Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2431/07.6TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: HABILITAÇÃO
SUCESSÃO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 276º, Nº 1, AL. A), E 284º, Nº 1, AL. A), CPC
Sumário: I – No tipo de habilitação incidental, por sucessão, esta tem carácter obrigatório porque, nos termos da al. a) do nº 1 do artº 276º e do artº 284º, nº 1, al. a), do CPC, a causa se suspende desde o falecimento, situação que só termina com a habilitação do sucessor da parte falecida.

II – Assim sendo, a necessidade de garantir o prosseguimento da acção suspensa torna distinta esta questão da habilitação para substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio da de se saber se existe ou não aceitação da herança.

III – Esta característica de obrigatoriedade reporta a necessidade de, depois de se verificar a existência do óbito, se suspender de imediato a instância, facultando-se um processo célere de fazer prosseguir a acção, habilitando aqueles que são tidos como sucessores para prosseguirem os termos da demanda, o que é do interesse daquele que seja demandante.

IV – No incidente da habilitação apenas se averigua se o habilitando tem as condições legalmente exigidas para substituir uma pessoa no processo e, para com ele, a causa poder prosseguir.

V – Nessa habilitação não se exige a aceitação da herança do habilitando e o facto deste ser habilitado não determina o reconhecimento da aceitação tácita da herança, permitindo que mesmo depois da habilitação o habilitado que a não contestou possa vir a repudiar a herança.

Decisão Texto Integral: Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 705°, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

    

Relatório

No 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, por apenso aos autos nº 2431/07 foi apresentada habilitação de herdeiros do ali executado A..... tendo sido apresentado o seu filho B.... como seu único herdeiro.

Citado para os termos da habilitação não foi apresentada contestação e o tribunal recorrido veio a proferir decisão julgando improcedente a habilitação.

Inconformada com esta decisão a requerente da habilitação, Banco .... veio interpor recurso concluindo que:

[………………….]

            Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

O tribunal recorrido considerou provado que:

O réu/executado A.... faleceu no dia 25/11/2008.

Como único herdeiro o falecido deixou o seu filho B....

… …
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil) e que não visam criar decisões sobre matéria nova, o objecto da presente Apelação é o de saber se o recorrido deveria ter sido habilitado como herdeiro do executado A.....

A decisão em recurso, depois de se haver pronunciado, em termos gerais, sobre o significado útil e finalidade da habilitação, bem como sobre as formas de aceitação da herança jacente, distinguindo a pura e simples e a beneficio de inventário e, dentro da primeira modalidade, a expressa e a tácita, sustentou de seguida a improcedência da habilitação, afirmando que “No caso em apreço, aceitação da herança expressa não se encontra junta aos autos e por sua vez aceitação tácita também, pois nem sequer o requerente alegou como devia a existência de aceitação da herança (cfr neste sentido Salvador da Costa em Os Incidentes da Instância 4ª edição pp 255)”.

Contra esta decisão opõe a recorrente que em face do que o tribunal a quo considerou provado e na aplicação das normas correspondentes não poderia ser outra que não a da procedência a decisão a proferir pelo tribunal.

Numa primeira observação, temos de considerar correcto tudo o que o tribunal recorrido expendeu genericamente, quer sobre a natureza e finalidade da habilitação, quer sobre a herança jacente e os seus diversos modos de aceitação.

Não sofre dúvida que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor (art. 2031 do CC) sendo este momento demonstrado (como acto sujeito a registo) através de documento emanado da respectiva Conservatória, que aberta a sucessão são a esta “chamados aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessidade capacidade (art. 2032 nº1 CC)”[1], ou que os chamados à sucessão não se considerem desde logo sucessores uma vez que esta qualidade é consequência de terem aceite a vocação que lhes foi feita manifestando assim a sua vontade de tornarem seus os direitos e obrigações que foram transmitidos (pela lei ou por testamento). E esta manifestação de vontade, no caso de aceitação pura e simples, por contraposição àquela que é deferida a benefício de inventário, pode ser feita de forma expressa ou tácita.

