Artigo 12º. da Petição Inicial

«Junto das suas irmãs, mais uma vez, a supra referida instituição solicitou auxílio, contudo o mesmo não produziu qualquer efeito, atento o desinteresse demonstrado pelas mesmas» - Artigo 14º da Petição Inicial.

«O contrato de Prestação de Serviços celebrado entre S... Lda. e o Sr. EE, é válido» - Conclusão da Recorrente retirada da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos.

«A Autora prestou serviço de acolhimento do Sr. EE nas suas instalações, prestando serviço social, acompanhamento médico, alimentação entre outros» - Conclusão da Recorrente retirada da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos.

«E foi igualmente explicado aos três que a instituição tinha estipulado praticar o valor mínimo de mensalidade, ou seja, os €750,00 atento que na altura o Sr. EE tinha apenas €250,00 de pensão, pelo que seria descabido aplicar o valor estipulado no contrato, contudo caberia à família assegurar o remanescente, e que o valor que constava no contrato tinha sido estipulado pelo Sr. KK em função deste ter dado entrada de um processo na GNR ... para conceder um apoio ao Sr. EE, o que não se verificou» - artigo 12º. da petição Inicial.

«As Autoras começam a gerir o Lar no dia 1 de Abril de 2018, passando a designar-se G..., Lda.» - Conclusão da Recorrente retirada da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos.

«A família do Sr. EE tinha conhecimento, desde Junho de 2014, da sua ida para o lar, bem como, já em sede de reuniões com a Autora, das condições em que o mesmo se encontrava e dos serviços que o lar lhe prestava, dando-lhe sempre todo o apoio necessário» - Conclusão da Recorrente retirada da matéria de facto provada em audiência de julgamento juntamente com a prova documental que se encontra junta aos autos.

(II) Em segundo lugar, tendo em consideração a matéria de facto provada verificar se o pedido pode proceder.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

(I) Como se referiu acima, a Autora recorrente pretende que o facto não provado sob o n.º 1 passe a provado, ou seja, quer que se declare provado que «Em 18 de Junho de 2014, foi celebrado entre «S..., Lda.” e EE, o contrato que constitui o documento nº 1 junto à petição e que aqui se dá por reproduzido.»

Procede esta pretensão, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre ponderar que é um facto consensual que o Sr. EE transitou diretamente do Hospital ... para o Lar atualmente explorado pela Autora, onde veio a falecer.

Perante este facto, temos de nos interrogar «Por que razão isso aconteceu»?

Aproximando-se o termo da medida de segurança que o Sr. EE estava a cumprir, o mesmo tinha de abandonar as instalações do Hospital ... onde vivia e, nessas circunstâncias, podiam ocorrer duas situações:

Numa delas o Sr. EE preparava autonomamente a sua saída e chegado o dia deixava o hospital; na outra, o Sr. EE carecia de ajuda e tinham de ser os serviços de reinserção social a liderar as diligências necessárias para encontrar um local onde ele pudesse passar a residir.

Os factos que são consensuais no processo mostram que ocorreu esta segunda hipótese, ou seja, aproximando-se o termo da medida de segurança os serviços sociais procuraram junto da família se havia quem o pudesse receber e, como não havia, procuraram um lugar que o recebesse.

Neste ponto cumpre referir que apesar das testemunhas indicadas pelas Rés terem referido que a família não foi contatada, não se obteve a convicção de que tal ocorreu, porquanto a testemunha LL (assistente social) referiu o oposto e é esta a hipótese factual que está de acordo com as regras da experiência, ou seja, quando é necessário colocar alguém, procura-se primeiro junto dos familiares se há quem o possa e queira receber e só depois, em caso negativo, é que se vai procurar uma colocação num lar.

Continuando.

Os serviços de reinserção social procuraram um local onde colocar o Sr. EE e encontraram o lar que atualmente é explorado pela Autora.

E, como se disse, é facto assente que o Sr. EE transitou do Hospital ... para esse lar.

Como isto foi possível?

