Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALCINA DA COSTA RIBEIRO | ||
Descritores: | CONTAGEM LIQUIDAÇÃO OU CÔMPUTO DO TEMPO DO CUMPRIMENTO DA PRISÃO PARA EFEITOS DE LIBERDADE CONDICIONAL HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DA LIQUIDAÇÃO FEITA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CÔMPUTO DAS PENAS DE PRISÃO DE CUMPRIMENTO SUCESSIVO EXECUÇÃO DE VÁRIAS PENAS DE PRISÃO INTERRUPÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA QUE DEVE SER CUMPRIDA EM PRIMEIRO DETERMINAÇÃO DA DATA ADMISSÍVEL PARA A CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL CASO JULGADO DO DESPACHO QUE DETERMINA A DATA ADMISSÍVEL PARA A CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL | ||
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Data do Acordão: | 07/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUÍZO DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 63º, DO CÓDIGO PENAL ARTIGO 477.º, N.º 1 A 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARTIGOS 138.º, N.º 4, ALÍNEA C), 141.º, ALÍNEA I), 185.º, N.º 8, E 173.º, N.º 1, DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE/CEPMPL | ||
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Sumário: | I - Ao Ministério Público cabe realizar a contagem, liquidação ou cômputo do cumprimento da pena de prisão em ordem a determinar seu termo e as datas legalmente previstas para colocação do condenado em liberdade condicional, sendo esse cômputo controlado judicialmente pelo juiz.
II - A intervenção do juiz, através da homologação da liquidação, faz com que se atribua ao acto da contagem da pena efectuado pelo Ministério Público uma função jurisdicional, dando-lhe validade e eficácia. III - Este mesmo raciocínio vale para a contagem da pena decorrente da revogação da licença de saída ou da liberdade condicional. IV - No caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão compete, também, ao Ministério Público proceder ao cômputo das penas de cumprimento sucessivo em ordem à apreciação para eventual concessão da liberdade condicional. V - Neste caso, apesar de não existir norma expressa a exigir o controlo judicial da contagem das penas, esta contagem está igualmente sujeita ao controlo do juiz, porque, como decorre do artigo 63.º do Código Penal, a decisão da liberdade condicional em casos de execução de penas sucessivas compete ao juiz. VI - A determinação da data admissível para a concessão da liberdade condicional é um requisito essencial da verificação do seu pressuposto formal, bem como para observância do prazo estabelecido no citado artigo 173.º, n.º 1, do CEPML, recaindo sobre o juiz o dever de se pronunciar sobre o computo das penas em cumprimento sucessivo realizado pelo Ministério Público. VII - Com a prolação do despacho de concordância do juiz com a contagem feita pelo Ministério Público esgota-se o poder jurisdicional do tribunal que o proferiu e a decisão consolida-se se não for impugnada. VIII - Trata-se de caso julgado formal, subordinada à condição rebus sic stantibus, porque se vier a ser alterado o objecto da liquidação esta deve se reapreciada em conformidade com a nova situação. IX - O cumprimento de penas sucessivas não se reduz a aferir o período de tempo resultante do somatório das penas em execução, mas, e sobretudo, a determinar os marcos temporais relevantes para conhecer e decidir, em simultâneo e em conjunto, os pressupostos da liberdade condicional; a contagem da pena por efeito do trânsito em julgado da sentença condenatória destina-se a demarcar no tempo de uma pena em cumprimento, as datas relevantes para apreciar e decidir o termo da pena e os pressupostos da liberdade condicional; a contagem da pena decorrente da revogação da liberdade condicional destina-se a quantificar o tempo da pena que ao condenado falta cumprir em consequência daquela revogação. X - A liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas apenas exige a contagem do tempo de prisão cumprida, sendo irrelevante se alguma delas veio a ser declarada extinta pelo cumprimento. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 3. A Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso. 4. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
II. ACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Com interesse para a decisão, importa reter os seguintes actos processuais: … foi condenado por decisão transitada em julgado a 23 de Janeiro de 2014, na pena única de 12 anos de prisão, no âmbito do processo n.º 425/08..... Em 18 de Dezembro de 2018 foi-lhe concedida a liberdade condicional. Em 25 de Janeiro de 2020, essa liberdade condicional foi revogada em 24.01.2020 por violação reiterada e grosseira das obrigações que lhe foram impostas. A pena residual a cumprir era de dois anos de prisão. O condenado iniciou o cumprimento da pena residual no dia 3 de Agosto de 2020 e terminou no dia 3 de Agosto de 2022, data em que foi desligado do processo n.