Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2811/18.1T8VIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE DECISÃO
PROVA PERICIAL
SUA FINALIDADE
SEGUNDA PERÍCIA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 07/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 154º, 487º E 615º, Nº 1, AL. B), DO NCPC; 388º C. CIVIL.
Sumário: 1. O dever de fundamentar as decisões (art. 154.° do NCPC (2013)) impõe-se por razões de ordem substancial, caber ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer, na sua plena dimensão, os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.
2. Serve isto, do mesmo modo, para dizer que a nulidade da al. b) do art. 615º do NCPC só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não de mera insuficiência ou deficiência da mesma.

3.

3.1. A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil).

3.2. Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (n.º 1 do art. 589.°. do CPC - 487º NCPC).

3.3. A expressão adverbial "fundadamente" significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.

3.4. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.

4.

4.1. A segunda perícia referida nos arts. 487.º e ss .. NCPC pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.

4.2. Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por nele e no relatório em que assenta existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respetivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptivel de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.

4.3. A segunda perícia coexiste validamente com a primeira, devendo ser-lhe fixada livremente a força probatória do respetivo resultado. Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.

5. No caso em apreço, embora a conclusão do relatório pericial aparente ser objectiva e implicitamente, porventura, afastar qualquer outra hipótese explicativa de qualquer das causas alegadas pelas partes, é na consideração, explicação ou justificação cabal e clara das razões por que rejeita estas que também poderá radicar a confiança, credibilidade, capacidade de convencer e exactidão do relatório e até o próprio tribunal encontrar pontos de referência que ajudem à formação de mais sólida convicção (livre) em ordem ao apuramento da verdade, pois sem as despistar e refugiando-se na “secura” da resposta dada, deixa-se em aberto um espaço de dúvida, sempre de evitar e esclarecer até onde seja possível, nesta tarefa se devendo dar prevalência aos objectivos de contraditório.

6. Admitindo-se que a perícia requeira mais consistente e detalhada explicação sobre os respetivos aspectos que vêm invocados em recurso - no sentido de consolidar o resultado, garantir que todos esses aspectos foram examinados e avaliados e que nenhuma das demais hipóteses justificadamente se coloca - é de admitir a segunda perícia.

7. Tanto assim que, não obstante, as razões presentes e como tal evidenciadas nas alegações/conclusões apresentadas levam a que a justificação dessa divergência não seja impertinente, desnecessária ou irrelevante. Uma tal justificação integra o conceito de “fundadas razões de discordância” (art.º 487º, nº1 NCPC) para a realização da segunda perícia.

8. Em função do artigo 628º NCPC (Noção de trânsito em julgado), a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. Tal preceito «visa determinar, com rigor, o momento a partir do qual se considera transitada em julgado uma decisão judicial. Independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

T..., Lda. e outros, executados nos autos em apreço, vieram interpor recurso ordinário de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, da decisão do tribunal a quo, datada de 05-01-2021, com subida em separado e com efeitos suspensivos.

Com os seguintes fundamentos:

1.º A decisão em causa indefere a segunda perícia aos imóveis penhorados, com a finalidade de fixar o valor de mercado dos mesmos, sem que para tal apresente fundamentação da decisão, colocando, portanto, em crise a validade da decisão, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, b) do CPC;

2º A decisão aqui em crise, ainda que não padecesse de nulidade, indeferida a realização de uma segunda perícia, que nos termos do disposto no artigo 487º, n.º 1 do CPC, tinha não só sustento em matéria de direito como de facto, na medida em que a 1º perícia padece de deficiências que enquanto tal legitimavam a 2º perícia requerida, e que no presente recuso se passam a expor.

3º Fundamenta ainda o recurso aqui apresentado a decisão intempestiva de venda dos imóveis em causa por parte do agente de execução, na medida em que, datando a decisão do tribunal a quo de 05-01-2021 e a decisão de venda por parte do agente de execução do dia 06-01-2021, dúvidas não se levantam quanto ao não respeito por parte desta, dos tempos processuais, nomeadamente do trânsito em julgado.

Assim, a A..., Lda, e outros, têm interesse e legitimidade para o efeito, estando representada pela subscritora e pago a taxa de justiça, que vai junta, sendo em face do exposto o recurso tempestivo e admissível.