Seguramente que teve de existir um acordo entre os responsáveis pelo lar e o Sr. EE, pois não é possível que alguém ingresse num lar de idosos sem que exista uma vontade daquele que ingressa e uma vontade convergente de quem o recebe.

Por outro lado, esse ingresso ficava necessariamente dependente do pagamento de um preço, pois o lar em questão, como todos os outros em situação semelhante, não sendo uma instituição do Estado ou integrada num setor de prestação de serviços gratuitos, teria de cobrar um preço, sob pena de não sobreviver porquanto é necessário que a sua exploração permita gerar receitas que igualem, pelo menos, as respetivas despesas.

   É este o cenário de fundo onde temos de nos mover na apreciação deste ponto da impugnação da matéria de facto, que consiste em saber se o Sr. EE assinou o contrato junto com a petição ou outrem o fez por si.

Face ao que fica dito, a resposta parece ser liminarmente afirmativa, pois não se encontra outra explicação para o facto, que é um facto incontestado, do Sr. EE ter ingressado no lar, pois nem o lar o aceitava sem contrato, nem o Sr. EE ingressava no lar se não tivesse querido ir para lá.

Aliás, não se vislumbra como ele poderia ser mantido no lar contra a sua vontade.

Face ao exposto, o depoimento da testemunha LL mostra-se convincente.

Foi esta testemunha quem esteve mais próxima dos factos ocorridos na altura, a qual os viveu na primeira pessoa, porquanto foi a assistente social que teve a seu cargo as diligências necessárias à inserção social do Sr. EE quando este teve alta do Hospital ... – minuto 01:47 –, tendo estabelecido contatos com a família e as estruturas da comunidade, entre 2012 e 2014 – minuto 02:44.

Corrobora também o seu depoimento o documento junto aos autos que consiste na comunicação que a testemunha dirigiu à Sra. CC (Ré) e marido, irmã e cunhado do Sr. EE, respetivamente, com data 19 de junho de 2014, com o seguinte teor:

«Vimos por este meio comunicar-lhe, que o seu irmão e cunhado EE se encontra desde ontem dia 18/06/2014, integrado no Lar “S... Lda.” do ... – ..., uma vez que actualmente foi vontade expressa por ele e a família não tem condições para o receber.

Este lar permite-lhe assegurar a continuidade da terapêutica e dos cuidados básicos que necessita em virtude da sua perda de autonomia (…).»

Esta testemunha referiu que a família não tinha condições para o receber o Sr. EE –  minuto 03:40 e 08:10 –  e o próprio aceitou ir para um lar porque ele mesmo verificou que já não tinha autonomia e que a sua casa não tinha condições de habitabilidade – minuto 04:01.

Referiu que era e é difícil encontrar estruturas de apoio para pessoas carecidas como o Sr. EE, o qual padecia de esquizofrenia paranoide – minuto 09:19.

Referiu que levou o Sr. EE ao lar do ... – minuto 04:25 – e que informou a família quando ele foi para o lar, nos termos acabados de referir supra.

À pergunta sobre se o Sr. EE estava em condições de assinar o contrato, a testemunha disse – minuto 05:20 – que quando ele foi para o lar aceitou ir para lá e que «Ele não era interditado, nem era…» [a testemunha foi interrompida e não completou a frase].

Referiu – minuto 12:10 – que o Sr. EE, à data, tinha uma pensão e algum dinheiro, que ele era autónomo e era ele que geria o seu dinheiro.

À questão sobre se viu assinar o contrato, a testemunha respondeu que não excluía a possibilidade de ter assistido a este facto, mas não guarda recordação de ter visto o Sr. EE a assinar o contrato – minuto 06:01, 07:15, 14:25, 14:55.

Depois, examinando a assinatura que constava do contrato, a testemunha pediu para a comparar com outra que podia ter nos papéis que trazia consigo e passado algum tempo referiu que sim, que a assinatura era a do Sr. EE, que tinha quase a certeza que a assinatura era a dele – minuto 15:13.

Face a este depoimento, a convicção forma-se no sentido de que o Sr. EE com a ajuda da testemunha, acordou com os responsáveis do lar o seu ingresso e assinou o contrato.