º 425/08.... e ligado ao processo 456/19..... Em 20 de Outubro de 2022, no âmbito dos autos principais, de que este é apenso, foi proferido despacho com o seguinte teor: «Tomei conhecimento APRECIAÇÃO (PÓS EXECUÇÃO DE RLC – C/ SITUAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL ESTABILIZADA) Está junta aos autos FB que nos permite determinar o que for de lei (mormente art. 63.ºCP ou 173.ºCEP ou necessidade de tramitação processual com vista a oportuna clarificação e obtenção de estabilidade da situação jurídico-penal). *** A RLC à ordem do NUIPC 425/08...., cujo acompanhamento de execução este TEP efectivou, terminou em 3agosto2022. Nessa data o condenado foi recolocado à ordem do NUIPC 456/19...., o qual remeteu o respectivo cômputo de pena. O ½ de pena à ordem do NUIPC 456/19.... operará em 16novembro2025) (…) A situação jurídica processual do condenado está estabilizada. Nos termos do art. 61.º/2CP é relevante para a apreciação da liberdade condicional, o cumprimento de ½ da prisão e um mínimo de 6 meses da mesma. O ½ da pena em execução está fixado para 16novembro2025. - A - Em 16maio2025 (ou no dia útil imediatamente anterior) deve a secção (Alarme Citius/Habilus): 1) solicitar relatório à competente Equipa da DGRSP (Serviços Prisionais) (art. 173.ºa)CEP); 2) solicitar relatório à competente Equipa da DGRSP (Serviços de Reinserção Social) (art. 173.ºb)CEP); 3) juntar CRC actualizado (a não cumprir, caso na data supra fixada exista CRC nos autos com data não superior a 3M). O prazo de entrega dos relatórios e de junção do CRC termina 60 dias antes da data admissível para a apreciação/concessão da liberdade condicional (art. 173.º/2CEP). - B - Consigno, desde já, que o supra determinado pode ser alterado no caso de a situação jurídico-penal do recluso se modificar. Nesse caso, de imediato deve o EP de afectação do recluso, fornecendo FB actualizada, informar os presentes autos do TEP, com vista a que se possa determinar o que for de lei (mormente art. 63.º CP ou 173.º CEP ou necessidade de tramitação processual com vista a oportuna clarificação e obtenção de estabilidade da situação jurídico-penal) assim evitando sobrecarregar os competentes serviços e a agenda do Tribunal. - C - Consigno, desde já, que, no caso de eventual futura publicação de lei de amnistia de crime(s) e perdão de pena(s), não compete ao TEP proceder à respectiva aplicação (aqui se integrando também os procedimentos de novo cálculo de pena e de eventual emissão de mandado de libertação), pois a competência para tal matéria está expressamente atribuída ao processo da condenação através do art. 474.º/1/2CPP, norma que não foi revogada pelo art. 8.º/2-L115/2009-12out (o que bem se compreende, pois a mencionada aplicação poderá implicar a necessidade de reformulação de cúmulos jurídicos, para o que o TEP não está dotado de competência material). Notifique. Remeta cópia deste despacho ao EP de afectação, para conhecimento e junção ao PIU. - Por força da conjugação dos art.s 154.º;147.º/2-(1.ªparte)CEP e do art. 64.º/1c)CPP é obrigatória a assistência de advogado/defensor, aos reclusos cegos, surdos, mudos, analfabetos, desconhecedores da língua portuguesa, menores de 21A ou em relação aos quais se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída. Operando situação a enquadrar neste campo, no presente ou em momento futuro da execução da pena, de tal deve o EP dar imediato conhecimento ao presente PUR. - Caso a presente reclusão não seja a 1.ª, deve o EP informar de imediato o presente PUR acerca de qual(is) o(s) anterior(es) período(s) de reclusão [entre que datas ocorreu(ram) - início e fim, com eventuais interrupções], à ordem de que autos e qual(is) a(s) razão(ões) de termo. - Caso opere decisão que implique pagamento de indemnizações, multas, custas e outras obrigações emergentes da condenação, assim como pagamento de obrigações de alimentos, deve o EP, uma vez que se mostre o recluso ocupado em trabalho ou actividade ocupacional que determine remuneração, ou no caso de o mesmo vir a auferir outras receitas, proceder ao imediato destino e repartição em conformidade com a conjugação dos art.s 41.º/4;44.º/1;45.º/2;46.º/1CEP e 80.º/1b);81.ºa)RGEP. » Em 2 de Novembro de 2022, o Tribunal de Execução de Penas ordenou se informasse o Tribunal da condenação (processo n.º 485/08....) que não foi proferido despacho sobre a extinção da pena, tendo o seu termo sido alcançado em regime de prisão efectiva, o que não convoca a aplicação do artigo 187.º CEP, norma que constitui a concretização da disposição contida no artigo 134.º, 4 CEP, permanecendo o condenado em cumprimento de pena de prisão efectiva à ordem de outro de processo, com o termo previsto para 17 de agosto de 2029. Em 7 de Novembro de 2022, sob promoção do Ministério Público, o Tribunal da condenação declarou extinta pelo cumprimento pena de prisão em que foi condenado no processo n.º 425/08..... Em 17 de Dezembro de 2024, a Digna Procuradora promoveu o cômputo das penas em cumprimento sucessivo, ao abrigo do artigo 141.º, alínea i) do CEPML), sobre o qual incidiu o despacho recorrido e acima transcrito.