Seguem alegacões e conclusões:

A) Da nulidade da decisão:

1. A decisão aqui objeto de recurso, datada de 05-01-2021, por referência ao requerimento (ref. n.º ...), apresentado pelos aqui recorrentes, a fim de solicitar segunda perícia, limita-se à seguinte referência: ”Ressalvando sempre melhor juízo, entendemos que não existe fundamento legal para, no vertente caso, se lançar mão de uma segunda perícia.”

2. Face ao transcrito, é evidente a insuficiência da fundamentação quer de facto quer de direito para o indeferimento da segunda perícia.

3.Ora devido ao comportamento (omissivo) do tribunal a quo quanto aos porquês da não admissão de segunda perícia, tendo o tribunal a quo na sua decisão meramente referido o transcrito impõem desde logo uma violação do disposto no artigo 154º, n.º 1 do CPC, que dispõe “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (sublinhado nosso).

4. Ao qual acresce o facto de postular o artigo 205º, n.º1 da CRP, que: “1-As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

5. O Ac. do Tribunal Constitucional de 2-12-1998, Proc. nº 680/9, acaba por efetuar uma abordagem à problemática da fundamentação das decisões em termos gerais. A esse propósito entendeu o TC que: “Este texto, resultante da revisão constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artº 208 que determinava que «as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei. A Constituição revista deixa transparecer uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.

A verdade, porém, é que, estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional, à luz da prolação da decisão. É certo que a Constituição não determina, ela própria, o alcance do dever de fundamentar as decisões judiciais remetendo para a lei a definição do respectivo âmbito. Certo é, também, igualmente, que o legislador ao concretizar a liberdade de conformação que a Constituição lhe confere, não a pode reduzir de tal forma que, na prática, venha a inutilizar o princípio da fundamentação.

Isso não significa, tal como se vincou naquele primeiro aresto (e bem assim no Ac. nº 310/94 daquele mesmo Tribunal de 29/08/94, in “DR, II S, de 29/08/94”), que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade da fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional”.

6. A fundamentação da decisão revela-se fundamental para que as próprias partes e os tribunais de recurso possam fazer o reexame do processo logico-racional pela via do recurso, sendo a fundamentação da decisão um mecanismo de eficácia, na medida em que desta depende a persuasão dos seus destinatários e da comunidade (jurídica) em geral.

7. A obrigatoriedade de fundamentação das decisões constitui um verdadeiro elemento legitimador do poder jurisdicional, na medida em que atribui sentido ao exercício desse poder e ao dever de aplicar o direito ao caso concreto – “iuris dicere”.

8. O dever de fundamentação das decisões é o principal pressuposto para o respeito pelos princípios da legalidade, da imparcialidade das decisões e ainda da independência dos juízes.

9. Ideia que encontra acolhimento na jurisprudência, sendo disso exemplo o Ac. STJ de 26-02-2019 , Proc. 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, nomeadamente quando nos diz que: “Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.”

10. Do artigo 205º, n.º1 da CRP resulta uma exigência (de natureza imperativa) de fundamentação das decisões, e como tal a necessidade de fundamentação das decisões (de facto e de direito) é uma exigência constitucional e bem assim de um verdadeiro Estado de Direito, permitindo, assim, o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e sobretudo a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se, desse modo, qualquer livre arbítrio do julgador.

11.Tendo sido esta ratione legis de índole constitucional que levou a que o legislador ordinário no artigo 615º n.º 1, b) do CPC, cominasse com a nulidade a decisão que, entre outros, “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (sublinhado nosso)

12. A decisão aqui em crise padece desde logo do vicio de falta de fundamentação quanto ao motivo pelo qual não se admite a realização da segunda perícia, e como tal deverá a decisão ser considerada nula, respeitando assim os tramites processuais (civil) e constitucionais.

B) Da admissibilidade de Segunda Perícia

13. Dispõe, no seu n.º1, o artigo 487º do CPC que: “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.”

14. Os aqui recorrentes lançaram mão deste normativo, para requerer que a mesma fosse admitida, demostrando as deficiências e obscuridades de que a primeira perícia padece.

15.Contudo, entendeu o tribunal a quo (sem qualquer fundamentação), que a mesma não seria de admitir.