E a convicção forma-se no sentido de que assinou o contrato porque tal assinatura era necessária ao seu ingresso e não há qualquer dúvida que ele ingressou no lar.

E não se encontram indícios de que ele, à data, não tivesse tido a perceção de que ia ingressar num lar de idosos e que estivesse a assinar o respetivo contrato para aí poder ingressar.

Continuando na questão acerca da real assinatura do contrato pelo Sr. EE, as testemunhas familiares do Sr. EE, disseram o oposto da testemunha LL.

Ou seja, a testemunha II, sobrinha do falecido referiu – minuto 11:03 – que a assinatura que conhecia do seu tio foi a que viu nos documentos a que teve acesso e não lhe parecia que a assinatura do contrato se parecesse com a assinatura do seu tio que conhecia; que o seu tio não tinha a assinatura uniforme que ali se vê.

Por sua vez, a testemunha JJ, cunhado do Sr. EE, referiu que na data em que o seu cunhado assinou o contrato, em 2014, ele já não tinha conhecimento daquilo que fazia – minuto 05:46.

Disse que o visitou algumas vezes no Hospital ... e ele já estava mal – minutos 02:50/03:15 – e que nos últimos tempos chegou a não conhecer de imediato a testemunha e só depois, durante a conversa, se apercebia quem era a visita.

Que já se babava quando comia – minuto 03:46 –, pois se lhe levava uma sandes, tinha de levar um ou dois guardanapos para o limpar, babava-se bastante.

Esta testemunha foi perentória a afirmar que a assinatura que constava do contrato não era a do Sr. EE –  minuto 06:40.

Como se vê do que fica escrito, ninguém veio ao tribunal dizer que o Sr. EE assinou o contrato porque viu ele assiná-lo.

Na 1.ª instância formou-se a convicção de que a assinatura não tinha sido feita pela mão do Sr. EE essencialmente porque a assinatura feita no contrato diverge da assinatura que consta no cartão de cidadão, aparentando a primeira ter sido feita por quem tinha mais controlo sobre a mão, não tremendo tanto, quando comparada com a assinatura mais irregular que consta do cartão de cidadão, o que leva a colocar a hipótese de não terem sido feitas pela mesma pessoa.

Ora, sobre isto cumpre referir que efetivamente a assinatura feita no contrato aparenta ter sido feita por quem tinha maior controlo sobre a mão, quando comparada com a assinatura que consta do contrato.

No entanto, esta dissemelhança não se mostra decisiva para concluir que estamos em presença de uma falsificação da assinatura feita no contrato.

Com efeito, também se pode verificar que existe uma grande dissemelhança entre a assinatura feita no cartão de cidadão do Sr. EE e a assinatura que consta do seu bilhete identidade da GNR.

O bilhete de identidade da GNR foi emitido em 16/7/1998 e assinatura no cartão de cidadão é anterior a 2014, pois é este o ano em que expirava a validade do cartão de cidadão.

Dir-se-ia que ambas as assinaturas foram feitas por pessoas diferentes, mas não é o caso.

Ora, sabendo-se que o Sr. EE padecia de problemas mentais, como já foi referido acima, não é de excluir que a sua assinatura pudesse variar consoante no momento em que assinava gozasse de melhor ou pior saúde e o seu corpo estivesse mais ou menos sob a influência de medicação, designadamente quando fez as assinaturas nos documentos que vêm sendo referidos.

Acresce que não feito qualquer exame à sua letra que pudesse ajudar a esclarecer esta problemática.

Por conseguinte, a referida divergência apontada na 1.ª instância, que existe, não se afigura decisiva para formar a convicção de que a assinatura não foi feita pelo Sr. EE.

Decisivo é o facto de o Sr. EE ter ingressado como ingressou no lar e das regras de experiência nos dizerem que quem ingressa num lar o faz depois de existir um acordo para esse efeito com a entidade que gere o lar.

