Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
120/14.4PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PENA DE MULTA
NÃO PAGAMENTO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
EFEITOS
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 49.º DO CP; ARTS. 196.º E 277.º DO CPP
Sumário: I - Como resulta do art. 49, n.º 3, do CP, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável.

III - Recai sobre o arguido/condenado o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável, não sendo ao tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova.

III - As obrigações a que o arguido está sujeito com a aplicação do Termo de Identidade e Residência só se extinguirão com a extinção da pena. De tudo deve o mesmo ser devidamente notificado aquando da notificação a que alude o disposto nos arts. 196/2 e 277/3 do CPP.

IV - Sendo notificada a promoção do Mº Pº em que requeria a aplicação da prisão subsidiária (fls. 85) e do despacho que a mandava notificar para conferir o contraditório (fls. 88), o que foi feito por via postal simples com prova de depósito, temos que o arguido/condenado foi corretamente notificado para, querendo “provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável”.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, 4ª Secção Criminal.

No processo supra identificado, no qual é arguido:

 A... , foi proferido despacho, a determinar o cumprimento de prisão subsidiária de 73 dias e, correspondente à pena de multa aplicada na sentença.
            É do seguinte teor, o referido despacho:
            A... foi condenado, nestes autos, na pena de 110 dias de multa à taxa € 6,00.
O arguido não procedeu ao pagamento da multa no prazo legal nem apresentou qualquer justificação para o efeito.
Acresce que as diligências feitas no sentido da execução coerciva da pena mostraram-se infrutíferas, dado que ao condenado não são conhecidos bens e/ou rendimentos penhoráveis – cfr. fls. 62 e ss.
O Ministério Público pronunciou-se já no sentido de ser aplicada ao arguido a pena de prisão subsidiária - cfr. disposto no art.49º nº1 do CP.
Sob a epigrafe “Conversão da multa não paga em prisão subsidiária” dispõe o mencionado preceito legal:
1 — Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.
2 — O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 — Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 — O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.
Sendo aqueles os factos e este o direito, verificamos estarem preenchidos todos os pressupostos legais de que depende a aplicação da norma.
Como assim, e nos termos do disposto no artigo 49º nº1 e 4 do Código Penal determino que a condenada cumpra a pena de prisão subsidiária à pena de multa que lhe foi imposta nos presentes autos pelo período de 73 dias (110 dias reduzidos a 2/3).
Notifique o arguido para a morada constante do T.I.R. (com cópia do presente despacho) e a sua I. Mandatária/Defensora – a respeito da notificação ao arguido e defensor seguimos aqui a orientação plasmada no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, em situação em tudo idêntica à dos autos.
Após trânsito em julgado do presente despacho, caso o arguido persista no não cumprimento da pena e nada diga a tal respeito, emita os competentes mandados para cumprimento da pena com a menção expressa a que alude o nº2 do art.49º Código Penal e o art. 491º A do CPP e com a indicação de que por cada dia ou fração em que o/a arguido/a estiver detido/a deverá descontar-se na pena de multa a quantia correspondente a 9,05 euros – cfr. art. 491º A, 49º e 80º do C.P.P.


***

Inconformado, deste despacho interpôs recurso o arguido.

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação e que delimitam o âmbito do mesmo:

­ A. Com o presente recurso, que versa sobre matéria de Direito, não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária", traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61 CPP e no n.º 1 do art. 32 da CRP, previamente reconhecendo que se mostra em incumprimento por não ter efectuado o pagamento da multa, entendendo que tal facto lhe não poderá ser imputável a título de culpa exclusiva;

B. O douto despacho recorrido é nulo, por ausência de fundamentação, a qual, por ser uma garantia dos arguidos e exigência constitucional, não deixa de se mostrar igualmente imposta nos termos do n.º 5 e 2 dos arts. 97 e 374 CPP, bem como 205 CRP, dado que tal despacho se traduz numa verdadeira decisão-sentença, pelo que terá de obedecer aos requisitos da mesma, não podendo haver automaticidade na conversão da pena de multa não paga em prisão, atenta a inconstitucionalidade de tal entendimento, por violação das garantias do arguido e estrutura acusatória do processo criminal (n.º 1 e 5 do art. 32 CRP), dado que tendo o presente processo natureza sumaríssima não se mostra o Tribunal habilitado a produzir uma decisão sobre a culpa do arguido pelo não pagamento, na medida em que desconhecerá por completo o contexto económico, familiar, social e profissional do arguido, não dado por provado na sentença condenatória;