16. Ora, neste particular entendem os aqui recorrentes que andou mal o tribunal na medida em que, o relatório da primeira (e única) peritagem admitida nos autos padece de graves deficiências.

17. De forma a colocar em evidência as aludidas deficiências da peritagem impõe-se cuidada analise do ponto 4.1 do relatório de peritagem.

18. Do qual é possível extrair que o Sr. Perito, diz ter realizado a aludida peritagem tendo como base a metodologia que resulta do Regulamento da CMVM N.º 07/2007 – Fundos de Investimento Mobiliário, do qual, aparentemente, “transcreve” o seu artigo 16º

19. Ora, de uma leitura cuidada e crítica do dito relatório é possível dar conta que o Regulamento da CMVM N.º 07/2007, é apenas um regulamento de alteração de um outro Regulamento (Regulamento da CMVM N.º 08/2002), que além do mais, não interfere com a previsão normativa do artigo 16º, resultando dai a pertinência em referir o Regulamento da CMVM N.º 08/2002, e não o 07/2007.

20. Apesar disso, o Sr. perito, propõe-se citar no seu relatório o artigo 16º, como demostrado no 27º destas alegações.

21. Todavia a “citação” não corresponde a verdade do que refere o aludido artigo 16º do regulamento da CMVM.

22. O verdadeiro artigo 16º do Regulamento da CMVM N.º 08/2002, dispõe o seguinte:

“Artigo 16.º

Métodos de avaliação

1. Os peritos avaliadores devem utilizar pelo menos dois dos seguintes métodos de avaliação:

a) Método comparativo;

b) Método do rendimento;

c) Método do custo.

2. Sempre que circunstâncias especiais não permitam a determinação adequada do valor do imóvel, o perito avaliador deve fundamentar, no relatório de avaliação, as razões que o levaram a excluir os métodos mencionados no número anterior, assim como aquelas que justificaram sua opção por outro método de avaliação.

3. Sem prejuízo do disposto no número anterior o perito avaliador deve apresentar no relatório de avaliação o valor do imóvel que resultaria se os métodos previstos no n.º 1 tivessem sido adoptados.” (sublinhado nosso).

23. Face ao exposto, o Sr. perito omitiu propositadamente parte do referido artigo, de forma a induzir o tribunal em erro.

24. Tal omissão teve como claro propósito, viciar a metodologia adotada na avaliação aqui em crise, de forma a aplicar um só método avaliativo (método do custo), quando na verdade, e seguindo os Regulamentos que alega ter seguido, dispõem que deve o perito adotar pelo menos dois dos métodos elencados no referido artigo 16º.

25. Pese embora, os demais motivos que fundamentam a necessidade da segunda perícia, já que a aqui em crise se encontra viciada, deficiente, incorreta.

26. Ora como resulta do Ac. TRG de 14-02-2019, Proc. n.º 2587/17.0T8BRG-A.G1: “A reclamação contra o relatório pericial pressupõe a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório apresentado ou a falta de fundamentação das suas conclusões. A realização da segunda perícia visa corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira.”

27. O relatório pericial desconsiderou por completo a caderneta predial urbana e predial; desconsiderou a localização do imóvel urbano com o artigo ..., ..., sendo a localização mais cara em ..., atenta a beleza do local e os equipamentos e acessos ali instalados; desconsiderou a área do imóvel, de 543 m2, o facto de ter logradouro, estacionamento, terraços amplos; desconsiderou o número de pisos; desconsiderou que o imóvel tem duas afectações/fins/destinos diferentes: habitação e comércio, podendo ambas dar rendimento, sendo notório que assim pelo menos ao comercio, com pisos independentes e autónomos para o efeito; desconsiderou e não aplicou os critérios de avaliação legais e respectivo coeficientes, que aliás nem mencionou.

28. O relatório de peritagem que basicamente reproduz fotografias, deveras teórico, sem fundamentos concretos, sem especificação de contas/percentagens, não se sabendo por exemplo como chegou aos m2 e às taxas percentuais que apôs num quadro, ficando-se sem saber, em concreto, como chegou a tal percentagem (critérios, coeficientes, dados materiais); ademais de todos os métodos para o efeito utilizados e que devem ser realizados em avaliação, o perito apenas o fez teoricamente e usou apenas um deles, o de custo.