Como o Sr. EE ingressou no lar, então fê-lo, como já se disse, porque chegou a acordo com quem geria o lar e daí que não repugne que a assinatura que está no contrato tenha sido feita por ele.

Face ao exposto, forma-se a convicção de que efetivamente o Sr. EE assinou o contrato junto aos autos, pelas razões que agora se repetem e sintetizam:

Em primeiro lugar, porque não era possível que o Sr. EE tivesse ingressado no lar sem ter chegado a acordo com os responsáveis do lar; nem era possível o Sr. EE ter ingressado no lar e manter-se aí a viver (comer, dormir, etc.) se a sua vontade fosse a de não querer estar no lar, pois se não quisesse ir para lá, não tinha ido e, uma vez lá, se tivesse querido abandonar o lar, bastava sair das respetivas instalações e não regressar.

Em segundo lugar, o depoimento da testemunha LL corrobora o que fica dito e, além disso, mostra-se harmonioso com as regras da experiência que ficaram indicadas (não se ingressa num lar sem se ser recebido, sem acordo, sem contrato, nem se está aí se não se quer estar), acrescendo que foi a única pessoa ouvida que mostrou ter conhecimento pessoal dos factos que estão aqui em causa, devido às funções que exercia, não existindo qualquer circunstância que leve a duvidar que aquilo que ela disse não correspondia à realidade passada, ou seja, que existiu um acordo entre o lar e o Sr. EE para este ingressar no lar.

Em terceiro lugar, os depoimentos produzidos em sentido contrário ao desta testemunha vêm de pessoas que não constataram os factos que aqui estão em causa.

Por fim, não se vislumbra uma razão plausível, nas circunstâncias factuais conhecidas e contemporâneas dos factos, para que alguém tenha forjado a assinatura no contrato, pois não consta que o Sr. EE estivesse impedido fisicamente de assinar.

E se tivesse existido uma falsificação da assinatura então o respetivo autor teria feito muito melhor, ou seja, após algum treino, teria imitado a assinatura que constava do cartão de cidadão do Sr. EE.

Pelo exposto, acrescentar-se-á aos factos provados o seguinte facto:

«Em 18 de Junho de 2014, foi celebrado entre «S..., Lda., e EE, o contrato que constitui o documento n.º 1 junto à petição.»

(II) Quanto ao facto não provado n.º 2, que a Autora pretende ver provado com a seguinte redação:

«Em reunião com as irmãs do Sr. EE, D. AA e D. CC, e na sua presença, em maio de 2018, as Autoras propuseram baixar a mensalidade do Sr. EE para 750,00€ à qual acrescia despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros).»

Sobre esta matéria HH, em depoimento de parte, referiu - minuto 08:25 - que quando os novos donos do lar chegaram o Sr. EE já estava debilitado e reuniram com a família dele e, uma vez que ele não conseguia pagar a mensalidade, o lar optou por fixar a prestação mínima, tendo explicado à família que o lar aplicaria o valor mínimo praticado.

A gerente GG também referiu (minuto 00:08/09:00) que quando analisaram a situação do Sr. EE verificaram que no contrato constava a mensalidade de 1.200,00 euros, mas tanto quanto se aperceberam ele não recebia qualquer rendimento, nem visitas, e tentaram saber quem era sua família para compreender a situação em que ele estava e daí terem marcado uma reunião com as irmãs do Sr. EE, tendo comparecido as duas irmãs e o marido de uma delas.

A testemunha II, sobrinha do Sr. EE também se referiu a esta reunião e disse – minuto 03:46 – que a sua mãe e a sua tia tiveram uma reunião com a diretora do lar em 2018 e que um funcionário do lar as havia informado que que o lar tinha sido vendido e havia novos proprietários.

Por conseguinte, não se afigura que haja dúvidas sobre a ocorrência da reunião.

As dúvidas suscitam-se acerca do que foi dito nessa reunião.

Em abstrato, é viável que tenha sido feita a proposta, ou que apenas tenha existido a mera informação de abaixamento da mensalidade para 750,00€, à qual acrescia despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros), mas também pode ter ocorrido que nada disto tenha sido dito.

