Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1433/23.0T8CTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
REGISTO PROVISÓRIO DE HIPOTECA
FALTA DA CERTIDÃO DE TAL REGISTO
CONVITE PARA A SUA JUNÇÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 7.º, N.º 4; 590.º, 3; 907.º, 3 E 913.º, 1 A 3, DO CPC
Sumário: I - O registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução tanto no caso de incidente de prestação provocada de caução como no caso de incidente de prestação espontânea de caução.
II – Na petição do incidente, o requerente deve indicar o valor a caucionar e juntar certidão do registo provisório.

III – Faltando esta certidão, o juiz deve fixar prazo para a sua junção.

IV – Não justifica a falta de junção no prazo fixado e não impõe outra colaboração do tribunal, a parte que, em resposta, se põe a fazer considerações intempestivas sobre o valor a caucionar.

V – A auto-responsabilidade da parte justifica o indeferimento do pedido por falta da certidão, depois do convite.

Decisão Texto Integral: *

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Está em causa a seguinte decisão:

Indefere-se a notificação da Agente de Execução para vir informar qual a quantia depositada à ordem do processo e, em consequência, se determinar qual o valor que deve constar na hipoteca/caução a realizar, por três razões: i) o primeiro ponto é a de que a Requerente alegou que o valor a ter em conta para efeitos de caução era de € 38.215,24, veio depois referir que, afinal, o valor depositado nos autos era de € 38.215,24, sendo certo que o valor dado à execução é de € 72 193,97; ii) não havia, por isso, quaisquer dúvidas no horizonte da Requerente quanto ao valor a caucionar, que só surgiram após o convite ao aperfeiçoamento; iii) se entendia que o valor a caucionar era aquele primeiro (e era precisamente essa a alegação), deveria ter procedido no prazo concedido para o efeito à junção de certidão do registo provisório da hipoteca naquele valor.

“Não o fez, mas entorpeceu o processo com requerimentos suscitando dúvidas quanto ao valor a caucionar, e que o Tribunal decidisse essa questão prévia. O que não é compatível com o disposto no artigo 907.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pois na contestação/oposição ao incidente, a Requerida teria oportunidade de impugnar o valor a caucionar.

“Indeferimento Liminar

“J..., Lda., executada nos autos de execução que lhe move AA, veio apresentar, por apenso à mesma, incidente de prestação espontânea de caução com vista à suspensão da execução nos termos do art. 733.º, n.º 1, alínea a), do CPC, pretendendo prestar caução por meio de hipoteca a constituir a favor da Requerida sobre: - Prédio Urbano – “Lugar...”, freguesia de ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...93, e descrito na competente conservatória do registo predial sob a ficha n.º ...72 (doc. 1); - Prédio Rústico – “...”, freguesia de ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...2, Secção B, e descrito na competente conservatória do registo predial sob a ficha n.º ...72 (doc.2) - Prédio Rústico – “Barroco ...”, freguesia de ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...8, secção B, e descrito na competente conservatória do registo predial sob a ficha n.º ...99 (doc.3);

“A Requerente não juntou certidão do registo predial do qual conste averbada o registo provisório das hipotecas oferecidas para prestação de caução.

“Convidada a Requerente a juntar registo provisório das hipotecas oferecidas para prestação da caução, no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento, não o fez.

“II. Fundamentação

“Dispõe o artigo 907.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que «oferecendo-se caução por meio de hipoteca ou consignação de rendimentos, apresenta-se logo certidão do respetivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda a certidão do seu rendimento coletável, se o houver».

“Pretende evitar-se que depois do oferecimento da hipoteca sobre prédios determinados, estes sejam hipotecados à segurança de outras obrigações, com prejuízo daquela que pela caução se pretende garantir.

“Tendo sido oferecida caução por meio de nova hipoteca, mas não tendo sido junta oportunamente aos autos pela requerente certidão de registo provisório da hipoteca, nem mesmo se encontrando junta ao processo uma certidão de registo predial da qual constem os direitos e encargos que incidiam sobre o prédio, não existem elementos nos autos que permitam concluir pela idoneidade da caução oferecida, pela segurança da sua suficiência para satisfação da obrigação a caucionar.

“Também na prestação incidental espontânea de caução, quando o requerente se proponha prestar caução por meio de hipoteca, é exigível que apresente logo a certidão do registo provisório e dos encargos inscritos sobre o bem (Acórdão do TRL, de 26-05-2022, Proc. 5686/20.7T8ALM-B.L1-2).