29.O relatório não está devidamente fundamentado, em todos os passos da avaliação, não contem informação relevante, nomeadamente: a) Definições e conceitos; b) Pressupostos e condições da avaliação; c) Metodologias adoptadas para chegar ao valor de mercado do imóvel, reportado à data de avaliação; d) Conceito de valor; e) Caracterização registo-cadastral do imóvel, f) Aspectos jurídicos e legislação vigente a considerar na avaliação; g) Tipo de ocupação; h) Características construtivas; i) Equipamentos que integram o imóvel e sua inclusão, ou não, na avaliação; j) Estado de conservação; l) Áreas e sua tipologia – bruta, útil, privativa, locável, ou outra, devidamente caracterizada; m) Localização; n) Tipo de ocupação; o) Envolvente edificada e acessibilidades; p) Características do mercado imobiliário, na zona envolvente do imóvel; q) Enquadramento nos instrumentos de gestão territorial em vigor para o local de implantação; r) Eventuais usos alternativos potenciais para o imóvel, etc...

30. Face ao exposto e por referência ao Ac. TRG de 14-06-2016, Proc. 2258/14.9T8BRGB.G1: “Atento o actual quadro legal – designadamente o disposto no arto. 487º do NCPC – constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, sendo tal alegação especificada o único requisito legal do requerimento em causa a formular, nos termos da supra citada disposição legal. (...) Saber se os fundamentos e razões invocados pelo requerente da segunda perícia têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar.” (sublinhado nosso)

31. Resume sabiamente o que neste particular se pretende demostrar o Ac. do TRP de 21-01-2020, Proc. 5818/17.2T8VNG-A.P1 ao entender que: “A segunda perícia que, regulada nos art.s 487º a 489º, do CPC, se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira (nº3, do art. 487º, do CPC), não é uma nova e autónoma perícia, antes o seu objeto se tem de conter no âmbito da primeira perícia realizada, movendo-se dentro das questões de facto já, aí, averiguadas.(...) Com a consagração da possibilidade de realização de segunda perícia, visou o legislador tão só possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito (...) Os limites impostos ao direito à prova – visando assegurar maiores valores que se levantam como o da efetiva realização da Justiça, que para efetivamente o ser tem de revestir de racionalização e de ser exercida de modo célere -, que não é um direito absoluto, são materialmente constitucionais, desde que assegurado o respeito pelo princípio da proporcionalidade, observado no caso da segunda perícia, sempre admissível quando requerida e justificada com alegação de razões fundadas, salvaguardando-se sérias inexatidões de resultados da primeira perícia, no que se reporta a factos com relevo para a decisão da causa.”

32. Deve ser admitida a realização de uma segunda perícia, de forma a colmatar as deficiências supra mencionadas, da primeira perícia.

C) Da intempestividade da decisão de venda

33. A decisão do tribunal a quo que não admite segunda perícia e fixa os valores bases para venda das verbas em causa, data de 05-01-2021.

34. A decisão de venda emitida pelo sr. agente de execução é datada de 06-01-2021.

35. Nestes termos impõe-se chamar à colação o normativo do art. 628º do CPC, que nos apresenta a conceção de trânsito em julgado, para, dessa forma demostrar que a decisão de venda do sr. agente de execução, não respeita os tempos processuais que o artigo supra citado impõe.

36. Decorre inclusive da melhor jurisprudência, da qual é exemplo o Ac. STJ de 22-02-2017, Proc. N.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1: “O trânsito da sentença só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, designadamente, a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, mesmo que não admissível, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.”

37. A decisão de venda no agente de execução é intempestiva, por desrespeito dos prazos e trâmites processuais.

Nestes temos e nos melhores de direito, deve o despacho/decisão aqui em crise ser declarada nula e/ou ser revogada e em consequência ser admitida segunda perícia, aguardando a decisão de venda, pela correta fixação do valor dos imóveis a fim de ser vendidos, sempre em respeito pelos tempos processuais.

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 646 do CPC, requer-se que seja junta certidão das peças que vão junto, constantes do citius, a saber: relatório pericial, requerimento do recorrente, despacho em crise e decisão de venda do sr. Agente de execução.