Fazendo incluir neste momento um apontamento sobre o significado e a natureza da habilitação, dizia Alberto dos Reis que «a habilitação propõe-se um objectivo: certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava»[2]. Para Castro Mendes, a habilitação é «a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas»[3]. Mas, alerta Salvador da Costa, que a habilitação destinando-se á “prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas”, por esse incidente cuida-se de apurar “quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa (…) sendo o direito substantivo que estabelece quem a substitui na relação jurídica substantiva que constitui o objecto do litígio”[4].

O mesmo alcance tem a afirmação de Eurico Lopes Cardoso de que, funcionando o incidente previsto nos arts. 371 a 377 do CC como o meio adequado a modificar a instância quanto às pessoas, substituindo-se alguma das partes na relação substantiva em litígio (art. 270 al. a) do CC), «pelo processo incidental apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição: não se aprecia a sua legitimidade senão como substituto da parte falecida, legitimidade essa que só coincide com a definida pelo artigo 26º, ou seja, com a legitimidade para a causa principal, se, por sua vez, a parte substituída era legítima»[5].

Importa sublinhar que no tipo de habilitação incidental, por sucessão, esta tem carácter obrigatório porque nos termos da al. a) do nº1 do art. 276 e do art. 284 nº1 al.a) do CPC a causa se suspende desde o falecimento[6] situação que só termina com a habilitação do sucessor da parte falecida. E fazemos este sublinhado porque cremos que neste particular radica muita da razão da decisão a proferir neste caso.

Eurico Lopes Cardoso referia que no requerimento do incidente se deveriam indicar os habilitandos e requerer a notificação ou citação dos interessados legítimos para contestarem[7]. Por seu turno, Salvador da Costa refere a propósito deste incidente que ele tem como causa de pedir os factos susceptíveis de revelar que os requeridos são os únicos sucessores da parte falecida e, se for caso disso, que aceitaram a herança e estão na posse dela[8].

É manifestamente esta advertência final, a eventual exigência de aceitação da herança como facto alegável, que está na base da decisão proferida pela primeira instância quando afirma que o requerente deveria ter alegado a aceitação da herança.

Não cremos, no entanto, nem que Salvador da Costa tenha aí defendido a necessidade de o requerente da habilitação alegar sempre a aceitação da herança, nem que tal seja sequer necessário.

Da citação mencionada apenas se pode extrair que pode haver casos (que constituirão a excepção) em que, eventualmente, tenha de ser alegada a aceitação da herança o que decorrerá da particular natureza da acção de que a habilitação seja incidente e não da própria natureza deste incidente.

De facto, duas razões concorrem para que assim seja.

A primeira, é que sendo a habilitação obrigatória e tendo a finalidade antes mencionada, a necessidade de garantir o prosseguimento da acção suspensa torna distinta esta questão da habilitação para substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio, da de saber se existe ou não aceitação da herança.

Esta característica de obrigatoriedade reporta a necessidade de, depois de verificar a existência do óbito, se suspender de imediato a instância, facultando-se um processo célere de fazer prosseguir a acção, habilitando aqueles que são tidos como sucessores para prosseguirem os termos da demanda, o que é do interesse daquele que seja demandante.

Não se compreenderia que este incidente saísse frustrado se o requerido nada dissesse quanto a ter aceite ou não a herança do falecido, ou se afirmasse não ter realizado essa aceitação, ou não a ter ainda realizado.

Impor ao requerente a exigência de alegação e prova da aceitação da herança para fazer proceder a habilitação como facto constitutivo do seu direito de habilitar significaria permitir ao requerido o poder manter suspensa a acção em que o falecido tivesse sido parte, bastando para isso que não contestasse. Por outro lado não esquecemos que se um requerente, mesmo sem ser necessário, alegar que os requeridos para além de serem sucessíveis/sucessores aceitaram a herança do habilitado a não contestação terá nesse caso o valor de aceitação tácita da herança sendo que tal não é um pressuposto da procedência da habilitação.

Já se decidiu que se no incidente de habilitação apenas se averigua se o habilitando tem as condições legalmente exigidas para substituir uma pessoa no processo e, para com ele, a causa poder prosseguir, ou seja, que os respectivos requerentes apenas têm que demonstrar que possuem a qualidade que os legitima a substituir a parte falecida, «a habilitação, tomada isoladamente, não é índice, por si só, seguro de aceitação tácita da herança” - vd. ac. STJ de 8/7/1975.

