Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1254/24.2T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PROCESSO DE INVENTÁRIO
TRANSACÇÃO
ACORDO DE PARTILHA
SENTENÇA DE HOMOLOGAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADE OU ANULABILIDADE DA TRANSACÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
FALTA DE INDICAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – SOURE – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGO 604.º, N.º 4, 615.º N.º1, AL. B) E 729.º, N.º 1, AL. I), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Em sede de embargos de executado podem ser invocadas, ao abrigo do disposto no artigo 729.º, n.º 1, alínea i), do CPC, causas de nulidade ou anulabilidade de uma sentença de homologação de transacção (acordo de partilha) obtida no âmbito de um processo de inventário, que serve de título executivo, aí se incluindo os vícios da vontade como a incapacidade de facto.

2. Se a decisão recorrida omitiu a indicação dos factos julgados não provados e a respectiva fundamentação, em violação do dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 607.º, n.º 4, é de declarar a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª Instância para que após produção da prova, seja fixada e motivada a matéria de facto e proferida nova sentença.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

Por apenso à acção de execução para pagamento de quantia certa, em que são exequentes AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, com vista à obtenção do pagamento coercivo da quantia global de € 4927,69 (quatro mil novecentos e vinte e sete euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento, tendo por título executivo a transacção judicial homologada por sentença a 19-02-2024, no âmbito do Processo de Inventário n.º 252/22...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, foram deduzidos embargos de executado por II.


*

No final da petição inicial de embargos de executado, pediu o embargante:

“Nestes termos, deve ser admitida e julgada totalmente procedente, por provada, a presente oposição, decretando-se a extinção da instância executiva, por inexistir qualquer declaração negocial do embargante e dos embargados CC; BB e EE, por si, para a realização da transação, não se encontrando ali patrocinados por mandatário e, em consequência, a inexistência de qualquer ratificação da transação pela embargada HH; FF e JJ e a nulidade, inexistência e ineficácia das ratificações da transação pelos embargados AA e GG por inexistência, ineficácia ou invalidade da transação, consequente invalidade, ineficácia e invalidade da respectiva ratificação e falta de poderes do respectivo mandatário, geradores de nulidade.

Caso assim, não se entenda deverá decretar-se a anulabilidade da transação, por vício da vontade do embargante provinda da sua incapacidade acidental e, inexistindo ou sendo invalida a transação, inexiste qualquer obrigação exequenda, sendo, inexistente, ineficaz, invalido e inexequivel o titulo executivo” (sic).

Alegou, em síntese:

– O título executivo dado à execução é uma sentença homologatória de transacção inexistente, pelo facto de o embargante e os embargados CC, BB e EE não terem proferido qualquer declaração de vontade de transigir naquele processo de inventário, além de ser nula, na medida em que a vontade expressa pelo embargante, durante a diligência de instrução de 19-02-2024, realizada naqueles autos de inventário, se encontrava viciada por incapacidade de facto;

– A transacção é inexistente, ainda, pelo facto de a mandatária do embargante haver referido expressamente que não pretendia transigir, tendo somente requerido que o processo de inventário seguisse os seus termos para a forma à partilha, mapa à partilha e conferência de interessados;

– A sentença homologatória de partilha é igualmente nula em virtude da falta de poderes da mandatária da embargada HH para transigir por esta e, no que respeita aos embargados GG, AA, FF e DD, em virtude da inexistência e da nulidade de ractificações da transacção quanto a cada um deles.


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Contestaram os exequentes pedindo a improcedência dos embargos e que a execução prosseguisse os seus termos regulares, sendo o embargante condenado como litigante de má-fé.

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Por entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, apreciar a totalidade do pedido, o tribunal a quo proferiu a sentença recorrida, de 24-04-2025, na qual decidiu:

“Pelo exposto, e ao abrigo das disposições supra citadas, decido:

- julgar totalmente improcedentes os presentes Embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da execução quanto ao executado, aqui embargante, II;

- julgar improcedentes os pedidos de condenação como litigantes de má-fé o embargante e os embargados”.


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Inconformado, veio recorrer o embargante, concluindo:

“A. Na sua petição de embargos de executado, na qual foi proferida a aqui sentença recorrida, o Recorrente alegou nos 90 (noventa) artigos daquela sua petição/requerimento e aí peticionou, que o título executivo dado à execução é uma sentença homologatória de transação e que esta é inexistente, por o Recorrente e a sua mandatária e os Recorridos CC, BB, EE não proferiram qualquer declaração de vontade de transigir no processo de inventário de partilha por óbito com o n.º 252/22...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, não se encontrando representados por advogado naquele inventário.

B. Para além de tal facto, quanto aos Recorridos ausentes na diligência de 19/05/2024 e, por isso, não intervenientes naquela transação, as Recorridas FF e DD juntaram aos autos procuração com poderes gerais e ratificação da transação com data anterior (10/02/2024) à realização da diligência de instrução no inventário onde ocorreu a transação (19/02/2024),

C. motivo pelo qual nada ratificaram e nada declararam, sendo ineficaz a transação, não se aplicando a estas o teor da transação e da respectiva sentença que a homologou, título executivo para a execução principal, portanto partes ilegítimas para a presente execução, exceção dilatória de conhecimento oficioso não julgada pelo tribunal a quo como existente no requerimento executivo.

D. O recorrente invocou, ainda, que mesmo que se considerasse que a Recorrida HH e os Recorridos AA e GG, tivessem declarado transigir, a primeira por se encontrar representada pela sua mandatária, sem poderes especiais, sendo necessária a vontade expressa daquela recorrida e os segundos por haverem ratificado a transação por documento, com data anterior à realização da transação (19/02/2024),

E. sempre se devia considerar inexistente a referida transação, porquanto sempre faltaria a declaração de vontade do aqui Recorrente, ali embargante, que nada declarou.