C. Igualmente padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia, a traduzir apego literal à letra da lei e à douta promoção do Ministério Público, na parte em que não se pronuncia relativamente à I) imputabilidade do incumprimento, II) aplicabilidade do alternativo fármaco plasmado na lei (suspensão da execução da pena de prisão!), faltando pronunciar-se sobre e em que medida III) o cumprimento efectivo de prisão se revela a única via possível para salvaguardar as finalidades das penas, IV) explicitar como é que o cumprimento da pena de prisão (alegadamente!) em estabelecimento prisional e (alegadamente) de forma ininterrupta se mostrará socialmente mais adequado tendo em vista "a defesa da sociedade" e prevenção da prática de crimes, "no sentido da reintegração social" do arguido;

D. Atenta a deterioração da realidade económico-financeira, mostrando-se tal afirmação verdadeira e conforme às regras da experiência e da vida bem como notória em razão das especiais condições do arguido e conhecimentos do Tribunal no âmbito da sua actividade, o Tribunal devia, e tinha condições de, averiguar tal factualidade, implicitamente do seu conhecimento e com inequívoca relevância para a descoberta da verdade material, havendo em tal parte denegação de justiça (demissão ajuizativa!) e não perseguição da mesma, sendo tal desconsideração e cindibilidade operadas violadoras das garantias de defesa, tendo-se a douta decisão por um acto intuitivamente decisório!

E. Ao não averiguar a presente situação do arguido, pela não solicitação de elaboração de um relatório social, e sem ter quaisquer dados objectivos onde se basear atenta a natureza sumaríssima do presente processo-crime, sem prolação de sentença com factos provados atinentes à personalidade e condições económico-sociais do arguido, entende-se que o douto despacho enferma do vício da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do art. 379 CPP, não podendo o Tribunal atender unicamente ao facto de não pagamento voluntário da multa, descurando toda a personalidade do recorrente e exigências de prevenção quando a personalidade do arguido e suas condições abonariam a seu favor, devendo o Tribunal aquilatar de tal realidade sob pena de violação dos direitos de defesa, mostrando-se imperioso suprir tal lapso, com reabertura de audiência e convocação do mesmo, se necessário for, atenta a insuficiência da matéria de facto para a decisão;

F. Nos termos processuais, os factos notórios não carecem de prova em juízo, pelo que se tem por notoriamente (re)conhecida a crise económica instalada, com níveis de desemprego gritantes, e a total ausência de meios financeiros de quem se encontre desempregado e inerente dificuldade em arranjar biscates e sobreviver deles, que permitam saldar a pena de multa inerente a condenação judicial, tendo tal facto de ser tido na devida conta para efeitos da imputabilidade do não pagamento, dado que se tal presunção de ausência de rendimentos, suportada pela alegada informação de ausência de bens penhoráveis, foi suficiente para presumir a inviabilidade do pagamento coercivo (em prejuízo do arguido dada a redacção do n.º 1 do art. 49 CP!), a fortiori também o teria de ser para fundamentar a não imputabilidade do incumprimento, mostrando-se contradição insanável entre fundamentação e decisão;

G. A informação de fls. 62, de ausência de bens penhoráveis, não pode permitir, e ser tida por prova única no juízo conclusivo formulado elo Tribunal a quo assente na douta promoção do Ministério Público, uma vez que tem cariz unicamente patrimonial e é omissa no tocante aos demais dados que devem permitir um juízo sobre as necessidades e exigências de prevenção bem como culpa dos arguidos;