Porém, seguindo as regras da experiência podemos concluir que sendo facto certo que existiu a reunião e a mesma foi convocada pelas responsáveis do lar, então é porque a reunião teve em vista alguma finalidade e as irmãs do Sr. EE foram à reunião tendo também alguma finalidade em mente.

Ora, uma finalidade que surge logo como altamente provável foi a de fornecer aos familiares do utente as informações sobre as condições em que o Sr. EE ali estava, pois se não fosse para isso a reunião não se justificava, isto é, não tinham existido razões que levassem à necessidade e decisão da respetiva realização.

Daí que se dê credibilidade aos depoimentos de parte de GG e HH, no sentido de que existiu a reunião e que as pessoas responsáveis pelo lar comunicaram aos familiares que o lar baixava a prestação mensal para o mínimo de 750,00 euros, porque o Sr. EE não tinha condições para pagar o estipulado inicialmente no contrato.

Por conseguinte, declarar-se-á provado, sob o número «2/A», que «Em 2018 ocorreu uma reunião entre as responsáveis do Lar e as irmãs do Sr. EE, D. AA e D. CC e que a Autora informou que baixava a mensalidade do Sr. EE para 750,00€ à qual acresciam despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros).»

(III) A Recorrente pretende que sejam acrescentado à matéria de facto provada o seguinte:

«De referir que na reunião de maio de 2018, referida no ponto 6º., a D. CC acompanhada do marido e a D. AA deslocaram-se à instituição onde lhes foi mostrado o contrato, e a tabela de valores em dívida e onde lhes foi igualmente fornecido uma fotocopia do cartão de cidadão e de um documento da CGD que continha o valor de pensão e os dados da conta.»

Como já resulta do que ficou dito a propósito do facto anterior, sabe-se que a reunião ocorreu, que o lar informou que baixava a pensão, que foi entregue cópia do cartão de cidadão, mas não se sabe ao pormenor o que mais se passou, designadamente se houve informação sobre a dívida e sobre os documentos relativos à conta bancária do Sr. EE.

Por conseguinte, quanto a este facto nada mais há a declarar provado além do da matéria factual já declarada provada.

(IV) A Recorrente pretende que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«E foi igualmente explicado aos três que a instituição tinha estipulado praticar o valor mínimo de mensalidade, ou seja, os €750,00 atento que na altura o Sr. EE tinha apenas €250,00 de pensão, pelo que seria descabido aplicar o valor estipulado no contrato, contudo caberia à família assegurar o remanescente, e que o valor que constava no contrato tinha sido estipulado pelo Sr. KK em função deste ter dado entrada de um processo na GNR ... para conceder um apoio ao Sr. EE, o que não se verificou.»

Nada mais há a dizer em relação ao que foi dito.

Embora seja comum que os familiares paguem o excesso em relação à pensão do utente quando esta é insuficiente e o utente não tem outros rendimentos, não foi produzida prova no sentido de que «… caberia à família assegurar o remanescente …»

Por conseguinte, quanto a este facto nada mais há a declarar provado além do da matéria factual já declarada provada.

 (V) A Recorrente pretende ainda que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«Junto das suas irmãs, mais uma vez, a supra referida instituição solicitou auxílio, contudo o mesmo não produziu qualquer efeito, atento o desinteresse demonstrado pelas mesmas.»

Esta factualidade não tem relevância jurídica, salvo para conferir compreensibilidade aos restantes factos, mas para este efeito existe outra matéria   e por isso não se responde a esta.

(VI) A Recorrente pretende que sejam ainda acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«O contrato de Prestação de Serviços celebrado entre S... Lda. e o Sr. EE, é válido.»

Esta afirmação não contém matéria de facto, sendo apenas um juízo de valor jurídico.

Por conseguinte, não se responde a esta matéria.

 (VII) A Recorrente pretende ainda que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«A Autora prestou serviço de acolhimento do Sr. EE nas suas instalações, prestando serviço social, acompanhamento médico, alimentação entre outros.»

Esta matéria é consensual.