F. Efectivamente, sendo a transação um negócio jurídico esta pressupõe sempre a declaração de todas as partes intervenientes no negócio, (o aqui Recorrente e todos os Recorridos) ou dos seus mandatários com poderes para o acto, o que não sucedeu, pois só assim existe o negocio jurídico que lhe subjaz, tal como dispõe o artigo 1248º, n.º 1, do Código Civil.

G. Ora o Recorrente nada declarou.

H. Naqueles seus embargos o Recorrente, também, alegou e peticionou que, caso assim não se entendesse, dando-se por verificada uma hipotética declaração de vontade do Recorrente, sempre a transação seria anulável, na medida em que a suposta vontade expressa pelo embargante, durante a diligência de instrução de 19/02/2024 realizada naqueles autos de inventário, se encontrava viciada por incapacidade de facto, tendo o Recorrente juntado àquela sua Petição todos os documentos de prova, remetendo, também, para os documentos juntos pelos Recorridos à sua contestação.

I. Os Recorridos contestaram os referidos embargos, tendo sido proferida a sentença recorrida que julgou improcedentes os embargos de executado determinando o prosseguimento da execução.

J. Compulsada a sentença recorrida verificamos a total ausência de factos não provados, de apreciação dos meios probatórios para se considerar tais factos por não provados e da respectiva e necessária fundamentação, o que nos impede de exercer o nosso direito de recurso e de contraditório.

K. Nesta decorrência, a sentença recorrida está ferida de nulidade por falta de indicação dos factos não provados e respectiva falta de fundamentação (art. 607º, nº4, e art.º 615°, n.° 1 alínea b) e d) do CPC) no que respeita aos factos não provados.

L. Ora, o art.º 607º, nº 4, do CPC prescreve que: “Na fundamentação da sentença. O juiz declara quais os factos que julgam provados e quais os que julgam não provados, analisando criticamente as provas, cumprindo as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua certeza”.

M. Preceitua o art. 615º do nº 1 alínea b) do CPC, que “É nula a sentença quando: b) Não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

N. Com o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz da Tribunal a quo, que é muito, o certo é que, entende o Recorrente, que ao não fazer constar da Sentença Recorrida os factos não provados violou o preceituado no art.º 607º, nº4, do CPC, visto que a omissão da declaração dos factos não provados é uma circunstância relevante no exame e decisão de causa, como impõem os atrás citados preceitos legais.

Pois,

O. Veja-se que a douta sentença inicia-se por dar cumprimento ao disposto no nº 2 do art.º 607º do CPC, seguindo com uma exposição dos factos provados, todavia na motivação o Meritíssimo Juiz a quo não discrimina os factos não provados e não enuncia os meios de prova em que se apoiava para a sua formação.

P. Daí que

Entende o Recorrente que na Motivação não deu o Meritíssimo Juiz a quo cumprimento ao preceituado nos nº 4 do art. 607º do CPC, porquanto, não indicou quais os fatos dados como não provados e em que meios de prova se suportou para formar a sua verdade.

Q. Por outro lado,

Prescreve ainda, o art.º 615º, n°1, cláusula d) do CPC que: “É nula a sentença quando: o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecer de questões de que não podia ter conhecimento”.

R. Com o devido respeito, entende o recorrente, que pese embora o Meritíssimo Juiz a quo tenha discriminado os factos que considerou provados, quanto aos factos não provados nada mencionou.

S. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifestação influência no exame e decisão da causa, para efeitos da sua impugnação.

T. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, cometeu-se uma nulidade da sentença prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

U. Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da Sentença recorrida e a sua descida ao Tribunal a quo a fim de ser aperfeiçoada.

V. A função dos Tribunais não é apenas a de dirimir conflitos de interesses, mas também a de convencerem as partes de que as suas decisões são justas.

W. O que em nosso humilde entendimento e salvo o devido respeito, por opinião diferente, não foi atendido na douta Sentença Recorrida.

X. A decisão sobre a matéria de facto é um elemento integrante da sentença, contemplando declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a previsão dos concretos meios de prova determinantes da exclusão do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados.

Y. Trata-se, com efeito, de uma expressão concreta do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art. 154.°, n.°1, do Código de Processo Civil, correspondente a uma importante causa de legitimação da função soberana de julgar

Z. Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se o seu sentido. Permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso.

AA. Na Sentença recorrida verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto limita-se a enumerar os factos provados, sem qualquer referência aos factos não provados.

BB. Contudo, este modo de proceder não corresponde ao cumprimento dos requisitos da lei. Esta, com efeito, prevê também uma declaração em relação aos factos considerados não provados, de modo a conferir segurança jurídica.

CC. Perante a falta da declaração dos factos não provados, é legítima a dúvida se, para além dos factos provados, foram ou não provados, considerados para efeitos de prova, os factos relevantes não contemplados no elenco dos factos. A omissão de resposta a um facto relevante não é algo impossível de ocorrer e a certeza de que isso não acontece só pode aconselhar a declaração dos factos não provados.

DD. Por tudo o supra exposto, a sentença recorrida, encontra-se viciada, porquanto incorreu em violação da lei, por falta de aplicação dos arts. 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, sendo nula por falta de indicação dos factos dados como não provados e dos meios de prova em que se suportou para formar a sua verdade, Conforme dispõe o artigo 615º, n.º 1, alínea b) e d) do CPC.

EE. Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser admitido e ser considerado procedente e, em consequência, revogar-se a Sentença recorrida e corrigindo-a por outra que dê cumprimento ao previsto no art. 607º, nº4, 615º alínea b) ambos do CPC.

FF. Para o efeito, deve a sentença recorrida ser remetida ao tribunal a quo para a aperfeiçoar fazendo dali constar os factos não provados, os respectivos meios probatórios e a respectiva fundamentação, com o que V. Exas, Venerandos Desembargadores, farão a costumada Justiça.” (sic).