H.É um direito que assiste aos arguidos saber a razão pela qual a verdade real resultante da atmosfera vivida e de dados objectivos do circunstancialismo vivencial venham a perder e ceder na balança de ponderação probatória e subsunção jurídica da verdade processual, a condicionar igualmente o exercício do direito de recurso e a necessidade do arguido ser informado das razões de presuntiva privação da sua liberdade exigência constitucional vertida no n.º 4 do art. 27 CRP, devendo a douta decisão a proferir ser aferida tendo por base a I) sua imagem globalmente considerada e II) culpa concretamente apurada, assente na prévia indagação do circunstancialismo vivencial do arguido;

I. Na maré de azares e infortúnios que vêm fustigando o arguido, mostra-se o mesmo em situação de desemprego involuntário, não podendo nunca justificar-se, nesta área do Direito ou qualquer outra, uma entorse aos princípios garantísticos, atento o recorte constitucional e legal, em matéria processual penal, uma vez que se a lei expressamente prevê adopção de medida alternativa à execução da pena de prisão subsidiária, tendo esta a natureza de ultima ratio, sempre exigirá uma especial fundamentação a afastar todas as demais formas de punição, o que, in casu, inexiste;

J. Temos por violados os princípios da igualdade, adequação, proporcionalidade bem como carácter de ultima ratio do Direito prisional que assim se verá convocado, para efeitos de execução de pena de prisão, quando a danosidade material se mostra inexistente e a "justiça restauradora" uma realidade ao alcance do decurso do tempo e do cumprimento da condição de cariz não económico na qual assentasse a suspensão da execução da prisão subsidiária, assim efectuando o arguido o pagamento em termos ressarcitórios à sociedade;

K. A simples exigência acrescida em termos de censura de revogação e ameaça de efectiva execução da pena de prisão, com o estigma associado, realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando o arguido já interiorizado o desvalor da sua conduta e seriamente empenhado em tornar a sociedade contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados;

L. No presente processo um olhar despretensioso, sério e isento, não poderá vislumbrar e atribuir total fatia de culpa ao arguido pelo não pagamento da multa mostrando-se injustificadamente desconsiderada a possibilidade de suspensão ou cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, em regime de dias livres ou de semidetenção, sendo igualmente factor de nulidade do douto despacho que unicamente segue invariavelmente o caminho da execução de pena de prisão, pese embora seja omisso no tocante ao regime e local de cumprimento;

M. Os factos, tal qual se mostram na sua essência, desacompanhados de efectiva prova de particulares exigências ao nível do alarme social ou indignação da sociedade, não justificam a colocação nos carris e em circulação das pesadas, custosas e morosas locomotivas do Direito prisional, dado que "não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo que seja a única arma de que disponhamos" (adaptado da frase de Georg Jellinek "[N]ão se abatem pardais, disparando canhões"), e a manter-se o douto despacho, não obstante ser o arguido mais réu que culpado, por conta de tal factualidade e todo um conjunto de desencontros e infelizes ocorrências, mostrar-se-á a caminho do estabelecimento prisional por a possibilidade de pagamento da multa ser mais legal que real!

N. É inconstitucional, por violação dos princípio da igualdade, legalidade, culpa, adequação e proporcionalidade, a interpretação normativa do n.º 1 do art. 49 n.º 1 CP segundo a qual [E]m caso de não pagamento voluntário ou coercivo da pena de multa aplicada em processo sumaríssimo, caracterizado pela ausência de verdadeiro julgamento com pronúncia judicial de factualidade probatória sobre as condições pessoais, sociais e profissionais dos arguidos, é de aplicar conversão automática em prisão subsidiária de cumprimento efectivo sem necessidade de requisição de relatório social (ou outra qualquer diligência!) para efeitos de ponderação e juízo de prognose sobre a personalidade do arguido, necessidade de pena, possibilidade de suspensão, defesa da sociedade, prevenção de prática de crimes e reintegração social do condenado, assim frustrando totalmente as finalidades inerentes às penas e necessidade de efectivação da pena de prisão."