III. APRECIAÇÃO DO RECURSO A questão essencial a decidir consiste em saber se o despacho de 20 de outubro de 2022 que apreciou a situação jurídico-processual do condenado, com indicação da data em que ocorreria metade da pena de prisão em cumprimento, transitou ou não em julgado. A contagem, liquidação, ou cômputo do tempo do cumprimento da prisão, para efeitos de liberdade condicional, deve ser realizada em duas situações. A primeira vem regulada no artigo 477.º, n.º 1 a 4, do Código de Processo Penal, enquanto a segunda vem prevista no artigo 141.º, alínea i), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPML), aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro. São duas situações distintas, diferenciadas, além do mais, pela causa que as determina. Assim, no primeiro caso, dispõe o artigo 477.º, do Código de Processo Penal: «1 - O Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade. 2 - O Ministério Público indica as datas calculadas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º e no n.º 1 do artigo 90.º do Código Penal. 3 - Tratando-se de pena relativamente indeterminada, o Ministério Público indica ainda a data calculada para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 90.º do Código Penal. 4 - O cômputo previsto nos n.ºs 2 e 3 é homologado pelo juiz e comunicado ao condenado e ao seu advogado. 5 - Em caso de recurso da decisão que aplicar pena privativa da liberdade e de o arguido se encontrar privado da liberdade, o Ministério Público envia aos serviços prisionais cópia da decisão, com a indicação de que dela foi interposto recurso.». Este preceito «define os deveres procedimentais a cargo do Ministério Público (promotor da execução) após o trânsito em julgado da decisão condenatória.[1]». Ao Ministério Público compete realizar a cômputo da pena em ordem a determinar seu termo e as datas legalmente previstas para colocação do condenado em liberdade condicional, cômputo esse controlado judicialmente pelo juiz e pelo condenado. Na verdade, com a exigência desta homologação pena pelo juiz, introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pretendeu o legislador instituir um controlo judicial da liquidação da pena realizada pelo Ministério Público, que só poderá ter o sentido de fiscalizar a legalidade da mesma. Se assim não fosse, o aditamento do n.º 4 ao artigo 477.º seria, de todo, inútil. O que quer dizer, que a intervenção do juiz, através da homologação, faz com que se atribua ao acto da contagem da pena efectuada pelo Ministério Público, uma função jurisdicional, dando-lhe validade e eficácia. Este mesmo raciocínio vale para a contagem da pena decorrente da revogação da licença de saída ou da liberdade condicional. Para estas situações, artigo 141.º, do CEPML atribui competência ao Ministério Público, na pessoa do seu representante junto do Tribunal de execução de Penas, para: (i) calcular, em caso de revogação de licença de saída ou da liberdade condicional, as datas para o termo de pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º do Código Penal; [alínea j)] e (ii)) submeter o cômputo referido no número anterior à homologação do juiz [alínea j)]. Também aqui, se exige que o cálculo da pena seja homologado judicialmente. O artigo 185.º, n.º 8, do CEPML estabelece que, em caso de revogação da liberdade condicional, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado. O mesmo não sucede no cômputo das penas de cumprimento sucessivo, isto é, quando o agente tem de cumprir cada uma das penas em que foi condenado, de modo sequencial. As penas não são cumpridas em simultâneo, mas uma após outra. E isto, porque a comissão dos vários crimes não dá lugar à realização do cúmulo jurídico, quer porque as penas em que o arguido foi condenado nos diferentes processos não estão entre si numa relação de concurso, quer porque existem diferentes penas conjuntas autónomas, a cumprir sem separado, porque os crimes que lhe subjazem não preenchem os pressupostos de aplicação de uma única pena conjunta. [cf. ar artigos 77.º e 78.