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Não foram apresentadas contra-alegações pelos embargados/exequentes.

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O recurso foi admitido por despacho de 10 de Setembro, p.p., tendo o tribunal a quo, nessa ocasião, exarado: “Atendendo aos fundamentos do recurso, de entre os quais vêm invocadas nulidades da sentença, por falta de enunciação dos factos provados e não provados e falta de fundamentação, cumpre ainda pronunciarmo-nos, nos termos previstos nos artigos 617.º n.º1 e 641.º n.º1 do Código de Processo Civil.

Ora, considerando os fundamentos que conduziram à decisão, que se prendem unicamente com razões de natureza jurídica, entendemos ser despicienda a enumeração dos factos, por serem os mesmos indiferentes ao sentido da decisão.

Pelo que, não se vislumbrando existir qualquer nulidade, indefere-se o requerido, pugnando-se pela manutenção da decisão recorrida.”


*

A questão a decidir consiste em verificar se a decisão recorrida não cumpre os requisitos legais enunciados no artigo 607.º, n.º 4, pelo facto de ter omitido a indicação dos factos não provados, sendo por isso nula por violação do artigo 615.º, alíneas b) e d), ambos do Código de Processo Civil (CPC).

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A. Fundamentação de facto.

1. A 1.ª Instância consignou o seguinte sob o título “Matéria de Facto”:

“i. Factos Provados

O tribunal considera provados, tendo em conta os documentos (v. art.ºs 362.º a 387.º do Código Civil) e/ou por acordo/confissão, visto ainda o requerimento executivo e título executivo juntos -, os seguintes factos:

1. Em 23-05-2024, os exequentes HH, CC, KK, DD, FF, EE, GG e AA instauraram acção executiva a seguir a forma ordinária contra o executado, aqui embargante, II, para pagamento coercivo da quantia global de € 4927,69.

2. O título dado à execução é uma sentença homologatória de transacção proferida no processo de inventário de partilha com o n.º 252/22...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde eram interessados os ora exequentes e o ora executado, em que este ficou obrigado a entregar o valor de € 977,08 aos embargados HH, CC, II e BB, o valor de € 488,54 às embargadas DD e LL, e o valor de € 325,69 aos embargados EE, GG e AA (v. sentença junto com o requerimento executivo).

3. A sentença referida em 2. foi notificada às partes e não foi objecto de recurso (v. cota com a ref.ª citius 94360504 dos autos principais).

4. Os embargantes deduziram embargos à execução em 23-09-2024”.


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Está, também, provado:

2. Na “ACTA DE DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO”, de 09-05-2023, referente ao processo de inventário de partilha com o n.º 252/22...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, ficou exarado o seguinte “ACORDO DA PARTILHA DA HERANÇA”:

“1. Os interessados, incluindo os respectivos cônjuges, alcançaram um acordo para proceder à partilha da única verba constante na relação de bens, tendo decidido que a mesma se divide em conformidade com a forma à partilha supra, adjudicando-se da seguinte forma:

1.1. Aos interessados HH, CC, II, BB o valor de €977,08 (novecentos e setenta e sete euros e oito cêntimos);

1.2. A cada um dos herdeiros de MM, DD e FF, ½ do quinhão, o valor de €488,54 (quatrocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos).

3.3. A cada um dos herdeiros de NN, EE, GG e AA, 1/3 do quinhão, o valor de €325,69 (trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e nove cêntimos).

2. O interessado II obriga-se, no prazo de 15 (quinze) dias, a proceder à transferência dos montantes adjudicados a cada um dos interessados para a conta bancária que estes venham indicar nos presentes autos.

3. Os interessados obrigam-se a juntar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, o IBAN para cumprimento da obrigação do interessado II.

4. Os interessados declaram prescindir das custas de parte e da realização do mapa à partilha considerando a natureza da única verba a partilhar.


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Seguidamente o Mm. º Juiz proferiu a seguinte:

SENTENÇA

Atendendo a vontade manifestada pelos interessados, estando devidamente patrocinados, assim como ao objecto do bem a partilhar e ser sua vontade subscrever os precisos termos do acordo de partilha, bem como se tendo comprometido a Ilustre Advogada Sra. Dra. OO a juntar, no prazo de 10 (dez) dias, declaração de ratificação dos interessados ausentes conforme o artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;

Homologa-se por sentença o presente acordo de partilha, condenando o interessado II a cumpri-lo nos seus precisos termos, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea d), 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, a contrario, 290.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, e artigos 405.º, n.º 2, 410.º e seguintes, 1248.º, 2102.º, n. º2, do Código Civil, dispensando-se a elaboração de mapa à partilha e, consequentemente, declarando-se extinta a presente instância.


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VALOR DA CAUSA: €5 862,45 (cinco mil, oitocentos e sessenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 302.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: Custas a cargo dos interessados, na proporção do que cada um recebeu, nos termos do artigo 1130.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Atendendo a própria natureza da partilha e do valor em causa, bem como ao disposto no artigo 1130.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispensa-se a abertura de termo de vista ao Ministério Público, por desnecessário.