O. A fortiori, e por identidade violatória, tem-se por inconstitucional a interpretação literal da segunda parte do nº 1 do art. 49 CP no sentido de "[N]a conversão de pena de multa em prisão subsidiária é de atender unicamente à factualidade objectiva de não pagamento da multa sem aquilatar do dolo ou real culpa do arguido, atento o ónus de prova de ausência de culpa plasmado no n.º 3 de tal norma legal", verificando-se assim a ausência de consagração de qualquer cláusula geral de salvaguarda a impedir que situações como as dos autos (incumprimento não culposo nem imputável ao arguido) venham a descambar em tal flagrante violação da condição humana e direito à liberdade pois a não execução imediata de prisão subsidiária e sua suspensão nunca significariam absolvição ou a dispensa de pena tout court;

P. Sempre importaria aquilatar da necessidade da execução da prisão subsidiária, uma vez que, independentemente da prova de culpa, sempre haveria que atentar em regimes de cumprimento da prisão que não co-envolvessem a efectividade de cumprimento e em Estabelecimento Prisional (desde logo os plasmados nos arts. 43 a 46 CP), e sua aplicabilidade ao presente caso, sendo de recear os efeitos criminógenos associados à cultura prisional, peticionando-se, mui humilde e respeitosamente, o não cumprimento da pena de prisão respectiva, pela verificação do disposto no n.º 3 do art. 49 CP, a ponto de permitir a suspensão da execução da prisão subsidiária "subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro".

Q. Mostra-se o recorrente completa e objectivamente impossibilitado, por razões externas à sua vontade, de proceder de pronto, e no prazo do trânsito em julgado, ao pagamento da pena de multa, como era sua vontade, por total ausência de rendimentos e possibilidade de os obter, sendo que, sem qualquer confissão, o Tribunal a quo, em violação das mais elementares garantias de defesa, presumiu tal facto sem extrair as consequências do mesmo, não se estando perante um incumprimento deliberado, pelo que sempre a obediência aos mais elementares princípios jurídicos imporá solução diversa à que se mostra dada, dado que a possibilidade de suspensão se mostra exigida pela harmonização com legislação internacional, maxime ao nível de direitos civis, da qual se extrai que ninguém possa ser privado de liberdade por questões de insuficiência económica e não pagamento;

R. Por referência ao estatuído no art. 52 CP vislumbra-se como regra de conduta aplicável a frequência de certos programas ou actividades que o Tribunal ajuíze de convenientes, podendo-se julgar englobada a prestação de trabalho a favor da comunidade, se bem que não já como pena de substituição mas a título de regra de conduta ou dever a que se mostre subordinada a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, a qual só terá lugar por manifesta e comprovada impossibilidade de pagamento voluntário ou coercivo da pena de multa;

S. Pretende o recorrente justificar a aposta efectuada na sua pessoa em sede de condenação, quando o mesmo Tribunal optou pela aplicação de pena não privativa da liberdade, sendo a presente presunção vertida no douto despacho quase um venire contra factum proprium, pois se não vigorou então a presunção de futuro incumprimento do pagamento e a conversão em prisão subsidiária, não se justifica agora tal presunção assente numa mera previsão de conduta futura com inversão das regras probatórias e em desfavor do arguido;

T. O recorrente atravessa uma fase vital na projecção da sua vida futura, tendo de agarrar de vez a oportunidade ou corre o risco da mesma se perder para sempre, mostrando-se na fase definitiva de assunção de responsabilidades, mostrando-se seriamente empenhado em virar a página face ao cometimento de ilícitos penais, peticionando a V/Exas. a concessão da derradeira oportunidade de reabilitação que passaria pela suspensão da execução da prisão subsidiária sob condição de prestação de cariz não económico a qual se compromete a realizar!