Não há qualquer dúvida que o Sr. EE esteve no lar como utente desde 2014 a 2019 e como utente foram-lhe prestados os serviços em questão.

Esta matéria é acrescentada ao facto provado n.º 2, ficando com esta redação

«Desde 1 de abril de 2018 até .../.../2019 a autora prestou, nas suas instalações, a EE, serviços de apoio social no âmbito da resposta social de internamento de pessoas idosas e/ou com deficiência, como acompanhamento médico e alimentação, entre outros.»

 (VIII) A Recorrente pretende ainda que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«As Autoras começaram a gerir o Lar no dia 1 de abril de 2018, passando a designar-se G..., Lda.»

Esta factualidade resulta provada face à certidão permanente (código:5017-2004-1455).

Este facto passa a ser o facto «2/B», mas onde se diz «Autoras» o adequado é referir «atuais gerentes da Autora».

 (IX) A Recorrente pretende, por fim, que sejam acrescentados estes factos à matéria de facto provada:

«A família do Sr. EE tinha conhecimento, desde Junho de 2014, da sua ida para o lar, bem como, já em sede de reuniões com a Autora, das condições em que o mesmo se encontrava e dos serviços que o lar lhe prestava, dando-lhe sempre todo o apoio necessário.»

Esta matéria resulta provada face ao que ficou anteriormente dito, porquanto existiu uma comunicação da testemunha LL a informar a família da ida do Sr. EE para o lar e houve uma reunião com familiares do Sr. EE de 2018, onde estes se inteiraram da situação dele no lar.

Este facto passa a ser o facto 2/C».


*

Cumpre ainda acrescentar mais um facto que resulta da petição inicial, dos artigos 10.º e 23.º, referindo-se neste último que o Sr. EE pagava €250,00, e do documento junto com a petição sob o n.º 7, do qual resulta que estes pagamentos foram feitos desde abril de 2018 até outubro de 2019, inclusive, salvo nos meses de janeiro e março de 2019, meses em que não foi feito este pagamento.

Esta factualidade que é desfavorável para a Autora resulta da sua confissão feita na petição inicial, a qual sendo indivisível – artigo 360.º do Código Civil –, tem de abarcar os factos desfavoráveis e os favoráveis, neste caso, que não existiu pagamento nos aludidos meses de janeiro e março de 2019.

Acrescenta-se, pelo exposto, mais um facto - «2/D» - com este teor:

«A Autora recebeu por conta da prestação mensal devida pelo Sr. EE a quantia de 250,00 euros por mês desde abril de 2018 até outubro de 2019, inclusive, salvo nos meses de janeiro e março de 2019, meses em que não foi feito tal pagamento.»

Cumpre ainda acrescentar outro facto jurídico que é este:

«6 - As Rés são as únicas herdeiras da herança deixada pelo falecido EE.»

Este facto resulta do documento junto pela Autora em 29 de abril de 2021 tratando-se de cópia do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros n.º 2121/2019 da Conservatória do Registo Civil ....

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

0 - Em 18 de Junho de 2014, foi celebrado entre «S..., Lda., e EE, o contrato que constitui o documento n.º ... junto à petição.

1 - Desde 1 de abril de 2018 até .../.../2019 a Autora prestou, nas suas instalações, a EE, serviços de apoio social no âmbito da resposta social de internamento de pessoas idosas e/ou com deficiência, como acompanhamento médico e alimentação, entre outros.

2- EE faleceu no dia .../.../2019, deixando a suceder-lhe duas irmãs, AA e CC, aqui rés.

2/A - Em 2018 ocorreu uma reunião entre as responsáveis do Lar e as irmãs do Sr. EE, D. AA e D. CC, durante a qual a Autora informou que baixava a mensalidade do Sr. EE para 750,00 euros à qual acresciam despesas extras (cremes, fraldas, medicamentos, consultas médicas, outros).

2/B – As atuais gerentes da Autora começaram a gerir o Lar no dia 1 de abril de 2018, passando a designar-se G..., Lda.