Registe e notifique”


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3. A sentença recorrida omitiu a enumeração de quaisquer factos não provados e o embargante/recorrente alegou na petição de embargos, entre outros, os seguintes factos:

3.1. – “(…) Da diligência de inquirição de testemunhas realizada no dia 19/02/2024, das 14:39h às 15:19h não resulta qualquer declaração de vontade do embargante, nem dos embargados CC; BB e EE para a formalização da transação, ali não se encontrando presente a embargada HH, que já havia prestado o seu depoimento no período da manhã e não compareceu no período da tarde, quando se tentou formalizar a transação” (art. 6.º);

3.2. – “(…) os embargados BB; EE e CC, presentes na diligência de instrução na qual se transigiu, não se encontravam representados por advogado, porquanto não existe qualquer procuração forense ou qualquer outra, junta ao referido inventário, com poderes forenses gerais ou especiais (…)” (art. 7.º);

3.3. – “(…) a embargada, HH, não se encontrava presente, apesar de se encontrar representada pela sua ilustre mandatária, Sr.ª Dr.ª OO, mediante procuração com poderes gerais, não tendo sido junta ao processo qualquer declaração de ratificação da transação (…)” (art. 11.º);

3.4. – “A referida embargada não esteve presente na continuação da diligência de instrução, realizada no dia 19/02/2024, nos autos de inventário, que se iniciou pelas 14.30 horas e onde ocorreu a suposta transação, não proferindo qualquer declaração de vontade em transigir nos termos constantes da referida transação (…)” (art. 12.º);

3.5. – “(…) a mandatária do embargante não dispunha de poderes especiais para transigir, o que se pode verificar pela procuração forense com poderes gerais que ali juntou (…)” (art. 15.º);

3.6. – “(…) na referida diligência de instrução não estiveram presentes os embargados GG; AA; DD e FF, motivo pelo qual foi concedido o prazo de 10 dias para que a mandatária da embargada, HH, juntasse aos autos declaração de ratificação da transação” (art. 17.º);

3.7. – “Quanto às herdeiras FF e DD, aquela mandatária juntou aos autos de inventário, procuração forense com poderes gerais e ratificação da transação na partilha, datada de 10/02/2024 (…)” (art. 19.º);

3.8. – “Á data da acima identificada diligência de instrução (19/02/2024), o embargante tinha 68 anos de idade, padecendo de síndrome demencial, desde os 66 anos, encontrando-se, desde então, medicamente, acompanhado e regularmente medicado pelo médico, Sr. Dr. PP, na A..., sita na Avenida ..., Edifício ..., I ..., em ..., o que levou a que, eventualmente, efectuasse a transação, nos termos em que o fez, o que não sucederia se o embargante estivesse no uso pleno das suas faculdades mentais” (art. 30.º);

3.9. – “Até ao dia 24/02/2024, data em que o embargante foi avaliado pelo seu médico, que emitiu o competente relatório médico, após a realização da diligência no inventário de 19/02/2024, o embargante e os seus familiares desconheciam que devido àquela sua demência o embargante não podia estar “exposto a situações de stress marcado, tais como uma audiência em tribunal, não só por poderem conduzir à agudização do quadro, bem como pela falta de compreensão plena da circunstância dessa mesma audiência” (art. 31.º);

3.10. – “No decurso daquela diligência de instrução, o embargante não se recordava dos factos constantes da sua reclamação contra a relação de bens e à medida que o embargante se sentia incapaz de se lembrar dos factos, de se expressar, de se concentrar, mais aumentava a agressividade na sua forma de expressão, mais inquieto, agitado e toldado ficava, mostrando que a sua memória a curto prazo estava afectada” (art. 33.º);

3.11. – “(…) o embargante, no dia 24 de Fevereiro de 2024, submeteu-se a avaliação pelo seu médico psiquiatra, tendo sido emitido o respetivo relatório clinico do qual consta, integralmente, o seguinte: “ O doente II, beneficiário do Cartão de Utente número ...26, foi por mim observado em consulta de Psiquiatria por padecer de Síndrome Demencial ( CID 10 – F03).” (art. 40.º);

3.12. – “A partir da data de realização do acordo de partilha no processo de inventário, em 19/02/2024, o embargante passou a estar dependente de orientação para a realização das atividades da sua vida diária, não apresentando capacidade para gerir os seus pertences ou decidir em consciência seja o que for que lhe diga ou não respeito, verificando-se o agravamento da sua demência” (art. 44.º);

3.13. – “(…) a conjugue do embargante interpôs ação de maior acompanhado, no qual foram alegados os factos acima descritos, em que é beneficiário/acompanhado o aqui embargante e que corre seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, com o n.º de processo 175/24...., encontrando-se agendada data para a realização de exame pericial e audição direta e pessoal do embargante, para o dia 27/01/2025 (…)” (art. 54.º);

3.14. – “Em data anterior à realização da suposta transação, a embargada FF por diversas vezes referiu à filha do embargante que todos os embragados, seus tios e primos, bem sabiam que o embargante encontrava-se com demência, referindo à embargada FF os diversos episódios reveladores dessa doença (…)” (art. 61.º);


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B. Fundamentação de Direito.

A questão decidenda, atinente à nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos não provados, impõe que se recorde que, em sede de petição de embargos de executado, o embargante/recorrente alegou “a inexistência e nulidade da transação na partilha e, em consequência, inexistência do título executivo, por inexigibilidade da obrigação exequenda de capital e respetivos juros de mora, por ser a transação e a respectiva obrigação exequenda inexistentes e nulas” e que “[c]aso, assim, não se entenda na presente oposição, entendendo-se que se verificou, hipoteticamente, qualquer, manifestação de vontade do embargante, no sentido de transigir nos termos em que o fez, sempre a sua vontade se encontrava viciada, por incapacidade de facto, o que é causa de anulabilidade da referida transação, nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a); c) e i), do n.º 1, do artigo 729º do C.P.C., associado à falta de poderes da mandataria dos embargados e inexistência ou nulidade de ratificações da transação” – cf. arts. 1.º e 2.º.

A  1.ª Instância, diversamente, entendeu, por um lado, que não só a sentença goza de todos os requisitos de exequibilidade previstos nos arts 703.º, n.º 1, a), 704.º, n.º 1, e 713.º, do CPC, como, por outro lado, tratando-se de uma sentença homologatória de partilha está sujeita a um regime de impugnação/anulação próprio, que é o previsto no art. 1127.º do CPC, não se subsumindo por isso ao fundamento de embargos previsto sob a alínea i) do art. 729.º do CPC.