U. Não se mostram verificadas as especiais exigências de prevenção a justificar a execução de prisão, a necessidade de prevenção de novos crimes e a defesa da sociedade, atentas as particulares exigências plasmadas no n.º 1 dos arts. 42 e 43 CP, face ao perigo que o arguido represente, confiando-se que V/ Exas. saberão educar o recorrente, por forma a que todos nós, enquanto sociedade, o possamos salvar e recuperar para a vivência em comunidade, em observância dos valores justos, mantendo-o no mundo da justiça, paz social e felicidade, que não será alcançada em sede de cultura prisional;

V. Requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, quer do ponto de vista jurídico quer sobretudo humanista, o provimento do presente recurso, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que equacione a possibilidade de se lançar mão da medida prevista no n º 3 do art. 49 CP, porquanto a opção pela "bomba-atómica" da conversão e execução da prisão subsidiária é manifestamente excessiva, possibilitando o cumprimento de injunção de cariz não económico, em razão da impossibilidade de pagamento da multa e disponibilidade de prestação de trabalho, certo de que não desiludirá a confiança depositada, afirmando-se, acompanhando Santa Catarina de Siena, que "a pérola da Justiça, brilha melhor na concha da misericórdia", devendo ser temperada por esta, conforme dizeres de Taylor Caldwell em conformidade com a imagem global do ilícito que não deixará de abonar, de certa forma, a posição do arguido!

W. Mostram-se violadas as seguintes normas jurídicas: maxime arts. 40, 42, 43, 44, 45, 46,49 n.º 3, 50 n.º 1 e 71 CP; arts. 97 nº 5, 374 n.º 1 a) e 2, 375 n.º 1, 379 n.º 1 a) e c) CPP; arts. 13 n.º 2, 15 n.º 1, 18,27 n.º 4, 30 n.º 4, 32 n.º 1 e 5, 110 n.º 1, 202 n.º 1, 2 e 3, 204 e 205 CRP; arts. 412 n.º 1 e 2 CPC; art. 9 CC; e violados/erroneamente aplicados os seguintes princípios jurídicos: maxime do inquisitório, in dubio pro reo, da interpretação jurídica, da preferência por pena não privativa da liberdade, da culpa, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade bem como inerentes aos fins das penas.

Entende o recorrente que em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos, que presidem a um Direito processual e penal que se queira processualmente justo e materialmente conforme, conjugados com a requerida apreciação do mérito do douto despacho recorrido, por essencial para correcta subsunção dos factos ao Direito, por razões formais e substanciais, não poderá deixar de ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência revogado o douto despacho recorrido, atentos os vícios de nulidade de que o mesmo padece.

Ad cautelam, atenta a injustiça que se lhe mostra subjacente, de igual forma deverá o mesmo ser revogado e substituído por douta decisão que possibilite ao arguido/recorrente o cumprimento de qualquer injunção de cariz não económico, a título de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária;

Responde o Mº Pº, concluindo:

1.O arguido foi regularmente notificado da sentença, da qual consta expressamente que à pena de multa aplicada, de 110 dias, correspondem 73 dias de prisão subsidiária, nos termos do art. 49, do CP (caso não pague);

2.Contudo, não efetuou o pagamento voluntário da multa (aqui se incluindo o pagamento deferido, o pagamento em prestações e a prestação de trabalho a favor da comunidade);

3.Não obstante as diligências realizadas, não foram encontrados bens penhoráveis, de sua pertença, tendo-se, por isso, mostrado inviável a cobrança coerciva da multa;

4.Na sequência da promoção do Ministério Público, no sentido de ser convertida a multa não paga em 73 dias de prisão subsidiária, o arguido foi regularmente notificado, por via postal simples com prova de depósito, na morada constante do TIR, e na pessoa do seu Ilustre Defensor, para exercer o contraditório;

5.Foi assim concedida ao arguido a possibilidade de trazer aos autos as razões que estiveram na base do seu comportamento omissivo;

6.Porém, aquele nada veio dizer nem requerer.

7.Ora, no caso de não pagamento voluntário da multa, não compete ao Tribunal indagar se se encontram ou não verificados os pressupostos para a aplicação do disposto no nº 3, do art. 49, do CP e determinar a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, cabendo antes ao arguido provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável;

8. Não obstante a conversão em prisão subsidiária, por força do disposto no art. 49, nº 1, do CP, a pena convertida conserva a sua natureza de pena de multa, pois aquela tem um caráter meramente compulsivo, visando compelir o arguido ao pagamento da multa (razão pela qual aquele pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária, pagando, a multa em que foi condenado);

9. Está legalmente vedada ao Tribunal a possibilidade de substituição da prisão subsidiária por qualquer pena de substituição;

10. Pelo exposto, afigura-se-nos que o douto despacho recorrido não violou quaisquer outros princípios jurídicos ou quaisquer normas legais, designadamente as referidas pelo recorrente e que não enferma de qualquer vício, pelo que nenhum reparo merece, devendo ser mantido.