º, do Código Penal]. Os crimes cometidos a partir do trânsito em julgado da primeira condenação deixam de poder concorrer com os crimes cometidos anteriormente, abrindo-se, um ciclo novo e autónomo, em que o modelo da punição deixa de ser a cumulação de crimes, mas de sucessão. A partir da barreira inultrapassável do trânsito em julgado fica afastada a unificação, mas os subsequentes crimes podem integrar outros cúmulos e podem formar-se outras penas conjuntas autónomas, de execução sucessiva. Quando as penas estejam em cumprimento sucessivo, rege o preceituado no artigo 141º, alínea i) do CEPML nos termos do qual, compete ao Ministério Público, proceder ao cômputo das penas de cumprimento sucessivo em ordem à apreciação para eventual concessão da liberdade condicional, desta feita, considerando as regras estatuídas estão no artigo 63º, do Código Penal. Aqui, ao contrário do que se verifica no artigo 477.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal, do 141.º, alínea j) e do artigo 185.º, n.º 8, do CEPML acima referenciados, não existe norma expressa a exigir o controlo judicial da contagem das penas. Mas tanto não significa que a ele não haja lugar. A apreciação do acerto do computo das penas sucessivas não pode deixar de estar sujeito ao controlo do juiz. Desde logo, porque a decisão da liberdade condicional em casos de execução de penas sucessivas compete ao juiz. É o que decorre do artigo 63.º, do Código Penal. Quando houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena [artigo 63.º, n.º1, do Código Penal], cabendo, nestes casos, ao tribunal, decidir sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas [n.º 2], não havendo dúvidas que esta decisão compete ao juiz do Tribunal de Execução de Penas, nos termos do artigo 138º, nº 4, alínea c), do CEPMPL. Do ponto de vista formal, a liberdade condicional é admissível: quando se encontrar cumprida metade da pena e, no mínimo 6 meses [artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal]; quando se se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses [artigo 61.º, n.º 3, do Código Penal]; e quando o condenado a pena de prisão superior a 6 anos houver cumprido cinco sextos da pena. [artigo 61.º, n.º 4 do Código Penal]. Com vista à aferição a concessão ou denegação da liberdade condicional, prevê o n° 1, do artigo 173.º, do CEPMPL, que, até 90 dias antes da data admissível para a concessão de liberdade condicional, o juiz solicita a elaboração dos relatórios por parte dos serviços prisionais e reinserção social, com vista a apurar a personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da pena, das competências adquiridas no período de reclusão, do comportamento prisional e seu relacionamento com o crime cometido, e bem assim das necessidades subsistentes de reinserção social, perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e necessidades de protecção da vítima, se for o caso. O que quer dizer que a determinação da data admissível para a concessão da liberdade condicional é um requisito essencial da verificação do pressuposto formal, bem como para observância do prazo estabelecido no citado artigo 173.º, n.º 1, do CEPML. Deste modo, recai sobre o juiz o dever de se pronunciar sobre o computo das penas em cumprimento sucessivo realizado pelo Ministério Público, tendo em vista a apreciação da liberdade condicional a que se refere o artigo 63.º, do Código Penal. Com a prolação de tal decisão, esgota-se o poder jurisdicional do tribunal, que a proferiu, podendo, contudo, ser reapreciado, através dos meios de gerais de impugnação, recurso ou reclamação[2] suscitados pelo Ministério Público ou pelo condenado. Se o não fizerem, o despacho consolida-se, transitado em julgado [artigo 628.º do Código de Processo Civil, por força do artigo 4.º, do Código de Processo Penal]. Não se trata de um caso julgado material (não tem efeitos em quaisquer outros processos). A contagem da pena de prisão não está sujeita ao efeito negativo do caso julgado penal, a que alude o princípio non bis idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, mas ao efeito do caso julgado formal, subordinada à condição rebus sic stantibu. Ou seja, se vier a ser alterado o objecto da liquidação, a pena – v.g modificação, substituição da pena – a liquidação deve se reapreciada em conformidade com a nova situação. Pois bem, No caso vertente o que se discute é o cômputo das penas da execução sucessivas, a aplicada no processo n.º 425/08.... e a aplicada no processo n.º 456/19..... Tal operação de contagem das penas em cumprimento sucessivo [artigo 141.º, n.º 1, alínea i) do CEPLM e artigo 63.º, do Código Penal] é uma figura jurídica diferente, tanto da operação da liquidação da pena realizada na sequência do trânsito em julgado da condenação [artigo 477.