Exarou-se na sentença recorrida, no que releva:

Da inexistência da sentença homologatória de transacção

Sustenta o embargante que a sentença exequenda é inexistente porque em seu entender o embargante e os embargados CC, BB e EE não proferiram declaração de vontade de transigir no processo de inventário de partilha por óbito com o n.º 252/22...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, e por a mandatária do embargante haver referido expressamente que não pretendia transigir.

Conforme preceitua a alínea a) do n.º do art.º 726.º do Código de Processo Civil, não existindo título ou sendo este insuficiente impõe-se o indeferimento liminar do requerimento executivo.

A inexistência da sentença é um vício mais grave do que a nulidade de uma sentença verifica-se quando à sentença falta um dos seus elementos essenciais, designadamente não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional; ser o acto emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias; não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico; não proferida por juiz que assistiu ao julgamento, sendo consensual de que uma sentença inexistente não produz qualquer efeito jurídico.

“[a] sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica própria de uma sentença. A sentença inexistente é um acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com aparência de sentença, mas absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia jurídica da sentença” (Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V, pág.113)

Ora, no caso concreto, e compulsada a sentença, constata-se que esta foi proferida por juiz de direito no exercício das suas funções no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, como resulta da assinatura da acta certificada electronicamente, sendo que o embargante também não aduziu que não tivesse sido emanada por quem não estivesse investido do poder jurisdicional.

Ademais, a sentença não padece de qualquer inexequibilidade, pois a sentença goza de todos os requisitos de exequibilidade previstos nos art.ºs 703.º, n.º 1, a), 704.º, n.º 1, e 713.º, todos do Código de Processo Civil, não tendo a sentença sido objecto de recurso (cf. ponto 3. dos factos provados) e sendo a quantia exequenda certa, líquida e exigível.

Nestes termos, é por demais evidente que a sentença exequenda, erigida em título executivo, não poderá ser fustigada com o vício da inexistência, pelo que improcede a excepção invocada pelo embargante.

Da nulidade da sentença exequenda

Defende o embargante que a sentença homologatória de partilha padece de nulidade, na medida em que a vontade expressa por aquele, durante a diligência de instrução de 19/02/2024 realizada naqueles autos de inventário, se encontrava viciada por incapacidade de facto, e em virtude da falta de poderes da mandatária da embargada HH para transigir por esta e, no que respeita aos embargados GG, AA, FF e DD, da inexistência e da nulidade de ratificações da transacção quanto a cada um destes respectivamente.

Como acima referido, a sentença que serve de título executivo goza de exequibilidade, pelo que importa indagar se a nulidade a ela imputada pelo embargante é subsumível ao fundamento de embargos previsto sob a alínea i) do art. 729.º do Código de Processo Civil, uma vez que não é subsumível nas restantes alíneas deste preceito legal.

O artigo 1126.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Emenda à partilha”, prescreve que:

«1 - Ainda que a decisão homologatória tenha transitado em julgado, a partilha pode ser emendada no próprio inventário por acordo de todos os interessados, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.

2 - Na falta de acordo quanto à emenda, o interessado requer fundamentadamente, no próprio processo, que a ela se proceda, no prazo máximo de um ano a contar da cognoscibilidade do erro, desde que esta seja posterior à decisão, aplicando-se à tramitação o disposto quanto aos incidentes da instância.»

O n.º 1 do preceito legal seguinte dispõe que «[s]em prejuízo dos casos de recurso extraordinário de revisão, a partilha confirmada por sentença homologatória transitada em julgado só pode ser anulada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada». O n.º 2, por sua vez, estabelece que «[o] pedido de anulação constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância.»

Resulta destes preceitos legais que a sentença homologatória de partilha, não objecto de recurso, produz efeitos jurídicos, sem prejuízo de uma eventual emenda ou a anulação da partilha, sendo por isso aquela exequível para cobrança dos créditos de tornas a que o interessado, aqui embargante, ficou obrigado a prestar aos demais interessados, aqui embargados.

Assim, como escreve no seu sumário o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.10.2024, processo n.º 816/23.0T8MAI-B.P1, relatado por Mendes Coelho, “[a] sentença homologatória de partilha, além de ser discernível de uma sentença homologatória de transação, está sujeita a um regime de impugnação/anulação próprio, que é o previsto no art. 1127º do CPC, não se subsumindo por isso ao fundamento de embargos previsto sob a alínea i) do art. 729º do CPC”.

Atendendo ao exposto, conclui-se que os presentes embargos constituem o meio inadequado para apreciação dos vícios invocados pelo embargante, pelo que improcedem os embargos de executado. (…)

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições supra citadas, decido: - julgar totalmente improcedentes os presentes Embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da execução quanto ao executado, aqui embargante, II (…)” (sic).

Analisemos a questão.

Emerge do art. 729.º do CPC – alterado pela Lei n.º 117/2019, de 13-09 –, sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”:

“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”.

O recorrente sustentou, entre o mais, que “entendendo-se que se verificou, hipoteticamente, qualquer, manifestação de vontade do embargante, no sentido de transigir nos termos em que o fez, sempre a sua vontade se encontrava viciada, por incapacidade de facto, que é causa de anulabilidade da referida transação, nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a); c) e i), do n.º 1, do artigo 729º do C.P.C.” (sic).