Ora esta conclusão impõe a evidência de que, na habilitação, não se exige a aceitação da herança do habilitando e que, também, o facto de ele ser habilitado não determine o reconhecimento da aceitação tácita (salvo no caso mencionado anteriormente), permitindo que mesmo depois da habilitação o habilitado que a não contestou possa vir repudiar a herança[9], e mantendo-se a autonomia dessas questões, a saber, a habilitação incidental e a aceitação da herança. É que, bem diferente desta determinação de parte processual, ocorre quando a acção tem por objecto a atribuição da qualidade de herdeiro, com o que parece significar que no incidente de habilitação não se cuida de apurar quem é herdeiro mas sim quem será o substituto processual da parte falecida.

A segunda razão em que nos estribamos decorre da análise processual do próprio incidente.

Tendo afirmado o que é necessário que o requerimento inicial contenha, e resumindo esta exigência à alegação e identificação de quem são os sucessíveis do falecido e à solicitação da sua notificação/citação, entendemos que os requeridos podem nada dizer aceitando assim a habilitação (mesmo que não tenham aceite ainda a herança) ou, então, podem contestar alegando que repudiaram a herança, ou mesmo, que o fazem nesse acto da contestação.

Ora, em caso de repúdio alegado e provado pelos requeridos tal demonstração obstaria ao reconhecimento da habilitação pois, então, haveria a certificação de que a própria qualidade de sucessível se encontrava irretratávelmente desvitalizada.

Se afirmamos que enquanto a herança não tiver sido aceite o sucessível pode ser habilitado através de incidente mantendo incólumes as suas faculdades de aceitação ou repúdio da herança, atendendo o limitado interesse da habilitação, tal argumento já não se verifica quando, através do repúdio expresso, o sucessível se coloca fora de todo o processo sucessório, ainda que seja o da simples representação processual em acção intentada contra o falecido.

Como a propósito do âmbito da expressão “sucessor” utilizada no art. 371 do CPC se escreveu no acórdão desta Relação de 2-2-2010, no proc. 1330/06.3TBTNV-A.C1, in dgsi.pt “ “Sucessor» para o direito processual não é necessariamente o sucessível que acorreu ao chamamento e aceitou a herança. Com feito, o artº 373º, nº 1, alude a “qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para substituir a parte falecida”, deixando claro que se pode ser sucessor sem se ser herdeiro[10]. O artº 375º, nº 1 alude a sucessores incertos. E no artº 1132º fala-se em sucessores não conhecidos e em sucessores conhecidos que repudiaram a herança.

(…) Por um lado, nada obsta a que o Código de Processo Civil consagre um conceito de «sucessores» não exactamente coincidente, porque mais lato, com o consagrado no Código Civil.

Por outro, conhecendo-se bem a distinção entre sucessível e sucessor, no caso de ser habilitado sucessível que venha a repudiar, basta aplicar o ensinamento do Prof. Castro Mendes [11] “o repúdio da herança representa o desaparecimento – embora não físico, mas jurídico – dos sucessores habilitados. É obrigatório comunicar esse repúdio no processo, seguindo-se suspensão da instância e nova habilitação.”

Depois, falando o artº 2049º do Cód. Civil em requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado e exigindo o artº 1467º do Cód. Proc. Civil que o requerente que não seja o Ministério Público fundamente o seu interesse, afigura-se-nos forçado transformar oficiosamente aquele processo especial de jurisdição voluntária em incidente do incidente da habilitação.

Finalmente, o artº 375º, nº 4, introduzido pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, ao preceituar, em disposição com a epígrafe «habilitação no caso de incerteza de pessoas», que nos casos em que à herança é atribuída personalidade judiciária [cfr. artº 6º, al. a)] é lícito requerer a respectiva habilitação inculca não ser obrigatória tal solução, deixando aberta a hipótese, que mais se justificará se houver sucessíveis conhecidos, de optar pela habilitação destes.