º, do Código de Processo Penal] como da operação da pena decorrente da revogação da liberdade condicional [artigo 185.º, n.º 8, do CEPML]. A primeira encontra fundamento na clarificação da situação penal do condenado, identificando o processo à ordem do qual está a cumprir a pena. O cumprimento de penas sucessivas não se reduz a aferir o período de tempo resultante do somatório das penas em execução, mas e sobretudo a determinar os marcos temporais relevantes para conhecer e decidir, em simultâneo e em conjunto, os pressupostos da liberdade condicional. A contagem da pena por efeito do trânsito em julgado da sentença condenatória destina-se a demarcar no tempo de uma pena em cumprimento, as datas relevantes para apreciar e decidir o termo da pena e os pressupostos da liberdade condicional Já a contagem da pena decorrente da revogação da liberdade condicional destina-se a quantificar o tempo da pena que ao condenado falta cumprir em consequência daquela revogação. No nosso caso, a decisão revisora da liquidação da pena tem por base o cômputo da pena de 7 anos e 6 meses de prisão - aplicada a AA, no âmbito do processo n.º 456/19.... – realizado pelo Ministério Público junto do tribunal da condenação, o Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 1). Para efeitos do disposto no artigo 61.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, aferição dos pressupostos de liberdade condicional, considerou relevante o marco do cumprimento de metade da pena, indicando o dia 16 de Novembro de 2025. Na fixação desta data, nenhuma alusão é feita à previsão do artigo 63.º, do Código de Processo Penal, o preceito que regula o regime da contagem das penas em cumprimento sucessivo e/ou a este tipo de penas. O objecto do despacho em análise incide exclusivamente no cômputo da pena condenatória de 7 anos e 6 meses no processo 456/19.... acima mencionado, partindo da data em que o recluso foi recolocado á ordem deste processo (3 de Agosto de 2022). Trata-se, assim, de uma revisão de contagem de penas de prisão autónoma, nos termos do artigo 477.º, do Código de Processo Penal e não de uma revisão simultânea e conjunta das duas penas em que o arguido foi condenado. Na se vislumbra nos autos que, em data anterior a 17 de Dezembro de 2024, tenha sido realizado e decidido o computo das penas das duas penas em cumprimento sucessivo - uma de dois anos de prisão decorrente da revogação da liberdade condicional concedida no cumprimento da pena à ordem do processo 425/08.... e outra 7 anos e 6 meses de prisão fixada por Acórdão proferido no processo n.º 456/19.... e transitado em julgado no dia 7 de junho de 2021 – em ordem a determinar os marcos da liberdade condicional determinada ao abrigo do disposto no artigo 63.º, do Código Penal. O mesmo é dizer que a questão suscitada pelo Ministério Público em 17 de Dezembro de 2024, ainda não foi apreciada anteriormente, não existindo nenhuma relação de identidade entre o objecto do despacho de 20 de Outubro de 2022 e o que viesse a recair sobre o cômputo do cumprimento sucessivo de penas efectuado nestes autos. Não se verifica, pois, a excepção do caso julgado. Finalmente e no que respeita à extinção da pena de dois anos prisão declarada pelo Tribunal da condenação no dia 7 de novembro de 2022, diga-se que não obsta à necessidade da contagem das duas penas de prisão que o condenado cumpre desde o dia 3 de agosto de 2020. A liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas regulada no artigo 63.º, do Código Penal, apenas exige a contagem do tempo de prisão cumprida, sendo irrelevante, se alguma delas veio a ser declarada extinta pelo cumprimento. Assiste, pois, razão ao recorrente. V- DECISÃO Em conformidade e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho sindicado que deverá ser substituído por outro que aprecie o cômputo das penas em cumprimento sucessivo elaborado pelo Ministério Público em 17 de Dezembro de 2024. Coimbra, 8 de Julho de 2025
Alcina da Costa Ribeiro Alexandra Guiné Sara Reis Marques
[1] Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar e outros, 2014, p. 1699, quer referentes à liquidação da pena, quer às comunicações devidas. [2] Se se tratar de despacho, a arguição realiza-se nos prazos e pela forma enunciada nos artigos 97.º e 123.º, do Código de Processo Penal, se se tratar de sentença, rege o artigo 379.º, do mesmo diploma. |