“No mais, o artigo 590.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é aplicável ao incidente de prestação de caução.

“Mesmo após prolação de convite ao aperfeiçoamento, a Requerente não apresentou documento comprovativo do registo provisório da hipoteca oferecida para prestação de caução.

“A este propósito mantém-se hoje bem presente os ensinamentos vertidos no Acórdão do TRL, de 12-03-1992, Proc. 0041536, ou seja, «oferecendo-se caução por meio de hipoteca, terá de se juntar, desde logo, certidão do registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens, bem como a certidão do seu rendimento coletável», e de que a «falta desses documentos conduz ao indeferimento liminar do requerimento».

“É a conclusão que se impõe, indeferindo-se, pois, o presente incidente de prestação de caução nos termos dos artigos 913.º, n.ºs 1 e 3, 907.º, n.º 3, e 590.º do Código de Processo Civil,” (Fim da citação.)


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            Inconformada, a Requerente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo notificou a ora recorrente para proceder ao aperfeiçoamento do seu requerimento inicial uma vez que o mesmo não ia instruído com o registo provisório da hipoteca – refª citius 36400835.

2. A requerente enviou requerimento aos autos no sentido, atendendo aos pagamentos efetuados nos autos de execução a que estes correm por apenso, o requerente e a Sra. Notária tinham dificuldade em indicar qual o valor a constar no registo da hipoteca, e nessa sequência, se procedesse à notificação do Agente de Execução para confirmar os pagamentos ocorridos e, por fim, que indicasse o d. Tribunal a quo qual o montante a constar em tal registo provisório – refª citius 3399829.

3. Foi novamente a requerente notificada do douto despacho – refª citius – para “Antes de mais, determina-se a notificação da Executada/Requerente para esclarecer que dificuldades teve para proceder ao registo provisório da hipoteca oferecida para prestação da caução, exigida pelo artigo 907.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, documentando tais dificuldades, bem como esclarecer a que depósito se refere, documentando neste apenso igualmente tal ocorrência, sob pena de indeferimento.”

4. Respondeu novamente a requerente – refª citius 3418060 –, que dando cumprimento ao d. despacho, (i) juntou aos autos comprovativos de pagamento nestes autos que correm por apenso aos de execução e (ii) informou qual a dificuldade em proceder a registo de hipoteca atento os valores entretanto pagos,

5. Terminado por pedir e requerer o seguinte: “Com efeito, a ora requerente e executada pretende, sem prejuízo do pedido apresentado no âmbito da oposição, nos termos do art. 733, nº1, alínea a) do CPC, prestar caução / hipoteca e, assim, atento os pagamentos efetuados, deve V. Exª indicar qual o montante a constar em tal caução / hipoteca, que no modesto entendimento da requerente é de €38.215,24, o que respeitosamente se requer.”

6. Foi, de imediato, produzida d. sentença, de que ora se recorre, que determinou o indeferimento da prestação de caução.

7. Nos termos do art. 96.º do Código do Registo Predial: “(Requisitos especiais da inscrição de hipoteca) 1 - O extrato da inscrição de hipoteca deve conter as seguintes menções especiais: a) O fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado;”

8. A requerente viu-se impedida de proceder ao registo provisório da hipoteca junto da Srª Notária porquanto tinha que se indicar, para além do fundamento da hipoteca – que, in casu, seria a prestação de caução – o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado.

9. Com o referido pagamento ocorrido nos autos principais de execução e de que se juntou comprovativos nos presente apenso, a quantia em dívida é consideravelmente muito inferior à reclamada, a que acresce que as referidas menções obrigatórias devem indicar o crédito, seus acessórios e o montante máximo.

10. E precisamente para cumprimento do referido preceito legal a requerente pediu ao d. tribunal a quo que indicasse qual o montante a constar no registo da hipoteca / caução.

11. Valor sem o qual não é possível efetuar o registo da hipoteca.

12. O indeferimento sem que existisse essa resposta por parte do d. tribunal a quo violou também o principio orientador do processo civil da Cooperação, designadamente, o disposto no nº4 do art. 7º do CPC (“Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”)

13. Com efeito, a requerente manifestou esse impedimento ou dificuldade séria em obter informação (in casu, o montante a caucionar que é de inscrição obrigatória e que deve comtemplar os acréscimos e montante máximo assegurado) que condiciona o cumprimento do dever processual de apresentação de registo de hipoteca sobre os imóveis a caucionar.