Deve negar-se provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer, no sentido da ponderação da existência de nulidade na notificação efetuada, entendendo que deveria ser notificado pessoalmente o arguido para, querendo, exercer o seu direito ao contraditório em relação à promoção do Mº Pº que ia no sentido da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Foi apresentada resposta sustentando a procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.


***

Conhecendo:

A questão única a analisar no presente recurso prende-se com a existência de fundamentos, ou não, para a aplicação da pena de prisão subsidiária, face ao não pagamento da pena de multa aplicada.

            O quantitativo da multa em dívida não só aparenta ser exíguo (660€) e, como na realidade o é, mesmo para o arguido, pois que desde o trânsito em julgado da sentença até hoje (um ano), bastaria destinar menos de 2,00€ por dia e o arguido daria cumprimento a esta sua obrigação processual.

            Já no longínquo ano de 1982 se fixou como mínimo da taxa diária a quantia de 200$00, sendo o mínimo atual a quantia de 5,00€ (a partir da entrada em vigor da lei 59/07), sendo entendimento jurisprudencial que o quantitativo mínimo apenas é de aplicar a arguidos com situação económica excecionalmente deficitária, de pobreza absoluta, situações de indigência. Semelhante é a taxa diária da multa aplicada ao arguido, 6,00€

            Mas, sendo quantia exígua ou não, a lei não diferencia e impõe a audição do arguido/condenado para se pronunciar sobre as razões do não pagamento.

            Resulta do art. 49 nº 3 do CP, sendo que o condenado pode provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.

Neste sentido se pronuncia Maia Gonçalves em anotação ao referido art. 49, entendendo que a ordem de cumprimento da prisão subsidiária não pode dispensar “o respeito pelo princípio do contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais, designadamente o art. 27 da CRP”.

Já o Ac. do STJ de 27-02-1997, in BMJ 464-429 apontava para a necessidade de respeito pelo princípio do contraditório antes da substituição da pena de multa pela prisão subsidiária.

E esse foi sempre o sentido da orientação júrisprudêncial.

A lei penal obriga à audição do condenado para a aplicação de penas de substituição, ou revogação, nomeadamente da suspensão da execução da pena.

Impõe que se deve averiguar o motivo de o condenado não cumprir, nomeadamente dando-lhe oportunidade de se pronunciar.

            Não se mostrando que o arguido cumpriu a pena de multa (voluntária ou coercivamente), há que tentar saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, devendo ser dada oportunidade ao condenado para se pronunciar.

E só com esse conhecimento (ou falta dele se o arguido não quiser exercer o contraditório) se decidirá sobre a aplicação da prisão subsidiária.

            Temos que no caso dos autos se deveria averiguar o motivo de o arguido não cumprir, dando-lhe oportunidade de se pronunciar.

E, sendo dada essa oportunidade ao arguido, a este incumbe “provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.

“Se o condenado provar” como impõe o nº 3 do art. 49 e não, como entende o recorrente que deve ser o tribunal a diligenciar e apurar se o não pagamento da multa é imputável, ou não, ao arguido.

No fundo, o recorrente no seu recurso vem apresentar justificações (não provadas) demonstrativas de que o não pagamento da multa se deve a culpa sua, isto é, vem agora fazer o que deveria ter feito quando notificado (notificado o arguido e o defensor) para exercer o contraditório.

Recai sobre o arguido o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável, não sendo ao tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova.

            Como resulta do art. 49 nº 3 do CP, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável.

            No caso em apreço foi dada essa oportunidade ao arguido/recorrente?

            O arguido foi notificado, conforme fls. 88, por via postal simples com prova de depósito, da promoção do Mº Pº que requeria a aplicação da prisão subsidiária e do despacho que a mandou notificar e conferir o contraditório.