A legitimidade dos sucessíveis para serem habilitados para ocupar o lugar da parte falecida e com eles prosseguirem os termos da demanda impõe-se também por razões de celeridade e eficiência processuais e encontra suporte no princípio da cooperação (artº 266º). Com efeito, se nos casos de falecimento do réu, em que normalmente não há interesse dos seus sucessores em promoverem o andamento do processo, já é frequentemente difícil ao autor identificar os titulares da vocação sucessória, para com eles fazer prosseguir a demanda, muito mais difícil passaria a ser a sua tarefa se lhe fosse imposto que averiguasse previamente se houve aceitação, tácita ou expressa, ou se foi formalizado repúdio.

Ao requerente da habilitação bastará alegar e provar que os requeridos são titulares prioritários da vocação sucessória. A estes incumbirá, se for o caso, alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua legitimidade, isto é, que não são sucessores, no indicado sentido lato do termo.”.

            Em reforço de raciocínio lógico a favor deste entendimento aduzimos ainda que, como consta do voto de vencido do então Desembargador, hoje Conselheiro, João Bernardo, proferido no Acórdão da Relação do Porto de 30/10/2003[12], “se falecer aquele que nada deixou para herdar e que, por exemplo, é réu numa acção de preferência relativa à venda do seu único bem, como pode prosseguir a lide, se não se habilitarem aqueles que nada têm para aceitar?”.

A atribuição de um sentido lato ao termo «sucessores» usado na lei adjectiva, abrangendo os meros sucessíveis, é sugerida pelo Prof. Castro Mendes[13] ao colocar a seguinte questão: “Quid juris se, depois de habilitados certos sucessores, estes (todos ou alguns) repudiarem a herança?”.

É igualmente admitida por Santos Silveira[14] ao configurar “a hipótese de os sucessores do réu repudiarem a herança depois de considerados habilitados por meio do incidente”. E lemos o Prof. Alberto dos Reis no mesmo sentido quando no seu Código de Processo Civil Anotado referia: “Propôs-se acção contra dois réus; morre um deles, deixando como sucessores três filhos; o autor promove a habilitação. Contra quem é deduzido o incidente? Em primeiro lugar, contra os três filhos, visto pretender-se trazê-los para o processo, a fim de ocuparem o posto do falecido”.

Ainda que no Acórdão da Relação do Porto de 30/10/2003, já acima referido, tenha feito vencimento o entendimento de que no artº 371º, nº 1 se utiliza o termo sucessores em sentido estrito, excluindo os meros sucessíveis, e que, durante o período de jacência, é sobre a herança jacente (aberta mas ainda não aceite) que recai a legitimidade passiva para ser habilitada e com ela prosseguirem os termos da demanda no caso de o respectivo autor ter falecido na pendência da causa, a verdade é que, algo contraditoriamente, embora fosse esse o caso concreto colocado naquele processo, não se revogou pura e simplesmente a sentença que habilitara meros sucessíveis. Antes se argumentou que a regra é o herdeiro aceitar a herança; que cai sobre ele o ónus de provar a sua não-aceitação, juntando o documento de repúdio; e que os princípios gerais de direito processual permitem lançar mão, no incidente da habilitação, dos procedimentos previstos nos artºs 2.049º do CC e 1.467º do CPC. E, considerando obscura e insuficiente a matéria de facto, anulou-se o julgamento e mandou-se a 1ª instância notificar os sucessíveis habilitados para, em prazo a fixar, declararem se aceitam ou repudiam a herança, com a advertência de que a não junção da declaração de aceitação nem do documento de repúdio equivale, para efeitos de habilitação, e só para tal, a ter-se a herança por aceite.

Em síntese, determinando, como vimos, o art. 276º n.º 1 al. a) do CPC que a instância se suspende quando falecer ou se extinguir alguma das partes, este normativo tem carácter imperativo e a obrigatoriedade de imediato cumprimento impõe o art. 277º n.º 1 do CPC, isto é, junta certidão de óbito ou conhecimento de falecimento aquando a citação, tem o juiz o dever de decretar imediatamente a suspensão da instância. E a instância suspensa apenas pode prosseguir depois de estarem habilitados os sucessores do falecido, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 284º do CPC.