Não foram apresentadas quaisquer contra alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do seu elemento narrativo dos Autos, destacando que:

- no despacho em causa, produzido (fls. 62-62v), consagra-se:

«Requerimento com a referência n.º ...:

Notifique a Exma. Sra. Advogada, Dra. ..., nos termos requeridos.

Paguem-se os honorários e despesas reclamadas pelo Exm.(a) Sr.(a) Perito, melhor identificadas na nota junta em 02.11.2020, a entrar em regra de custas (cf. artigo 17.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e tabela IV ao mesmo anexa).

Notifique.

Requerimento com a referência n.º ...:

Ressalvando sempre melhor juízo, entendemos que não existe fundamento legal para, no vertente caso, se lançar mão de uma segunda perícia.

Houve necessidade de avaliar os imóveis penhorados e em venda, nos termos previstos no artigo 812.º, n.º 7 do CPC e com a abrangência ali prevista.

Feita a competente avaliação, pelo Exmo. Sr. Perito nomeado pelo tribunal para esse efeito, constatamos que o valor de mercado dos imóveis foi obtido através de critérios técnicos devidamente explicitados (com recurso ao Método do Custo e com consideração da localização e características dos imóveis e tendo em conta a realidade do mercado imobiliário do local onde os mesmos se situam).

Impõe-se, pois, neste momento processual fixar, de acordo com o critério legal, o valor base dos prédios a vender.

Ora, no caso da verba n.º 2, o valor de mercado revelou-se inferior ao valor patrimonial tributário nos termos de avaliação efectuada há men os de seis anos, sendo que, no caso da verba n.º 1, o resultado da peritagem conduz-nos a um valor de mercado substancialmente superior ao do valor patrimonial tributário.

Neste conspecto, observando-se o que dispõe o n.º 3 do citado preceito legal, fixar-se-á como valor base o maior desses valores.

Destarte, no caso do prédio urbano, composto de armazéns para atividade industrial, sito em ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° ..., decide-se fixar como valor base o correspondente a 236.000 € (duzentos e trinta e seis mil euros).

Já relativamente ao prédio urbano composto por uma casa de dois pavimentos e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.°... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. ..., decide-se fixar como valor base o de €311.047,06 (trezentos e onze mil e quarenta e sete euros e sessenta cêntimos), correspondente ao valor patrimonial do imóvel.

Notifique e comunique».

Nos termos do art. 635º do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em se apreciar:

1.º A decisão em causa indefere a segunda perícia aos imóveis penhorados, com a finalidade de fixar o valor de mercado dos mesmos, sem que para tal apresente fundamentação da decisão, colocando, portanto, em crise a validade da decisão, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, b) do CPC;

Apreciando, diga-se que o art. 154.° do NCPC impõe ao juiz que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide al. b) do art. 615.° do mesmo diploma legal) (Cf. Ac. RC, de 27.9.2016: Proc. 3559/13.9TBLRA.P1.C1.dgsi.Net).

Assim, o dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art. 205.° da CRP e no art. 154.° do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito.

Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial permite ao destinatário a percepção completa das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica (Cf. Ac. RP, de 19.10.2015, Proc. 1643/15: dgsi.Net).

Em todo o caso, o dever de fundamentar as decisões (art. 154.° do NCPC (2013)) impõe-se por razões de ordem substancial, caber ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer, na sua plena dimensão, os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar (Cf. Ac. STJ, de 2.6.2016, Proc. 781/11:dgsi.Net).

Serve isto, do mesmo modo, para dizer que a nulidade da al. b) do art. 615º do NCPC só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não de mera insuficiência ou deficiência da mesma.

Sendo certo que, no caso dos Autos, sai explícito em decisório que:

«(…) Houve necessidade de avaliar os imóveis penhorados e em venda, nos termos previstos no artigo 812.º, n.º 7 do CPC e com a abrangência ali prevista.

Feita a competente avaliação, pelo Exmo. Sr. Perito nomeado pelo tribunal para esse efeito, constatamos que o valor de mercado dos imóveis foi obtido através de critérios técnicos devidamente explicitados (com recurso ao Método do Custo e com consideração da localização e características dos imóveis e tendo em conta a realidade do mercado imobiliário do local onde os mesmos se situam).

Impõe-se, pois, neste momento processual fixar, de acordo com o critério legal, o valor base dos prédios a vender.