14. No modesto entendimento da recorrente, o Mmo Juiz do d. Tribunal a quo, ao invés de indeferir a prestação de caução, devia ter informado a requerente desse mesmo valor a constar na inscrição obrigatória ou, caso entendesse que esse valor não seria relevante e que o mesmo podia ser a todo o tempo corrigido, como parece inculcar da d. sentença em crise, dar um prazo curto de 3 dias para que a requerente pudesse apresentar tal registo de hipoteca.

15. Dando cumprimento quer ao principio da cooperação plasmado no art. 7º, bem como também o dever de gestão e o princípio da adequação formal do processo, consagrados nos artigos 6.º e 547.º do CPC, atribuem ao juiz um poder/dever de oficiosamente, ouvir as partes e determinar a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do processo, o que inclui a possibilidade de definir o conteúdo e a forma dos atos a praticar.

16. Deve a presente decisão de indeferimento ora em crise ser substituída por outra que determine a notificação ao requerente do montante do crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado que deve constar no registo da hipoteca / caução a registar sob os prédios indicados no respetivo pedido de prestação de caução, sob pena de se violarem, entre outros, os preceitos legais supra indicados.


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           As contra-alegações da Exequente foram tidas por intempestivas.

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            A questão a decidir é a de saber se estava o tribunal obrigado a fixar o valor a caucionar e/ou se devia conceder um último prazo para a junção do registo provisório.

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           Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.

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A Recorrente não questiona que o registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução, no caso de incidente de prestação espontânea de caução. (Cfr. artigo 907, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) e, entre outros, o acórdão da R. Lisboa, de 26.5.2022, no proc. 5686/20, em www.dgsi.pt.)

Na petição do incidente, o requerente deve indicar o valor a caucionar e juntar a certidão do registo provisório. (Ainda o art. 913, nº 1, do CPC.)

Faltando esta certidão, o juiz deve fixar prazo para a sua junção. (Art. 590, nº 3, do CPC.)

           A discussão do valor da caução pode ocorrer, mas apenas havendo impugnação do indicado ou no caso da revelia ser inoperante. (Aquele art.913, seus nº 2 e 3.)

A discussão do valor que possa ocorrer não impede o registo do valor que se tem inicialmente por adequado, pelo requerente.

Assim, se é o requerente quem indica o valor e quem apresenta logo o seu registo provisório, não faz sentido justificar a falta da certidão com argumentos (intempestivos) relativos ao valor.

Mais, a natureza urgente do incidente não se compadece com aquela insuficiência, pois que era obrigação da Requerente apresentar logo no requerimento inicial a certidão do registo provisório da hipoteca a que se propôs, com certo valor.

No caso, não só não a apresentou, como não fez qualquer alusão ao registo no requerimento inicial.

Ao contrário do que afirma na conclusão 8, a Requerente não estava impedida de fazer o registo provisório pelo valor que tinha por adequado. A mesma deve ter uma posição clara sobre o assunto, que lhe diz respeito. Não é o tribunal que tem de indicar (inicialmente) o valor, só o fará nos casos referidos no art.913, nº 2 e 3, do CPC.

Faltando a certidão, o juiz fixou prazo para a sua junção.

E a Requerente, em vez de a juntar, passou a discutir intempestivamente o valor.

Convidada novamente a documentar as alegadas dificuldades de registo, agora com a cominação de indeferimento, a Requerente insistiu na questão do valor.

A Recorrente invoca o dever de colaboração do tribunal.

Conforme o nº 4 do art. 7 do CPC, “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”

Ora, no caso, a Requerente não estava impedida de registar pelo valor que tinha por adequado; não justificou qualquer dificuldade notarial e as considerações que fez sobre o valor são inoportunas.

Convidada duplamente à regularização do requerimento, não o fez.

Sendo seu o ónus e não havendo obstáculo ao seu cumprimento, não se impõe outra colaboração do tribunal.

A auto-responsabilidade da parte justifica aqui o indeferimento do pedido por falta da certidão, depois do convite.


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            Decisão.

           Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente, vencida.

2024-03-19


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Carlos Moreira)