Não desconhecemos que a maioria da jurisprudência vai no sentido da notificação para este efeito, por contacto pessoal.

Porém temos que não é obrigatória a notificação por contacto pessoal, sendo possível e suficiente a notificação por via postal para a morada indicada no TIR.

E aqui temos como correto o entendimento manifestado no despacho recorrido de aplicação da doutrina do Ac. Unif. Jurisp. n.º 6/2010 in DR 1ª S. de 21 de Maio de 2010

Esse Ac. fixou jurisprudência no sentido de que:

«I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

II — O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’).

III — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»

Os argumentos explanados pelos defensores da notificação por contacto pessoal com o condenado, de que a alteração interfere na sua vida pessoal, de que “estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire, nomeadamente por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar sobre essa possibilidade, querendo; aquela notificação tem que ser pessoal”.

Ora, o caso em análise no Ac. Unificador também coloca em crise a mesma questão, estando em causa a liberdade ao ser revogada a suspensão da execução da prisão.

E mesmo para os senhores conselheiros que levantaram objeções e em voto de vencido entendiam que já não vigorava o TIR por a medida de coação terminar com o transito em julgado da sentença condenatória, art. 214 nº 1 al. e) do CPP, temos que, com a entrada em vigor da Lei nº. 20/2013, de 21/02, foram introduzidas alterações no CPP, designadamente nos art. 196, nº.3, al. e) e art. 214, nº.1, al. e), no sentido de que a extinção do termo de identidade e residência só se verificará, em caso de condenação, com a extinção da pena, essas objeções foram ultrapassadas.   

Note-se que as obrigações a que o arguido está sujeito com a aplicação do Termo de Identidade e Residência só se extinguirão com a extinção da pena. De tudo deve o mesmo ser devidamente notificado aquando da notificação a que alude o disposto nos arts. 196/2 e 277/3 do CPP.

O que foi feito conforme consta do Termo assinado pelo arguido e constante de fls. 28.

            Assim, temos que sendo notificada a promoção do Mº Pº em que requeria a aplicação da prisão subsidiária (fls. 85) e do despacho que a mandava notificar para conferir o contraditório (fls. 88), o que foi feito por via postal simples com prova de depósito, temos que o arguido/condenado foi corretamente notificado para, querendo “provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável”.

            Neste sentido, o Ac. da rel. de Lisboa, Acórdão nº TRL-12/11.9PTBRR.L1-3 de 08-05-2013, que só não aplicou o entendimento porque no TIR prestado não constava que foi dado conhecimento ao arguido que em caso de condenação, aquela medida só deixaria de vigorar com a extinção da pena (o TIR foi prestado antes da alteração legislativa operada pelo art. 2 da L. nº 20/2013 de 21 de Fevereiro.

            E um arguido perante a “ameaça” de execução da prisão se dúvidas tem em como reagir pode sempre recorrer ao defensor. Para e por esta e outra situações processuais é obrigatória a nomeação de defensor, caso não tenha havido constituição de mandatário.

            Sendo certo que foram notificados o arguido e o defensor, por se entender que a situação se enquadra na previsão do nº 10 do art. 113 do CPP.

            Assim que temos como corretamente efetuada a notificação.

            Alega o recorrente a nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação e, omissão de pronúncia:

            Desde logo não se entende como um despacho entendido como não fundamentado dá lugar a tantas e tão longas conclusões.

Tal resultará de se pretender fazer agora a justificação do não pagamento da multa e sem culpa do arguido, o que é extemporâneo.

A não automaticidade de aplicação da prisão subsidiária em caso de não pagamento da multa apenas resultará de o arguido provar que o não pagamento lhe não é imputável, não fazendo essa prova a aplicação da pena subsidiária é mesmo automática.

Não havendo que aquilatar da necessidade da prisão.

O arguido terá de provar que o não pagamento lhe não é imputável, tendo o Tribunal de apenas de aquilatar da prova feita, isto é, face à prova decidir se há culpa, ou não, do arguido nesse não pagamento.

Se não foi apresentada justificação, nada há a aquilatar.