Ora, no caso da verba n.º 2, o valor de mercado revelou-se inferior ao valor patrimonial tributário nos termos de avaliação efectuada há men os de seis anos, sendo que, no caso da verba n.º 1, o resultado da peritagem conduz-nos a um valor de mercado substancialmente superior ao do valor patrimonial tributário.

Neste conspecto, observando-se o que dispõe o n.º 3 do citado preceito legal, fixar-se-á como valor base o maior desses valores.

Destarte, no caso do prédio urbano, composto de armazéns para actividade industrial, sito em ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n°..., decide-se fixar como valor base o correspondente a 236.000 € (duzentos e trinta e seis mil euros).

Já relativamente ao prédio urbano composto por uma casa de dois pavimentos e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.°... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. ..., decide-se fixar como valor base o de €311.047,06 (trezentos e onze mil e quarenta e sete euros e sessenta cêntimos), correspondente ao valor patrimonial do imóvel».

Perante tal convocação de haverá de se reafirmar que a nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 615.°. n.º 1. al. b), do NCPC, só se verifica no caso de ausência absoluta de fundamentação de facto ou de direito, com exclusão da motivação deficiente, medíocre ou errada. A referida nulidade não ocorre se a decisão recorrida contém a fundamentação de facto e de direito bastante para a compreensão do que ali foi decidido, nada mais sendo exigido por lei, nomeadamente, pronunciar-se sobre os argumentos, salvo no estritamente necessário para a decisão das questões colocadas pelos recorrentes, o que foi efetuado (Cf. Ac. STJ. de 27.10.2015. Proc. 5649/12: Sumários. 2015. p. 584), na sua suficiente expressão.

O que determina atribuir resposta negativa à questão em 1.

2º A decisão aqui em crise, ainda que não padecesse de nulidade, indeferida a realização de uma segunda perícia, que nos termos do disposto no artigo 487º, n.º 1 do CPC, tinha não só sustento em matéria de direito como de facto, na medida em que a 1º perícia padece de deficiências que enquanto tal legitimavam a 2º perícia requerida.

A este respeito considera-se que a prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil). Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (n.º 1 do art. 589.°. do CPC - 487º NCPC). A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira (Cf. Ac. STJ, de 25.11.2004: CJ/STJ, 2004. 3.º-123).

Mais se leve em apreciação que são mecanismos processuais completamente distintos e inconfundíveis, quanto aos respectivos pressupostos e finalidades, a reclamação contra o relatório pericial e o pedido de realização de segunda perícia.

A segunda perícia referida nos arts. 487.º e ss .. NCPC, pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.

Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptivel de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.

A segunda perícia coexiste validamente com a primeira, devendo ser-lhe fixada livremente a força probatória do respectivo resultado. Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.

No caso em apreço, embora a conclusão do relatório pericial aparente ser objectiva e implicitamente, porventura, afastar qualquer outra hipótese explicativa de qualquer das causas alegadas pelas partes, é na consideração, explicação ou justificação cabal e clara das razões por que rejeita estas que também poderá radicar a confiança, credibilidade, capacidade de convencer e exactidão do relatório e até o próprio tribunal encontrar pontos de referência que ajudem à formação de mais sólida convicção (livre) em ordem ao apuramento da verdade, pois sem as despistar e refugiando-se na “secura” da resposta dada, deixa-se em aberto um espaço de dúvida, sempre de evitar e esclarecer até onde seja possível, nesta tarefa se devendo dar prevalência aos objectivos de contraditório.

Admitindo-se que a perícia requeira mais consistente e detalhada explicação sobre os respectivos aspectos que vêm invocados em recurso - no sentido de consolidar o resultado, garantir que todos esses aspectos foram examinados e avaliados e que nenhuma das demais hipóteses justificadamente se coloca - é de admitir a segunda perícia (Cf. Ac. RG, de 12.7.2016: Proc. 559/14.5TJVNF.G1.dgsi.Net).

Tanto assim que, não obstante as razões presentes e como tal evidenciadas nas alegações/conclusões apresentadas levam a que a justificação dessa divergência não seja impertinente, desnecessária ou irrelevante. Uma tal justificação integra o conceito de “fundadas razões de discordância” (art.º 487º, nº1 NCPC) para a realização da segunda perícia (Cf. Ac. RG, de 12.7.2016: Proc. nº 2636/12.8TBVCT-A.G1.dgsi.Net).