2/C- A família do Sr. EE tinha conhecimento, desde junho de 2014, da sua ida para o lar, bem como, já em sede de reuniões com a Autora, das condições em que o mesmo se encontrava e dos serviços que o lar lhe prestava, dando-lhe sempre todo o apoio necessário.

2/D - A Autora recebeu, por conta da prestação mensal devida pelo Sr. EE, a quantia de 250,00 euros por mês, desde abril de 2018 até outubro de 2019, inclusive, salvo nos meses de janeiro e março de 2019, meses em que não foi feito tal pagamento.

3- Em 12 de novembro de 2019 foi proferida sentença, já transitada em julgado, do processo 396/19.... deste Juízo Local Cível, Juiz ..., que decretou o acompanhamento de EE em regime de representação geral e com proibição do direito pessoal de testar, fixando-se a data do início da incapacidade em 24 de março de 2014.

4- Em 2 de março de 2020 a aqui Autora deu entrada em juízo da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra a Herança Indivisa por Óbito de EE representada pela cabeça de casal AA.

5- Por decisão datada de 15 de setembro foi a Ré absolvida da instância por falta de personalidade judiciária.

6 - As Rés são as únicas herdeiras da herança deixada pelo falecido EE.

2. Matéria de facto – Factos não provados

1- (Passou para os factos provados).

2- Para retribuição dos referidos serviços lhe fossem prestados, obrigou-se o Sr. EE a pagar a quantia de €750,00 mensais, à qual acrescia despesas extra (cremes, fraldas, medicamentos, condutas médicas e outros).

3- A Autora despendeu as quantias descritas nas rúbricas «Fraldas», «farmácia» e «Diversos» do documento n.º 7 junto com a petição e que aqui se dá por reproduzido.

c) Apreciação da restante questão objeto do recurso

Como resulta do exposto, a Autora pretende que lhe seja paga a retribuição devida pelos serviços que prestou ao falecido Sr. EE, como utente do lar de idosos que a Autora explora, remuneração relativa ao período que vai de 1 de abril de 2018 até ao seu falecimento, em .../.../2019, e onde o mesmo se encontrava desde o ano de 2014.

Fundamenta o pedido no contrato celebrado entre si e o Sr. EE, na altura em que este ingressou no lar, do qual consta a retribuição mensal de 1.200,00 euros.

Mas pede apenas a quantia mensal de 750,00 euros por ter existido uma redução da prestação mensal resultante do facto do Sr. EE não ter rendimentos além de uma pensão que a Autora referiu ser de 250,00 euros.

A improcedência da ação resultou da circunstância de não ter sido declarada provada a factualidade relativa à celebração do contrato, situação que foi alterada por via da impugnação da matéria de facto, tendo-se declarado provado que «Em 18 de Junho de 2014, foi celebrado entre «S..., Lda., e EE, o contrato que constitui o documento n.º 1 junto à petição.»

Sucede que o Sr. EE foi submetido a um processo de acompanhamento de maior e em 12 de novembro de 2019 foi proferida sentença, já transitada em julgado, a qual decretou o seu acompanhamento em regime de representação geral e com proibição do direito pessoal de testar, tendo sido fixada a «a data do início da incapacidade em 24 de março de 2014.»

Ou seja, a data declarada na sentença para o início da incapacidade compreende no espaço temporal que fixou a celebração do contrato, em 18 de junho de 2014, entre a Autora e o Sr. EE.

Face ao disposto no artigo 154.º do Código Civil, aos atos praticados pelo maior acompanhado quando anteriores ao anúncio do início do processo aplica-se o regime da incapacidade acidental.

Era este o regime que vigorava também à data da entrada do falecido Sr. EE no Lar, face ao disposto no artigo 150.º do Código Civil, em vigor nessa data.

Relativamente à incapacidade acidental, o artigo 257.º do Código Civil dispõe que «1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.»

Verifica-se que, no caso dos autos, a matéria de facto provada não revela qualquer circunstância factual que conduza à conclusão que a Autora conhecia a incapacidade do Sr. EE ou que esta fosse detetável por si ou por qualquer pessoa de normal diligência colocada no seu lugar.