Entende-se que quem tiver uma acepção restrita da expressão “sucessor” inserida no art. 371 nº 1 do CPC, no sentido de por esta se entender, apenas, aquele sucessível que já aceitou a herança, o incidente da habilitação comporta um limite temporal até ao qual, inclusive, os habilitandos terão de definir (se ainda o não tiverem feito) a sua posição em face da herança, aceitando-a ou repudiando-a. Deste modo, fazendo recair sobre o requerente /habilitante um ónus de alegação de que o requerido/habilitando aceitou a herança e sobre este o ónus de provar que a não aceitou, juntando o documento de repúdio, verificamos que a partir da habilitação não poderia nunca a herança continuar a ser jacente (por ainda não ter sido aceite).

Cremos, no entanto, que se é entendimento jurisprudencial já citado que a habilitação do sucessível, que ainda não aceitou a herança, não pode ser entendida como aceitação tácita e que a finalidade do procedimento de habilitação não tem esse alcance mas apenas o de permitir a continuação da acção, até porque as consequências patrimoniais destas habilitação para o habilitando não existem, então não será de todo adequado lançar mão de um procedimento autónomo e fazê-lo intercorrer na habilitação ao abrigo da adequação formal para resolver uma qualidade substantiva (a de sucessor por ter aceite a herança) que a lei não parece de todo exigir.

Se o legislador tivesse pretendido que a habilitação comportasse um âmbito no qual, definitivamente, se fixasse quem aceita ou repudia a herança, decerto que incluiria de forma inequívoca no processado correspondente um mecanismo que tal assegurasse, numa advertência a que essa questão teria de ser forçosamente aí esclarecida.

Como acima se afirmou já, o objecto do incidente de habilitação é determinar quem tem a qualidade que o legitime para substituir a parte falecida e na habilitação deverão ser incluídas, fazendo parte da causa de pedir, os factos susceptíveis de revelar que os requeridos são os únicos sucessores do falecido e a demonstração de que, segundo o direito substantivo, lhe sucedem.

Ora, analisando a petição inicial do incidente de habilitação, verificamos que foi pedida a habilitação do requerido como sucessor do falecido para, nessa qualidade, prosseguir a acção e invoca-se a qualidade de filho da pessoa falecida para o chamamento com a circunstância de ser o único sucessor daquele.

Nos termos dos artigos 2133º e 2157º do C. Civil, não impugnada que esteja tal qualidade e antes mesmo aceite pelas partes, será o requeridos, nos termos da lei substantiva, o habilitado pois preenchidos se mostram todos os requisitos para que a acção seja considerada.

Procedem pois por estas razões as conclusões da alegação da recorrente com a consequente procedência da Apelação.

            …

 Decisão

Face ao exposto, acorda-se julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, substitui-se tal decisão por outra que julga procedente a habilitação e que considera como habilitado para prosseguir os termos da demanda o recorrido B.....

As custas do incidente da habilitação serão por conta do requerente e as da presente Apelação pela parte vencida a final na acção principal


[1] Vd. João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais vol. I p. 15
[2] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 573.
[3] In Direito Processual Civil, vol. II, ed. polic., AAFDL, Lisboa, 1980, p. 234 e ver ainda Lebre de Freitas in CPC Anot. 1/631.
[4] Os Incidentes da Instância, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 235
[5] (Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, reimpressão, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, p. 297)
[6] Vd. Salvador da Costa op.cit. p. 234 e Eurico Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância p. 303.
[7] Op. cit. p.320.
[8] Op. cit. p. 235
[9] Vd. Prof. Castro Mendes Dtº Proc. Civil-2/252
[10] Será o caso do proprietário da raiz em relação ao usufrutuário. Em caso de morte deste, o sucessor no usufruto é aquele, independentemente de ser ou não herdeiro.
[11] Direito Processual Civil, Vol. II, Apontamentos das lições dadas ao 4º ano de 1973-1974, com a colaboração do Assistente Armindo Ribeiro Mendes, pág. 272.
[12] CJ, XXVIII, IV, 194/201
[13] Op.cit p. 271.
[14] Questões Subsequentes em Processo Civil, 1964, pág. 344.