Em todo o caso, o valor da prova pericial civil não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma critica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também, não requer uma critica material e científica.

A necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não conduza à arbitrariedade, pressupõe a exigência legal de que a prova pericial seja apreciada pelo juiz, com observância das regras de experiência comum, prudência e bom senso, mas sem se encontrar vinculado a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo (Cf. Ac. STJ. de 6.7.2011: Proc. 3612/07.6TBLRA.C2.S1.dgsi.Net).

Para os almejar e não obstante o que sai referenciado no Relatório de Peritagem de fls. 13- 26v., maxime o respeitante à Avaliação (fls. 25v.-26v), onde se cuida da “Avaliação dos Imóveis com Recurso ao Método do Custo”, apresentando-se, de seguida, “as tabelas de cálculo que resumem a avaliação realizada com base no Método do Custo”, determinantes da sequente “Avaliação-Conclusão” expressa, não pode deixar de se reconhecer que as objecções formuladas nas conclusões de fls. 11 e 11v, carecem de precisão e adequado enquadramento, designadamente no respeitante ao assim (aí) invocado:

«27. O relatório pericial desconsiderou por completo a caderneta predial urbana e predial; desconsiderou a localização do imóvel urbano com o artigo ..., sendo a localização mais cara em ..., atenta a beleza do local e os equipamentos e acessos ali instalados; desconsiderou a área do imóvel, de 543 m2, o facto de ter logradouro, estacionamento, terraços amplos; desconsiderou o número de pisos; desconsiderou que o imóvel tem duas afectações/fins/destinos diferentes: habitação e comércio, podendo ambas dar rendimento, sendo notório que assim pelo menos ao comercio, com pisos independentes e autónomos para o efeito; desconsiderou e não aplicou os critérios de avaliação legais e respetivo coeficientes, que aliás nem mencionou.

28. O relatório de peritagem que basicamente reproduz fotografias, deveras teórico, sem fundamentos concretos, sem especificação de contas/percentagens, não se sabendo por exemplo como chegou aos m2 e às taxas percentuais que apôs num quadro, ficando-se sem saber, em concreto, como chegou a tal percentagem (critérios, coeficientes, dados materiais); ademais de todos os métodos para o efeito utilizados e que devem ser realizados em avaliação, o perito apenas o fez teoricamente e usou apenas um deles, o de custo.

29.O relatório não está devidamente fundamentado, em todos os passos da avaliação, não contem informação relevante, nomeadamente: a) Definições e conceitos; b) Pressupostos e condições da avaliação; c) Metodologias adoptadas para chegar ao valor de mercado do imóvel, reportado à data de avaliação; d) Conceito de valor; e) Caracterização registo-cadastral do imóvel, f) Aspectos jurídicos e legislação vigente a considerar na avaliação; g) Tipo de ocupação; h) Características construtivas; i) Equipamentos que integram o imóvel e sua inclusão, ou não, na avaliação; j) Estado de conservação; l) Áreas e sua tipologia – bruta, útil, privativa, locável, ou outra, devidamente caracterizada; m) Localização; n) Tipo de ocupação; o) Envolvente edificada e acessibilidades; p) Características do mercado imobiliário, na zona envolvente do imóvel; q) Enquadramento nos instrumentos de gestão territorial em vigor para o local de implantação; r) Eventuais usos alternativos potenciais para o imóvel, etc...».

Termos em que se revela a admissível a segunda perícia.

Daí que se configure como afirmativa a resposta à questão em 2.

3º Fundamenta ainda o recurso aqui apresentado a decisão intempestiva de venda dos imóveis em causa por parte do agente de execução, na medida em que, datando a decisão do tribunal a quo de 05-01-2021 e a decisão de venda por parte do agente de execução do dia 06-01-2021, dúvidas não se levantam quanto ao não respeito por parte desta, dos tempos processuais, nomeadamente do trânsito em julgado.

Neste conspeito, referencie-se que (artigo 628º - Noção de trânsito em julgado), a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Tal preceito «visa determinar, com rigor, o momento a partir do qual se considera transitada em julgado uma decisão judicial. Independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.