Como refere o Ac. da Rel. Guimarães, de 20-10-2014, proferido no processo nº 152/13.0GBGMR-A.G1, “A suspensão da execução da prisão subsidiária (art. 49 nº 3 do Cod. Penal), não está dependente do juízo de que ficam acauteladas as «finalidades da punição», mas apenas do juízo de que a falta de pagamento não é «imputável» ao arguido.

O termo «imputável», usado na norma do art. 49 nº 3 do Cod. Penal, aponta para a formulação de um juízo sobre a «culpa» do condenado no não pagamento da multa”.

            E não se verifica qualquer inconstitucionalidade, nem violação do princípio do acusatório, ou de quaisquer outros dos princípios gerais que regem o processo penal (igualdade, adequação, proporcionalidade) porque ao arguido foram dados meios para se poder defender e obstar à aplicação da pena subsidiária, teve a oportunidade de justificar porque não pode pagar e, que essa impossibilidade não foi ele que voluntariamente a criou.

            O recorrente está equivocado ao entender que o Tribunal é que tem de fazer prova de que a impossibilidade de pagamento da multa resulta de culpa do arguido, que lhe é imputável e, que bastaria atender aos factos notórios resultante da crise económica que se vem verificando.

            Que teria o tribunal de justificar sob pena de nulidade por omissão de pronúncia que:

            “C. Igualmente padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia, a traduzir apego literal à letra da lei e à douta promoção do Ministério Público, na parte em que não se pronuncia relativamente à I) imputabilidade do incumprimento, II) aplicabilidade do alternativo fármaco plasmado na lei (suspensão da execução da pena de prisão!), faltando pronunciar-se sobre e em que medida III) o cumprimento efectivo de prisão se revela a única via possível para salvaguardar as finalidades das penas, IV) explicitar como é que o cumprimento da pena de prisão (alegadamente!) em estabelecimento prisional e (alegadamente) de forma ininterrupta se mostrará socialmente mais adequado tendo em vista "a defesa da sociedade" e prevenção da prática de crimes, "no sentido da reintegração social" do arguido;

D. Atenta a deterioração da realidade económico-financeira, mostrando-se tal afirmação verdadeira e conforme às regras da experiência e da vida bem como notória em razão das especiais condições do arguido e conhecimentos do Tribunal no âmbito da sua actividade, o Tribunal devia, e tinha condições de, averiguar tal factualidade, implicitamente do seu conhecimento e com inequívoca relevância para a descoberta da verdade material, havendo em tal parte denegação de justiça (demissão ajuizativa!) e não perseguição da mesma, sendo tal desconsideração e cindibilidade operadas violadoras das garantias de defesa, tendo-se a douta decisão por um acto intuitivamente decisório!”.

            Mas como já se referiu e de forma exaustiva, a prova da não culpa no não pagamento da multa é ónus do arguido.

            Assim, que também não há a contradição alegada. De que não sendo encontrados bens para o pagamento forçado, coercivo, está demonstrada a não imputabilidade do não pagamento.

            Pode existir a situação de não serem encontrados bens, porque o arguido se desfez deles (os colocou em nome de terceiro) apenas para não cumprir a obrigação.

Alguém que se desemprega para não cumprir.

            Mais do que o arguido alegar a inexistência de bens, era necessário que provasse que não havia bens ou outros meios e que tal não lhe podia ser imputável.

            A lei não prevê a aplicação de qualquer outra pena de substituição, porque nesta fase já não se está a analisar qual a pena que satisfaz as necessidades da punição, mas apenas fazer a constatação de que o arguido não pagou e não fez prova de que esse não pagamento não lhe era imputável.

E mesmo para se poder suspender a prisão, condicionada ao cumprimento de deveres, art. 49 nº 3, teria de o arguido justificar a impossibilidade do pagamento da multa.


*

Assim que, se julga improcedente o recurso.

Sendo certo que e, conforme art. 49 nº 2 do CP, o condenado tem a possibilidade de a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária.

Decisão:

Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com 4 Ucs de Taxa de Justiça.

Coimbra, 13 de Julho de 2016

           

Fernando Jorge Dias - relator

               

Orlando Gonçalves - adjunto