Que a sentença homologatória de partilha em sede de inventário constitui título executivo não oferece dúvidas, sendo a jurisprudência (praticamente) unânime a esse propósito, citando-se, a título de exemplo:[2]

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 08-10-2024, Proc. n.º 656/23.6T8ACB-A.C1: “I. Constitui título executivo não apenas a decisão proferida em ação condenatória, mas também qualquer sentença judicial que imponha uma ordem de prestação ou comando de atuação ao réu de maneira incondicional. II. A sentença homologatória de partilha constitui título executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventário”;

– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 11-05-2023, Proc. n.º 47/20.0T8NIS.E1: “A sentença homologatória da partilha é título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC. /Não constando na sentença homologatória da partilha uma condenação expressa dos interessados a qualquer pagamento, ela há de ser necessariamente complementada com o mapa da partilha, porque é este que corporiza a repartição do acervo hereditário pelos interessados, que será submetida à subsequente homologação, por sentença, pelo juiz, que por esta via «transforma os direitos de cada um dos herdeiros sobre o património indiviso em direitos individualizados sobre bens determinados”;

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29-02-2024, Proc. n.º 6750/22.3T8GMR-A.G1: “A sentença homologatória da partilha constitui título executivo para a imposição coerciva dos direitos que nela são reconhecidos -art.º 703º, n.º 1, al. a), do C.P.C., devendo ser junto ao requerimento executivo o mapa e a sua homologação”;

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-10-2024, Proc. n.º 57/12.1TBCPV-B.P1: “A sentença de homologação do acordo das partes qualificado por estas de transação em nada difere de uma sentença homologatória da partilha e o próprio tribunal recorrido assim deve ter entendido pois que aprecia a validade do acordo à luz do disposto no artigo 1111º, n º 2, alínea a) do Código de Processo Civil e profere sentença homologatória citando expressamente o nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil”;

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 10-07-2025, Proc. n.º 4155/23.8T8OER-B.L1-8: “A sentença homologatória de partilha constitui título executivo com vista ao pagamento de quantia certa ou entrega de coisa certa adjudicada a um herdeiro, desde que nele se possa identificar o detentor ou possuidor, bem como a obrigação exequenda”.

Tal como se desenvolve no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-10-2025, Proc. n.º 8509/19.6T8PRT-A.P2.S1.S1:  “(…) [A] doutrina e a jurisprudência convergem no entendimento de que a sentença homologatória da partilha constitui título executivo quando conjugada com o mapa de partilha onde são definidos todos os quinhões hereditários e concreto preenchimento, e, determinados os valores correspondentes às tornas, quando as houver, com indicação quer do credor quer do devedor de tornas, no que aos interessados no inventário diz respeito. Em reforço dessa consideração, muito embora não estejamos perante uma sentença condenatória, concorre o disposto no art.º 1122.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que permite que, após o trânsito em julgado da sentença homologatória, e, se houver direito a tornas, os credores de tornas interessados no inventário possam pedir que se proceda, no processo de inventário, à venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas, até onde seja necessário para o seu pagamento. Este procedimento simplificado, de cariz executiva, pode apenas ser desencadeado pelos credores de tornas, interessados no inventário dando assim efectividade à partilha homologada.

A sentença homologatória de partilha constitui título executivo bastante, nos termos do disposto no art.º 703.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, para o cumprimento coercivo das obrigações que dela constam, isto é, as obrigações nomeadamente de pagamento de tornas nos valores apurados no inventário, e, relativamente aos sujeitos indicados no inventário.

Se o credor de tornas usar o expediente executivo simplificado do art.º 1122.º, tal execução pode apenas incidir sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, o que bem se compreende porque o processo de inventário não é um processo executivo, admitindo apenas a título incidental a execução dos bens já devidamente documentados no inventário. Porém, se os bens adjudicados no inventário ao devedor de tornas não forem suficientes para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas o credor poderá, em acção executiva, estender a sua pretensão a outros bens que integrem o património do devedor de tornas que se mostrem necessários para o cumprimento total do crédito de tornas, como claramente indicado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no proc. n. 23723/19.6T8PRT-A.P1.S1, em 14/10/2021, acessível em www. dgsi.pt.”.

Em conclusão: a sentença homologatória da partilha constitui título executivo judicial e tem a mesma eficácia de uma sentença condenatória para efeitos de exigir o cumprimento das obrigações que dela resultam, como o pagamento de tornas ou a entrega de bens específicos adjudicados a um interessado.

A questão, porém, contende com saber se é possível o executado opor-se a uma execução com fundamento em vícios que inquinem a sentença homologatória de transacção ou acordo de partilha realizada em sede de processo de inventário.

Nessa sede – Proc. n.º º 252/22.... – foi decidido, no que aqui releva:

“Atendendo a vontade manifestada pelos interessados, estando devidamente patrocinados, assim como ao objecto do bem a partilhar e ser sua vontade subscrever os precisos termos do acordo de partilha, bem como se tendo comprometido a Ilustre Advogada Sra. Dra. OO a juntar, no prazo de 10 (dez) dias, declaração de ratificação dos interessados ausentes conforme o artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;

Homologa-se por sentença o presente acordo de partilha, condenando o interessado II a cumpri-lo nos seus precisos termos, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea d), 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, a contrario, 290.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, e artigos 405.º, n.º 2, 410.º e seguintes, 1248.º, 2102.º, n. º2, do Código Civil, dispensando-se a elaboração de mapa à partilha e, consequentemente, declarando-se extinta a presente instância” (sic, sublinhado nosso).

Importa deter-nos, em especial, na análise da alínea i) do art. 729.º do CPC, de acordo com a qual a oposição à execução de sentença pode ter por fundamento, [t]ratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.

A respeito deste preceito legal, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2023, 2.ª edição, p. 89, anotam: “Quando se executa sentença homologatória de confissão ou transacção, constituem fundamento de embargos as causas de nulidade ou de anulabilidade, sem prejuízo da instauração de ação, nos termos do art. 291.º, n.º 2, ou de recurso extraordinário de revisão (art. 696.º, al. d))”.

Lebre de Freitas, Armindo Mendes e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, pp. 465/466, por seu turno, ao anotarem o normativo constante do art. 729.º, al. i), do CPC, discorrem:

“Na execução de sentença homologatória de confissão ou transação, pode, além dos fundamentos indicados nas alíneas a) a g), invocar-se quaisquer causas que, segundo a lei civil, determinem a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico homologado (simulação, dolo, erro, inidoneidade do objeto, incapacidade, etc.).