Importa diferenciar os casos em que a decisão é ou não passível de recurso ordinário:

a) Quando é susceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado depende, em primeiro lugar, do facto de se encontrarem esgotadas as possibilidades de interposição desse recurso, em cujas alegações deve ser integrada a arguição de nulidades da sentença ou a reforma quanto a custas e multa (arts. 615º, nº 4, e 616º, nº 3).

b) Quando seja insusceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente ).

O incidente de reforma da sentença apenas pode abarcar, agora, além da condenação em custas e multa, a alegação de lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na atendibilidade de documento ou outro meio de prova pleno (616º, nº2).

A posterior tramitação dependerá da reacção dos sujeitos, nos termos que estão previstos no art. 617º, nºs 4 e 6.

Com a abolição dos agravos e com a delimitação dos recursos que podem ser autonomamente interpostos, as decisões não incluídas no art.º 644º, nºs 1 e 2, obedecem a um regime especial. Sem que opere o respectivo trânsito em julgado, são impugnáveis com o recurso que for interposto da decisão final, nos termos do nº 3, ou, em certos casos, depois de transitada em julgado a referida decisão (nº 4)» (Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, pp. 33-34).

Assim se configurando, depois do demais dito, a resposta, de sentido necessariamente afirmativo, à questão em 3.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º. Nº7 NCPC), que:

1.

O dever de fundamentar as decisões (art. 154.° do NCPC (2013)) impõe-se por razões de ordem substancial, caber ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer, na sua plena dimensão, os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.

2.

Serve isto, do mesmo modo, para dizer que a nulidade da al. b) do art. 615º do NCPC só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não de mera insuficiência ou deficiência da mesma.

3.

3.1.

A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil).

3.2.

Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (n.º 1 do art. 589.°. do CPC - 487º NCPC).

3.3.

A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.

3.4.

Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.

4.

4.1.

A segunda perícia referida nos arts. 487.º e ss .. NCPC, pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.

4.2.

Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptivel de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.

4.3.

A segunda perícia coexiste validamente com a primeira, devendo ser-lhe fixada livremente a força probatória do respectivo resultado. Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.

5.

No caso em apreço, embora a conclusão do relatório pericial aparente ser objectiva e implicitamente, porventura, afastar qualquer outra hipótese explicativa de qualquer das causas alegadas pelas partes, é na consideração, explicação ou justificação cabal e clara das razões por que rejeita estas que também poderá radicar a confiança, credibilidade, capacidade de convencer e exactidão do relatório e até o próprio tribunal encontrar pontos de referência que ajudem à formação de mais sólida convicção (livre) em ordem ao apuramento da verdade, pois sem as despistar e refugiando-se na “secura” da resposta dada, deixa-se em aberto um espaço de dúvida, sempre de evitar e esclarecer até onde seja possível, nesta tarefa se devendo dar prevalência aos objectivos de contraditório.

6.

Admitindo-se que a perícia requeira mais consistente e detalhada explicação sobre os respectivos aspectos que vêm invocados em recurso - no sentido de consolidar o resultado, garantir que todos esses aspectos foram examinados e avaliados e que nenhuma das demais hipóteses justificadamente se coloca - é de admitir a segunda perícia.

7.

Tanto assim que, não obstante, as razões presentes e como tal evidenciadas nas alegações/conclusões apresentadas levam a que a justificação dessa divergência não seja impertinente, desnecessária ou irrelevante. Uma tal justificação integra o conceito de “fundadas razões de discordância” (art.º 487º, nº1 NCPC) para a realização da segunda perícia.

8.

Em função do artigo 628º NCPC (Noção de trânsito em julgado), a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. Tal preceito «visa determinar, com rigor, o momento a partir do qual se considera transitada em julgado uma decisão judicial. Independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.

III. A Decisão:

Pelas Razões expostas, revoga-se a decisão proferida e em consequência “admite-se a segunda perícia, aguardando a decisão de venda, pela correta fixação do valor dos imóveis a fim de ser vendidos, sempre em respeito pelos tempos processuais”.

Sem Custas.

Coimbra, 08 de Julho de 2021.

                                                 António Carvalho Martins - Relator

                                                               Carlos Moreira - 1º Adjunto               

                                                               João Moreira do Carmo – 2º Adjunto