Por conseguinte, o contrato celebrado é válido e obriga nos seus precisos termos.

Não se farão considerações sobre o enquadramento jurídico do contrato, qualificado na sentença recorrida como de prestação de serviços – artigo 1154.º do Código Civil –, segundo o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra um certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, porquanto não vem questionada tal qualificação no recurso e, por outro lado, se afigura correta.

Nos termos do artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil, «O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.»

E o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está obrigado – artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil.

Se o devedor não realizar a prestação, culposamente, deve indemnizar o credor do prejuízo que lhe haja causado – artigo 798.º do Código Civil – e o credor tem o direito de a exigir judicialmente.

Sucedeu que a Autora reduziu a prestação mensal do Sr. EE para 750.00 euros.

Por conseguinte, face às normas que ficaram referidas, a Autora tem direito desde 1 de abril de 2018 até .../.../2019 a esta quantia mensal de 750,00 euros.

Incumbia às Rés invocar e provar qualquer facto extintivo ou modificativo da dívida, como, por exemplo, o facto extintivo do pagamento, o que não ocorreu.

Verifica-se que a Autora durante este período recebeu a quantia de 250,00 euros da parte do Sr. EE, salvo relativamente a dois meses.

Por conseguinte, tem direito a receber a quantia de 500,00 euros relativamente a 17 meses e 750,00 euros relativamente a 2 meses, mais o proporcional de novembro de 2019, até ao dia 17 deste mês, ou seja, 425, 00 euros.

Tudo somado dá a quantia de 10,425,00 euros.

Acrescem os juros de mora que a Autora pede desde a propositura da ação, em 14 de dezembro de 2020.

Nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 805.º do Código Civil, o devedor fica constituído em mora a partir do vencimento da obrigação quando esta tem prazo certo, como era o caso das prestações devidas mensalmente pelo Sr. EE.

Nos termos do n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil, os juros devidos são os juros legais a que se refere o n.º 1 do artigo 559.º, n.º 1, do mesmo código.

A responsabilidade das Rés resulta da circunstância de serem as únicas herdeiras do devedor e como tal sucederam-lhe nas relações patrimoniais, porquanto se mostra que aceitaram a herança na altura em que promoveram e obtiveram a respetiva habilitação de herdeiros.

Nos termos do artigo 2024.º do Código Civil, «Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.»

Como referiram Pires de Lima/Antunes Varela, «A forma como o artigo 2024.º retrata a sucessão mortis causa, dizendo que os sucessores são chamados à titularidade das relações patrimoniais da pessoa falecida, visa significar, de modo ainda mais impressivo do que fazem os autores que consideram a sucessão como uma transmissão ou transferência de bens (de direitos e obrigações), que há uma relação de verdadeira identidade entre as relações anteriormente encabeçadas na pessoa falecida e aquelas de que passa a ser titular o seu sucessor na área dos interesses abrangidos pelo epicentro do fenómeno sucessório.

As relações jurídicas, após a morte do seu titular, continuam a ser as mesmas, quer a lei dizer no seu retrato ontológico do fenómeno; o que muda é o sujeito – e apenas o sujeito – delas» - Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora 1998, pág. 5.

Porém o herdeiro só responde de acordo co o disposto no artigo 2071.º do Código Civil, onde se dispõe que «1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respetivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.

2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.»

Em sintonia, o n.º 1 do artigo 744.º do Código Civil determina que «Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança.»

Cumpre, face ao exposto, revogar a sentença recorrida e julgar a ação parcialmente procedente de acordo com o que ficou referido.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e revoga-se a sentença recorrida.

Julga-se a ação parcialmente procedente e condenam-se as Rés, na qualidade de únicas herdeiras de EE, a pagar à Autora a quantia de €10.425,00 (dez mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a instauração da ação até ao pagamento.

Quanto ao restante que é pedido julga-se a ação improcedente e absolvem-se as Rés de tal pedido.

Custas pela Autora e Rés na proporção do vencimento e do decaimento.


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Coimbra, …