Estando em causa sentença homologatória de transação, a exigência de que o facto (extintivo, modificativo ou impeditivo) seja posterior ao encerramento da discussão ni processo de declaração, a que se refere a alínea g), tem de entender-se no sentido de a posterioridade do facto se reportar ao momento da efetivação da transação (…).

Os atos de autocomposição do litígio, sejam eles praticados no processo ou extraprocessualmente (diferentemente, neste caso, quando não haja homologação, constituindo puro título executivo negocial enquanto não sobrevem eventual homologação: Lebre de Freitas, A Ação executiva cit., n.º 3 (31-a)), constituem negócios jurídicos (…), como tais sujeitos ao respetivo regime geral (art. 291.º-1), sem que o trânsito em julgado da sentença que os homologue obste à propositura da ação de declaração de nulidade ou de anulação (art. 291.º-2), e esta pode surgir sob a forma de oposição à execução.

Nos casos de anulabilidade, nunca terá ocasião de se verificar a caducidade de um ano estabelecida no art. 287.º-1 CC. Esta caducidade pressupõe o cumprimento do negócio e, enquanto este não ocorrer, a causa de anulabilidade é invocável a todo o tempo (art. 287.º-2 CC). Quando se trata de executar a sentença homologatória do negócio jurídico, este não está, obviamente, cumprido.

Também o recurso de revisão se pode fundar na nulidade ou anulabilidade da confissão ou transacção (e também da desistência) em que a decisão se haja fundado (art. 696.º-d)”.

O art. 291.º, n.º 2, do CPC dispõe: “O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação”.

Por sua vez, o art. 696.º, al. d), do CPC, preceitua: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou”.

Nas palavras enfáticas do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01-10-2007, Proc. n.º 0752625: “Os embargos de executado podem constituir a acção destinada à declaração da nulidade da transacção judicial, não obstante a homologação da mesma”.

Regressando ao caso em apreciação é isento de dúvidas que, à luz dos fundamentos de oposição baseada em sentença, é legalmente possível suscitar a nulidade ou anulabilidade da sentença homologatória de transacção, designadamente se a mesma tiver sido celebrada no âmbito de processo de inventário, em sede de embargos de executado, desde que a nulidade ou anulabilidade se reporte a vícios intrínsecos do acto ou do próprio título executivo – e não a questões que deveriam ter sido discutidas no processo de inventário e cobertas pelo caso julgado – sendo esse o significado da expressão “qualquer causa de nulidade ou anulabilidade” contida na alínea i) do art. 729.º do CPC.

Ou seja, se a nulidade ou anulabilidade respeitar a um vício que afecta a validade substancial da transacção ou a própria exequibilidade do título, pode ser invocada em sede de embargos de executado; já as questões que foram efectivamente decididas no processo de inventário ou que dele faziam parte e não foram atempadamente impugnadas através dos meios próprios – como recurso da sentença homologatória – não podem, em regra, ser reabertas em sede de embargos de executado, devido ao efeito do caso julgado.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-07-2009, Proc. n.º 5870/06.6TBVFX-A.L1-7: “A transacção constitui uma das múltiplas formas mediante as quais as partes podem pôr termo ao litígio ou, como ocorre no processo de inventário, mediante as quais os interessados pode obter a regulação dos seus interesses. Nos termos do art. 1248.º do CC, a transacção é um contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”.[3]

Os vícios que afectam o conteúdo material da transacção (o negócio jurídico subjacente) podem, por conseguinte, ser arguidos como fundamento dos embargos de executado.

Nesta situação, os embargos de executado funcionam, verdadeiramente, como a acção judicial destinada a obter a anulação ou declaração de nulidade da transacção judicial, sem necessidade de ser intentada uma acção autónoma para esse efeito.

Como tal, a incapacidade de facto – ou a incapacidade acidental, se a pessoa não tinha consciência do acto que praticava no momento da transacção (cf. art. 257.º do Código Civil) – enquanto vício da vontade que gera a anulabilidade do negócio jurídico, pode ser invocada em sede de embargos.

Por conseguinte o trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de partilha não é obstativo da propositura da acção de declaração de nulidade ou de anulação e e esta pode surgir sob a forma de oposição à execução, sendo de salientar que, nos casos de anulabilidade, nunca terá ocasião de se verificar a caducidade de um ano estabelecida no art. 287.º, n.º 1, do Código Civil, dado que essa caducidade pressupõe o cumprimento do negócio e, enquanto este não ocorrer, a causa de anulabilidade é invocável a todo o tempo – art. 287.º, n.º 2, do Código Civil –, não estando o negócio jurídico cumprido quando se trata de executar a sentença homologatória do mesmo (cf., Lebre de Freitas e outros, op. cit., p. 466).

Acresce que é possível apresentar embargos de executado relativamente a uma sentença homologatória de acordo de partilha, com base em qualquer causa de nulidade ou anulabilidade da própria sentença ou do acordo de partilha subjacente, desde que tais vícios não tenham sido objecto de discussão e decisão no processo de inventário, situação que, salvo o devido respeito pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 07-10-2024, processo n.º 816/23.0T8MAI-B.P1, citado na decisão recorrida[4], não se confunde com a situações versadas nos arts. 1126.º e 1127.º do CPC, referentes à emenda e anulação da partilha, respectivamente.

Nesta conformidade,  sendo  verdade que os embargos não são o meio processual adequado para requerer a “emenda da partilha” – rectificação de erros materiais, lapsos ou omissões – ou a “anulação da partilha”, que tem trâmites próprios no processo de inventário, já o serão, em nosso entendimento, com vista a arguir vícios da vontade que inquinem a transacção e a partilha subsequente a essa transacção homologadas por sentença.

Aqui chegados é ostensivo que a sentença omitiu, indevidamente, a enumeração dos factos não provados e, como tal, não poderá subsistir.

Tal como escrevemos no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-07-2025, Proc. n.º 3173/19.5T8CBR.C1: “O art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República preceitua que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O carácter garantístico do dever de fundamentação e argumentação das sentenças erige-se como um factor decisivo da legitimação do poder judicial, conferindo transparência à administração da justiça, e nasce como uma decorrência natural dos princípios da separação de poderes e da legalidade.

Na senda do comando constitucional, o art. 154.º, n.º 1, do CPC, prescreve o dever geral de fundamentação – “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” –, que concretiza, quanto à sentença, no art. 607.º, n.ºs 3 e 4.

A sentença decompõe-se em três segmentos fundamentais: (1) o relatório – que contém a identificação das partes, do objecto do litígio e enunciação das questões jurídicas a solucionar; (2) a fundamentação – de facto e de direito; e (3) a decisão final – determinação dos efeitos jurídicos da causa, declarando a procedência, total ou parcial, das pretensões deduzidas ou a sua improcedência.

No que tange à fundamentação da sentença o juiz começa por julgar de facto, proferindo decisão a “discriminar os factos provados” e a “declarar quais os factos que julga provados e quais os factos que julga não provados” – n.ºs 3 e 4 do art. 607.º do CPC –, para tal “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, “extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” e apreciando “livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” – n.ºs 4 e 5 do art. 607.º do CPC.

Discriminados os factos provados (e não provados), o juiz julga de direito, devendo “indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” – segunda parte do n.º 3 do artigo 607.º do CPC.

Nessa consonância, a par da fundamentação de facto, o juiz fundamenta de direito, procedendo, então, ao enquadramento normativo da factualidade dada por provada, na perspectiva da pretensão do autor e da defesa do réu, não estando adstrito às alegações das partes em matéria de direito – art. 5.º, n.º 3 do CPC [Na análise jurídica do pleito o juiz indica, interpreta e aplica as normas jurídicas relevantes aos factos apurados, devendo conhecer de todas as questões, processuais e de mérito, com relevo na apreciação da causa – art. 608.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, evitando incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, mas coibindo-se de ir para lá das questões decidendas, de modo a não cair em nulidade por excesso de pronúncia – cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

A fundamentação, segmento essencial em qualquer decisão judicial, mormente na sentença, serve, basicamente, dois propósitos: por um lado, destina-se ao convencimento do destinatário, assegurando, à parte vencida, o exercício pleno do direito ao recurso; por outro lado, facilita aos tribunais superiores a reapreciação do litígio, através da revelação dos motivos subjacentes à decisão [ Luís Miguel Simão Caldas, A Sentença Cível e o Estado de Direito – Tempestividade e necessidade de uma decisão fundamentada, Revista Julgar n.º 42, 2020, p. 225; cf., ainda, Luís Correia de Mendonça e José Mouraz Lopes, Julgar: contributo para uma análise estrutural da sentença civil e penal; a legitimação pela decisão, Revista do CEJ, n.º 1, 2.º semestre de 2004, pp. 191-239, cf. p. 207”.

A fundamentação de facto das decisões judiciais deve ser expressa, clara, coerente e suficiente; porém, salvo o devido respeito, o tribunal recorrido não realizou, de todo, a análise crítica e fundamentada da matéria de facto controvertida nos termos legalmente impostos e que antes se sublinharam, prescritos no art. 607.º do CPC.

Reitera-se que decorre do disposto nos arts. 205.º, n. 1, da CRP e dos arts. 154.º e 607.º, nºs 3 e 4 do CPC, a imposição de um dever ao Magistrado Judicial de especificar os fundamentos de facto e de direito das decisões que profere.

Em cumprimento do dever de assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo, previsto no art. 20.º da CRP, exige-se não só a indicação dos factos provados, como dos não provados, e, ainda, a indicação do processo lógico e racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme o disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC.

E, nessa senda, o facto de a decisão em apreço não conter a descrição dos factos não provados redunda numa omissão de indicação dos factos não provados que determina a nulidade da sentença recorrida, por se integrar nos fundamentos de nulidade previstos no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC – cf., no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-03-2025, Proc. n.º 3214/19.6T8CSC.L1-8

A consequência do acima exposto implica, por um lado, a anulação da decisão proferida em 1.ª instância e a ampliação da decisão sobre matéria de facto – art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC – e determina a reformulação integral da motivação, de modo a que passe a conter a análise crítica e a indicação discriminada dos meios de prova relativamente a cada facto ou conjunto de factos que o tribunal a quo venha a considerar provados e não provados - art. 662.º, n.º 2., al. d) do CPC (em sentido análogo, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-10-2025, Proc. n.º 23147/23.0T8LSB.L1-7)

Por conseguinte, em consequência da declaração de nulidade, as demais questões suscitadas pelo recorrente ficam prejudicadas, nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, e as custas do recurso ficarão a cargo da parte a final vencida.

Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…).

Decisão 

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de esta suprir as nulidades apontadas, designadamente, devendo, após produzidas as provas devidas, fixar e motivar a matéria de facto nos termos expostos e proferir nova sentença.

O pagamento das custas processuais compete a quem, a final, for responsável pelas mesmas – cf. arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do CPC.


Coimbra, 20 de Novembro de 2025

Luís Miguel Caldas

Francisco Costeira da Rocha

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Francisco Costeira da Rocha e Dr. Hugo Meireles.
[2] Todos os Acórdãos enumerados neste aresto estão acessíveis em htttp://www.dgsi.pt.
[3] Lê-se no sumário deste aresto: “Nada obsta a que seja judicialmente homologada transacção efectuada pelos interessados em processo de inventário”.
[4] Consta do sumário desse Acórdão: “A sentença homologatória de partilha, além de ser discernível de uma sentença homologatória de transação, está sujeita a um regime de impugnação/anulação próprio, que é o previsto no art. 1127.º do CPC, não se subsumindo por isso ao fundamento de embargos previsto sob a alínea i) do art. 729.º do CPC”